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domingo, 20 de novembro de 2011

A quem interessa o modelo ‘agropolítico’ do MST? - Paulo Roberto de Almeida (2004)

O trabalho abaixo, “A quem interessa o modelo ‘agropolítico’ do MST?”, coi elaborado em Belo Horizonte, em 15 de julho de 2004, e comentava um artigo-palestra do Sr. João Pedro Stedile, do MST, chamado “A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio”. 
Ele tinha apenas circulado numa lista de Relações internacionais, mas permaneceu inédito de outra forma. Acredito que seus argumentos ainda conservam validade, tanto do lado anacrônico do MST, quanto de minha parte. 
 Primeiro transcrevo o artigo original do Sr. João Pedro Stedile, em seguida acrescento meus comentários.
Paulo Roberto de Almeida 

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Brasil: A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio
por João Pedro Stedile [*]

A imprensa endeusa o agronegócio, sem destacar que ele proporciona apenas 500.000 empregos

Desde que o governo Lula assumiu o mandato, estranhamente a imprensa brasileira, de forma unânime, tem se dedicado cotidianamente a pregar loas ao sucesso do agronegócio.

Por que essa campanha unificada, permanente, logo agora? Uma das explicações pode ser a influência crescente dos neoliberais no governo Lula, representados pelos ministérios da Agricultura, ou melhor, da exportação agrícola, da Indústria e Sadia, e da área econômica. Outra explicação pode ser a tentativa de impedir que o governo se anime a fazer uma reforma agrária massiva. E, assim, pregam que o único caminho para resolver os problemas da pobreza e da falta de emprego no campo seria o modelo do agronegócio.

Ora, a pobreza, o desemprego e a desigualdade social que existem no meio rural brasileiro são justamente frutos de quinhentos anos de um modelo agrícola que privilegia as exportações, desde que por aqui chegaram os europeus... e seus interesses.

20 MILHÕES SEM SAPATOS
A imprensa brasileira, monopolizada por sete grupos e claramente vinculada aos interesses de classe dos grandes proprietários e das empresas transnacionais exportadoras de matérias-primas, faz o seu papel de propaganda. Mostra todos os dias máquinas agrícolas novinhas, navios carregados e índices de exportação agrícola, como se isso fosse sinônimo de soluções econômicas e sociais. E esconde que no meio rural brasileiro temos 30 milhões que vivem em condições de pobreza absoluta, que 20 milhões nunca calçaram um par de sapatos, que 50 milhões de brasileiros passam fome todos os dias. Que 30 milhões de pessoas já não têm sequer seus dentes. Esquece de mostrar que apenas 8 por cento da população chega à universidade, e que, no Nordeste brasileiro, 60 por cento da população do meio rural é ainda analfabeta.

Esquece de dizer que no país de maior fronteira agrícola do mundo existem 4,5 milhões de famílias de trabalhadores sem terra!

Quais desses problemas o modelo do agronegócio resolve? Nenhum. Ao contrário, é justamente esse modelo agrícola que gerou tanta desigualdade, pobreza e desemprego.

Porque o modelo agrícola do agronegócio é organizado para produzir dólares, e produtos que interessam aos europeus, aos asiáticos, não aos brasileiros. E por isso não produz comida, empregos e justiça social. O agronegócio concentra. Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.

Mas queria aproveitar a paciência de vocês para mostrar que, mesmo do ponto de vista da lógica do capitalismo nacional, o modelo do agronegócio é irracional, ou burro, se quiserem. Ou seja, esse modelo só interessa ao capital internacional, e nem sequer ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

Vamos aos dados estatísticos, resultados desse modelo agrícola cantado em prosa e verso.

O Brasil tem aproximadamente 350 milhões de hectares agricultáveis, que poderiam ser dedicados à lavoura. Mas, graças à concentração da propriedade da terra, cultivamos 50 milhões de hectares, apenas 14 por cento do que deveríamos cultivar. E essa área cultivada permanece estável desde 1985.

