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domingo, 20 de novembro de 2011

A economia esquizofrenica de economistas alternativos - Paulo Roberto de Almeida (2004)

Parece que estou apenas desovando textos antigos, que tinham permanecido inéditos. Mas o faço exclusivamente pela razão que os selecionados para divulgação neste momento ainda apresentam relevância para o debate atual sobre políticas públicas.
Este trabalho abaixo, eu o tinha elaborado em Brasília, em 21 de julho de 2004,  como comentários tópicos à “Carta de Uberlândia”, da Sociedade Brasileira de Economia Política, extraída de seu encontro de 11/06/2004, e à entrevista da presidente da SEP, contendo posições contestadoras à política econômica do governo Lula. Não era minha intenção defender a política econômica do governo Lula, tanto porque não tenho, nunca tive, mandato para tal. Eu apenas pretendia apontar contradições no "pensamento" (acho que o termo não se aplica) ou nos argumentos desses economistas que se pretendem progressistas, mas que não contribuem em nada para um debate racional sobre políticas econômicas.
Paulo Roberto de Almeida



A sociedade de economia política faz política com a economia 
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

No que parece ser um fenômeno recorrente do cenário acadêmico nacional, economistas que se auto-denominam como “heterodoxos” voltaram a criticar a política econômica do governo Lula, em novo manifesto que guarda muitas similaridades com manifestações anteriores no mesmo sentido, e que já tive a ocasião de comentar em diversas ocasiões (vide, entre outros exemplos, meu texto “Um manifesto econômico de “inversão”: Análise de um documento político com pouca consistência econômica”, no link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1060ManifestoEconomistas.pdf). Desta vez, tratou-se da jovem – fundada em 1996 – Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), que em seu mais recente encontro, em 11 de junho de 2004, aprovou uma “Carta de Uberlândia”, enfatizando o que lhe parecem ser os aspectos inteiramente negativos da atual política econômica praticada pelo governo, na pessoa do ministro Antonio Palocci.
O manifesto teria passado despercebido se o periódico econômico Carta Capital, (ano X, nº 300, 21.07.04; link: http://cartacapital.terra.com.br/site/index_frame.php), não tivesse elaborado matéria a respeito, com entrevista realizada com a presidente da SEP, a professora da FEA-USP Leda Paulani, oferecendo um link para o manifesto em questão (também disponível no site da SEP: http://www.sep.org.br/carta_de_uberlandia.pdf). Li esse texto com toda a atenção que sempre dispenso a todo e qualquer documento relativo às políticas públicas em geral, e à política econômica em particular, em especial aqueles provenientes da comunidade acadêmica, que me parecem ser um pouco mais consistentes do que os comentários de imprensa ou as declarações de políticos sobre os mesmos assuntos (embora eu tampouco despreze esse tipo de documento político, como evidenciado em meu texto “Exercício de ficção econômica: coelho de Páscoa?”, também disponível no link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1242EconomiaFiccional.pdf).
Como não concordo com as afirmações dos economistas membros da SEP, como considero que o manifesto por eles produzido peca pelo viés não apenas negativo, mas também desfocado, para não dizer deformado, em relação às políticas econômicas à disposição do, ou praticadas pelo governo, e como acredito que eles passam inteiramente ao largo das conseqüências (que reputo essencialmente negativas) que teriam eventuais políticas alternativas por eles propostas – que eles se eximem de detalhar –, pretendo proceder da forma habitual em ocasiões similares, isto é, efetuar uma leitura crítica e alinhar comentários tópicos sobre os textos disponíveis, ademais de observações gerais pertinentes a esse gênero de exercício. Os textos são, ademais da própria “Carta de Uberlândia”, a entrevista concedida à revista Carta Capital pela presidente da SEP. Embora dispensável, esclareço que não possuo nenhum mandato de qualquer autoridade para dedicar-me a este tipo de “diálogo unilateral”, nem o faço motivado por qualquer desejo de apenas contradizer os economistas políticos, mas simplesmente como prática individual e manifestação espontânea do debate aberto, que constitui um dos mais naturais direitos de nossa sociedade democrática.

