O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Brics, ainda uma vez, em 2017 - Paulo Roberto de Almeida

Depois da postagem de um trabalho meu, de maior consistência, sobre o Mercosul, mas produzido em 2014, e que está disponível neste link: 
             https://www.academia.edu/s/fa4524406e/o-que-eu-pensava-do-brics-em-2014-continuo-pensando-o-mesmo-2019#comment_461804
lembrei-me de um outro texto, mais opinativo, pois que preparado não como texto de leitura, mas para apoiar palestra, e que informo aqui: 


3188. “O lugar dos BRICS na agenda brasileira e internacional: reflexões, papeis e linkages”, Brasília, 3 novembro 2017, 29 p. Texto-guia para palestra no quadro do IV CIRIPE, Congresso Internacional de Relações Internacionais de Pernambuco (7/11/2017), a convite da Faculdade Damas, servindo também para livro (e-book), “O Lugar dos BRICS nas relações internacionais contemporâneas: Anais do IV Congresso Internacional de Relações Internacionais de Pernambuco. Inserido na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/15ebecf062/o-lugar-dos-brics-na-agenda-brasileira-e-internacional-reflexoes-papeis-e-linkages) e informado no blog Diplomatizzando (4/11/2017; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/11/repensando-o-brics-ou-um-dos-brics.html).

O lugar dos BRICS na agenda brasileira e internacional: reflexões, papeis e linkages


Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE
 [Palestra no quadro do IV CIRIPE, Congresso Internacional de Relações Internacionais de Pernambuco (7/11/2017), na Faculdade Damas, servindo também para o e-book, “O Lugar dos BRICS nas relações internacionais contemporâneas: Anais do IV Congresso Internacional de Relações Internacionais de Pernambuco”.]


