Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude
(Hartford: Edição
do Autor, 2015). Hartford, 16 abril 2015, 380 p.
Livro montado a partir de uma
seleção de minhas colaborações ao Meridiano
47.
Relação de Originais n.
2813; Publicados n. 1173.
Apresentação:
Freakdiplomacy, or the
advantages of being an accidental diplomat
Paulo Roberto de Almeida
Prefácio ao livro:
Paralelos com o Meridiano 47:
Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude
(Hartford: Edição do Autor, 2015).
Quando eu estava
terminando de montar – esta é a palavra exata – este livro de ensaios
publicados no boletim Meridiano 47
fui presenteado com o livro Freakonomics,
o livro de um “rogue economist”, Steven D. Levitt, um desses pequenos gênios de
Harvard e do MIT, e de um jornalista, Stephen J. Dubner, que estava pesquisando
sobre a psicologia da moeda para o The New York Times Magazine. Do entendimento
entre os dois nasceu esse livro, que eu já conhecia de ler aos pedaços em
livrarias, de dezenas de resenhas e referências elogiosas publicadas em dezenas
de outras publicações digitais ou impressas, e de um ou outro artigo da dupla
reproduzido nos espaços virtuais que todos frequentamos atualmente.
Apressado para terminar a
assemblagem dos mais interessantes artigos que eu havia publicado, desde 2001, no mais dinâmico
boletim de relações internacionais já inventado na academia brasileira, quase
não pego o livro para, por uma vez, lê-lo atentamente. Bem, ainda não terminei de
devorar esse pequeno volume de ensaios bizarros – oportunamente complementado por
um novo, SuperFreakonomics, tratando
dos mesmos assuntos pouco convencionais na economia e no jornalismo – mas já
cheguei à conclusão que eu e os autores dos dois volumes (e outros virão) de
economia contrarianista temos muito em comum: a coincidência se resume basicamente no
fato de sermos, eu e a dupla Freak, contestadores das verdades reveladas,
daquilo que os franceses chamam de idées
reçues, ou seja, o pensamento banal, aceito como correto nos mais diferentes
meios em que essas ideias se aplicam (mas geralmente de forma equivocada).
E por que digo isto, ao
iniciar a introdução de um livro de “ideias já recebidas”, ou pelo menos de
ensaios já publicados? É porque eu já fui chamado, certa vez, de accident prone diplomat, ou seja, alguém
que busca confusão, o barulho, no meu caso, de fato, mais a provocação do que a
contestação gratuita. Com efeito, eu não consigo me convencer com certas idées reçues nos meios que frequento, e
estou sempre à busca de seus fundamentos, justificações, provas empíricas,
testemunhos de sua adequação e funcionamento no ambiente em que deveriam operar,
em condições normais de pressão e temperatura, enfim, o entendimento
convencional de como é ou de como deve funcionar a diplomacia, em especial, a
nossa, esta sempre tida por excelente e que, aparentemente, não improvisa.
Talvez devesse fazê-lo, em certas ocasiões...
Na verdade, antes de ser um
accident prone diplomat, se isto é
correto (o que duvido), creio ser um diplomata acidental, alguém que se dava
bem na academia, tangenciando as áreas dos dois autores de Freakonomics, e que resolveu, num repente, ser diplomata. Posso até
recomendar a profissão, aos que gostam de inteligência, de cultura, de viagens,
de debates sobre como consertar este nosso mundo tão sofrido, aos que são
nômades por natureza (como é o meu caso e mais ainda o de Carmen Lícia), menos
talvez aos que apreciam pouco um ambiente meio Vaticano meio Forças Armadas.
Com efeito, hierarquia e disciplina são os dois princípios que estão sempre
sendo lembrados aos jovens diplomatas como sendo a base de funcionamento dessa
Casa aparentemente tão austera, tão correta, tão eficiente no tratamento das
mais diversas questões da nossa diplomacia.
Atenção, eu disse
diplomacia, que é uma técnica, e não política externa, que pode ser qualquer
uma que seja posta em marcha pelas forças políticas temporariamente dominantes
no espectro eleitoral do país. Política externa pertence a um governo, a um
partido; a diplomacia pertence a um Estado, que possui instituições
permanentes, entre elas essa que aplica a política externa de um governo por
meio da diplomacia. E por que então o título Freakdiplomacy que inaugura este prefácio? Não preciso responder
agora, e provavelmente nem depois, mas a resposta talvez esteja em cada um dos
ensaios reunidos nesta coletânea de artigos publicados desde 2001 no boletim Meridiano 47. Ninguém há de recusar o
fato de que, desde 2003 pelo menos, o Brasil vive tempos não convencionais, nos
quais assistimos coisas nunca antes vistas na diplomacia, que por acaso é o
título de meu livro mais recente.
Pois bem, reunindo tudo o
que eu escrevi nos parágrafos anteriores – diplomata acidental, hierarquia,
disciplina, ideias de senso comum, etc. – e juntando tais conceitos aos ensaios
aqui compilados, vocês terão uma explicação para o sentido geral de minha obra,
anárquica, dispersa, contestadora, por vezes contrarianista, mas explorando,
como os dois autores de Freakonomics,
the hidden side of everything, ou,
neste caso, o lado menos convencional da diplomacia, aquele que explora certas
verdades reveladas e ousa apresentar outras ideias que não necessariamente
fazem parte do discurso oficial. Esta talvez seja a razão de eu também
apreciar, muitíssimo, uma seção da revista Foreign
Policy, desde a sua reorganização por Moisés Naím, que se chama “Think
Again”, ou seja, reconsidere, ou pense duas vezes, pois a resposta, ou a
explicação pode não estar do lado que você costuma encontrar, mas que talvez
esteja escondida em alguma dobra da realidade, por uma dessas surpresas do
raciocínio lógico, por alguma astúcia da razão ou por algum outro motivo que se
encontra enterrado, e quase esquecido, na história.