I. Comentários à Carta de Uberlândia, da SEP
1) SEP: “Os economistas reunidos no IX Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), entre 8 e 11 de junho de 2004 em Uberlândia (MG), vêm a público manifestar sua posição contrária à política econômica do governo Lula.”
PRA: Trata-se de um direito deles, mas pode-se considerar curioso o fato de que eles não tenham conseguido encontrar nenhum aspecto da política econômica do governo que recolha seu assentimento ou mesmo concordância parcial. Trata-se do que se poderia chamar de julgamento globalmente negativo, o que permitiria supor que a atual política econômica não apresenta nenhuma condição de encontrar aprovação quanto às suas orientações e resultados junto a pessoas mediana ou satisfatoriamente bem informadas como são os membros da SEP. Tamanha unanimidade na avaliação negativa abre espaço a que se considere o documento em questão como essencialmente político, e não de tipo econômico como seria de se esperar.

2) SEP: “É fundamental desmistificar as justificativas oficiais e os comentários econômicos da mídia sobre a necessidade de contingenciamento do orçamento fiscal ou da geração de superávits primários incompatíveis com a recuperação do crescimento.”
PRA: O verbo “desmistificar” é particularmente mistificador nesta circunstância, já que nem o governo tem feito segredo de sua intenção de continuar a obter superávits primários com o objetivo de manter as contas públicas numa trajetória de equilíbrio, nem a mídia tem colaborado com o governo em qualquer empreendimento de supressão das informações oficiais à sociedade ou de indução em erro de qualquer natureza. Não há nenhuma justiticativa em jogo, mas tão somente atos de informação pública, tão transparentes quanto possível em se tratando de matéria técnica.
O fato de que os economistas da SEP consideram que a geração de superávits primários é incompatível com a retomada do crescimento permite supor que eles recomendariam que essa retomada se fizesse com a geração de déficits constantes ou crescentes, o que configuraria, aí sim, uma situação insustentável para o crescimento e o desenvolvimento econômico no Brasil. Não se compreende como economistas razoavelmente bem informados, e supostamente bem formados, não consigam atentar para a enormidade das conseqüências de um crescimento por impulsos, baseado no déficit público numa situação de endividamento excessivo e desequilíbrio crônico das contas públicas. Eles deveriam fazer um curso sobre a lei da responsabilidade fiscal.

3) “As alternativas a esta política econômica existem, são viáveis, socialmente inadiáveis e teriam o apoio da ampla maioria dos brasileiros que elegeu Lula para mudar a política econômica.”
PRA: Sempre existem alternativas a quaisquer políticas econômicas adotadas em qualquer parte do mundo, como aliás existem alternativas a qualquer tipo de política. O diabo está nos detalhes e enquanto os economistas da SEP não precisarem os contornos e sustentatibilidade de “suas” políticas alternativas, suas recomendações evasivas valem tanto quanto quaisquer outras sugestões. Pode-se entender que um manifesto político de duas páginas não ofereça, exatamente, as condições ideais para uma elaboração detalhada das políticas alternativas, mas eles deveriam pelo menos esforçar-se para trazer um pouco mais de seriedade ao debate.

4) “A existência e o crescimento da Sociedade Brasileira de Economia Política é uma demonstração de que não há um caminho único em economia, nem uma análise única dos desafios colocados à nossa sociedade.”
PRA: A SEP está querendo, comparativamente, retroceder aos tempos anteriores a Copérnico, colocando-se no centro de um universo que ela mesma criou, na qual vive em torno do seu próprio eixo e na qual se reflete a si mesma como se fosse um sol. A existência da SEP tem tanta importância para caminhos múltiplos em economia quanto a liberdade de pensar, de escrever, de defender idéias sensatas ou mesmo idéias malucas. A SEP acaba de inagurar uma nova escola em economia: o narcisismo econômico.