As fazendas modernas do agronegócio ocupam 75 por cento dessa área cultivada, as melhores terras, para produzir apenas soja, algodão, cacau, laranja, café, cana-de-açúcar e eucalipto. E que interessam ao mercado externo. Imaginem se o povo brasileiro tivesse
de colocar na mesa apenas esses produtos!

E existe outra parcela de estabelecimentos agrícolas, que fazem parte desse modelo, piores ainda, pois se dedicam apenas à pecuária extensiva ou a especular com a renda da terra. Segundo dados do INCRA, baseados em declarações dos proprietários, existem no Brasil 54.761 imóveis rurais classificados como “grandes propriedades improdutivas”, portanto desapropriáveis, que somam nada menos que 120 milhões de hectares (uma Europa inteira parada...).

A FALÁCIA DA MODERNIDADE
O Plano Nacional de Reforma Agrária aplicou a conceituação da Lei Agrária e dividiu todas as propriedades existentes entre pequenas (até 200 hectares, em média), médias (de 200 a 2.000 hectares) e grandes propriedades (acima de 2.000 hectares). E depois analisou o comportamento dos fatores de produção em relação a cada setor.

Em relação ao emprego, a pequena propriedade dá trabalho para 14 milhões de pessoas, a média para 1,8 milhão e a grande propriedade do agronegócio para apenas 500.000.

A famosa modernidade capitalista é uma falácia, 63 por cento de toda a frota de tratores brasileiros é usado por propriedades com menos de 200 hectares. E as propriedades acima de 1.000 hectares possuem apenas 36 por cento dos tratores. Ou seja, a tal grande propriedade “moderna” não consegue nem ativar a indústria nacional de tratores. Por essa razão é que faz vinte anos que a demanda de tratores não aumenta. A indústria está vendendo em torno de 50.000 tratores por ano, enquanto no início da década de 80 chegou a vender 65.000.

Mas na hora de utilizar o crédito rural, dos bancos oficiais, com recursos públicos e taxas de juros diferenciadas, pode-se ver também os diferentes interesses. Na última safra (2003/04), a pequena
propriedade teve acesso a 3 bilhões de reais, e a média e grande propriedade utilizaram 24 bilhões de reais do Banco do Brasil. E, o que é pior, apenas dez empresas transnacionais ligadas ao agronegócio pegaram no Banco do Brasil 4 bilhões de dinheiro público, brasileiro. Dez empresas transnacionais acessaram mais crédito do que todos os 4 milhões de famílias de pequenos agricultores. E ainda tem gente que acredita que as empresas transnacionais vêm aqui aplicar
capital estrangeiro. Ao contrário, elas vêm acessar a nossa poupança nacional. Estamos financiando essas empresas estrangeiras, e a imprensa bate palmas!

Em termos dos resultados da produção, segundo o IBGE, a grande propriedade representa apenas 13,6 por cento de toda a produção, 29,6 por cento a média propriedade e 56,6 por cento de toda produção agropecuária nacional vem da agricultura familiar. E, por ramos de produção, é ainda mais claro a que interesses cada segmento defende. Mesmo na produção animal, a pequena propriedade representa 60 por cento de toda a produção, em função da produção de leite, de suínos e aves.

No quesito assalariados rurais, que é o símbolo do capitalismo, a média propriedade dá emprego para 1 milhão de pessoas, a grande propriedade para apenas 500.000. E, mesmo sendo familiar, a pequena propriedade dá emprego, além de aos seus familiares,
para quase 1 milhão de assalariados rurais.

DESVIO VEM DA COLÔNIA
O Brasil vem sendo vítima dessa política de estímulo às exportações agrícolas desde o colonialismo. E todos sabem que esse modelo não desenvolveu nenhum país. Mesmo em termos de exportação, o país ganha quando exporta mercadorias, de origem industrial, com alto valor agregado. É por isso que a Embraer sozinha, com suas exportações de avião, representa a metade do valor de toda a exportação de soja! Ninguém se desenvolve exportando matérias-primas. E no caso brasileiro é ainda pior, pois quem está ganhando dinheiro com as exportações agrícolas são as transnacionais, como a Monsanto, a Cargill, a Bunge, a ADM, que controlam o comércio agrícola mundial. Elas têm um lucro médio de 28 por cento sobre o valor exportado, sem produzir um grão sequer.