A vantagem de ser um
diplomata acidental está justamente no fato de poder perseguir, nem sempre
impunemente, o outro lado das coisas, e de poder contestar algumas dessas idées reçues que passam por certezas
consagradas, ou pela única postura possível no funcionamento convencional da
grande burocracia vaticana, que também leva jeito de quartel (mas acordando um
pouco mais tarde). Durante todos estes anos em que venho colaborando com o
boletim Meridiano 47, e desde algum
tempo com seu irmão mais novo, digital, Mundorama,
tenho podido exercer meu lado irreverente e pouco convencional para tratar de
aspectos muito pouco convencionais de nossa Freakdiplomacy
nestes anos do nunca antes (et pour cause).
Atenção: estes ensaios não
brotaram, originalmente, de trabalhos de pesquisa, ou daquilo que se chama,
usualmente, de scholarly work, isto
é, o material resultante de estudos meticulosos, ou objeto de revisão cega por
pares, que está mais propriamente coletado em meus livros publicados. Eles são,
eu diria, peças de simples divertimento intelectual, ainda que vários deles contenham
aparato referencial (notas de rodapé, bibliografia, citações doutas, etc.) e
também sejam o reflexo de muitas leituras sérias e anotadas ao longo de meus
anos de estudo e trabalho. Mas, destinados a um veículo mais leve, e não a uma
revista científica, eles constituem reflexões de um momento, de um problema, de
algum freak-event que valia a pena
registrar em um artigo mais curto.
Devo a existência de mais
este livro de coletânea de meus próprios textos a meu amigo, colega acadêmico e
grande editor de publicações leves e mais pesadas, o professor Antonio Carlos
Lessa, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, a
quem aprendi a admirar desde nossos primeiros passos conjuntos na reorganização
da Revista Brasileira de Política
Internacional, recuperada por mim de uma morte certeira, quando do
falecimento de seu editor no Rio de Janeiro, Cleantho de Paiva Leite, no final
de 1992. O professor Lessa foi o animador constante, e mais ativo, de diversas
outras publicações que marcaram, e ainda marcam sua trajetória na UnB, algumas
desaparecidas, em forma impressa ou digital, como foi o caso de Relnet, por
exemplo (onde foram publicados alguns destes ensaios em sua primeira encarnação),
outras resistentes e persistentes, como a própria RBPI e este boletim Meridiano
47, justamente. Sem o professor Lessa, o boletim não existiria, e sem o seu
trabalho incansável não teríamos tantos e tão bons produtos saindo das
fornalhas do IBRI e do IRel-UnB. A ele dedico, portanto, esta compilação
seletiva, com meus agradecimentos renovados pelo seu esforço e sua pertinácia
nos empreendimentos.
Todos estes meus ensaios,
na forma em que foram publicados, estão em princípio disponíveis nos arquivos
digitais do boletim Meridiano 47 (ver
este link: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/archive ou este aqui: http://mundorama.net/category/2-biblioteca/boletim-meridiano-47/). O que vai aqui
compilado foi retirado de meus próprios arquivos, em processador usual de
texto, para contornar os problemas de formatação de texto em suporte digital,
mas corresponde, em princípio, ao que foi publicado. Nem tudo o que publiquei
vai aqui reproduzido, em ordem não cronológica, mas organizada por grandes
categorias de estudo. Ficaram de fora diversos artigos circunstanciais, todas
as resenhas de livros – já coletadas em outras publicações digitais que
organizei – e alguns textos de menor importância. Todos aqueles efetivamente publicados
(salvo distração minha) estão ordenados cronologicamente no apêndice ao final
do volume, onde também figuram os respectivos links para revisão dos mais
desconfiados ou curiosos. Também tenho colaborado, agora como colunista não
pago, com outra iniciativa do Prof. Antonio Carlos Lessa, Mundorama, um veículo ainda mais leve que Meridiano 47, e que libera eventualmente material para posterior
publicação neste último (como ocorreu com alguns destes meus ensaios).
O lado “freak”, ou
divertido, de ser um diplomata acidental está justamente na possibilidade de poder
escrever livremente sobre assuntos sérios e menos sérios, com a liberdade editorial
que só existe nos veículos leves, sem precisar cumprir todo o ritual chato dos
requisitos acadêmicos ligados às revistas “sérias” – como a RBPI, por exemplo, com a qual também
colaboro, de diversas maneiras – e sem precisar atentar para a langue de bois normalmente associada às
publicações oficiais, onde o lado vaticano inevitavelmente predomina. Foi
nestes ensaios que eu explorei o lado meio escondido de certas verdades
reveladas do meio profissional, uma atividade que sempre me deu imenso prazer
por combinar com meu jeito contrarianista de ser.
Dito isto, preciso voltar
a coisas mais sérias, como o segundo volume de minha história das relações
econômicas internacionais do Brasil, que me espera desde vários anos a partir
da conclusão do primeiro volume (Formação
da Diplomacia Econômica no Brasil). Assim que terminar, vou voltar a me
divertir, nas páginas de Meridiano 47,
nos arquivos digitais de Mundorama,
ou nos meus próprios veículos de divulgação.
Vale!
Hartford, 2812: 16 de abril de 2015, 4 p.