Introdução: uma sigla inventada por um economista de finanças
O BRIC, depois convertido em BRICS a partir de demanda especificamente chinesa quando de sua segunda cúpula, adquiriu um papel relativamente importante na agenda diplomática do Brasil nos últimos dez anos. Uma análise dessa importância, sua adequação ou conveniência política, no quadro de uma estratégia diplomática de maior alcance, na atualidade e nos anos à frente, impõe o dever, que me parece ser de simples honestidade intelectual, de abstrair a retórica oficial, sempre positiva ou otimista em relação a empreendimentos de governos, para justamente examinar o lugar dessa nova entidade no cenário da diplomacia regional, ou de blocos, em função dos interesses nacionais brasileiros, um conceito que já é, por si só, de difícil definição e avaliação.
Para atender à demanda formulada pelos organizadores do IV Congresso Internacional de Relações Internacionais de Pernambuco, pretendo seguir fielmente o enunciado proposto em carta convite a mim endereçada, qual seja, o de efetuar uma análise de cunho pessoal, formada por reflexões próprias, sobre o papel e o lugar do BRICS na agenda brasileira e internacional, com vinculações entre as diferentes vertentes dessa temática. Ao fazê-lo, caberia, antes de mais nada, referir-me a trabalhos anteriores que elaborei desde o início da discussão em torno desse acrônimo criado por um economista de banco de investimento, para atender a objetivos outros, que não os de um agrupamento diplomático dotado de locus próprio no cenário internacional, mas sim para oferecer oportunidades lucrativas de retorno a investimentos concebidos segundo uma estratégia global de aplicações em mercados financeiros, nas respectivas bolsas nacionais, em termos de investimentos diretos nesses mercados emergentes e de operações com títulos soberanos dos Estados envolvidos na sigla.
Com efeito, o BRIC-BRICS é o único foro diplomático – e isto é absolutamente inédito no plano das relações internacionais –que surge, não a partir de uma evolução natural de um processo de consultas e de coordenação política entre governos que se aproximaram por conveniências detectadas soberanamente a respeito da utilidade de uma atuação conjunta, mas sim a partir de uma sugestão puramente operacional de um economista de banco privado, motivado por questões absolutamente desprovidas de qualquer ambientação diplomática, mais exatamente com a expectativa de ganhos financeiros com base em transações financeiras de mercado por agentes privados. Essa característica já deveria nos incitar a refletir sobre o BRICS não como um agrupamento dotado de lógica própria, definida de maneira soberana e independente por governos nacionais, mas como uma resposta oportunista detectada por diplomatas e dirigentes políticos, aproveitando um acrônimo que se tornou, inopinadamente, de grande apelo mercadológico e de notável exposição e atratividade política internacional.
Mas, realidades são mutáveis. Prova disso é que o próprio banco propositor do acrônimo, e dos negócios feitos a partir dele, já desmontou a sua carteira BRIC desde vários anos, depois que a crise de 2008 mudou a configuração dos ganhos atrativos a partir desse agrupamento algo artificial que vinculava a sigla em inglês – um “tijolo” – à construção hipotética de uma nova realidade emergente na economia mundial, e nunca mais voltou a formular estudos analíticos ou propostas de carteiras de investimentos sob a guarida do acrônimo. A essa altura, ele já tinha efetuado a sua decolagem diplomática e conquistado certo lugar de destaque no teatro da política e da economia internacional. Não se pode deixar de registrar essa caraterística, um paradoxo político-econômico, quando se empreende uma análise independente, empiricamente sólida, honesta intelectualmente, não sobre o acrônimo em si, mas sobre sua configuração efetiva, tal como desenvolvida desde sua formalização diplomática, na Rússia, em 2009.
O grupo, ou foro, adquiriu consistência, se reuniu em cúpulas, com muito papel e retórica diplomática, e alguma realização concreta, como é o banco dos Brics, o New Development Bank, com sede em Xangai, e já operacional desde sua criação na cúpula de Fortaleza (2014). Minha função, no entanto, é a de prover os estudiosos e analistas das relações internacionais com reflexões próprias, honestas, consistentes, sobre o papel dessa nova configuração em nossa agenda diplomática, o que pretendo fazer, essencial e basicamente, do ponto de vista dos interesses nacionais brasileiros, tais como eu os percebo, enquanto analista engajado num trabalho de tipo analítico não comprometido com as posições oficiais de quaisquer governos brasileiros. Minhas palavras e escritos engajam unicamente minha própria pessoa, não a minha atual condição profissional.
