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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 20 de novembro de 2011

Grandes potencias: mini crash-course de Paulo Roberto de Almeida


O que segue abaixo, sob o conceito de "Potências", foi escrito em 28 de janeiro de 2004, para servir de roteiro-guia e de base a respostas minhas em entrevista filmada para o programa Conexão Mundo, do Instituto Legislativo Brasileiro, e deve ter sido veiculado na TV do Senado Federal. Segundo meus registros, a gravação estaria disponível no seguinte link (mas não tenho certeza): http://www.senado.gov.br/sf/senado/ilb/medias/Videos_Educacionais/Conexao_Mundo/conexao02c.wmv.
 Em todo caso, segue como apoio didático, sem que eu tenha tido tempo de revisá-lo, sobretudo para levar em conta a fulgurante ascensão da China no período decorrido desde sua redação. Aproveitem, mas se forem usar como base de algum trabalho, favor referir ao autor verdadeiro.
Paulo Roberto de Almeida 

Potências: Conceitos Fundamentais

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)

Brasília, 28 de janeiro de 2004

1) O que são essas potências?
            Desde a constituição dos primeiros Estados organizados, ainda na Antiguidade, existem potências, isto é, Estados poderosos, capazes de dominar os demais pelo seu poderio militar, econômico, ou pela sua simples massa física, ou seja, populacional, desproporcional em relação a outros estados ou comunidadades não organizadas de modo sofisticado, ou de menores dimensões.
            Um Estado se torna potência precisamente por passar a dominar ou a influenciar outros de modo decisivo, sem que os outros Estados ou comunidades tenham a possibilidade de responder de maneira proporcional, ou escapar a essa influência.
            No passado, um empreendimento de conquista militar de um Estado sobre outros se dava pela busca de recursos econômicos, mais frequentemente escravos, metais preciosos ou para assegurar-se de terras mais férteis para sua própria população, geralmente em expansão. Em algumas ocasiões, os motivos foram religiosos, em outras a busca de segurança, de modo mais raro.
            O que de toda forma caracteriza essas potências é a disposição de meios militares, ou tecnológicos, mais avançados do que aqueles detidos pelos povos que então passavam a ser dominados. Essa supremacia militar é ela mesma o resultado de um poder econômico mais avançado, geralmente o resultado de inovação e produtividade, isto é, a capacidade de produzir mais e melhor a partir dos recursos disponíveis.
            Em outros termos, por detrás de canhões e barcos de guerra estão indústrias, e atrás destas, empresários inovadores, inventores, administradores eficientes, sobretudo no âmbito do poder estatal, que pode desviar recursos dos agentes econômicos privados para fins improdutivos – luxo e ócio da classe dominante – ou empregá-los para aumentar o poderio do país e do próprio Estado.
            Nenhum Estado, mesmo um império poderoso, é capaz de se impor apenas pela força militar, embora esta seja a base de todos os tipos de dominação primária. Um domínio regular, ou constante, requer outros princípios organizadores, geralmente no plano econômico e até mesmo no campo dos valores, entre os quais se situa a própria legitimidade dessa dominação, que pode adquirir características simbólicas, como no caso da influência cultural.
            Não é difícil reconhecer uma potência, na história passada ou atualmente, mas é mais difícil identificar quando uma determinada potência entra em decadência, pois os sinais precursores nem sempre são visíveis.

