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domingo, 20 de novembro de 2011

A quem interessa o modelo ‘agropolítico’ do MST? - Paulo Roberto de Almeida (2004)

O trabalho abaixo, “A quem interessa o modelo ‘agropolítico’ do MST?”, coi elaborado em Belo Horizonte, em 15 de julho de 2004, e comentava um artigo-palestra do Sr. João Pedro Stedile, do MST, chamado “A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio”. 
Ele tinha apenas circulado numa lista de Relações internacionais, mas permaneceu inédito de outra forma. Acredito que seus argumentos ainda conservam validade, tanto do lado anacrônico do MST, quanto de minha parte. 
 Primeiro transcrevo o artigo original do Sr. João Pedro Stedile, em seguida acrescento meus comentários.
Paulo Roberto de Almeida 

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Brasil: A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio
por João Pedro Stedile [*]

A imprensa endeusa o agronegócio, sem destacar que ele proporciona apenas 500.000 empregos

Desde que o governo Lula assumiu o mandato, estranhamente a imprensa brasileira, de forma unânime, tem se dedicado cotidianamente a pregar loas ao sucesso do agronegócio.

Por que essa campanha unificada, permanente, logo agora? Uma das explicações pode ser a influência crescente dos neoliberais no governo Lula, representados pelos ministérios da Agricultura, ou melhor, da exportação agrícola, da Indústria e Sadia, e da área econômica. Outra explicação pode ser a tentativa de impedir que o governo se anime a fazer uma reforma agrária massiva. E, assim, pregam que o único caminho para resolver os problemas da pobreza e da falta de emprego no campo seria o modelo do agronegócio.

Ora, a pobreza, o desemprego e a desigualdade social que existem no meio rural brasileiro são justamente frutos de quinhentos anos de um modelo agrícola que privilegia as exportações, desde que por aqui chegaram os europeus... e seus interesses.

20 MILHÕES SEM SAPATOS
A imprensa brasileira, monopolizada por sete grupos e claramente vinculada aos interesses de classe dos grandes proprietários e das empresas transnacionais exportadoras de matérias-primas, faz o seu papel de propaganda. Mostra todos os dias máquinas agrícolas novinhas, navios carregados e índices de exportação agrícola, como se isso fosse sinônimo de soluções econômicas e sociais. E esconde que no meio rural brasileiro temos 30 milhões que vivem em condições de pobreza absoluta, que 20 milhões nunca calçaram um par de sapatos, que 50 milhões de brasileiros passam fome todos os dias. Que 30 milhões de pessoas já não têm sequer seus dentes. Esquece de mostrar que apenas 8 por cento da população chega à universidade, e que, no Nordeste brasileiro, 60 por cento da população do meio rural é ainda analfabeta.

Esquece de dizer que no país de maior fronteira agrícola do mundo existem 4,5 milhões de famílias de trabalhadores sem terra!

Quais desses problemas o modelo do agronegócio resolve? Nenhum. Ao contrário, é justamente esse modelo agrícola que gerou tanta desigualdade, pobreza e desemprego.

Porque o modelo agrícola do agronegócio é organizado para produzir dólares, e produtos que interessam aos europeus, aos asiáticos, não aos brasileiros. E por isso não produz comida, empregos e justiça social. O agronegócio concentra. Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.

Mas queria aproveitar a paciência de vocês para mostrar que, mesmo do ponto de vista da lógica do capitalismo nacional, o modelo do agronegócio é irracional, ou burro, se quiserem. Ou seja, esse modelo só interessa ao capital internacional, e nem sequer ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

Vamos aos dados estatísticos, resultados desse modelo agrícola cantado em prosa e verso.

O Brasil tem aproximadamente 350 milhões de hectares agricultáveis, que poderiam ser dedicados à lavoura. Mas, graças à concentração da propriedade da terra, cultivamos 50 milhões de hectares, apenas 14 por cento do que deveríamos cultivar. E essa área cultivada permanece estável desde 1985.

As fazendas modernas do agronegócio ocupam 75 por cento dessa área cultivada, as melhores terras, para produzir apenas soja, algodão, cacau, laranja, café, cana-de-açúcar e eucalipto. E que interessam ao mercado externo. Imaginem se o povo brasileiro tivesse
de colocar na mesa apenas esses produtos!

E existe outra parcela de estabelecimentos agrícolas, que fazem parte desse modelo, piores ainda, pois se dedicam apenas à pecuária extensiva ou a especular com a renda da terra. Segundo dados do INCRA, baseados em declarações dos proprietários, existem no Brasil 54.761 imóveis rurais classificados como “grandes propriedades improdutivas”, portanto desapropriáveis, que somam nada menos que 120 milhões de hectares (uma Europa inteira parada...).

A FALÁCIA DA MODERNIDADE
O Plano Nacional de Reforma Agrária aplicou a conceituação da Lei Agrária e dividiu todas as propriedades existentes entre pequenas (até 200 hectares, em média), médias (de 200 a 2.000 hectares) e grandes propriedades (acima de 2.000 hectares). E depois analisou o comportamento dos fatores de produção em relação a cada setor.

Em relação ao emprego, a pequena propriedade dá trabalho para 14 milhões de pessoas, a média para 1,8 milhão e a grande propriedade do agronegócio para apenas 500.000.

A famosa modernidade capitalista é uma falácia, 63 por cento de toda a frota de tratores brasileiros é usado por propriedades com menos de 200 hectares. E as propriedades acima de 1.000 hectares possuem apenas 36 por cento dos tratores. Ou seja, a tal grande propriedade “moderna” não consegue nem ativar a indústria nacional de tratores. Por essa razão é que faz vinte anos que a demanda de tratores não aumenta. A indústria está vendendo em torno de 50.000 tratores por ano, enquanto no início da década de 80 chegou a vender 65.000.

Mas na hora de utilizar o crédito rural, dos bancos oficiais, com recursos públicos e taxas de juros diferenciadas, pode-se ver também os diferentes interesses. Na última safra (2003/04), a pequena
propriedade teve acesso a 3 bilhões de reais, e a média e grande propriedade utilizaram 24 bilhões de reais do Banco do Brasil. E, o que é pior, apenas dez empresas transnacionais ligadas ao agronegócio pegaram no Banco do Brasil 4 bilhões de dinheiro público, brasileiro. Dez empresas transnacionais acessaram mais crédito do que todos os 4 milhões de famílias de pequenos agricultores. E ainda tem gente que acredita que as empresas transnacionais vêm aqui aplicar
capital estrangeiro. Ao contrário, elas vêm acessar a nossa poupança nacional. Estamos financiando essas empresas estrangeiras, e a imprensa bate palmas!

Em termos dos resultados da produção, segundo o IBGE, a grande propriedade representa apenas 13,6 por cento de toda a produção, 29,6 por cento a média propriedade e 56,6 por cento de toda produção agropecuária nacional vem da agricultura familiar. E, por ramos de produção, é ainda mais claro a que interesses cada segmento defende. Mesmo na produção animal, a pequena propriedade representa 60 por cento de toda a produção, em função da produção de leite, de suínos e aves.

No quesito assalariados rurais, que é o símbolo do capitalismo, a média propriedade dá emprego para 1 milhão de pessoas, a grande propriedade para apenas 500.000. E, mesmo sendo familiar, a pequena propriedade dá emprego, além de aos seus familiares,
para quase 1 milhão de assalariados rurais.