Por isso, para concluir com esta introdução, volto, em primeiro lugar, à minha produção já acumulada a esse respeito, cujo registro seletivo se encontra na bibliografia. Se ouso recolher de minhas listas cronológicas de trabalhos efetuados ao longo dos anos apenas aqueles que contêm a sigla BRIC, ou BRICS, em seu título – ou seja, excluindo todos os demais que podem conter análises parciais ou paralelas sobre esse grupo, no corpo do texto, por exemplo –, chego a um total de 22 textos, em seus vários formatos: ensaios, entrevistas, questionários, artigos, apresentações em seminários ou debates.
A primeira reflexão a respeito do tema foi feita em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, em novembro de 2006, no quadro de uma conferência nacional de estudos estratégicos na Escola de Guerra Naval, no Rio de Janeiro. Ela foi publicada sob o título “O Bric é só um exercício intelectual” na edição de 04/12/2006, tendo sido objeto, no dia seguinte, de um editorial sob o título “Atraso made in Brazil”, que deve ter causado certa comoção no Itamaraty, certamente junto ao chanceler Celso Amorim, que nessa época já se encontrava engajado na conformação da sigla como um novo grupo diplomático, em coordenação com o chanceler russo, Sergey Lavrov.
Tratou-se, portanto, de minha primeira abordagem desse fenômeno, que na época eu considerava ser uma construção puramente teórica, artificial, sem qualquer configuração material ou diplomática mais explícita. Outras aproximações ao conceito, e seu fenômeno, foram feitas nos anos seguintes, no quadro de palestras, de entrevistas e cursos que continuei a efetuar, sempre elaborando um pouco mais sobre essa nova realidade do cenário diplomático, que já surgia como um novo personagem, ainda preliminar, na selva de siglas que frequentavam os veículos de comunicação econômica mundial, junto com G-7, G-8 e, logo depois, o G-20 financeiro. Um trabalho de análise econômica mais detalhada dos países integrantes do grupo, “Radiografia do Bric: indagações a partir do Brasil” (26/08/2008), publicado inicialmente na edição em espanhol da revista da Fundação Friedrich Ebert, Nueva Sociedad (outubro 2008), foi publicado em nova versão, sob o título “To Be or Not the Bric”, na revista Inteligência.
Ao lado dos aspectos econômicos do que era, até então, apenas o Bric, nunca deixei de focar a vertente da democracia, praticamente inexistente em metade do grupo e de má qualidade na outra metade (2010a). Outra questão relevante era representada pela relação entre o Bric e outros grupos existentes no plano da coordenação política entre os grandes atores, como o G-8, por exemplo (Almeida: 2009), que até então contava com a participação da Rússia; um dos chanceleres do Bric chegou a proclamar a morte do G-8, o que de toda forma só tinha expressão puramente política, sem nunca ter afetado a coordenação econômico-financeira do G-7, que mais adiante passou a também trabalhar no âmbito do G-20 financeiro, mais inclusivo e mais legítimo, embora menos eficaz.
No ambiente acadêmico, passaram a ocorrer encontros de caráter mais analítico ou conceitual, especulando sobre as possíveis configurações de poder resultante desse novo bloco de potências emergentes. A essa altura, em 2009, quando o grupo emergia com identidade própria, elaborei um estudo de maior escopo interpretativo tratando da perspectiva histórico-diplomática sobre a emergência de um novo cenário global: “O Bric e a substituição de hegemonias: um exercício analítico”, em obra coletiva (2010b). Com a crise nos países centrais, e a aparente solidez do Bric, sua importância cresceu, mas momentaneamente, até operar-se uma nítida distinção entre o desempenho dos dois gigantes da Ásia e a performance medíocre, senão de recessão, nos demais. Apesar da desaceleração, 2009 foi o ano em que a China suplantou os Estados Unidos como o principal parceiro comercial – e por enquanto apenas comercial – do Brasil.
Já transformado em Brics, o grupo continuou a ocupar espaço na mídia mundial, mas seu papel efetivo passou a ser o de uma espécie de espelho anti-hegemônico do velho G-7, sem dispor da mesma capacidade de moldar a agenda internacional. Procedi, então, a convite a uma nova análise abrangente do papel do Brasil nesse foro, em novo ensaio publicado em obra coletiva editada em Portugal (2015). Vários trabalhos feitos posteriormente serviram apenas para reafirmar meus argumentos sempre críticos em relação a um bloco que me parece singularmente desprovido de uma identidade comum.