2) Como elas se formam?
            No passado, as potência se formavam a partir da conquista militar e seu crescimento contínuo resultava na constituição de um império. O exemplo clássico é obviamente o de Roma antiga, cujo poderio, de vários séculos, foi iniciado a partir de uma pequena cidade dotada de regime republicanao e que foi aperfeiçoando os meios de se defender, e depois de atacar seus concorrentes – neste caso, os fenícios, a grande potência comercial da época – mediante técnicas militares inovadoras: legiões de soldados extremamente disciplinados e bem treinados, organizados de maneira não muito diferente ao de uma moderna fábrica industrial: chefes, diretores de linha, capatazes.
            Foram essas técnicas militares extremamente eficientes que elevaram Roma à condição de império praticamente universal, naquele mundo antigo que foi o berço das sociedades ocidentais. Depois, por diversas razões, os romanos se deixaram entorpecer pelos louros das suas conquistas e sua classe dominante deixou de cultivar as virtudes guerreiras dos pais fundadores, refestalando-se, assim conta uma certa história, no ócio e nos prazeres da vida. Foram vencidos por outros povos guerreiros, embora os historiadores discordem sobre as razões exatas da decadência e desaparecimento do império romano, já na era cristã.
            No Extremo Oriente, em contrapartida, o império chinês, também formado ao longo de uma história de invasões, conquistas e fusões de povos diversos, chegou a ser, provavelmente, o mais longo poder contínuo da história da humanidade, com alguns milhares de anos de registros de dinastias sucessivas. Ainda no século 18, a China era a maior economia do planeta, pelo menos em termos brutos, pela sua população e produção agrícola. Ela também tinha estado na vanguarda da humanidade em termos de descobertas científicas, inovações práticas – como a bússola e o papel, fundamental na difusão do conhecimento – e também desenvolveram a pólvora. Infelizmente, não souberam utilizar todas as possibilidades desse poderoso fator de supremacia militar e acabaram, já no século 19, sob a dominação de potências estrangeiras, européias, e depois também do Japão, que até meados daquele século ainda era um país feudal.
            A formação dos Estados Unidos como grande potência se deu na sequência de sua ascensão como grande economia industrial, depois financeira, e na lacuna deixada pelos imperialismos europeus, que se destruiram em duas grandes guerras mundiais. Sua confirmação como superpotência foi provocada pelo surgimento de uma outra potência inimiga, a União Soviética, com quem dividiu a hegemonia sobre os negócios mundiais durante toda a era da Guerra Fria, os quarenta anos que se seguem à Segunda Guerra Mundial.
Finalmente, sua condição atual de hiperpotência se dá no vácuo deixado pelo desaparecimento da União Soviética e como resultado dos contínuos investimentos realizados pelos Estados Unidos em tecnologias militares, eles mesmos resultantes de um sistema econômico bastante inovador e altamente produtivo.
No passado, potências se formavam e podiam desaparecer, em espaços temporais variados. Nos últimos dois séculos, ou grosso modo desde o Congresso de Viena (1815), há uma certa estabilidade hegemônica, ainda que certas potências tenham desaparecido (o Império Austro-Húngaro, por exemplo), outras surgido e implodido (como a União Soviética) e outras emergido gradual mas triunfalmente, como os Estados Unidos. Todas elas constituíam grandes territórios e grandes populações, dotadas de um certo espírito guerreiro, com a possível exceção da Grã-Bretanha, cujas bases imperiais foram acentuadamente econômicas, com o necessário suporte militar, mais baseado em técnicas superiores de supremacia do que necessariamente no peso físico de grandes exércitos. Mesmo em seu auge, o Império Britânico não mobilizou grandes tropas de ocupação territorial, sendo mais fundado sobre o poder de suas canhoneiras e na astúcia de seus homens de negócios (servidos por uma moeda ainda mais poderosa).

