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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado, livro da Afipea, livremente disponível


 
Um tema bastante atual, embora pelo lado mais deplorável possível: 


Organizado por José Celso Cardoso Jr., Frederico A. Barbosa da Silva, Monique Florencio de Aguiar e Tatiana Lemos Sandim: 

Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado 

Brasília: Afipea; João Pessoa: Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2022; ISBN: 978-65-994701-7-2.


O livro está disponível neste link: 

https://afipeasindical.org.br/content/uploads/2022/05/Assedio-Institucional-no-Brasil-Afipea-Edupb.pdf

O capítulo 9 é de minha autoria: 

“Assédio institucional no Itamaraty: breve abordagem e depoimento pessoal”, p. 389-427 

Sumário do livro: 

 

APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL DA ARCA

            José Celso Cardoso Jr.

APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL DO INSTITUTO REPÚBLICA

            Instituto República.org

PALAVRAS INICIAIS: ANTROPOLOGIA DO PODER E ASSÉDIO INSTITUCIONAL NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO

            Carla Teixeira

ESTUDO INTRODUTÓRIO E PLANO DE ORGANIZAÇÃO DO LIVRO

            Monique Florencio de Aguiar

 

Parte I – A Escalada contra a Democracia e o Assédio Institucional

 

1. Gênese e o Funcionamento do Governo Bolsonaro e o Assédio Institucional no Brasil

Deborah Duprat (Subprocuradora Geral da República aposentada, advogada e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da SBPC)

 

2. Assédio Institucional no Setor Público e o Processo de Desconstrução da Democracia e do Republicanismo no Brasil de Bolsonaro

Frederico A. Barbosa da Silva; José Celso Cardoso Jr. (AFIPEA)

 

3. Reflexões sobre a Tradição Autoritária Brasileira e a Desdemocratização no Governo Bolsonaro

Bruna Santos, Bruna Eduarda Rocha, Felipe Freitas, Elaine Gomes, Isabella de Souza Teixeira, Julia Palmeira, Juliana Vieira dos Santos, Lucas Moraes Santos (Projeto Rede Liberdade)

 

4. Assédio Institucional, Neoliberalismo e Reforma da Constituição no Governo Bolsonaro

Cláudio Souza Neto (UFF)

 

Parte II – A Ofensiva Autoritária contra as Liberdades Fundamentais

 

5. Liberdade Acadêmica no Brasil: estudos de casos e seus desdobramentos recentes

Conrado Hübner Mendes, Adriane Sanctis de Brito, Anna Carolina Venturini, Bruna Angotti, Danyelle Reis Carvalho, Fernando Romani Sales, Luciana Silva Reis, Maria Fernanda Silva Assis, Natalia Pires de Vasconcelos (LAUT)

 

6. Uma Agenda de Censura e Autoritarismo na Cultura: os casos analisados pelo MOBILE

Guilherme Varella, Denise Dora e Raisa Cetra

 

7. Liberdade de Expressão dos Servidores Públicos: Nota Técnica n. 1556 da CGU e Assédio Institucional

Cláudio Pereira de Souza Neto (UFF), Fernando Luís Coelho Antunes (UnB), José Celso Cardoso Jr. (IPEA)

 

8.  Assédio Institucional contra a Liberdade de Expressão

João Marcos Fonseca de Melo (Fonseca de Melo & Brito)

 

9. Assédio Institucional no Itamaraty: breve abordagem e depoimento pessoal

Paulo Roberto de Almeida (MRE)

 

Parte III – A Transversalidade do Assédio Institucional no Setor Público e seus Impactos sobre a Burocracia Federal

 

10. Clima de Medo em Plena Democracia: percepções da burocracia federal

Carla Borges (Instituto Vladimir Herzog) e Michelle Morais de Sá e Silva (Universidade de Oklahoma)

 

