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segunda-feira, 12 de julho de 2010

A democracia nos Brics - Paulo R Almeida

A democracia nos Brics
Paulo Roberto de Almeida

Retiro este trecho de um texto que escrevi em 2008: “O papel dos Brics na economia mundial”:
"Dos quatro integrantes do Bric, os ex-socialistas apresentam características autoritárias, consolidando o legado de séculos de Estados totalitários. Os outros dois apresentam trajetórias democráticas, ainda que com deficiências de funcionamento e de justiça social, mas também são as economias de mercados que mais se aproximam do padrão capitalista de organização. O Brasil, de todos eles, é o que possui estruturas capitalistas mais avançadas e ostenta a mais moderna dentre as três sociedades. Dos quatro é a sociedade mais integrada – nos planos lingüístico, cultural, étnico e, talvez, religioso – o que permite, em princípio, melhores formas de administração política, sem rupturas institucionais, e condições mais favoráveis para sua modernização. O grau de democratização social pode tornar mais lento o ritmo de crescimento e os processos de adaptação aos novos ambientes, mas isso contribui para maior coesão em torno de objetivos nacionais".

Em 26.01.2009, formulei estas observações adicionais, destinadas a um jornalista, e jamais publicadas integralmente. Faço o agora:

Do ponto de vista dos atrativos para o investimento direto estrangeiro, o caráter do regime político e o grau relativo de democracia existente não parecem ser elementos determinantes para a tomada de decisão por parte dos agentes econômicos privados. Os fatores mais importantes parecem ser: dimensões do mercado, taxa de crescimento do mercado interno e capacidade competitiva nos mercados externas, a disponibilidade de fatores de produção a preços adequados (inclusive energia, sendo que a mão-de-obra depende da natureza do processo produtivo), baixa taxação, facilidades logísticas e, em função do grau de envolvimento do Estado (ou do governo) nos negócios privados, a preservação de um ambiente geral favorável aos negócios, com regras claras e estáveis. O funcionamento do sistema político em si pode ser um fator secundário ou bem menos relevante para o sucesso dos negócios privados ou para a atratividade do país ao capital estrangeiro. Os investimentos diretos circulam em regimes políticos os mais variados, sem uma preferência clara por algum deles. Obviamente, regimes próximos de um sistema de mercado, com o funcionamento do ambiente regulatório condizente com regras adequadas ao modo capitalista de produção, são suscetíveis de atrair maior volume de investimentos estrangeiros, que supostamente são provenientes de países capitalistas avançados, por definição também democracias estáveis.
Estes condicionantes gerais, contudo, apresentam alto grau de variação em função das situações concretas. Nem todos os países capitalistas atraem capital direto, e nem todas as ditaduras deixam de receber os mesmos capitais. Se formos considerar a situação do Brics, haverá que considerar a situação peculiar de cada um, em função de sua dotação nacional de fatores e do ambiente geral de negócios, no plano mundial. O aspecto democrático talvez não seja o fator decisivo na decisão tomada pelos detentores dos capitais de risco. Consideremos a posição de cada um.
A China, de todos eles, é o país que mais vem atraindo capitais nos longos anos em que ela vem empreendendo reformas num sentido capitalista, ainda que conserve um dos últimos sistemas totalitários do planeta. É bem verdade que o Partido Comunista Chinês engajou-se numa reforma geral da sociedade chinesa, desconcentrando o poder econômico, o que, no longo prazo, pode levar a uma reforma do sistema político, mas até aqui o monopólio do partido sobre todas as formas de comunicação social e, sobretudo, sobre o funcionamento do sistema político apresenta-se como total.
A Rússia, que realizou uma transição confusa e errática em direção ao capitalismo, não parece ter consolidado ainda um sistema político competitivo e aberto, e parece estar experimentando um retorno a um regime político “czarista”, como já foi observado pelo analista Robert Kagan, olhando, aliás, para o que os chineses fizeram como modernização econômica e manutenção de um sistema político autoritário (“The End of the End of History”, The New Republic, April 23, 2008). Quanto à Índia, não há dúvida de que se trata de um regime democrático, embora com componentes sociais extremamente redutores das franquias democráticas, não apenas derivados de seu regime de castas, mas igualmente em função da reduzida educação formal de grande parte de sua população. De toda forma, a atratividade da Índia ao capital estrangeiro não está tanto determinada por esse aspecto e sim pela sua crescente integração à economia mundial, rompendo décadas de relativo isolamento autárquico.
Os quatro Brics têm atraído capital estrangeiro em função de suas formas específicas de inserção na economia mundial, não devido ao caráter mais ou menos democrático de seus regimes políticos, o que no caso da China aproxima-se de zero. A Rússia tem retrocedido nesse terreno, também, mas a atratividade vai depender do tipo de regulação que o Estado vai oferecer ao capital estrangeiro nas áreas em que ela apresenta suas vantagens comparativas mais evidentes: recursos minerais, em primeiro lugar, hidrocarburos como petróleo e gás.
Nesse panorama, o Brasil apresenta vantagens muito relativas. A despeito de seu regime político consolidado, o ambiente empresarial ainda deixa a desejar, com fatores negativos que poderiam ser listados desta forma: alta tributação sobre os lucros, a mão-de-obra e transações financeiras, logística nem sempre favorável, baixo crescimento da economia (a despeito de grande mercado interno), facilidades apenas aceitáveis no plano do comércio internacional, com alto grau de proteção em determinados setores. Por outro lado, o mesmo sistema político democrático criou uma classe política predatória, com comportamentos rentistas ascendentes, e um ambiente de corrupção pouco compatível com a existência de um sistema político competitivo. Ademais, as mudanças regulatórias e a modernização do ambiente de negócios – que deveria servir de atrativos adicionais ao capital estrangeiro, com reformas nos sistemas trabalhista e judiciário – tem demorado mais do que seria desejável, diminuindo, portanto, o grau de atratividade para o capital estrangeiro. Em conseqüência, grande parte do capital estrangeiro que tem aportado no Brasil vem concentrando-se no setor financeiro, em investimentos de portfólio ou na dívida pública, atraído pelos juros excessivamente elevados praticados no mercado interno (por sua vez, determinados pelo alto grau de extração de recursos privados pelo governo).

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