Reflexões sobre um novo animal no cenário diplomático internacional
(...)

Ler a íntegra nos seguintes links: 


Bibliografia: 
Referências bibliográficas:


Almeida, Paulo R. (2003). “A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia do governo Lula”, Sociologia e Política, n. 20 jun. 2003, p. 87-102; Dossiê Relações Internacionais, Rafael A. D. Villa (org.); link: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782003000100008.
________ (2006a). “O Bric é só um exercício intelectual”, entrevista a O Estado de São Paulo (04/12); artigo: O papel dos Brics na economia mundial (26/11/2006); blog Diplomatizzando http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/os-brics-antes-de-existirem-os-brics.html).
________ (2006b). “Uma verdade inconveniente (ou sobre a impossibilidade de o Brasil crescer 5% ao ano)”, blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2006/11/637-uma-verdade-inconveniente_11.html).
________ (2008). “To Be or Not the Bric”, Inteligência (ano XI, dezembro, p. 22-46; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/to-be-or-not-bric-2008-paulo-roberto-de.html).
________ (2009). “Sobre a morte do G8 e a ascensão dos Brics”, Diplomatizzando (15/06; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2009/06/1156-mais-rumores-sobre-morte-do-g8.html).
________ (2010a). A democracia nos Brics”, Diplomatizzando (12/07; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/07/democracia-nos-brics-paulo-r-almeida.html).
________ (2010b). “O Bric e a substituição de hegemonias: um exercício analítico”, In: Renato Baumann (org.): O Brasil e os demais BRICs: Comércio e Política (Brasília: CEPAL/IPEA, p. 131-154; disponível na plataforma Academia.edu: https://www.academia.edu/5794579/086_O_Bric_e_a_substitui%C3%A7%C3%A3o_de_hegemonias_um_exerc%C3%ADcio_anal%C3%ADtico_perspectiva_hist%C3%B3rico-diplom%C3%A1tica_sobre_a_emerg%C3%AAncia_de_um_novo_cen%C3%A1rio_global_2010_).
________ (2010c). “Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica”, Política Externa, vol. 19, n. 2, p. 27-40; blog Diplomatizzando, disponível: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/09/pensamento-e-acao-da-diplomacia-de-lula.html.
________ (2011). “Os Brics na nova conjuntura de crise econômica mundial”, Mundorama (10/10; link: http://www.mundorama.net/?p=8584).
________ (2012). “O grupo Brics no contexto da crise econômica mundial”, Revista Jurídica Consulex (ano 16, n. 374, agosto, p. 30-31), Diplomatizzando (26/08/2012; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/08/o-grupo-brics-no-contexto-da-crise.html).
________ (2014a). “Bases conceituais de uma política externa nacional”, in: Almeida, Paulo R. Nunca antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais. Curitiba: Appris, p. 23-41.
________ (2014b). “Nunca antes na diplomacia: balanço e avaliação”, in: Almeida, Paulo R. Nunca antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais. Curitiba: Appris, p. 189-211.
________ (2014c). A opção preferencial pelo Sul: um novo determinismo geográfico?”, in: Almeida, Paulo R. Nunca antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais. Curitiba: Appris, p. 241-254.
________ (2015). “Brasil no Brics”, In: Jorge Tavares da Silva (ed.), Brics e a Nova Ordem Internacional (Casal de Cambra: Caleidoscópio; Aveiro: Mare Liberum, p. 71-115; disponível na plataforma Academia.edu; link: https://www.academia.edu/10200076/108_Brasil_no_Brics_2015_).
Alves, André Gustavo de Miranda Pineli (org.) (2014). Os BRICS e seus vizinhos: investimento direto estrangeiro. Brasília: Ipea.
Badin, Michelle Ratton Sanchez; Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Roriz, João Henrique Ribeiro (2014), “Os acordos regionais preferenciais de comércio do Brasil com o seu entorno”, in: Baumann, Renato; Oliveira, Ivan Tiago Machado (orgs.) (2014). Os BRICS e seus vizinhos: comércio e acordos regionais. Brasília: Ipea, p. 55-101.
Baumann, Renato et alii (2015): BRICS: estudos e documentos. Brasília: Funag; Coleção relações internacionais.
________; Oliveira, Ivan Tiago Machado (orgs.) (2014). Os BRICS e seus vizinhos: comércio e acordos regionais. Brasília: Ipea.
________; Farias, Tamara Gregol de (orgs.) (2014). VI BRICS Academic Forum. Brasília: Ipea.
Carneiro, Izabel Patriota Pereira (org.) (2011). Catálogo Bibliográfico, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 2a. ed., revista e ampliada. Brasília: Funag.
Carneiro, Flavio Lyrio; Oliveira, Ivan Tiago Machado (2014), “As relações comerciais do Brasil com o seu entorno”, in: Baumann, Renato; Oliveira, Ivan Tiago Machado (orgs.) (2014). Os BRICS e seus vizinhos: comércio e acordos regionais. Brasília: Ipea, p. 15-54.
Fernandes, José Carlos Silvestre (2017). “BRICS, IBAS e o contexto das relações entre o Brasil e a Ásia”, in: Barbosa, Pedro Henrique Batista (org.). Os desafios e oportunidades na relação Brasil-Ásia na perspectiva de jovens diplomatas. Brasília: Funag, p. 339-379.
Lukyanov, Fyodor (2013). “Russia on Brics: expectations and realities”, in: Pimentel, José Vicente Sá (org.) (2013b): Brazil, BRICS and the International agenda. Brasília: Funag, p. 539-567.
Oliveira, Ivan Tiago Machado; Carneiro, Flavio Lyrio; Bacelete, Ricardo G., “As relações comerciais da China com seus vizinhos”, in: Baumann, Renato; Oliveira, Ivan Tiago Machado (orgs.) (2014). Os BRICS e seus vizinhos: comércio e acordos regionais. Brasília: Ipea, p. 255-279.
Pimentel, José Vicente Sá (org.) (2013a): O Brasil, os BRICS e a agenda internacional. 2a. ed., rev., ampl.; Brasília: Funag.
________ (ed.) (2013b): Brazil, BRICS and the International agenda. Brasília: Funag.
________ (org.) (2013c): O Debatendo o BRICS. Brasília: Funag.