5) “O debate público sobre alternativas de política econômica é um fato corriqueiro em qualquer sociedade democrática.”
PRA: A SEP padece da paranóia da perseguição intelectual, pois não se conhece, desde o fim da censura à imprensa no Brasil, ainda em pleno regime militar, nenhuma restrição ao livre debate econômico nos meios de comunicação. Essa liberdade precedeu à democracia, e continuou a ser exercida com muito mais energia no período pós-1985, lá se vão quase 20 anos.

6) “A manutenção da política de esterilização de recursos tributários para enfrentar o serviço da dívida pública com juros fixados pelo próprio governo constitui um mecanismo poderoso de transferência de renda das famílias assalariadas para uma elite rentista, numa prática que só faz aprofundar a realidade perversamente desigual do país.
PRA: Os economistas da SEP têm razão, mesmo descontando-se o fato de que vários deles devem ter aplicações bancárias em certificados de depósitos investidos em títulos públicos, e devem estar muito contentes com os altos juros recebidos em retorno de suas poupanças investidas. Mas eles estão agindo em relação ás conseqüências da dívida pública, não em direção de suas causas. Eles deveriam apontar, em primeiro lugar, como fazer para impedir o Estado de emitir tantos títulos, de recolher tanta poupança privada, e como evitar que nesse jogo o nível de juros seja aquele determinado por esse precário equilìbrio entre despoupanca estatal e poupanças privadas. Enquanto eles não resolverem o problema do desequilíbrio das contas públicas, suas perorações contra os rentistas têm tanto efeito quanto reclamar do meteorologista que vem de público anunciar chuvas e trovoadas.

7) “Essa transferência, além do mais, alimenta a armadilha da dívida pública, deixando o Tesouro Nacional incapaz de financiar políticas de desenvolvimento econômico e social de competência da União que viabilizem a criação de empregos e a elevação da massa salarial.”
PRA: Estamos aqui na clássica situação do ovo ou da galinha: foi a dívida que produziu juros altos, ou foram estes que produziram a dívida pública? Os economistas da SEP estão convidados a responderem a essa tão angustiante quanto ingênua questão: enquanto não se enfrentar a situação de despoupança estatal, não adianta reclamar do nível dos juros, do volume da dívida, ou das transferências para os rentistas.
Apenas como informação aos economistas da SEP: não é o Tesouro que financia políticas de desenvolvimento econômico e social, ele apenas assegura o caixa do governo. Quem financia essas políticas é o orçamento do governo, que por sua vez é elaborado por um bando de tecnocratas sob a orientação de um ministro guiado pelo presidente, aprovado por um bando de parlamentares preocupado com suas aplicações provinciais, e implementado por um governo que supostamente está comprometido com o bem comum. O Tesouro faz apenas aquilo que o governo, as leis e a constituição lhe ordenam fazer, nem mais, nem menos. Na mesma linha, o Tesouro tem tanto a ver com criação de empregos e massa salarial quanto o Banco Central tem a ver com políticas de controle da natalidade, ou seja, absolutamente nada. Os economistas da SEP deveriam se informar melhor sobre a repartição de competências funcionais e mandatos num governo normalmente constituído.

8) “Em 2003, por exemplo, foram gastos R$ 145 bilhões com juros da dívida pública, mais do que todas as despesas dos três poderes no âmbito federal (descontados os gastos com previdência social) e o equivalente a mais de 18 vezes o orçamento geral anual de todas as universidades federais.
PRA: Somos gratos aos economistas da SEP por nos relembrar os números dramáticos do serviço da dívida pública, e eles estão desde já convidados a superar a fase do muro das lamentações para indicar, claramente, o que pretendem fazer com essa situação verdadeiramente intolerável. A menção aos orçamentos das universidades federais revela, mais uma vez, que eles vivem no pequeno mundo da academia, cuja principal atividade, atualmente, é alimentar o vale de lágrimas do muro das lamentações acima mencionado.