11. Burocracia na Mira do Governo: os mecanismos de opressão operados para moldar a burocracia

Gabriela Spanghero Lotta (FGV EAESP); Iana Alves de Lima (FGV EAESP); João Paschoal Pedote (FGV EAESP); Mariana Costa Silveira (FGV EAESP); Michelle Fernandez (IPOL/UnB); Olívia Landi Corrales Guaranha (FGV EAESP)

 

12. Do Serviço ao Trabalho Público: formas contratuais e assédio moral institucional

José Antônio Peres Gediel (UFPR), Lawrence Estivalet de Mello (UFBA), Fernando Cesar Mendes Barbosa (UFPR)

 

13. Reforma Administrativa (PEC 32/2020) e Assédio Institucional no Setor Público Brasileiro

César Rodolfo Sasso Lignelli (Sintrajud, Sindsef-SP e Sindicato dos Metroviários SP); Regiane de Moura Macedo (Sindsef-SP e Sindicato dos Metroviários SP)

 

Parte IV – Assédio Institucional contra Organizações e Servidores Públicos 

 

14. Assédio institucional na Saúde: o impacto da política de disseminação da Covid-19

Rossana Rocha Reis, Deisy Ventura, Fernando Aith

 

15. “Sem Norte” e “Destruída por Dentro”: a Capes rumo ao “Estado Zero”

Monique Florencio de Aguiar

 

16. “Querem Destruir”: Entre “Cortes” e “Ingerências”, o “Esvaziamento das Instituições de Fomento no MCTI (CNPq e Finep)

Monique Florencio de Aguiar

 

17. Assédio Institucional nas Instituições do Executivo Federal ligadas a áreas da Cultura

Francisco Miguel (UnB)

 

18. Fundação Casa de Rui Barbosa: assédio institucional na Cultura.

Isaías Caminha (pseudônimo em homenagem ao personagem de Lima Barreto)

 

19. Etnografia do Assédio Institucional na Funai

Frederico A. Barbosa da Silva; Isabella Lunelli (IPEA)

 

20. Assédio Institucional e Cerceamento no Ministério do Meio Ambiente: a liminaridade do poder político e da burocracia especializada na proteção ao meio ambiente

Marcelo Mourão Motta Grossi (CEUB); Rodrigo Augusto Lima de Medeiros (CEUB)

 

CONCLUSÃO

NOTAS BIOGRÁFICAS

 




A guerra na Ucrânia é a “maior ameaça à ordem mundial”: Nicholas Burns, em Beijing - Simone McCarthy (CNN)

 Diplomatas russos e americanos se enfrentam no fórum de Pequim


Embaixador dos EUA afirmou que guerra na Ucrânia é a "maior ameaça à ordem mundial"

Simone McCarthy, da CNN
04/07/2022 às 08:34 | Atualizado 04/07/2022 às 08:35

A guerra na Ucrânia é a “maior ameaça à ordem mundial”, disse o embaixador dos EUA, Nicholas Burns, em um fórum em Pequim nesta segunda-feira (4) – um evento raro que viu Burns sentado em um painel ao lado de seu colega russo para um debate diplomático.

“O fato de que a Rússia cruzou a fronteira com uma força armada, sem provocação, e começou esta guerra com tanto sofrimento humano, tantos civis inocentes mortos na Ucrânia – isso é uma violação direta da carta das Nações Unidas, é uma violação direta do que a Federação Russa assinou quando se tornou um estado membro”, disse Burns na discussão, que foi organizada pela prestigiosa Universidade Tsinghua de Pequim e pelo Fórum Mundial da Paz.

O embaixador russo na China, Andrey Denisov, revidou: “Discordo totalmente e posso me opor a cada frase dessa intervenção”, disse ele.

Denisov então fez uma “cortesia diplomática” para desejar a Burns e outros americanos um feliz 4 de julho, antes de acusar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de provocar a ação da Rússia com “cinco ondas de expansão”.

Denisov pintou a atual ordem mundial como estando à beira de um abismo devido à “sabotagem” das Nações Unidas.