DESVIO VEM DA COLÔNIA
O Brasil vem sendo vítima dessa política de estímulo às exportações agrícolas desde o colonialismo. E todos sabem que esse modelo não desenvolveu nenhum país. Mesmo em termos de exportação, o país ganha quando exporta mercadorias, de origem industrial, com alto valor agregado. É por isso que a Embraer sozinha, com suas exportações de avião, representa a metade do valor de toda a exportação de soja! Ninguém se desenvolve exportando matérias-primas. E no caso brasileiro é ainda pior, pois quem está ganhando dinheiro com as exportações agrícolas são as transnacionais, como a Monsanto, a Cargill, a Bunge, a ADM, que controlam o comércio agrícola mundial. Elas têm um lucro médio de 28 por cento sobre o valor exportado, sem produzir um grão sequer.

Se o Brasil quiser resolver os problemas de emprego, pobreza no meio rural e desigualdade social, certamente não será pelo caminho do agronegócio. Será pela reforma agrária, que é a democratização da propriedade da terra. Pela organização da produção agrícola através da agricultura familiar, e orientando a produção para alimentos destinados ao mercado interno, para o povo. Se todo o povo brasileiro  tivesse renda para se alimentar direito, haveria uma demanda nacional infinitamente superior ao que hoje é exportado. A solução é dar condições para o povo comprar comida.

Se a política não mudar, seguiremos tendo uma minoria ganhando muitos dólares, a pobreza aumentando, e o governo fazendo discurso para dizer que vai aumentar a bolsa-família para atender os famintos, que continuarão aumentando.

Até que, um dia, o acúmulo dessas contradições gere uma nova e verdadeira política.

[*] Dirigente do MST e da Via Campesina Brasil.

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Agora meus comentários
Paulo Roberto de Almeida


A quem interessa o modelo ‘agropolítico’ do MST?

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org) 
O Sr. Stedile tropeça na aritmética e fica reprovado em economia!

