Respondi a este questionário de um aluno de relações internacionais em 20 de maio de 2004. A despeito de que muita coisa coisa mudou desde então, e a Alca foi devidamente implodida pelo governo do PT, em 2005, não tendo muito sentido, portanto, falar dela, mas sempre se pode retirar lições de experiências passadas (algumas ainda sequer passaram, como todos sabem, pois os mesmos problemas persistem, alguns até agravados, como a corrupção e a tendência a jogar a culpa de certos problemas sobre os ombros do imperialismo).
Segue, portanto o meu texto, sem qualquer mudança.
Paulo Roberto de Almeida
Política
externa e Interesse Nacional
Questionário
Paulo Roberto de Almeida
(20 de maio de 2004)
1- Qual é o interesse nacional do
Brasil hoje? Há um consenso?
PRA:
Não há consenso real sobre o interesse nacional do Brasil, hoje, no passado
e provavelmente no futuro, a não ser num nível muito alto de generalidade, em
torno dos seguintes elementos possíveis: bem estar da população, com menor
desigualdade na distribuição de renda, desenvolvimento sócio-econômico da
Nação, segurança e saúde para o maior número possível, capacitação tecnológica
do País, inserção econômica internacional, participação nos processos
decisórios no plano mundial.
A
partir daí, não há mais entendimento possível entre as diversas forças
políticas e sociais sobre os meios e formas de como alcançar aquelas metas
desejáveis para o país e para o seu povo. Eu colocaria o interesse nacional
brasileiro sobretudo na educação de qualidade para o maior número possível de
cidadãos, pois entendo tratar-se do problema básico que torna a solução de
todos os outos mais difícil.
2- Qual a importância das relações
comerciais entre Brasil e Estados Unidos?
PRA:
Fundamental, sem dúvida, como tem sido desde um século aproximadamente,
muito embora o Brasil tenha interesse em desenvolver o mais possível suas
relações econômicas e comerciais com o maior número de países. Como primeira
potência comercial, tecnológica e financeira, os EUA ainda são, e continuarão a
ser pelo futuro previsível, a principal fonte de recursos financeiros, de
inovações tecnológicas e o maior provedor de oportunidades de mercado para a
economia brasileira.
3- Quais são os temas sensíveis do
Brasil com relação aos Estados Unidos no âmbito do comércio?
PRA:
Do lado americano, o protecionismo setorial (suco de laranja, siderúrgicos,
produtos agrícolas, por exemplo), as medidas abusivas de defesa comercial e
sobretudo práticas deletérias de subvencionismo agrícola (medidas de apoio
interno e subvenções às exportações) e de retorsão comercial. Do lado
brasileiro, um protecionismo ainda mais extenso, uma timidez na abertura aos
capitais de risco americanos e uma atitude em geral pouco amistosa que se
traduz no cerceamento americano a certas necessidades brasileiras em
tecnologias sensíveis (sobretudo na área nuclear).
4- Quais são os elementos que
interferem no comportamento do Brasil com relação aos Estados Unidos no que diz
respeito ao comércio?
5- Nos dias atuais, os Estados Unidos
continuam sendo uma parceria estratégica importante para a política externa
brasileira?
PRA:
Sem dúvida, mas a definição de estratégica tende a variar de acordo com o
governo, aqui e nos EUA, alguns mais abertos e reciptivos, outros mais
fechados. Por outro lado, cada um dos países ocupa uma posição específica no
contexto regional e mundial, do que derivam percepções diferentes sobre a
realidade internacional, sobre as necessidades prioritárias de cada um (para o
Brasil, desenvolvimento, por exemplo, para os EUA, segurança) e sobre o papel
que cada um deve desempenhar nas instâncias multilaterais e regionais.
6- Como é o Brasil hoje sem ALCA?
PRA:
Um país com um baixo coeficiente de abertura externa, isto é, pequena
participação do comércio exterior na formação do PIB, relativaente
protecionista e relutante em acolher investimentos estrangeiros, com temor que
isso afete sua soberania ou desnacionalize a sua economia. Sobretudo
introvertido e incapaz de resolver graves problemas de ordem macro ou
microeconômica (insuficiências na infra-estrutura, por exemplo, ou ainda um
sistema tributário pouco propenso a ganhos de produtividade e de competitividade
para as empresas, que são penalizadas por deficiências regulatórias e sobretudo
pesada carga fiscal), sem um desafio externo que o conduza a empreender essas
reformas necessárias, o que poderia ser representado pela Alca.
7- O que mudaria no país, caso a ALCA
acontecesse?
PRA:
Muita coisa mudaria, algumas positivas absolutamente (como a maior abertura
comercial e maior inserção no mundo), outras representando desafios a vencer,
como o baixo nível de capitalização das empresas, o chamado “custo Brasil” e
outros problemas que poderiam ser potencializados pela Alca.
As
maiores mudanças seriam contudo sobretudo de ordem mental, já que o Brasil e os
brasileiros continuam a olhar os Estados Unidos com desconfiança, pensando em
“hegemonia” quando os americanos pensam essencialmente em negócios.
8- O que significa a ALCA para o Brasil
e o que significa para os Estados Unidos?
PRA:
Para nós um grande desafio, para eles apenas mais uma conquista comercial
no sentido da abertura de outros países aos investimentos de suas empresas. A
Alca pode representar metade da nossa interface econômica externa, para os EUA
menos do que 10% (embora importante pois se trata de uma das poucas áreas no
mundo onde eles fariam saldos superavitários na relação comercial).
9- Quais seriam as modificações na
política comercial com os Estados Unidos caso a ALCA aconteça?
PRA:
Eles prefeririam que nada mude, nem nas leis comerciais, nem nos
regulamentos internos. Para o Brasil seria essencial que os EUA desmantelassem
o seu arsenal protecionista e subvencionista na área agrícola, em alguns
serviços e sobretudo que eles reformulassem a legislação de defesa comercial
para não ocorrer os casos de anti-dumping e salvaguardas abusivos e por vezes
ilegais. Duvido, porém, que o Congresso americano esteja propenso a dar estes
passos importantes no desarme comercial.
9- Quais foram as principais mudanças
que ocorreram da passagem do governo FHC para o governo Lula com relação à
política comercial com os Estados Unidos?
PRA:
Muito poucas, praticamente nenhuma, apenas uma atitude brasileira ainda menos
propensa à abertura ao comércio e aos investimentos. Ocorre, por outro lado,
uma certa má vontade em relação aos Estados Unidos por parte da atual
administração, revelada, por exemplo, no fichamento de americanos e na
tentativa de expulsão do correspondente americano do New York Times.
10- Houve mudanças na agenda e nos
objetivos do Brasil com o novo governo?
PRA:
Sim, houve, mas menos importantes do que se acredita e do que se proclama.
As mudanças são bem mais retóricas do que efetivas. Em meu trabalho encaminhado
em anexo, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula” eu
tento mapear as diferenças reais de postura entre os dois governos.
Feito em Brasília, em 20 de maio de 2004
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
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