3) O que representam para as relações internacionais?
            As grandes potências e, em menor escala, as potências médias, eventualmente coligadas, são as únicas capazes de moldar as relações internacionais, isto é, determinar o destino das relações econômicas globais, as normas que podem ou não ser aplicadas para o relacionamento entre Estados e também o modo de trabalho e as orientações que devem ser seguidas pelas organizações internacionais, a exemplo da Organização Mundial do Comércio, do Fundo Monetário Internacional e num certo sentido até da ONU, enquanto órgão encarregado da segurança internacional. Só os Estados Unidos, no entanto, têm condições de desafiar esse mesmo sistema internacional, dado o seu enorme poderio militar, econômico e financeiro, grosso modo equivalente a quase um quarto da riqueza mundial (para uma população que não chega a cinco por cento do total da humanidade).
            A história conheceu diversos poderes hegemônicos ao longo do tempo, alguns confinados a suas regiões respectivas, como o império chinês, outros de alcance praticamente universal, em suas respectivas épocas, como o império romano, na antiguidade, o espanhol, até o século 18, depois o britânico, na época da primeira revolução industrial, e hoje, obviamente, a hiperpotência americana, cuja eventual decadência não figura ainda no horizonte histórico.
            É muito provável, assim, que os Estados Unidos continuarão a moldar as relações internacionais contemporâneas pelo futuro previsível, a partir de suas empresas, de sua língua, de seus bens e serviços culturais, que exercem poderosa influência no resto do mundo. Seu poderio militar ainda é importante, mas as bases atuais de sua dominação são propriamente econômicas e culturais, não exclusivamente militares.

4) Como são tomadas as decisões entre elas?
            No passado, em geral, de modo pouco cooperativo, já que a competição por recursos escassos sempre colocou as potências existentes em situações de confronto, quando não de guerra direta. Roma humilhou Cartago, ao ponto da destruição física, mas invadiu e dominou muitas outras nações, inclusive mais avançadas culturalmente, como a Grécia e o Egito, mas fracas militarmente. A China também colocou sob sua vassalagem muitos outros reinos vizinhos, entre eles o da Coréia. A tomada de decisões, nesse caso, só pode ser de dominador a dominado, mas as relações também podem evoluir para a cooperação, ainda que de forma assimétrica.
            No período moderno, Espanha e Inglaterra se disputaram o predomínio nos mares, com a derrota da primeira, o que permitiu a este último reino avançar por sua vez na constituição do que foi, provavelmente, o maior império de toda a história da humanidade. No começo do século 20, o império britânico se estendia praticamente a todos os continentes, sem contestação no plano militar, ou pelo menos naval. As decisões eram então tomadas segundo um princípio simples: Britannia rules the waves, ou seja, a Grã-Bretanha domina os mares.
            Em outras épocas, houve o chamado equilíbrio de poderes, com um certo status quo militar entre as grandes potências. Na era da Guerra Fria, prevalecia o chamado equilíbrio do terror, entre as duas superpotências nucleares. As decisões não eram cooperativas, mas tomadas por acomodação, para evitar um confronto direto entre elas, mas ocorriam conflitos interpostos nos espaços periféricos ao seu poder militar direto.
            Atualmente, prevalece uma certa cooperação entre as grandes potências, inclusive devido ao fim dos grandes conflitos pela conquista de territórios – como tinha sido o caso ainda menos de cem anos atrás, no início do século 20 – e a consciência de que uma grande guerra seria catastrófica para todos os oponentes. Isso não impede a existencia de desacordos entre essas grandes potências, como ocorreu ainda na invasão do Iraque pelos Estados Unidos, com uma coligação pró-invasão constituída praticamente apenas pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha – esta sendo a rigor dispensável, para todos os efeitos militares – e uma frente contrária formada por dois velhos aliados, a França e a Alemanha, aos quais se juntou a Rússia. A China preferiu manter-se fora de qualquer coligação e, ainda que ela seja por vezes apontada como um poder futuramente contestador da hegemonia americana, parece também claro seu desejo de usufruir de vantagens econômicas e tecnológicas nas suas relações com os Estados Unidos, daí sua atitude basicamente pragmática na fase atual.
O Brasil, uma potência média desprovida de grandes recursos militares, tem interesse num processo decisório, a nível mundial, que preserve as possibilidades de cooperação num ambiente desprovido de pressões hegemônicas e de imposição unilateral da vontade de qualquer potência sobre os interesses dos demais estados da comunidade internacional. Seu princípio guia nas relações internacionais é, compreensivelmente, a força do direito sobre o direito da força.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de janeiro de 2004

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