            A sociedade brasileira tem uma espécie de remorso psicológico, ou consciência culpada, em relação aos assuntos da terra. Este é o resultado de quatro séculos de latifúndio, de escravidão e de várias décadas de preservação de um modelo agrário excludente, baseado numa reforma agrária às avessas, que foi a Lei de Terras de 1850, responsável pelo monopólio do acesso à terra nas mãos de grandes proprietários. Essa realidade foi, infelizmente, mantida ainda durante a primeira metade do século XX, e vem sendo, felizmente, desmontada ao longo das últimas décadas de desenvolvimento agrário capitalista, ainda que alguns, com remorso político pela ausência de uma revolução bolchevique no Brasil, condenem essa evolução, pois que ela lhes retira os motivos de luta e até mesmo de existência.
            Apenas essa dupla característica – o remorso da sociedade, de um lado, e o ativismo de alguns poucos órfãos de uma revolução política que não ocorreu, de outro – explica porque certos atos e dizeres do MST conseguem ter tanta audiência em nossos meio de comunicação. Com efeito, não se passa uma semana, ou talvez mesmo um único dia, sem que eventos, declarações e ações do MST sejam transpostos nos meios de comunicação. A atualidade política brasileira é, de fato, em grande medida dominada pelo MST, uma total inversão de sua real importância na economia ou na política do Brasil. Pretendo sustentar minha posição mediante uma análise tópica e geral de um artigo-palestra do líder do MST, João Pedro Stedile, intitulado “A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio” (disponível no site do MST).
            Ele inicia suas declarações estranhando que desde o início do governo Lula a imprensa venha incensando o agronegócio, numa demonstração explícita de que gostaria de determinar o que os meios de comunicação podem ou não publicar. O Sr. Stedile não consegue admitir que essas notícias têm por base o real sucesso do agronegócio na conquista de mercados externos, na obtenção de recorde sobre recorde em termos de desempenho produtivo e de performance exportadora, sendo responsável por níveis historicamente altos de superávit comercial. O agronegócio brasileiro é hoje propriamente imbatível em termos de competitividade mundial, assustando produtores em outros países, a começar pelos subvencionistas europeus e americanos, que nem à custa de subvenções maciças à produção e exportação conseguem vencer os altos níveis de produtividade agrícola do Brasil. Se isto não é notícia, o que seria?: as invasões de terras produtivas pelas tropas do MST? Isso também é notícia, embora por motivos menos desejáveis do que o sucesso do agronegócio.
            O Sr. Stedile acha que uma das razões dessa orientação da imprensa seja devida à “influência crescente dos neoliberais no governo Lula, representados pelos ministérios da Agricultura, ou melhor, da exportação agrícola, da Indústria e Sadia, e da área econômica”. Se há influência crescente dessa corrente deve ser porque ela está fazendo sucesso no comando de certas áreas políticas, à diferença de outras, que primam pela ineficência e pela má gestão. Ele também denota uma prevenção de princípio contra as exportações agrícolas, postura que vinda de um economista – parece que o Sr. Stedile é economista formado, embora seja legítimo desconfiar desse título, tantos são os despautérios econômicos presentes em seus argumentos – trata-se não apenas de uma irracionalidade econômica e uma inconseqüência lógica, mas de grave desvio de formação, já que exportações agrícolas são tão boas quanto quaisquer outras, de fato tão normais, em economia, quanto qualquer outra etapa do processo produtivo ou distributivo: elas produzem renda e riqueza como quaisquer outras atividades econômicas e são suscetíveis de contribuir para o bem estar do povo.
            O Sr. Stedile acredita que “a pobreza, o desemprego e a desigualdade social que existem no meio rural brasileiro são justamente frutos de quinhentos anos de um modelo agrícola que privilegia as exportações, desde que por aqui chegaram os europeus... e seus interesses.” A ouvi-lo falar poderiamos supor que o Sr. Stedile seja descendente de algum índio botocudo, de algum tupinambá de boa cepa, ou então de alguma tribo remota dos nambiquaras, e não o neto, ou filho, de imigrantes europeus, que aqui desembarcaram para lutar por seus interesses, e os de seus filhos e netos. O Brasil é de fato o resultado de uma formação européia constituída em torno de exportações agrícolas, e nisso não vai nenhum desdouro para o nosso país. A nação, por sua vez, foi constituída por todos esses elementos étnicos, portugueses, índios, negros e, depois, europeus de todas as origens, levantinos, orientais, e todas as suas misturas, que aqui se dedicaram à lavoura, ao comércio, à indústria, enfim a toda e qualquer atividade aberta ao engenho e arte de todos esses povos. O país se industrializou ao longo do último século, à diferença dos quatro séculos anteriores de produção agroexportadora, mas isso não elimina, e seria estranho se o fizesse, nossa característica básica que é a de ser uma formidável máquina de produção e exportação agropecuária. Não reconhecer essa evidência é uma inacreditável demonstração de cegueira econômica.
            O Sr. Stedile desfia em seguida uma série de tragédias da estrutura social brasileira, estimando que a imprensa esconde esses fatos: ela “esconde que no meio rural brasileiro temos 30 milhões que vivem em condições de pobreza absoluta, que 20 milhões nunca calçaram um par de sapatos, que 50 milhões de brasileiros passam fome todos os dias. Que 30 milhões de pessoas já não têm sequer seus dentes. Esquece de mostrar que apenas 8 por cento da população chega à universidade, e que, no Nordeste brasileiro, 60 por cento da população do meio rural é ainda analfabeta. Esquece de dizer que no país de maior fronteira agrícola do mundo existem 4,5 milhões de famílias de trabalhadores sem terra!”
            O Sr. Stedile acredita que o agronegócio é responsável por esse quadro por certo abominável: “Quais desses problemas o modelo do agronegócio resolve? Nenhum. Ao contrário, é justamente esse modelo agrícola que gerou tanta desigualdade, pobreza e desemprego.” A relação de causa a efeito é propriamente estarrecedora: não se vê como e em que condições o agronegócio seria responsável por esses números e essa situação.
            Os historiadores econômicos, para provar a validade de alguma explicação causal, costumam utilizar-se do que se chama, em inglês, counterfactuals, isto é, considerar o desenvolvimento de algum processo evolutivo sem a intervenção de uma variável selecionada (a ausência hipotética de estradas de ferro na conquista do Oeste americano, por exemplo). Consideremos, portanto, a ausência do agronegócio e imaginemos se algum dos problemas identificados pelo Sr. Stedile estaria solucionado, ou não teria existido, sem a variável em questão. Alguém, em sã consciência, acredita que o Brasil seria um exemplo de desenvolvimento, de progresso econômico e de justiça social a partir da inexistência do agronegócio? Qual economista ou historiador endossaria um absurdo dessa magnitude?
O Sr. Stedile deveria ler um pouco mais os manuais de economia e os livros de história, uma vez que ele manifestamente não demonstra deter conhecimento mínimo sobre como o Brasil se desenvolveu, desde a colonização até o presente. É, por outro lado, estarrecedor constatar, como afirmações absurdas desse tipo não são contestadas por jornalistas, colunistas da imprensa ou mesmo simples estudantes universitários. Suas afirmações ofendem grosseiramente a inteligência de leitores medianamente informados sobre a história e a economia do Brasil.
            Mas esse tipo de afirmação é condizente com o raciocínio econômico surrealista do Sr. Stedile. Senão vejamos. Ele afirma, por exemplo, que “o modelo agrícola do agronegócio é organizado para produzir dólares, e produtos que interessam aos europeus, aos asiáticos, não aos brasileiros. E por isso não produz comida, empregos e justiça social. O agronegócio concentra. Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.”
            Para um pretenso economista, se ele fosse meu aluno, certamente teria tirado nota zero, sem possibilidade de recuperação. Não apenas o agronegócio está organizado para produzir dólares, mas também a indústria, os serviços, a música nacional, o turismo ou qualquer outra atividade que configure uma situação de “tradable”, isto é, suscetível de ser vendida ao exterior, inclusive a inteligência nacional (em matéria de software, por exemplo), mas não certamente a do Sr. Stedile. Bons produtos interessam brasileiros, argentinos, chineses, esquimós, bushimanes, tuaregues, enfim tutti quanti forem capazes de adquirí-los numa legítima transação comercial. Esses produtos trazem ao país não apenas dólares, mas também euros, ienes ou qualquer outra moeda utilizada nessas transações, mas isso parece incomodar o Sr. Stédile, que ostenta, como vimos, uma prevenção de princípio contra as exportações, contra quaisquer exportações, é verdade, mas especialmente as do agronegócio.