O que os economistas diziam sobre o Governo Dilma em 2011 - Ricardo Bergamini

Gosto de Ricardo Bergamini porque ele não hesita, nunca hesitou a nadar contra a corrente, revisando implacavelmente os números para "corrigir" falsos otimismos de economistas consagrados, como neste texto sobre os primeiros cem dias, em 2011, da administração Dilma, que resultou ser a mais desastrosa e desastrada para o Brasil, aquela que resultou na Grande Destruição.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de janeiro de 2019

Economistas elogiam pragmatismo dos 100 primeiros dias de Dilma

Ricardo Bergamini (2011)

Ex-ministro Delfim Netto deu nota 9,9 para o novo governo; especialistas listam acertos e desafios para os próximos quatro anos
A presidente Dilma Rousseff chega, no próximo domingo, aos 100 primeiros dias na Presidência da República. Entre avaliações políticas e econômicas, o saldo é positivo, na análise de especialistas como Delfim Netto, Octavio de Barros, Paulo Rabello de Castro e Yoshiaki Nakano. Eles participaram nesta quinta-feira do debate “Uma análise dos 100 primeiros dias do governo Dilma”, realizado pela Fecomercio de São Paulo e foram praticamente consensuais: a gestão da presidente é mais técnica e pragmática que a do antecessor Luiz Inácio Lula da Silva.
“Estamos diante de um governo mais racional, pragmático e mais parrudo gerencialmente que o governo precedente”, disse o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros. “O governo Dilma é uma ‘heterodoxia disciplinada’. É um governo pragmático que se vir que o carro corre o risco de bater no muro não hesita e muda de pista”, completou.
O ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto se disse otimista com o atual governo – e deu como praticamente certa a reeleição de Dilma Rousseff, ao considerar que ainda restam mais de 2 mil dias para a presidente no Planalto. “Estamos caminhando para uma situação muito melhor do que estava. É uma evolução muito positiva.” 
Segundo Delfim, o governo da petista merece nota 9,9. O décimo que faltou para a nota máxima foi atribuído ao modelo “extremamente ridículo” do Banco Central na análise da economia. “Há uma consciência clara de que a economia não é tão simples como parecia. Será a maior vergonha quando, daqui a 20 anos, analisarem esse modelinho de três equações – da qual não consta o crédito - que se dizia capaz de explicar o que estava acontecendo.” 
Para o diretor da escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Yoshiaki Nakano, os 100 primeiros dias do governo brasileiro foram positivamente surpreendentes, pela condução técnica e pelas negociações no campo político. Ele, no entanto, reforçou que “o governo ainda não mostrou a que veio nas grandes questões”. “Faltam ousadia, metas claras e objetivos estabelecidos”, continuou Nakano, para que o País cumpra a agenda estabelecida.
O economista Paulo Rabello de Castro, presidente da RC Consultores e do Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio, disse que a análise dos 100 primeiros dias do governo é “injusta”, por conta dos outros dias que ainda restam. Entretanto, ele pontua que a avaliação é importante pelas “perspectivas que a economia brasileira oferece”.
Rabello citou uma pesquisa realizada junto aos diretores da Fecomercio, na qual a avaliação média do governo Dilma foi “suficiente” nas questões de promessas e programas de governo, imagem e realizações do governo Lula, desafios de conjuntura (inflação, déficit, competitividade e câmbio) e desafios permanentes (pobreza, acumulação, conhecimento, justiça fiscal e projeto Brasil). 
Dilma x Lula
Ao comparar a gestão de Dilma com a de Lula, Octavio de Barros disse existir uma clara diferença: o Lula é o presidente da demanda e a Dilma, da oferta. “Muito possivelmente, a agenda da Dilma estará mais do lado de quem produz e de quem investe. Claro que ela tem desafios do lado da demanda, mas estamos diante de uma nova orientação”, afirmou.
O economista-chefe do Bradesco afirmou que o País vive perspectivas positivas para o longo prazo, sem “espaços para ceticismo”. Barros acredita que “O Brasil tem condições de ingressar em um ciclo de 30 gloriosos anos”. Para tanto, diz ele, a manutenção da liderança da China, um ajuste fiscal e a reforma da previdência são pilares fundamentais.
Para Rabello, uma das principais questões que a gestão Dilma deve se diferenciar de Lula é no tratamento dado aos juros. “O governo Lula pagou uma indecência de juros durante oito anos de mandato e a presidente Dilma está equivocada ao ameaçar o Brasil de pagar R$ 220 bilhões apenas em juros no ano corrente.”
“O grande desafio da presidente é não repetir a pauta velha. Somos um País que admissivelmente acabou com a inflação, mas que reluta em pedir o fim da indexação dos nossos contratos”, completou o economista da RC Consultores. 
Mudanças