Se o Brasil quiser resolver os problemas de emprego, pobreza no meio rural e desigualdade social, certamente não será pelo caminho do agronegócio. Será pela reforma agrária, que é a democratização da propriedade da terra. Pela organização da produção agrícola através da agricultura familiar, e orientando a produção para alimentos destinados ao mercado interno, para o povo. Se todo o povo brasileiro  tivesse renda para se alimentar direito, haveria uma demanda nacional infinitamente superior ao que hoje é exportado. A solução é dar condições para o povo comprar comida.

Se a política não mudar, seguiremos tendo uma minoria ganhando muitos dólares, a pobreza aumentando, e o governo fazendo discurso para dizer que vai aumentar a bolsa-família para atender os famintos, que continuarão aumentando.

Até que, um dia, o acúmulo dessas contradições gere uma nova e verdadeira política.

[*] Dirigente do MST e da Via Campesina Brasil.

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Agora meus comentários
Paulo Roberto de Almeida


A quem interessa o modelo ‘agropolítico’ do MST?

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org) 
O Sr. Stedile tropeça na aritmética e fica reprovado em economia!

            A sociedade brasileira tem uma espécie de remorso psicológico, ou consciência culpada, em relação aos assuntos da terra. Este é o resultado de quatro séculos de latifúndio, de escravidão e de várias décadas de preservação de um modelo agrário excludente, baseado numa reforma agrária às avessas, que foi a Lei de Terras de 1850, responsável pelo monopólio do acesso à terra nas mãos de grandes proprietários. Essa realidade foi, infelizmente, mantida ainda durante a primeira metade do século XX, e vem sendo, felizmente, desmontada ao longo das últimas décadas de desenvolvimento agrário capitalista, ainda que alguns, com remorso político pela ausência de uma revolução bolchevique no Brasil, condenem essa evolução, pois que ela lhes retira os motivos de luta e até mesmo de existência.
            Apenas essa dupla característica – o remorso da sociedade, de um lado, e o ativismo de alguns poucos órfãos de uma revolução política que não ocorreu, de outro – explica porque certos atos e dizeres do MST conseguem ter tanta audiência em nossos meio de comunicação. Com efeito, não se passa uma semana, ou talvez mesmo um único dia, sem que eventos, declarações e ações do MST sejam transpostos nos meios de comunicação. A atualidade política brasileira é, de fato, em grande medida dominada pelo MST, uma total inversão de sua real importância na economia ou na política do Brasil. Pretendo sustentar minha posição mediante uma análise tópica e geral de um artigo-palestra do líder do MST, João Pedro Stedile, intitulado “A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio” (disponível no site do MST).
            Ele inicia suas declarações estranhando que desde o início do governo Lula a imprensa venha incensando o agronegócio, numa demonstração explícita de que gostaria de determinar o que os meios de comunicação podem ou não publicar. O Sr. Stedile não consegue admitir que essas notícias têm por base o real sucesso do agronegócio na conquista de mercados externos, na obtenção de recorde sobre recorde em termos de desempenho produtivo e de performance exportadora, sendo responsável por níveis historicamente altos de superávit comercial. O agronegócio brasileiro é hoje propriamente imbatível em termos de competitividade mundial, assustando produtores em outros países, a começar pelos subvencionistas europeus e americanos, que nem à custa de subvenções maciças à produção e exportação conseguem vencer os altos níveis de produtividade agrícola do Brasil. Se isto não é notícia, o que seria?: as invasões de terras produtivas pelas tropas do MST? Isso também é notícia, embora por motivos menos desejáveis do que o sucesso do agronegócio.