            Pretender, por outro lado, que “isso não produz comida, empregos e justiça social”, como o faz o Sr. Stedile, é desconhecer princípios básicos de economia, o que certamente serviria para dar mais um zero redondo ao “economista” em questão. Ele acha que o agronegócio “Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.” Quanta ignorância: as riquezas que vão para fora, voltam, justamente, sob a forma de pagamentos de contrapartida, ou seja, renda e riqueza para os produtores nacionais, que por sua vez têm de distribuí-las para todos aqueles que participaram do agronegócio em questão: tratoristas, agrônomos, transportadores, vendedores de sementes, comerciantes e também, obviamente, trabalhadores agrícolas engajados no negócio agroexportador.
            Mas as demonstrações de ignorância econômica não param por aí. O Sr. Stedile pretende demonstrar que “mesmo do ponto de vista da lógica do capitalismo nacional, o modelo do agronegócio é irracional, ou burro, se quiserem. Ou seja, esse modelo só interessa ao capital internacional, e nem sequer ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro.” Já constatamos que a lógica não é o forte do Sr. Stedile.
            Vejamos como ele pretende fazer essa demonstração. O Sr. Stedile reconhece, candidadamente, que “as fazendas modernas do agronegócio ocupam 75 por cento da área cultivada, as melhores terras, para produzir apenas soja, algodão, cacau, laranja, café, cana-de-açúcar e eucalipto. E que interessam ao mercado externo. Imaginem se o povo brasileiro tivesse de colocar na mesa apenas esses produtos!”
            A ignorância é tão grande que o Sr. Stedile não se dá conta que o povo brasileiro coloca todos esses produtos na sua mesa todas as horas e todos os dias, não apenas na forma direta ou processada desses produtos agrícolas, mas na forma indireta de renda da agricultura, da indústria de processamento, das atividades do agrocomércio (exportação, entre outras) e de toda e qualquer outra atividade ligada, de perto ou de longe, à produção agropecuária. Apenas uma pessoa visceralmente contrária ao agronegócio e a toda e qualquer exportação agrícola, como o Sr. Stedile, acredita que commodities agrícolas, mesmo as não diretamente comestíveis, são contrárias aos interesses do povo brasileiro. Tamanha ignorância econômica nos faz pensar como foi mesmo possível ao Sr. Stedile obter o seu diploma de economista. Deve ter sido distração ou leniência dos professores.
            Mais uma demonstração, não apenas de ignorância econômica, mas de simples surrealismo matemático: “Em relação ao emprego, a pequena propriedade dá trabalho para 14 milhões de pessoas, a média para 1,8 milhão e a grande propriedade do agronegócio para apenas 500.000.” Se o Sr. Stedile se desse ao trabalho de pesquisar os dados da indústria, ou do comércio, ele teria descoberto que, também nesses setores, as pequenas e médias empresas são as que empregam mais. Por uma simples razão de ordem matemática: elas são em maior número e, portanto, a soma de todas elas resulta num emprego global bem superior àquele provisto por grandes empresas, agrícolas, industriais ou comerciais. Zero para o Sr. Stedile em aritmética também.
            Outro absurdo: “A famosa modernidade capitalista é uma falácia: 63 por cento de toda a frota de tratores brasileiros é usado por propriedades com menos de 200 hectares. E as propriedades acima de 1.000 hectares possuem apenas 36 por cento dos tratores.” Além do já mencionado surrealismo matemático, evidenciado acima, o Sr. Stedile fez um curso de economia sem nunca ter ouvido falar de economias de escala. Duplo zero.
            Acho que não preciso mais insistir com exemplos de miopia econômica e de total desconhecimento das regras elementares da aritmética. Vejamos em constraste sua genial reinterpretação do processo histórico: “O Brasil vem sendo vítima dessa política de estímulo às exportações agrícolas desde o colonialismo. E todos sabem que esse modelo não desenvolveu nenhum país. Mesmo em termos de exportação, o país ganha quando exporta mercadorias, de origem industrial, com alto valor agregado. É por isso que a Embraer sozinha, com suas exportações de avião, representa a metade do valor de toda a exportação de soja! Ninguém se desenvolve exportando matérias-primas.”
            O Sr. Stedile não deve ter ouvido falar que países desenvolvidos como os Estados Unidos, a Austrália, a Dinamarca, o Canadá e muitos outros exportam, sim, e muito, os mais diversos tipos de matérias primas, como aliás faz o Brasil. Eles também transformam suas matérias primas, como aliás está fazendo o Brasil. O Sr. Stedile deveria ler mais livros de história, ou mesmo jornais e revistas de atualidade. Ele ostenta, sem nenhum pudor, uma ignorância verdadeiramente enciclopédica, que abrange vários temas e assuntos os mais diversos. Nova nota zero, desta vez em conhecimentos gerais.
            Agora sua solução para os problemas brasileiros: “Se o Brasil quiser resolver os problemas de emprego, pobreza no meio rural e desigualdade social, certamente não será pelo caminho do agronegócio. Será pela reforma agrária, que é a democratização da propriedade da terra. Pela organização da produção agrícola através da agricultura familiar, e orientando a produção para alimentos destinados ao mercado interno, para o povo.”
            Se o Brasil quiser resolver os problemas de emprego, pobreza no meio rural e desigualdade social, certamente não será pelo caminho indicado pelo Sr. Stedile. Pela simples razão de que, se o agronegócio não pode, sozinho, resolver todos esses problemas, sua eliminação da paisagem econômica nacional não conseguirá, tampouco, resolvê-los minimamente. O agronegócio, combinado ou não à agricultura familiar – o que já ocorre em diversos ramos – produz tanto para o mercado interno quanto para o externo; ele já é uma atividade democrática, pois que não discrimina setores, mercados, métodos produtivos, classes de consumidores, tipos de sementes (ao contrário do Sr. Stedile que parece acreditar que OGMs têm algum poder maléfico, desconhecido dos cientistas), enfim, trata-se de uma atividade econômica como outra qualquer, integrada ao panorama econômico brasileiro e plenamente inserida nos circuitos da globalização, sendo altamente produtiva e propriamente imbatível no confronto com outras economias nacionais. Ostentamos hoje essa condição, que só existe porque “economistas” como o Sr. Stedile nunca estiveram à frente de ministérios econômicos neste país. Pessoas como ele seriam capazes de, deliberadamente, dinamitar a economia nacional em menos de seis meses, com demonstrações explícitas de esquizofrênia econômica.
            No parágrafo agora transcrito, finalmente, tenho algo a concordar com o Sr. Stedile, pelo menos da metade adiante: “Se a política não mudar, seguiremos tendo uma minoria ganhando muitos dólares, a pobreza aumentando, e o governo fazendo discurso para dizer que vai aumentar a bolsa-família para atender os famintos, que continuarão aumentando.” Não creio que a política de apoio ao agronegócio produza pobreza, pois não há nenhuma evidência, repito, nenhuma evidência nesse sentido, salvo na cabeça de “economistas” desmiolados. Mas acredito, sim, que as práticas de assistência social do governo, deste ou de qualquer outro governo, são mais suscetíveis de criar um exército de assistidos do que, como seria desejável, pessoas aptas a disputar um emprego no mercado de trabalho. Preferiria, de minha parte, um esforço maciço em educação e formação profissional, em lugar de bolsas alimentares ou outras medidas paliativas. Mas reconheço a existência de problemas emergenciais que devem ser enfrentados pelo governo.
            Finalmente, o Sr. Stedile termina a sua palestra-artigo fazendo uma ameaça: “Até que, um dia, o acúmulo dessas contradições gere uma nova e verdadeira política.” O Sr. Stedile deve estar se referindo a um similar nacional da revolução bolchevique, que ele já se imagina liderando. Não se pode impedir as pessoas de terem ilusões e mesmo alucinações. O caso do Sr. Stedile sem enquadra previsivelmente num caso de ilusão política que o atual ministro da Fazenda já classificou como sendo uma manifestação da doença infantil do esquerdismo. Creio que se trata de carência ideológica, cujos sintomas se manifestam por meio desses arroubos explícitos de megalomania grandiloquente.
O Sr. Stedile ostenta graves falhas de formação, que provavelmente se originam ainda no curso primário. Não se poderia, de outra forma, explicar seus tropeços em cálculos aritméticos elementares. Ele parece deter algumas qualidades de orador e de ilusionista, dessas que se encontram nos mágicos dos circos de interior. Nao se pode crer, com efeito, que batendo de frente com a economia como ele faz a todo momento, ele reuna condições para vir a ser um líder político. Seus liderados só podem ser pessoas submetidas a lavagem cerebral, pois não se pode pensar que pessoas medianamente inteligentes possam aceitar sem pestanejar seus argumentos desprovidos de lógica e de qualquer fundamentação nos dados da realidade.
Na verdade, o Sr. Stedile representa um anacronismo total. Ele deveria ter nascido em outro lugar e em outro momento: em algum romance do realismo socialista, por exemplo. Em todo caso, ele parece estar singularmente deslocado no Brasil moderno, no Brasil do agronegócio e das práticas democráticas. Pessoalmente, acho que ele deveria trabalhar no cinema ou no teatro, uma profissão bem mais adaptada aos seus arroubos surrealistas, do que a modesta profissão de economista, para a qual ele demonstra uma total inaptidão. Resultado final do boletim: reprovado!