9) “Não fossem as transferências maciças de recursos de impostos e de contribuições sociais para o pagamento de juros, seria possível ainda implementar uma política efetiva de Seguridade Social, garantindo saúde para todos e incorporando o expressivo contingente de famílias urbanas e camponesas hoje dela excluído.
PRA: Não fossem essas absurdas transferências, seria possível tapar os buracos das estradas, alimentar um generoso programa de renda mínima, dar ricas bolsas a todo e qualquer estudante universitário, enfim, satisfazer os mais interessantes sonhos de bem estar social. A SEP fica nos devendo a receita mágica que permitiria evitar o pagamento de juros abusivos, mas, por favor, sem calote dos títulos públicos, do contrário vários dos seus membros e outros professores universitários ficariam sem o seu justo rendimento de uma poupança duramente amealhada ao longo de anos de trabalho honesto e dedicado.

10) “A suposta austeridade fiscal, que exige de prefeitos e governadores a redução dos investimentos na área social, não impõe qualquer controle ou sanção aos que decidem a política de juros e elevam a dívida pública em favor dos credores nacionais e internacionais.
PRA: Os professores da SEP precisariam nos explicar como um governo “neoliberal”, como a anterior administração de FHC, e como um governo supostamente reformista, como a atual administração de Lula, conseguem, ambos, servir aos mesmos credores, nacionais e internacionais, partindo de premissas ideológicas tão opostas e de posições e compromissos diametralmente opostos como ainda se reconhece hoje em dia. Será que é porque a “suposta austeridade fiscal” não tem, de fato, coloração ideológica, e que ela se impõe como uma necessidade incontornável a todo e qualquer governo que não pretende ver sua administração soçobrar no mar da espiral inflacionária, da fuga de capitais e do descontrole fiscal?
A indignação de caráter sentimentalóide (redução de investimentos sociais) e de pretenso fundo moral constitui um péssimo substituto a uma análise serena e objetiva da realidade econômica do Brasil, mas isso os membros da SEP já deveriam saber, com base numa leitura atenta dos números oficiais das contas públicas. Se eles ainda não o fizeram, recomenda-se que o próximo encontro da sociedade seja dedicado inteiramente à troca de informações sobre as contas primárias da União, dos estados e municípios. Depois, se poderia pedir que eles redigissem uma nova carta, fazendo recomendações para paliar à realidade assustadora que eles finalmente poderão descobrir a partir dessas leituras de horror econômico, com cenas de déficit explícito a cada página.

11) “Nós nos manifestamos pela imediata mudança da política econômica. Defendemos a revisão da abertura financeira do país como condição para a redução drástica das taxas de juros e para alívio do peso hoje representado pela dívida pública.
PRA: Os economistas da SEP estão singularmente mal informados: o nível da taxa de juros não é determinado pela abertura financeira do Brasil, do contrário outros países emergentes, com nível bem maior de abertura financeira teriam juros altíssimos, o que manifestamente não é o caso. Recomenda-se que eles dêm uma olhada na situação fiscal de cada um desses países, para ver se déficit orçamentário e dívida pública são inocentes nesse quesito. De resto, eles estão inteiramente livres para propor essa “mudança imediata” na política econômica do país, e não se compreende que eles não tenham tido sequer o cuidado de propor a “sua” política econômica. Tantas sumidades se reunem durante dois dias de intensos debates e nenhum resultado prático, a não ser críticas genéricas à situação presente, advém desses doutos colóquios recheados a frases de grande eloqüência econômica? Eles deveriam voltar a se reunir para fazer melhor o dever de casa, que é o de não apenas criticar, mas também propor políticas alternativas que sejam factíveis, sustentáveis e sobretudo eficientes em promover todas as benesses que eles nos prometem com suas receitas mágicas de desenvolvimento indolor.