            O Sr. Stedile acha que uma das razões dessa orientação da imprensa seja devida à “influência crescente dos neoliberais no governo Lula, representados pelos ministérios da Agricultura, ou melhor, da exportação agrícola, da Indústria e Sadia, e da área econômica”. Se há influência crescente dessa corrente deve ser porque ela está fazendo sucesso no comando de certas áreas políticas, à diferença de outras, que primam pela ineficência e pela má gestão. Ele também denota uma prevenção de princípio contra as exportações agrícolas, postura que vinda de um economista – parece que o Sr. Stedile é economista formado, embora seja legítimo desconfiar desse título, tantos são os despautérios econômicos presentes em seus argumentos – trata-se não apenas de uma irracionalidade econômica e uma inconseqüência lógica, mas de grave desvio de formação, já que exportações agrícolas são tão boas quanto quaisquer outras, de fato tão normais, em economia, quanto qualquer outra etapa do processo produtivo ou distributivo: elas produzem renda e riqueza como quaisquer outras atividades econômicas e são suscetíveis de contribuir para o bem estar do povo.
            O Sr. Stedile acredita que “a pobreza, o desemprego e a desigualdade social que existem no meio rural brasileiro são justamente frutos de quinhentos anos de um modelo agrícola que privilegia as exportações, desde que por aqui chegaram os europeus... e seus interesses.” A ouvi-lo falar poderiamos supor que o Sr. Stedile seja descendente de algum índio botocudo, de algum tupinambá de boa cepa, ou então de alguma tribo remota dos nambiquaras, e não o neto, ou filho, de imigrantes europeus, que aqui desembarcaram para lutar por seus interesses, e os de seus filhos e netos. O Brasil é de fato o resultado de uma formação européia constituída em torno de exportações agrícolas, e nisso não vai nenhum desdouro para o nosso país. A nação, por sua vez, foi constituída por todos esses elementos étnicos, portugueses, índios, negros e, depois, europeus de todas as origens, levantinos, orientais, e todas as suas misturas, que aqui se dedicaram à lavoura, ao comércio, à indústria, enfim a toda e qualquer atividade aberta ao engenho e arte de todos esses povos. O país se industrializou ao longo do último século, à diferença dos quatro séculos anteriores de produção agroexportadora, mas isso não elimina, e seria estranho se o fizesse, nossa característica básica que é a de ser uma formidável máquina de produção e exportação agropecuária. Não reconhecer essa evidência é uma inacreditável demonstração de cegueira econômica.
            O Sr. Stedile desfia em seguida uma série de tragédias da estrutura social brasileira, estimando que a imprensa esconde esses fatos: ela “esconde que no meio rural brasileiro temos 30 milhões que vivem em condições de pobreza absoluta, que 20 milhões nunca calçaram um par de sapatos, que 50 milhões de brasileiros passam fome todos os dias. Que 30 milhões de pessoas já não têm sequer seus dentes. Esquece de mostrar que apenas 8 por cento da população chega à universidade, e que, no Nordeste brasileiro, 60 por cento da população do meio rural é ainda analfabeta. Esquece de dizer que no país de maior fronteira agrícola do mundo existem 4,5 milhões de famílias de trabalhadores sem terra!”
            O Sr. Stedile acredita que o agronegócio é responsável por esse quadro por certo abominável: “Quais desses problemas o modelo do agronegócio resolve? Nenhum. Ao contrário, é justamente esse modelo agrícola que gerou tanta desigualdade, pobreza e desemprego.” A relação de causa a efeito é propriamente estarrecedora: não se vê como e em que condições o agronegócio seria responsável por esses números e essa situação.
            Os historiadores econômicos, para provar a validade de alguma explicação causal, costumam utilizar-se do que se chama, em inglês, counterfactuals, isto é, considerar o desenvolvimento de algum processo evolutivo sem a intervenção de uma variável selecionada (a ausência hipotética de estradas de ferro na conquista do Oeste americano, por exemplo). Consideremos, portanto, a ausência do agronegócio e imaginemos se algum dos problemas identificados pelo Sr. Stedile estaria solucionado, ou não teria existido, sem a variável em questão. Alguém, em sã consciência, acredita que o Brasil seria um exemplo de desenvolvimento, de progresso econômico e de justiça social a partir da inexistência do agronegócio? Qual economista ou historiador endossaria um absurdo dessa magnitude?