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Belo Horizonte, 15 de julho de 2004

O que o Brasil deu ao Mundo: algumas commodities que fizeram história - Paulo Roberto de Almeida (2004)

Como nos casos anteriores, este trabalho, de 11 de junho de 2004, permaneceu inédito. Vai agora divulgado, sem qualquer mudança.


O que o Brasil deu ao Mundo:
algumas commodities que fizeram história

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

Comentários a papers sobre açúcar, algodão, café e borracha, respectivamente:
1) Tamás Szmrecsányi: Brazilian Sugar Production: a system that has helped to change the world and to sustain an exclusive social structure;
2) Mary Ann Mahony: The Role of Brazilian Cacao in the Development of Industrial Cocoa and Chocolate;
3): How Brazil transformed the World Coffee Economy; e
4) Zephyr Frank: Before the Boom: The Brazilian Rubber Industry, 1870-1914.
apresentados no painel “How Brazil Changed the World”, da VI BRASA, Rio de Janeiro, 11 de junho de 2004.

Comentários gerais: 
O Brasil foi, no conjunto da América Latina, um dos países a mais e melhor explorar suas vantagens comparativas e seus recursos naturais e utilizá-los para o desenvolvimento de atividades econômicas rentáveis. De fato, esses quatro produtos que o Brasil deu ao mundo, embora de maneira não exclusiva mas sempre determinante em cada uma das épocas respectivas, são representativos de quanta riqueza pode ser acumulada a partir de vantagens comparativas ricardianas quase estáticas.
Só devemos lamentar que nenhum deles resultou em (ou provocou) inovações tecnológicas a partir do próprio Brasil, como tampouco eles sustentaram um processo de “socialização” da riqueza em favor dos trabalhadores. Ao contrário, todos eles permitiram acumular riquezas de forma concentrada, além de constituirem bases de poder político e econômico consideráveis.
Uma pergunta geral que eu gostaria de ver respondida em cada um desses trabalhos é em que medida esses produtos, tão generosamente ofertados pelo Brasil ao mundo, são responsáveis por parte considerável ou substantiva da concentração de renda, historicamente e ainda hoje. O paper que mais se aproxima dessa resposta é o dto Tamás, mas ele considera que a estrutura social da grande lavoura açucareira, ou sua “economia política”, não mudou substancialmente até hoje, e eu considero que a história do açúcar no  Nordeste deve ser contado de forma diferente da experiência recente do mesmo produto em São Paulo, onde sim ocorreu modernização e transformação.
Mas, o sucesso brasileiro, que sempre foi o de ganhos quae monopólicos, só foi possível enquanto outros continentes e outros países oportunamente concorrentes não se alçavam também na produção dessas commodities valorizadas. Uma vez que o fizeram, no café, no cacau, na borracha e no algodão, nossos ganhos “extorsivos” diminuiram bastante.
Os quatro papers são muito úteis e deveriam ser publicados conjuntamente, talvez com um estudo introdutório abrangente que mostrasse o papel, a posição, e a parte do Brasil nos mercados mundiais desses produtos, confrontado de um lado a relativa abundância dos nossos recursos primários (e os ganhos monopólicos associados) e, de outro e finalmente, o pouco gênio inventivo dos nossos empresários “extrativistas” e “rentistas”.
Não creio que se possa extrair dessas quatro “estórias” qualquer suporte material ou empírico para alguma “teoria do intercâmbio desigual”. O que elas mostram, na verdade, são histórias frustradas de oportunidades perdidas pelo Brasil (e suas elites cambiantes) para construir um centro de poder e riqueza no seu próprio território, que fosse permanente ou que servisse de base a outras atividades de maior valor agregado. Enquanto aquelas riquezas foram exploradas de maneira quase monopólica, elas geraram muitos fluxos de riqueza, muitos recursos,  que foram em parte investidos em mansões e novas propriedades, mas em geral expatriados, torrados nos cabarés parisienses e nos restaurantes europeus e construiram muito pouco no próprio Brasil, em todo caso nunca foram para as universidades e obras públicas, a exemplo dos “barões ladõres” da história do capitalismo triunfante nos Estados Unidos.
Em suma, tivemos “gigolôs” de commodities, não industrialistas inovadores. Mas esse é o próprio da história: ela distribui riquezas de forma desigual, mas sobretudo dota os homens de capacidades desiguais. As nossas idéias nunca foram tão brilhantes quanto as vantagens ricardianas de que desfrutamos de maneira inconsciente.
Continuamos a exportar todas essas “riquezas naturais”: apenas se espera que hoje isso possa ser feito com uma menor contribuição para a deterioração ainda maior dos níveis de desigualdade e de pobreza no Brasil.

Comentários específicos a cada um dos textos:
1) Tamás Szmrecsányi: Brazilian Sugar Production: a system that has helped to change the world and to sustain an exclusive social structure.
            O trabalho constitui uma excelente síntese histórica em torno desse grande complexo, agora velho de quase quinhentos anos, que representa o cultivo da cana e da produção do açúcar no sistema econômico brasileiro. Tamás conseguiu realizar em breves páginas um belo resumo sobre esse continuum histórico, do seu início até os dias de hoje, com forte ênfase nas interações entre as estruturas econômico-sociais envolvidas nesse complexo e suas implicações políticas, tecnológicas e até culturais.
            Concordo com a caracterização inicial (p. 1) sobre a “lasting importance of (Brazilian) sugar industry within the Brazilian economy and society”, inclusive agora mais do que nunca. Com efeito, os métodos de produção, por um lado, têm conhecido melhorias progressivas ao longo das últimas décadas, com a modernização sensível do agronegócio, sobretudo no estado de São Paulo, maior produtor e exportador de açúcar e álcool. O Brasil, por outro lado, promete continuar dominando esse negócio no plano mundial pelo futuro previsível, ainda que não ocupe todas as possibilidades .
            Mas tenho algumas dúvidas quanto à caracterização da “unchanged archaic nature” do setor açucareiro no Brasil. Talvez esse tipo de argumento seja válido para o Nordeste e algumas regiões marginais do Sudeste, mas não me parece mais aplicar-se ao setor canavieiro e sucro-alcooleiro de São Paulo, onde ocorreram, justamente, nas duas últimas décadas, os maiores progressos nos processos produtivos, na seleção de mudas e nas próprias relações de produção, com traços nitidamente capitalistas.
            O mesmo tipo de caracterização volta à página 6, onde lemos que “whereas most othr activities (that is, other economic product cycles and productive complexes) arrive to evolve through time, adapting their productive structures to changing circumstances and environments, sugarcane cultivation and industrial transformation remained largely immutable ever since the colonial period.”
            Esse quadro certamente permaneceu imutável em grande medida nos latifúndios do Nordeste e parcialmente constante no estado de São Paulo até meados do século XX, mas creio que desde a introdução do programa do álcool e, mais recentemente, como resultado das profundas transformações de natureza capitalista que afetaram todo o agronegócio do estado na década e meia de modernização forçada trazida pelo abandono das práticas ultra-protecionistas da era militar e da imediata redemocratização, o setor sucro-alcooleiro paulista (e sob seu impacto outras zonas do Sul-Sudeste) conheceu transformações substantivas, tanto no plano produtivo, como no terreno tecnológico, como no âmbito da comercialização externa.
            O Brasil, isto é, o açúcar e o álcool paulistas, tornou-se novamente imbatíveis no plano mundial, ganhando em produtividade e modernização de qualquer outra indústria comparável em qualquer outra parte do mundo. Se não houvesse o exacerbado protecionismo em vigor sobretudo nos Estados Unidos, na Europa, e um pouco em várias outras regiões também, o complexo sucro-alcooleiro do Brasil seria capaz de deslocar qualquer outra produção e de, virtualmente, abastecer o mundo, com algumas poucas limitações físicas e de recursos que poderiam ser também superadas em médio prazo.
            O acúcar brasileiro pode ser um “killer” absoluto nos mercados mundiais, e só não o é, ainda, devido ao proteciionismo acima mencionado. Por outro lado, o complexo energético representado pela biomassa associada a essa cultura e sobretudo o etanol também podem dominar os mercados mundiais se lhes forem dados espaços e condições de competir.
            Tudo isso não se fez com base nas velhas estruturas produtivas, e na preservação do latifúndio e do poder mandonístico do senhor de engenho, ainda que moderno capitalista. Não: esse fenômeno só se explica pelas revoluções produtivas, tecnológicas e até nas relações de produção que caracterizam hoje essa indústria em São Paulo. Não há praticamente subsídio nenhum nessa área, e os subsídios que ainda permanecem são residuais e ligados parcialmente à comercialização do álcool combustível. Permanecem subsídios indiretos, de natureza tributária, no Nordeste, mas ele deixou de ser parâmetro para medir esse complexo hoje em dia.
            Assim, se no Nordeste a caracterização de Peter Eisenberg, “modernization without change”,  talvez ainda seja válida, ela não o é para São Paulo nas últimas duas décadas. Ali ocorreu uma modernização com mudanças dramáticas no processo produtivo e na sua integração aos mercados nacionais e mundiais. E este último aspecto tem pouco a ver com o desaparecimento de Cuba dos mercados mundiais, e sim com a transformação interna do setor na própria economia paulista, que continua a dominar o açúcar brasileiro desde mais de um século. Bye, bye Nordeste, que só ficou na literatura e no folclore.
            No plano social e político, finalmente, é verdade que permanece o sistema da grande propriedade associada a indústrias modernas de açúcar, mesmo e talvez sobretudo em São Paulo. Mas não creio que esse aspecto configure, como anteriormente, qualquer fonte de poder monopólico, seja no plano econômico ou no político, um fonte de poder mais importante, em todo caso, do que outras culturas e atividades econômicas ligadas ao agronegócio. O agronegócio é uma potência, no Brasil, mas ele é uma potência pelo seu potencial de fazer dinheiro, atrair dinheiro, digerir novas tecnologias, integrar a produção com os circuitos comerciais internacionais, não pela velha dominação política sobre pessoas e partidos como no passado. Ele é hoje um poder transformador, do panorama econômico no interior e também do panorama social na nova paisagem rural do agronegócio. Junto com a soja e a carne, o complexo açúcar-álcool é hoje um dos mais modernos do Brasil.
            A miséria rural continua, certamente, em largas porções do território brasileiro, mas cada vez menos nas propriedades ou mesmo à margem do novo complexo do açúcar. Creio que a maldição do latifúndio e do amargo sabor do açúcar no Brasil, pelo menos em São Paulo, caminha para o desaparecimento.