Rara demonstração de debate diplomático: o evento, que também incluiu a embaixadora do Reino Unido na China Caroline Wilson e o embaixador francês Laurent Bili, foi um raro debate diplomático após a invasão russa, que as democracias ocidentais condenaram firmemente.

“A principal responsável pela guerra é a Rússia”, disse Wilson. “A Otan é uma aliança puramente defensiva que agiu com extraordinária contenção em relação à Rússia.”

Também foi notável que tais condenações da guerra na Ucrânia estavam sendo expressas na China. O Partido Comunista Chinês não condenou a guerra nem mesmo a classificou como uma invasão. Enquanto isso, a mídia estatal da China apresentou uma versão cuidadosamente censurada da guerra para seus cidadãos e repetiu os pontos de discussão do Kremlin sobre a Otan.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/diplomatas-russos-e-americanos-se-enfrentam-no-forum-de-pequim/

domingo, 3 de julho de 2022

Minha homenagem ao Sergio Paulo Rouanet: resenhas de seus livros

Minha homenagem ao Sergio Paulo Rouanet, a primeira resenha foi elaborada antes da minha era do computador, por isso feita em máquina de escrever, e é preciso recuperar o original e copiar. A segunda segue abaixo, mas faltou uma resenha deste livro, que ainda pode aparecer: 

 

079. “Benjamin e Freud”, Berna, fevereiro 1982, 2 p. Nota de apresentação ao livro de Sérgio Paulo Rouanet, Édipo e o Anjo: Itinerários Freudianos em Walter Benjamin (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1981). Publicado, sob o título de “Walter Benjamin no Divã”, em Leia Livros (São Paulo, Ano IV, n. 44, 15 março a 14 abril 1982, p. 6). Relação de Publicados nº 015.


083. “Freud na Escola de Frankfurt”, Porto Alegre-Atlântida, 19-20 março 1983, 2 p. Resenha do livro de Sérgio Paulo Rouanet, Teoria Crítica e Psicanálise (Rio de Janeiro-Fortaleza: Tempo Brasileiro-Universidade Federal do Ceará, 1983). Publicado, com dois pequenos cortes e sob o título “Freud und Frankfurt”, em Leia Livros (São Paulo, Ano VI, n. 59, 15 julho a 14 agosto 1983, p. 17). Relação de Publicados n. 017.


Resenha do livro de Sergio Paulo Rouanet, Criação no Brasil de uma Escola Superior de Administração Pública (Brasília: ENAP, 2005, 96 p.; relatório de 1982, reeditado). 


Freud na Escola de Frankfurt

 

Sérgio Paulo Rouanet:

Teoria Crítica e Psicanálise

(Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro;

Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1983)

 

 

Depois de ter operado, em Édipo e o Anjo, uma leitura psicanalítica da obra do crítico alemão Walter Benjamin, o filósofo Sérgio Paulo Rouanet oferece-nos agora uma ampliação substancial de suas reflexões sobre o relacionamento entre a psicanálise e a moderna teoria social. O projeto, desta vez, era nada menos que grandioso: deitar todos os representantes da Escola de Frankfurt no divã de Freud, por um lado, levar o médico vienense aos círculos do Instituto para Pesquisa Social, por outro.

Na verdade, o ensaio de Rouanet não tem o escopo que o resenhista, desejoso de uma frase de efeito, lhe empresta. Trata-se, mais bem, de examinar o estatuto e a contribuição do freudismo na formação e evolução da assim chamada teoria crítica da sociedade. Em vinte cuidadosos capítulos são examinadas as relações entre ambas as teorias através de um meticuloso estudo e discussão aprofundada da produção intelectual dos principais expoentes da Escola de Frankfurt: Adorno e Horkheimer, Marcuse e Habermas, mas também Reich e Fromm.