O Sr. Stedile deveria ler um pouco mais os manuais de economia e os livros de história, uma vez que ele manifestamente não demonstra deter conhecimento mínimo sobre como o Brasil se desenvolveu, desde a colonização até o presente. É, por outro lado, estarrecedor constatar, como afirmações absurdas desse tipo não são contestadas por jornalistas, colunistas da imprensa ou mesmo simples estudantes universitários. Suas afirmações ofendem grosseiramente a inteligência de leitores medianamente informados sobre a história e a economia do Brasil.
            Mas esse tipo de afirmação é condizente com o raciocínio econômico surrealista do Sr. Stedile. Senão vejamos. Ele afirma, por exemplo, que “o modelo agrícola do agronegócio é organizado para produzir dólares, e produtos que interessam aos europeus, aos asiáticos, não aos brasileiros. E por isso não produz comida, empregos e justiça social. O agronegócio concentra. Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.”
            Para um pretenso economista, se ele fosse meu aluno, certamente teria tirado nota zero, sem possibilidade de recuperação. Não apenas o agronegócio está organizado para produzir dólares, mas também a indústria, os serviços, a música nacional, o turismo ou qualquer outra atividade que configure uma situação de “tradable”, isto é, suscetível de ser vendida ao exterior, inclusive a inteligência nacional (em matéria de software, por exemplo), mas não certamente a do Sr. Stedile. Bons produtos interessam brasileiros, argentinos, chineses, esquimós, bushimanes, tuaregues, enfim tutti quanti forem capazes de adquirí-los numa legítima transação comercial. Esses produtos trazem ao país não apenas dólares, mas também euros, ienes ou qualquer outra moeda utilizada nessas transações, mas isso parece incomodar o Sr. Stédile, que ostenta, como vimos, uma prevenção de princípio contra as exportações, contra quaisquer exportações, é verdade, mas especialmente as do agronegócio.
            Pretender, por outro lado, que “isso não produz comida, empregos e justiça social”, como o faz o Sr. Stedile, é desconhecer princípios básicos de economia, o que certamente serviria para dar mais um zero redondo ao “economista” em questão. Ele acha que o agronegócio “Leva para fora as riquezas produzidas aqui, em vez de distribuí-las.” Quanta ignorância: as riquezas que vão para fora, voltam, justamente, sob a forma de pagamentos de contrapartida, ou seja, renda e riqueza para os produtores nacionais, que por sua vez têm de distribuí-las para todos aqueles que participaram do agronegócio em questão: tratoristas, agrônomos, transportadores, vendedores de sementes, comerciantes e também, obviamente, trabalhadores agrícolas engajados no negócio agroexportador.
            Mas as demonstrações de ignorância econômica não param por aí. O Sr. Stedile pretende demonstrar que “mesmo do ponto de vista da lógica do capitalismo nacional, o modelo do agronegócio é irracional, ou burro, se quiserem. Ou seja, esse modelo só interessa ao capital internacional, e nem sequer ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro.” Já constatamos que a lógica não é o forte do Sr. Stedile.
            Vejamos como ele pretende fazer essa demonstração. O Sr. Stedile reconhece, candidadamente, que “as fazendas modernas do agronegócio ocupam 75 por cento da área cultivada, as melhores terras, para produzir apenas soja, algodão, cacau, laranja, café, cana-de-açúcar e eucalipto. E que interessam ao mercado externo. Imaginem se o povo brasileiro tivesse de colocar na mesa apenas esses produtos!”