2) Mary Ann Mahony: The Role of Brazilian Cacao in the Development of Industrial Cocoa and Chocolate.
            O trabalho me parece ter as dimensões de uma excelente história do cacao brasileiro no sistema mundial do chocolate industrial, mas as 14 páginas recebidas até a data do panel não me permitem fazer comentários extensivos. Gostaria de conhecer o resto do trabalho e sobretudo vou ler o livro da autora, The World Cacao Made, que me deixou com enorme apetite pela história do cacau e pela participação do Brasil nesse grande mercado mundial. O vício do chocolate é terrível…

3) Steven Topik, How Brazil transformed the World Coffee Economy
            A história de como o Brasil veio a dominar o mercado mundial do café está muito bem contada no paper de Topik, embora eu ainda tenha dúvidas se o Brazil de fato tornou-se um “price maker” e um “market shaper”. Ele o foi, mas talvez em dimensões mais modestas do que teríamos gostado e de fato aproveitado para um enriquecimento ainda maior das nossas elites e de todos aqueles associados à economia do café.
            O Brasil foi um “price maker” e um “market shaper”, mas não soube aproveitar essa condição para tornar-se um “major player” no mercado final, o de maior valor agregado e o que mais produz lucros e capacitação tecnológica. Sempre foi assim e embora essa realidade começa lentamente a mudar agora, ainda somos um “price maker” e um “market shaper”apenas numa das pontas do negócio, não a mais interessante, a mais lucrativa ou a de maior capacidade transformadora do sistema econômico e social do Brasil.
            Fomos um “price maker” e um “market shaper” mas a única coisa que faziamos era colocar o café seco em sacos de juta (muitos importados), com gravetos, pedras e folhas, e mandá-lo para o exterior, onde ele era (e é) transformado e vendido a preços exponencialmente superiores aos que obtemos com nossas sacas de café.
            Topik relata muito bem como essa dominação de um país sobre uma única mercadoria  é única na história do mundo. Nenhum outro país conseguiu dominar um mercado mundial tão bem e de forma tão extensiva como o Brasil com o seu café. Ele também indica uma das características principais desse negócio até uma fase ainda recente da história econômica do café no Brasil: “quantity and productivity were valued over quality” (p. 7). Assim foi durante duzentos anos pelo menos, e assim continuou até os anos 80, talvez.
            Mas, a nossa capacidade de ser um “price maker” e um “market shaper” sempre foi limitado por fatores diversos e algumas vezes alheios à capacidade política dos plantadores de café, os grandes senhores da política brasileira na era moderna, depois de quase 300 anos de dominação política dos plantadores de cana, dos traficantes de escravos, e dos juristas, negocistas e comerciantes baianos e cariocas.
            Na era áurea do café, quando o Brasil dominava 80% do mercado mundial havia a “ditadura dos comissários”, não do povo, mas da elite e dos médios plantadores de café. Os comissários foram parte da paisagem comercial, sem ser parte da paisagem produtora, e por isso estiveram em condições de capturar uma parte substancial do valor do negócio: eles eram, talvez, os “price makers” e os “market shapers” tentativos, pelo menos. Esses comissários, que ainda detinham uma parte do CIF até os anos 1930, parecem ter desaparecido depois, o que levou o CIF para as margens marítimas e portos da Europa e dos Estados Unidos. Seria interessante saber como isso aconteceu.
            Apreciei sobremaneira a explicação hirschmaniana sobre as limitações ao emprendedorismo brasileiro devido aos pequenos efeitos em cadeia da produção de café e o seu paradoxo de permitir por isso mesmo um grande desenvolvimento da burguesia do café, uma burguesia portanto rudimentar e muito pouco inovadora. De certa forma, essa burguesia foi uma espécie de “rentista” do café, vivendo de seus lucros e colocando muito pouca inovação no negócio, o que limitou ainda mais o papel do Brasil como “price maker” ou “market shaper”. Tenho a impressão que fomos “price makers” e “market shapers” um pouco como o Monsieur Jourdan de Molière fazia prosa, isto é, sem ter consciência disso e sem o desejar verdadeiramente. Fomos “price makers” e “market shapers” malgré nous mêmes!
            Em outros termos, se há algum ator nesta história, algum agente da razão hegeliana, ele parece ser o próprio café, e menos o Brasil ou sua elite pouco esclarecida. Essa elite talvez fosse mais vebleniana do que propriamente weberiana, como aliás sóe acontecer com várias outras elites na história da industrialização brasileira. Parece ser o triunfo involuntário de Veblen sobre Weber, o que nos deixa em má postura frente à história.
            De fato, infelizmente tivemos mais “fazendeiros selvagens” do que “capitalistas selvagens”, o que teria ajudado a empurrar nossa industrialização para a frente. Mas o fato é que, em plena era da segunda revolução industrial, na Europa e nos Estados Unidos, ainda estávamos fazendo nossa primeira revolução industrial, e a nossa “segunda” só começa quase meio século depois que ela tinha dado seus passos mais vigorosos na Europa e nos Estados Unidos.
            Creio que se deveria valorizar (uma expressão brasileira, turned into English) um pouco mais nesse estudo (e talvez em algum trabalho teórico subsequente), a intensidade com que os fazendeiros de café formam a primeira categoria consistente de “intervencionistas”na história econômica, antes do intervencionismo estratégico provocado pela Primeira Guerra Mundial, ou das receitas fascistas dos anos 1920, ou ainda do intervencionismo teórico de inspiração keynesiana.
            Teriam os fazendeiros brasileiros de café inventado uma modalidade moderna de colbertismo tropical?
            Por outro lado, não estou seguro de que o que Topik chama de “cartel” do café, consagrado na OIC do final dos anos 1950 e início de 1960, possa ser comparado ao cartel do petróleo, este iniciado justamente em 1961 e muito mais efetivo, devido às características únicas do petróleo, que se prestam ainda hoje à cartelização. Explico-me.
            Em primeiro lugar, o “cartel” do café parece ser o único que tinha produtores e consumidores numa mesma mesa, numa situação, na verdade, na qual estes últimos talvez detivessem maior poder de dominação sobre os mercados (dominados pelos grandes intermediários, torrefadores e distribuidores, não pelos produtores), do que os países produtores, dispersos, concorrentes entre si, desorganizados. Ou seja, não havia, de fato, um cartel do café, mas apenas uma tentativa de mercantilismo bem inspirado para uns e para outros, para evitar sobressaltos no mercado, digamos assim.
            Em segundo lugar, o cartel do petróleo sempre foi um conluio da produção (relativamente concentrada, nos anos 60 e 70, e talvez também novamente agora) e da distribuição por atacado. Aliás, o cartel era primeiro das “seven sisters” e só depois dos países produtores, depois que estes nacionalizaram a produção, constituiram empresas nacionais e começaram a atuar politicamente nesse verdadeiro cartel (que ainda permanece poderoso, a despeito da diminuição da parte da OPEP na produção e comercialização mundial, mas ela ainda detêm uma espécie de monopólio sobre as reservas verificadas).
            Em terceiro lugar, quando se desejou, realmente, constituir um verdadeiro cartel do café, sob a forma da APPC, criada em Brasília em 1986, ele nunca foi efetivo, pois free riders como africanos e mais recentemente o Vietnã atuaram para desestabilizar as tentativas de nova “valorization” (via retenção de estoques”) dos países mais ativos. O fato é que o Brasil acabou pagando o preço desse novo cartel, sem ter retirado benefícios substntivos desse mercado transformado (que ele continua de certa forma a dominar, mas em escala não determinante).
            Resumindo: apenas aparentemente “Coffee set the precedent that later OPEC and other raw material producers would follow” (p. 14), pois que o princípio dos carteis é o mesmo, teoricamente e praticamente em todas as experiências conhecidas, mas o destino de cada cartel foi muito diferente na realidade.
            Por outro lado, concordo totalmente em que “Coffee had led Brazil from an archaic slavocratic social formation to state capitalism in a half a century”. Fomos os inventores do “coletivismo do café”, mas isso tampouco resultou em benefício para o grande número. Desta vez foram outros “comissários” a lucrar: os manipuladores do Instituto Brasileiro do Café, que na verdade foram os diretores designados pelo presidente e seus amigos fazendeiros e negociantes de café.
            Finalmente, concordo em que “Today Brazil is the world’s second largest consumer of coffee and it’s expected to overtake the U.S. for the number one position shortly”. O Brasil vai continuar sendo o maior produtor, o maior exportador e vai se tornar o maior consumidor, se os chineses continuarem no chá e realmente não adotarem o café.
            Hoje o Brasil deve ter cerca de 30% de participação na comercialização mundial de café, o que é um bom número para começar um cartel. Pena que o café ainda não mova automóveis ou entre na composição dos plásticos e outras embalagens. Mas quem sabe um dia o Brasil ainda não poderá chegar lá?
            A característica interessante, agora, é que o “socialismo” (ou “estatismo”) do café acabou, e as novas tendências parecem ser inteiramente ditadas pelas forças do mercado (ou dos mercados, já que existem vários mercados para os diversos cafés hoje produzidos). Será que o Brasil continuará a ser um “price maker” e um “market shaper” como acredita Topik? Talvez, mas as condições são hoje bastante diferentes do que elas eram no início do século XX, ou cem anos atrás. Não tão diferentes como gostaríamos, pois os países avançados continuam a produzir e a exportar mais café do que os países produtores, sem produzir um único grão. Acredito, porém, que pouco a pouco, países como o Brasil vão começar a dominar a linha completa da produção e comercialização. Isto pode demorar ainda um pouco mais, talvez duas ou três décadas mais, mas ocorrerá. Aí então, talvez, o Brasil se converterá, realmente, em “price maker” e “market shaper”.