12) “Defendemos igualmente o controle democrático da atuação e das decisões tomadas pelo Banco Central do Brasil.
PRA: Qual seria a fórmula?: submeter as decisões do Copom a um plebiscito organizado pela CNBB? Um Banco Central independente, dotado de um Copom amplo e representativo, com mandato fixo, submetido ao escrutínio regular do Congresso, seria plenamente democrático para assegurar os interesses da maioria, sem os desconfortos de um poder político errático, querendo fazer política eleitoral via determinação dos juros.

13) “Defendemos, enfim, que a sociedade brasileira tenha a possibilidade de participar dos destinos da nação, de pensar e de elaborar um verdadeiro projeto nacional de desenvolvimento econômico e social.
PRA: A sociedade está inteiramente livre para começar quando quiser. A SEP poderia tomar a iniciativa de propor o seu projeto nacional e submetê-lo à discussão nacional. Entende-se que ele será um pouco mais elaborado do que uma carta-manifesto de duas páginas, recheada de idéias vagas e recomendações piegas. Mãos à obra SEP.

II. Comentários à entrevista da presidente da SEP à revista Carta Capital
1) Leda Paulani: “CC: Quais as principais diferenciações que vocês fazem entre os pensamentos ortodoxo e o heterodoxo? - LP: O ortodoxo, em síntese, propõe o orçamento fiscal equilibrado, o controle da moeda, e a menor interferência possível do governo, pois tem por trás o ideário liberal. Defende a liberdade nas contas de capitais e a moeda forte, ou seja, não é adepto da taxa de câmbio competitiva.
PRA: Não há uma explicitação teórica similar para a corrente heterodoxa, mas é surpreendente constatar que, para um membro distinguido da academia, orçamento fiscal equilibrado, controle da moeda e interferência reduzida do governo são sinônimos do ideário liberal, quando estes elementos de política econômica deveriam, supostamente, constituir os fundamentos de qualquer sistema econômico razoavelmente sadio. Os economistas, aliás, independentemente das correntes a que se filiam, deveriam ser os primeiros a sustentar a necessidade de dotar a economia nacional de sólidos fundamentos macroeconômicos. Devemos então entender, como simulação simétrica e oposta, que o economista heterodoxo prefere, como práticas “normais” de administração, orçamentos desequilibrados (registre-se, en passant, que o aspecto fiscal não se resume ao orçamento, nem sequer ao simples sistema tributário), o descontrole da moeda (isto é, o emissionismo irresponsável) e a máxima interferência possível do governo na economia? Seriam estas as bases de um pensamento não liberal em economia?
Pode-se observar, em seguida, que o ideário liberal, proclama, sim, a liberdade de movimentação de capitais, mas, justamente, o conceito de “moeda forte”, como oposto a uma taxa de câmbio competitiva, é totalmente contraditório ao verdadeiro pensamento liberal, que nesse particular também proclama a liberdade de câmbio. Ou seja, o liberal recomendaria, na verdade, o câmbio flutuante, o sistema que melhor se encaixa nos seus princípios de liberdade de mercados. Em decorrência da flutuação, a moeda será “forte” ou “fraca” em função das velhas leis de mercado e não por determinação da vontade política de algum economista no poder, que pode ser tentado a dar-lhe uma ou outra dessas características atendendo a considerações outras que não os estritos fundamentos econômicos que sustentam aquela moeda. alheio , ou seja, não é adepto da
Liberdade financeira e cambial é uma posição consistente com os princípios econômicos liberais, mas são poucos os governos que se deixam guiar por princípios abstratos, preferindo eles intervir nos mercados por razões essencialmente pragmáticas. A tendência conduz, geralmente, dos controles à liberalização progressiva, e esta será, igualmente, a evolução no Brasil, quando as condições o permitirem. Transformar isso em doutrina ou ideário é a pior espécie de prática econômica que poderia existir.