            A ignorância é tão grande que o Sr. Stedile não se dá conta que o povo brasileiro coloca todos esses produtos na sua mesa todas as horas e todos os dias, não apenas na forma direta ou processada desses produtos agrícolas, mas na forma indireta de renda da agricultura, da indústria de processamento, das atividades do agrocomércio (exportação, entre outras) e de toda e qualquer outra atividade ligada, de perto ou de longe, à produção agropecuária. Apenas uma pessoa visceralmente contrária ao agronegócio e a toda e qualquer exportação agrícola, como o Sr. Stedile, acredita que commodities agrícolas, mesmo as não diretamente comestíveis, são contrárias aos interesses do povo brasileiro. Tamanha ignorância econômica nos faz pensar como foi mesmo possível ao Sr. Stedile obter o seu diploma de economista. Deve ter sido distração ou leniência dos professores.
            Mais uma demonstração, não apenas de ignorância econômica, mas de simples surrealismo matemático: “Em relação ao emprego, a pequena propriedade dá trabalho para 14 milhões de pessoas, a média para 1,8 milhão e a grande propriedade do agronegócio para apenas 500.000.” Se o Sr. Stedile se desse ao trabalho de pesquisar os dados da indústria, ou do comércio, ele teria descoberto que, também nesses setores, as pequenas e médias empresas são as que empregam mais. Por uma simples razão de ordem matemática: elas são em maior número e, portanto, a soma de todas elas resulta num emprego global bem superior àquele provisto por grandes empresas, agrícolas, industriais ou comerciais. Zero para o Sr. Stedile em aritmética também.
            Outro absurdo: “A famosa modernidade capitalista é uma falácia: 63 por cento de toda a frota de tratores brasileiros é usado por propriedades com menos de 200 hectares. E as propriedades acima de 1.000 hectares possuem apenas 36 por cento dos tratores.” Além do já mencionado surrealismo matemático, evidenciado acima, o Sr. Stedile fez um curso de economia sem nunca ter ouvido falar de economias de escala. Duplo zero.
            Acho que não preciso mais insistir com exemplos de miopia econômica e de total desconhecimento das regras elementares da aritmética. Vejamos em constraste sua genial reinterpretação do processo histórico: “O Brasil vem sendo vítima dessa política de estímulo às exportações agrícolas desde o colonialismo. E todos sabem que esse modelo não desenvolveu nenhum país. Mesmo em termos de exportação, o país ganha quando exporta mercadorias, de origem industrial, com alto valor agregado. É por isso que a Embraer sozinha, com suas exportações de avião, representa a metade do valor de toda a exportação de soja! Ninguém se desenvolve exportando matérias-primas.”
            O Sr. Stedile não deve ter ouvido falar que países desenvolvidos como os Estados Unidos, a Austrália, a Dinamarca, o Canadá e muitos outros exportam, sim, e muito, os mais diversos tipos de matérias primas, como aliás faz o Brasil. Eles também transformam suas matérias primas, como aliás está fazendo o Brasil. O Sr. Stedile deveria ler mais livros de história, ou mesmo jornais e revistas de atualidade. Ele ostenta, sem nenhum pudor, uma ignorância verdadeiramente enciclopédica, que abrange vários temas e assuntos os mais diversos. Nova nota zero, desta vez em conhecimentos gerais.
            Agora sua solução para os problemas brasileiros: “Se o Brasil quiser resolver os problemas de emprego, pobreza no meio rural e desigualdade social, certamente não será pelo caminho do agronegócio. Será pela reforma agrária, que é a democratização da propriedade da terra. Pela organização da produção agrícola através da agricultura familiar, e orientando a produção para alimentos destinados ao mercado interno, para o povo.”