4) Zephyr Frank, Before the Boom: The Brazilian Rubber Industry, 1870-1914
            Gostei do approach de Zephyr Frank, ao considerar a história do boom da borracha no Brasil como uma história de sucesso, rather than a failure. Torná-la autônoma em relação ao desastre de 1913 e 1914 me parece ser um bom método para apreciar o verdadeiro papel dessa “indústria” da selva que trouxe o único período de prosperidade amazômica. Na verdade, hoje em dia muitos brasileiros reclamam da cobiça internacional sobre a Amazônia (uma velha história) e existem mesmo as versões paranóicas, disseminadas por militares e nacionalistas extremados, de que os estrangeiros, geralmente americanos, estão querendo dominar a Amazônia, desmembrá-la do Brasil ou até “internacionalizá-la”.
            Pois eu sou a favor dessa internacionalização da Amzônia, pois o único período no qual a Amazônia foi próspera, foi quando ela esteve de fato internacionalizada pela borracha.
            A história da borracha, enquanto commodity, é rica e surpreendente, e eu apreciaria que a parte que figura na seção final do paper, “The Role of Brazilian Rubber in the Industrial Revolution of the 1860s-1900s”, pudesse eventualmente ser antecipada em parte para o início do paper, para termos uma idéia, desde o começo da leitura, de quão útil foi a borracha na segunda revolução industrial e no capitalismo triunfante do século XIX e de qual foi o papel do Brasil nessa história.
            No restante do texto, a metodologia seguida por Zephyr me parece consistente e ilustrativa do “successo” produtivo que foi o ciclo da borracha no Brasil, possivelmente o último dos ciclos no estilo “rise and demise” da história econômica do Brasil.

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 11 de junho de 2004.

O Mercosul: o processo de integração no Cone Sul - Paulo Roberto de Almeida (2004)

Não sei bem por que ou para que fiz este texto didático sobre o Mercosul, mas ele permaneceu inédito, e tampouco sei explicar como. Vai aqui divulgado pela primeira vez, desde 9 de junho de 2004, e espero que possa ainda servir, muito embora a situação do Mercosul tenha sido alterada radicalmente, para pior, quero dizer...
Sem maiores comentários.
Paulo Roberto de Almeida