Yoshiaki Nakano considerou, por sua vez, que o Brasil passa por uma mudança abrupta, inciada em 2005. Esse movimento, explica, está associado à expansão do mercado doméstico e à mudança da confiança do empresariado brasileiro. “Quando você consegue formar uma massa crítica mínima disposta a fazer investimentos, o país vai para frente.”
Nakano pontuou que o crescimento do investimento em patamares superiores ao avanço do próprio PIB abre perspectivas positivas, mas “o grande problema é que o governo puxa o breque de mão o tempo todo”.
Ele projeta que, para crescer na casa dos 5% ao ano, o País precisará ampliar a taxa de investimento dos atuais 18% do PIB para algo em torno de 25% do PIB. “Aumentar essa taxa significa migrar recursos do consumo para investimento. A política do governo está voltada para o consumo e isso, claramente, tem um limite.”
O ex-ministro Delfim Netto reforçou a mudança social e econômica que o País atravessa. “Hoje, a empregada doméstica é uma espécie em extinção”, diz. “Ela virou manicure, depois telefonista do call center, depois foi trabalhar em uma loja e agora é gerente. Quando ela começou, usava sabão de coco. Hoje, usa Dove”, comparou.
Segundo Delfim, esse movimento explica o desarranjo existente entre oferta e demanda no setor de serviços, que gera a pressão inflacionária vista atualmente. 
Desafios

Diante do descompasso entre oferta e demanda, um dos grandes desafios para o governo Dilma no curto prazo é o controle da inflação. Octavio de Barros, do Bradesco, diz que a pressão maior vem por parte do setor de serviços, “que essencialmente traduz essa pressão sobre o mercado de trabalho”. 
Ele acredita, por outro lado, que o empresário brasileiro não está com foco no horizonte de 2011. “Pelos nossos estudos, nenhum empresário está preocupado com o crescimento deste ano. O horizonte é muito mais amplo.”
Octavio defende, neste início de governo, um combate à desancoragem e à indexação da economia. “Isso deixou de ser um tema apenas do Banco Central”, diz. 
Já Rabello defendeu que o corte no Orçamento de R$ 50 bilhões é insuficiente para atingir a meta de controle da despesa pública. “Se desconsiderarmos o aporte feito na capitalização da Petrobras, teremos um aumento real de 5% nos gastos públicos.” Ele defendeu, também, o enquadramento das taxas de juros do País com relação ao mundo. “Esse é o problema central da entrada de recursos. Está na hora de o Brasil praticar taxa de juros normais.”
Sobre a valorização do real frente ao dólar, Rabello afirmou que o problema é estrutural. “Não adianta ficar ‘botando rolha no casco do navio’, quando a pressão interna e externa sobre a estrutura é muito mais forte que a capacidade de um IOF a 6%, 7%, 8% pode suportar.”
Nakano, por sua vez, disse que o governo enfrenta desafios na esfera externa, fiscal e monetária. No setor externo, ele defende que o País mude a integração no mercado global. “O Brasil optou por integrar via mercado financeiro, mas quem quer crescer precisa de integração via comércio.”
Em relação à questão fiscal, o diretor da FGV afirmou que é preciso “mudar o pacto pró gastança”. “O governo está estimulando o consumo e não o investimento. Precisamos fazer um ajuste fiscal.”
Por fim, Nakano elogiou a postura do Banco Central, mas criticou a política monetária. “É muito pouco eficaz. O que segura a inflação no País é a apreciação cambial. Se olharmos em que período o BC conseguiu atingir as metas de inflação foi quando o câmbio apreciou abruptamente. Aí é muito fácil”, completou.