            Se o Brasil quiser resolver os problemas de emprego, pobreza no meio rural e desigualdade social, certamente não será pelo caminho indicado pelo Sr. Stedile. Pela simples razão de que, se o agronegócio não pode, sozinho, resolver todos esses problemas, sua eliminação da paisagem econômica nacional não conseguirá, tampouco, resolvê-los minimamente. O agronegócio, combinado ou não à agricultura familiar – o que já ocorre em diversos ramos – produz tanto para o mercado interno quanto para o externo; ele já é uma atividade democrática, pois que não discrimina setores, mercados, métodos produtivos, classes de consumidores, tipos de sementes (ao contrário do Sr. Stedile que parece acreditar que OGMs têm algum poder maléfico, desconhecido dos cientistas), enfim, trata-se de uma atividade econômica como outra qualquer, integrada ao panorama econômico brasileiro e plenamente inserida nos circuitos da globalização, sendo altamente produtiva e propriamente imbatível no confronto com outras economias nacionais. Ostentamos hoje essa condição, que só existe porque “economistas” como o Sr. Stedile nunca estiveram à frente de ministérios econômicos neste país. Pessoas como ele seriam capazes de, deliberadamente, dinamitar a economia nacional em menos de seis meses, com demonstrações explícitas de esquizofrênia econômica.
            No parágrafo agora transcrito, finalmente, tenho algo a concordar com o Sr. Stedile, pelo menos da metade adiante: “Se a política não mudar, seguiremos tendo uma minoria ganhando muitos dólares, a pobreza aumentando, e o governo fazendo discurso para dizer que vai aumentar a bolsa-família para atender os famintos, que continuarão aumentando.” Não creio que a política de apoio ao agronegócio produza pobreza, pois não há nenhuma evidência, repito, nenhuma evidência nesse sentido, salvo na cabeça de “economistas” desmiolados. Mas acredito, sim, que as práticas de assistência social do governo, deste ou de qualquer outro governo, são mais suscetíveis de criar um exército de assistidos do que, como seria desejável, pessoas aptas a disputar um emprego no mercado de trabalho. Preferiria, de minha parte, um esforço maciço em educação e formação profissional, em lugar de bolsas alimentares ou outras medidas paliativas. Mas reconheço a existência de problemas emergenciais que devem ser enfrentados pelo governo.
            Finalmente, o Sr. Stedile termina a sua palestra-artigo fazendo uma ameaça: “Até que, um dia, o acúmulo dessas contradições gere uma nova e verdadeira política.” O Sr. Stedile deve estar se referindo a um similar nacional da revolução bolchevique, que ele já se imagina liderando. Não se pode impedir as pessoas de terem ilusões e mesmo alucinações. O caso do Sr. Stedile sem enquadra previsivelmente num caso de ilusão política que o atual ministro da Fazenda já classificou como sendo uma manifestação da doença infantil do esquerdismo. Creio que se trata de carência ideológica, cujos sintomas se manifestam por meio desses arroubos explícitos de megalomania grandiloquente.
O Sr. Stedile ostenta graves falhas de formação, que provavelmente se originam ainda no curso primário. Não se poderia, de outra forma, explicar seus tropeços em cálculos aritméticos elementares. Ele parece deter algumas qualidades de orador e de ilusionista, dessas que se encontram nos mágicos dos circos de interior. Nao se pode crer, com efeito, que batendo de frente com a economia como ele faz a todo momento, ele reuna condições para vir a ser um líder político. Seus liderados só podem ser pessoas submetidas a lavagem cerebral, pois não se pode pensar que pessoas medianamente inteligentes possam aceitar sem pestanejar seus argumentos desprovidos de lógica e de qualquer fundamentação nos dados da realidade.
Na verdade, o Sr. Stedile representa um anacronismo total. Ele deveria ter nascido em outro lugar e em outro momento: em algum romance do realismo socialista, por exemplo. Em todo caso, ele parece estar singularmente deslocado no Brasil moderno, no Brasil do agronegócio e das práticas democráticas. Pessoalmente, acho que ele deveria trabalhar no cinema ou no teatro, uma profissão bem mais adaptada aos seus arroubos surrealistas, do que a modesta profissão de economista, para a qual ele demonstra uma total inaptidão. Resultado final do boletim: reprovado!

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Belo Horizonte, 15 de julho de 2004

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