O Mercosul: o processo de integração no Cone Sul

Apresentação geral:
O Mercosul é um bloco comercial entre Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, que foi criado em 1991, e que pretende ser um mercado comum, como já ocorre hoje com a União Européia. Brasil e Argentina são os dois países mais importantes, que começaram a se integrar desde 1986, quando os dois países saíram de ditaduras militares. Em 1988 esses dois países já tinham assinado um tratado de integração que previa a formação de um mercado comum em dez anos, o que se daria, portanto, em 1998. Mas, em julho de 1990 eles decidiram acelerar a formação do mercado comum, colocando a data de 1º de janeiro de 1995 para esse bloco de dois países ser formado.
Nesse momento, o Paraguai e o Uruguai, os dois vizinhos menores do Brasil e da Argentina, também resolveram fazer parte dessa integração e os quatro países negociaram um novo tratado de integração no segundo semestre de 1990 e no começo de 1991. Tendo resolvido adotar o mesmo formato que já tinha sido escolhido para a integração entre o Brasil e a Argentina, os quatro países assinaram um novo tratado em 1991 para realizar o ideal do mercado comum. Esse tratado chamou-se de Assunção porque foi assinado na capital paraguaia: o nome oficial do Mercosul significa, justamente, mercado comum do Sul, mas o tratado de Assunção não é o tratado do Mercosul, mas sim um tratado para a formação de um mercado comum entre os quatro países, o que siginfica que o mercado comum ainda não está realizado de maneira total.
Hoje o Mercosul tem outros países associados, como o Chile e a Bolívia, e também pretende ter os outros países da América do Sul. O Peru já assinou um tratado desse tipo, de associação, mas o Brasil quer ter os outros países da América do Sul associados ao Mercosul, ou então formando uma grande zona de livre comércio no continente.
O Mercosul ainda não realizou todas as suas promessas e falta muito ainda para ele poder ser comparado à União Européia, que tem hoje moeda comum, inclusive. Os produtos já circulam livremente entre os quatro países, mas ainda existem vários exceções (como açúcar e automóveis, por exemplo). Ainda não existe total liberdade para a circulação de trabalhadores no Mercosul, mas os negócios já são mais livres entre os quatro países e os outros associados. Serviços, como por exemplo bancos, ou advogados, ainda não têm total liberdade para instalação.
O Mercosul é pequeno economicamente, comparado à União Européia ou ao acordo de livre comércio da América do Norte (chamado de NAFTA), mas é o mais importante grupos dos países em desenvolvimento. O Mercosul é o quarto maior mercado do mundo, depois dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão.
Ele é importante para aumentar a força dos países membros, inclusive para negociar conjuntamente com os Estados Unidos e outros países, que tentam criar uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O Mercosul também é importante para os próprios países membros. O Brasil é um grande mercado para países pequenos como Uruguai e Paraguai, mas também para países médios como a Argentina.
Mas o Mercosul não é só um mercado comum (ou projeto para constituir um mercado unificado). Ele já funciona para cooperação em matéria de educação e de cultura. Ele também foi importante quando se tentou dar um golpe militar no Paraguai e o Mercosul garantiu a democracia naquele país. Vários ministros se reúnem para discutir questões de agricultura, educação, justiça, transporte, energia e outros setores.
O Brasil é o país mais importante do Mercosul, pelo seu tamanho, peso econômico e grande mercado. Mas todos os países são tratados de forma igual. Na questão da natureza, por exemplo, o Mercosul tem grande variedade de climas, regiões e recursos naturais, pois ele vai desde a Amazônia, no norte do Brasil, até a Patagônia gelada do sul da Argentina, passando por florestas, cerrado, pantanal, planícies e grandes rios. Há muita riqueza natural nesses países e o Mercosul faz com que eles sejam ainda mais fortes nas discussões internacionais, do que se cada país tivesse de agir de maneira individual.
O Brasil ficou mais forte e respeitado no exterior por causa do Mercosul, por isso ele merece ser defendido como positivo para o Brasil (e para os outros países também).
O Mercosul é hoje uma realidade econômica de dimensões continentais: uma área total de mais de 11 milhões de quilômetros quadrados; um mercado de 200 milhões de habitantes; um PIB acumulado de centenas de bilhões de dólares, o que o coloca entre as quatro maiores economias do mundo, logo após o NAFTA, a União Européia e o Japão.
O Mercosul geográfico
Apesar dos problemas econômicos que enfrentam os países do Mercosul, o bloco forma uma região com grandes oportunidades de crescimento e de desenvolvimento social no mundo, pois ele tem muitas reservas naturais para serem exploradas pelos investidores dos países membros e estrangeiros.
O Mercosul possui uma das maiores reservas de biodiversidade do planeta e também é um grande produtor de muitas matérias primas que são utilizadas nos mais diversos ramos industriais.
Na agricultura, os quatro países, mas especialmente Brasil e Argentina, são dos mais competitivos, possuindo manadas imensas de gado. A Argentina tem grandes rebanhos bovinos e também é grande produtora de produtos agrícolas temperados, como trigo. Já o Brasil está entre os primeiros produtores de muitos produtos agrícolas, inclusive os de zonas quentes, como café, cacau, soja, laranja e outras frutas. Ele também possui grandes reservas de minério de ferro e outros minerais. Tanto o Brasil como a Argentina possuem fontes de energia, sobretudo de origem hidráulica, mas eles produzem petróleo igualmente. A Argentina já tem petróleo para seu consumo e o Brasil tem aumentado pouco a pouco sua produção interna, mas ainda importante quantidades razoáveis, inclusive da Argentina. De vez em quando eles trocam eletricidade entre si. O Uruguai e o Paraguai também são países essencialmente agrícolas e o Uruguai tem uma boa indústria de laticínios e de lã e tecidos de lã, pois possui rebanhos ovinos.
Todos os países são grandes produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas, mas ainda enfrentam ainda problemas nos países desenvolvidos, que protegem suas produções agrícolas e dão ajuda financeira aos seus agricultores. Os países do Mercosul também precisam melhorar muito os transportes e as comunicações, para serem ainda mais competitivos, isto é, produzindo barato e exportando também barato.
O Mercosul comercial
O bloco dos quatro países, e os demais associados, é antes de mais nada um espaço de comércio livre, isto é, os países não cobram tarifas (ou impostos de importação) entre si. Ainda existem alguns produtos que não têm circulação livre, mas em janeiro de 2006 todos os bens produzidos no Mercosul devem em princípio circular livremente nesse espaço. O Brasil praticamente não tem restrições aos produtos dos demais países, mas a Argentina ainda restringe o açúcar e tem preocupações com a sua indústria automobilística. Já no caso do Paraguai e do Uruguai, por serem países menores, eles têm direito a mais algumas exceções.
Esses quatro países também costumam aplicar uma mesma tarifa aos produtos dos demais países, o que é chamado de Tarifa Externa Comum (TEC), não aplicada pelo Chile, pela Bolívia e pelo Peru, que mantém suas tarifas para os outros países. Eles também acertaram a livre circulação dos serviços, o que é um pouco mais complicado pos tudo tem de ser negociado caso a caso. Os bancos, por exemplo, ainda precisam de autorização especial para abrir e funcionar nos outros países. Também não há liberdade plena de circulação de dinheiro, isto é, capital, assim como dos próprios trabalhadores (o que é diferente da União Européia, por exemplo). Os países menores, como Paraguai e Uruguai, têm receio de que o Brasil “exporte” muitos trabalhadores pobres para esses países, e por isso restringem a liberdade de circulação de pessoas.
 O Brasil tem falado em criar uma moeda comum, ou única, entre os quatro países, mas parece que isso ainda vai demorar. Para fazer isso, não poderia haver crise econômica, ou financeira, e tanto o Brasil como a Argentina enfrentaram muitos problemas nos últimos anos. Suas moedas, justamente, foram muito desvalorizadas e ainda agora não estão totalmente recuperadas. Para isso, eles também precisariam avançar bastante na formação do mercado comum, que não está plenamente realizado.
O Mercosul no mundo
Os quatro países membros estão negociando novos acordos comerciais com muitos outros países, como África do Sul, Índia e talvez até mesmo a China. Eles também participam de várias negociações comerciais, tanto na região, como  os países da Comunidade Andina, como no conjnuto do hemisfério, o que quer dizer o projeto da Área de Livre Comércio das Américas, que os Estados Unidos querem implantar já em 2005. Também existem negociações com o México e outras regiões e países, como o bloco da União Européia.
O Brasil e a Argentina já tem vários outros acordos de cooperação e também pretendem atuar juntos em reuniões da ONU. Algumas operações militares já são feitas conjuntamente entre os dois países e a Argentina acaba de mandar algumas tropas militares que estão atuando sob comando brasileiro no Haiti, onde as forças brasileiras se encontram em missão de paz e segurança.

Brasília, 9 junho 2004