Antigamente, muito antigamente, se dizia de alguém que não se arrependia de seus malfeitos, que não reconhecia ter errado ou cometido uma impropriedade que esta pessoa "não tinha vergonha na cara".
Essa frase tinha algum efeito, pois supostamente os assim classificados eram objeto de discriminação social e passavam a esconder-se do distinto público, para não serem reconhecidos e apontados como os tais aos quais "faltava vergonha na cara".
Mas isso foi muito antigamente.
Depois, mais especificamente uns dez anos atrás, chegou o tal de partido da ética e simplesmente desmantelou esses pruridos existenciais, passou a ignorar qualquer vergonha, sua ou dos outros. Pura e simplesmente desmantelou qualquer sentido de razoabilidade no trato da coisa públicou, eliminou completamente as fronteiras entre o certo e o errado, e ultimamente até passou a condenar "campanhas de moralização", como se estas fossem... imorais!!!
Pois é, deu no que deu: políticos sem vergonha, que não têm vergonha de não terem vergonha na cara...
Os desavergonhados
11 de novembro de 2011 | 3h 04
Nelson Motta - O Estado de S.Paulo
O errado e o malfeito, a incompetência e o desleixo, a estupidez e a má-fé são próprios da condição humana. A diferença está entre os que se envergonham e os desavergonhados. No Japão civilizado, a vergonha é o pior castigo para uma pessoa e sua família, mais temida do que as penas da lei. Homens públicos se suicidam por pura vergonha. Embora seja só meio caminho para não errar de novo, o sentimento de vergonha ajuda a civilizar. Já os que não se envergonham, nem por si nem pelos outros, são determinantes para que suas sociedades sejam as que mais sofrem com a corrupção, a criminalidade e a violência, independente de sua potência econômica ou regime politico.
Em brilhante estreia no Blog do Noblat, o professor Elton Simões analisou pesquisas internacionais sobre as relações entre o sentimento de vergonha social e familiar e a criminalidade.
Nas sociedades em que a violência e o crime são vistos como ofensas à comunidade, e não ao Estado, em que a noção de ética antecede a de direito, em que o importante é fazer o certo e não meramente o legal, há menos crime, violência e corrupção, e todo mundo vive melhor - por supuesto, o objetivo de qualquer governo. Nas sociedades evoluídas e pacíficas, como o Japão, a principal função da Justiça é restaurar os danos e relações entre as pessoas, e não punir ofensas ao Estado e fabricar presos.
"Existe algo fundamentalmente errado em uma sociedade quando as noções de legalidade ou ilegalidade substituem as de certo ou errado. Quando o sistema jurídico fica mais importante do que a ética. Nesta hora, perdemos a vergonha", diz o professor Simões. Como os políticos que, antes de jurarem inocência, bradam que não há provas contra eles. Ou que seu crime foi antes do mandato.
Não por acaso, no Brasil, onde a falta de vergonha contamina os poderes e a administração pública - apesar de todo nosso progresso econômico e avanços sociais -, a criminalidade, a violência e a corrupção crescem e ameaçam a sociedade democrática. Não há dinheiro, tecnologia leis ou armas que vençam a sem-vergonhice. Só o tempo, a educação e líderes com vergonha.
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