2) Leda Paulani: “CC: O que a Sociedade propõe, em termos práticos? LP: Do ponto de vista macro, propõe, em primeiro lugar, reduzir a vulnerabilidade externa, por meio do controle de capitais, porque aí ganha-se grau de autonomia interno em política monetária. Propõe a taxa de câmbio competitiva e um colchão de reservas razoável.
PRA: Controles de capitais podem também aumentar a volatilidade do sistema, ao induzir os agentes a buscarem refugio em divisas fortes e em remessas “informais” de capitais ao exterior, agregando, portanto, à vulnerabilidade geral da economia. Um sistema razoavelmente aberto, com possibilidade de estímulos fiscais para a entrada ou retenção de capitais pode funcionar melhor do que controles estritos. A taxa de câmbio “competitiva”, no conceito heterodoxo, isto é, com moeda politicamente desvalorizada, deixa a todos mais pobres vis-à-vis o exterior, e induz a comportamentos atentistas nos agentes econômicos, sem falar no total desestímulo à busca de competitividade externa, com aumento, portanto, da vulnerabilidade externa que o heterodoxo queria evitar. Por que não deixar que o próprio mercado estabeleça a taxa de câmbio mais apropriada para a economia? Finalmente, um bom colchão de reservas geralmente custa caro, pois o que se paga para mantê-lo pode ser obtido de maneira mais fácil e barata via incremento geral das correntes de comércio (nos dois sentidos), a melhor garantia de um fluxo constante e regular de divisas para cobrir as necessidades de pagamentos externos num dado período.

3) Leda Paulani: “É inacreditável, veja bem: o governo se endivida cada vez mais e sufoca a economia do País porque paga um preço que ele mesmo fixa lá nas alturas. Qualquer gerente de empresa que fizesse uma política dessas seria despedido no ato.”
PRA: É inacreditável, veja bem: qual é o gerente de empresa que tem a liberdade de endividar continuamente a sua empresa e ainda assim continuar sendo gerente? E qual é o gerente de empresa, que tendo provocado desequilíbrio nas contas de sua empresa, ao ponto de sufocamento contábil, consegue ir ao banco e fixar ele mesmo a taxa de juros que ele gostaria de pagar? O banqueiro escuta gentilmente e concede no ato? Líderes políticos tão irresponsáveis como esse gerente só conseguem ser despedidos, via de regra, após quatro anos de mandato; antes disso eles podem ser irresponsáveis. Podiam, pois agora com a lei de responsabilidade fiscal, as despesas públicas vêm sendo controladas, mas é também inacreditável constatar que os heterodoxos não dão a mínima importância para a responsabilidade fiscal e o equilíbrio das contas públicas, assim como eles dão pouco valor ao cumprimento dos contratos, como os de pagamento de dívidas.

4) Leda Paulani: “O cidadão brasileiro, traumatizado, foge da inflação como o diabo da cruz, e o BC usa esse medo para justificar sua política monetária. Só que não há nenhum perigo de descontrole inflacionário se a inflação, em vez de 8%, chegar a 10% ao ano… Ninguém vai morrer, e é preciso ver os ganhos sociais advindos disso, como a diminuição do desemprego.”
PRA: Heterodoxos sempre acham que um pouco mais de inflação não faz mal e que os perigos são compensados pelos benefícios. O Brasil experimentou esse “pouco mais” durante várias décadas e não se sabe que benefícios a sociedade retirou desse tipo de complacência inflacionária. Quem aceita 10, acaba aceitando 12, e depois 15, e com isso a espiral inflacionária volta para atormentar os pobres. Os economistas heterodoxos, de sua parte, já terão aplicações protegidas dos riscos inflacionários e cambiais…

5) Leda Paulani: “Nosso objetivo é levar à opinião pública a informação de que há mais alternativas para se conduzir a política econômica brasileira, que há muitos economistas que pensam de outra forma. E que a ortodoxia não é algo inatacável e inquestionável, como se fosse a única saída possível.”
PRA: A SEP tem total liberdade para propor suas políticas alternativas, sabendo porém que inflação, controle de capitais e câmbio desvalorizado já foram tentados no passado, com resultados medíocres em termos macroeconômicos e socialmente negativos para os estratos assalariados não protegidos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1305: 21 de julho de 2004
(www.pralmeida.org)

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