Também acho: parece que, como os texanos, tampouco gostamos dos mexicanos. Mas eles gostam de nós...
Enfim, isso é brincadeira. Mas a resenha é pequena para render homenagem a este livro, sobre o qual me contento em afirmar apenas o seguinte, por enquanto:
Poucos embaixadores deixam
memórias completas, e sinceras. Geralmente se trata da justificação de seus
próprios atos, quando no comando das chancelarias. Não é o caso deste depoimento,
cobrindo apenas uma pequena parte da longa carreira de Rubens Antonio Barbosa, mas uma etapa
das mais importantes na política externa brasileira, quando ela deixou de ser
estritamente diplomática para ser também, ou talvez essencialmente, partidária.
Ao relato detalhado de sua gestão em Washington (1999-2004), numa conjuntura
crucial para a política americana e as relações internacionais, há um longo
capítulo final sobre a condução das relações bilaterais com os EUA na era Lula,
no qual ele não deixa de registar a mudança fundamental de visão em relação aos
padrões anteriores, uma “motivação ideológica que mal disfarçava a intenção de
se opor aos Estados Unidos e às políticas apoiadas por Washington...” (p. 336).
Aguardem uma resenha completa.
Paulo Roberto de Almeida
Um embaixador com vontade de trabalhar
Por Cristiano Romero | De Brasília
Valor Econômico, 22/11/2011 – pág. D10
"O Dissenso de Washington"
Rubens Barbosa. Agir. 365 págs., R$ 47,90
Rubens Barbosa: integração sul-americana depende de que vizinhos vejam o Brasil em boas relações com os EUA
"O Brasil é como o Texas. Somos grandes, pensamos que somos maiores do que na realidade somos e estamos sempre em choque com os Estados Unidos." A frase, de autoria do embaixador Rubens Barbosa, foi publicada em jornais americanos no início de 2004, quando o então diplomata se despedia de Washington, posto mais importante de sua longa carreira no Itamaraty (42 anos).
O gracejo está no livro "O Dissenso de Washington: Notas de um observador privilegiado sobre as relações Brasil-Estados Unidos", que o embaixador acaba de lançar. Dividido em oito capítulos, o livro retrata o momento histórico em que os americanos começaram a perceber a emergência do Brasil como uma potência regional e um ator global cada vez mais relevante.
Barbosa estava lá. Depois de servir durante cinco anos como embaixador em Londres, pediu ao então presidente Fernando Henrique Cardoso e ao chanceler Luiz Felipe Lampreia para comandar a representação na capital americana, cargo que exerceu, a partir de meados de 1999, durante 1.782 dias, como fez questão de assinalar no livro.
Nesse período, possivelmente o mais rico da história das relações Brasil-EUA, Barbosa serviu a dois governos (FHC e Lula) e assistiu, de perto, à sucessão de fatos históricos, entre os quais, os ataques terroristas de 11 de setembro, que definiram o início do século XXI. "Workaholic", jamais aceitou o papel clássico do embaixador encastelado em palácios e residências luxuosos, à espera de instruções de Brasília. Na maioria das vezes, fez o papel inverso, ao atuar como idealizador de ações que visaram aumentar o conhecimento do Brasil em Washington e intensificar as relações com a superpotência.
Sem alimentar ilusões, Barbosa constatou que, no hemisfério ocidental, apenas o Brasil é capaz de criar um espaço diplomático próprio e de assegurar algum grau de autonomia como potência regional. "(...) contudo, entendi que essa singularização do Brasil se limitava ao contexto das Américas", diz no livro.
Barbosa aprendeu rapidamente também que o próprio sucesso da integração sul-americana depende da percepção, pelos países vizinhos, de que o Brasil tem uma boa relação com os EUA. "A ideia do governo Lula de oferecer o Brasil como opção aos EUA não faria sentido, sendo previsível que a maioria de nossos vizinhos não aceitaria essa alternativa."
O embaixador descobriu que as principais potências emergentes - China, Índia e Rússia, que formam com o Brasil o BRIC - cultivam relação prioritária com os americanos, especialmente após o 11 de setembro. "Esses países souberam ajustar-se, construindo novos espaços de cooperação com os EUA, como o combate ao terrorismo, mesmo com algum ônus político interno, e conseguiram garantir vantagens do ponto de vista de seus próprios interesses."
Barbosa relata o entusiasmo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em ter uma relação privilegiada e pragmática com os americanos. Ao longo do tempo, no entanto, as intenções ficaram restritas à retórica. O que se viu foi a escalada do antiamericanismo, especialmente após a invasão do Iraque, pelos EUA, em março de 2003.
O embaixador, que trabalhou nos bastidores para que o presidente George W. Bush recebesse Lula antes de sua posse, diz que o encontro foi tão cordial que o presidente americano chegou a chamar o brasileiro de "republicano bushista", por defender o envolvimento da sociedade na solução dos problemas do país. "I like this guy [Eu gosto desse cara]", teria comentado Bush.
Lula, por sua vez, considerou Bush simpático e disse a assessores que não faria um governo "ideológico". Contudo, a crescente influência do PT no Itamaraty, sustenta Barbosa, minou os esforços de aproximação dos dois presidentes.
O embaixador conta história que ouviu da então representante dos EUA no Brasil, Donna Hrinak, diplomata que também trabalhou arduamente para pavimentar boas relações entre Bush e Lula. Numa conversa, em 2003, com a subsecretária política do Itamaraty, Vera Pedrosa, sobre problemas bilaterais, entre eles, a redação do documento final da Conferência de Cúpula das Américas em Monterrey, e a demora na concessão de vistos para cidadãos americanos, Donna teria mencionado que um impasse nas negociações não seria bom para as relações entre os dois países. "Nós realmente não nos importamos com a relação Brasil-EUA", teria dito Vera.
Anos depois, consultada por Barbosa, a subsecretária desmentiu a declaração e atribuiu a "negatividade" percebida por Donna, relata o embaixador, a "um salto interpretativo e reflexo de sua possível decepção com o resultado da gestão efetuada por ela". "Interpretações à parte, o que Donna Hrinak me confidenciou em janeiro de 2004 foi que de fato a preocupação do Departamento de Estado com o Brasil aumentara", conta Barbosa.
As desconfianças eram mútuas. Barbosa relata que, na véspera da visita de FHC a Washington, em março de 2001, os telefones da embaixada começaram a funcionar mal. Ele decidiu, então, encomendar uma varredura, que constatou a existência de grampo. Foi descoberta uma linha telefônica direta entre a embaixada e o Departamento de Defesa, um fato grave que ficou por isso mesmo.
A parte mais rica do livro de Barbosa são justamente as memórias do seu período à frente da embaixada - de junho de 1999 a março de 2004. Ele faz, também, uma análise da política externa brasileira em relação aos EUA no período que vai de abril de 2004 a maio de 2011. É leitura obrigatória para quem deseja entender a complexidade das relações entre Brasil e EUA.
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