O freudismo não constitui, como se sabe, um discurso crítico, e menos ainda revolucionário, sobre a sociedade. Ele comporta, no entanto, uma reflexão sobre o indivíduo despida de qualquer ilusão; a prática analítica seria mesmo desmi(s)tificadora, voire emancipadora. Daí as diversas tentativas de aproximá-lo de uma outra teoria da libertação do ser humano e que se pretende, ela, transformadora da sociedade: o marxismo.

Esse amálgama foi inicialmente tentado nos anos vinte e trinta pelos freudo-marxistas, sob o impacto de dois processos políticos de enorme dimensão histórico social: a revolução bolchevista e a ascensão dos fascismos europeus, alemão em particular. Ele assumiria nova forma com a chamada Escola de Frankfurt.

A obra de Rouanet não aspira, contudo, à mera reconstituição da história intelectual dessa última corrente. O presente ensaio é, num certo sentido, uma psicanálise filosófica da teoria crítica, revelando, mais uma vez, o rico manancial analítico e conceitual do freudismo. Mas, o livro é, antes de mais nada, a inserção crítica do dispositivo freudiano no campo teórico dos frankfurteanos, por um eminente conhecedor dessas duas correntes de pensamento. Com efeito, as principais categorias da psicanálise permeiam todo o discurso da escola frankfurteana, influindo decisivamente na formação das teorias da personalidade, do conhecimento e da comunicação, bem como na elaboração de uma reflexão crítica sobre a cultura, a sociedade repressiva, a racionalidade instrumental e as diversas utopias da contemporaneidade capitalista.

Como diz Rouanet, “se a escola de Frankfurt é crítica da cultura e da ideologia, o é, em grande parte, através de Freud, mas também contra Freud” (p.11). Esse pensamento “profundamente impregnado pelas categorias psicanalíticas” (p. 372), que integra o patrimônio intelectual da teoria crítica, realiza, através do freudismo, uma reflexão que se pretende antidesumanizadora e emancipatória. Esse ideal iluminista da teoria crítica permanece provavelmente um projeto utópico, a despeito mesmo de seu forte conteúdo racional e antimítico. 

Rouanet talvez seja excessivamente otimista quanto à possibilidade da psicanálise participar dessa luta pela autonomia do indivíduo através do exercício da razão crítica. Afinal de contas, o freudismo sempre foi tido, pelo marxismo ortodoxo, como uma ideologia burguesa decadente e, mais recentemente, ele vem recebendo os golpes combinados do “feminismo antropológico” e do “antropologismo histórico e social”. 

Sabe-se também, por outro lado, que, contrariamente à mensagem marxista, o conteúdo do discurso freudiano sobre a sociedade é razoavelmente pessimista, pelo menos no que se refere ao desenvolvimento de estruturas não-repressivas da sociabilidade. Entretanto, como sublinha o próprio Rouanet, o pessimismo freudiano também “lembra algumas das formulações mais extremas da escola de Frankfurt, para a qual a teoria crítica não oferece nenhuma promessa nem proporciona nenhuma ponte entre o atual e o possível. O logos da teoria crítica é também um deus impotente, comparado com o panteão da razão oficial” (p. 112).

 

Levando-se em conta a profundidade da análise crítica e a excelência da metodologia comparativa exercitadas por Rouanet, não há exagero em afirmar-se que seu ensaio filosófico constitui um Meisterwerk no gênero: poucas obras, na bibliografia especializada, discutem de forma tão brilhante o papel do freudismo na elaboração do discurso frankfurteano. O autor fica agora nos devendo a operação analítica inversa, isto é uma reflexão sociológica sobre os fundamentos do freudismo e uma leitura dialética do discurso psicanalítico.


 

[Porto Alegre/Atlântida, 19-20.03.83]

[Publicado, com dois pequenos cortes e

 sob o título de “Freud und Frankfurt”, em

 Leia Livros (São Paulo, Ano VI, nº 59,

15 julho a 14 agosto 1983, p. 17)]

[Relação de Trabalhos nº 047]

[Relação de Publicados n° 017]

 

083. “Freud na Escola de Frankfurt”, Porto Alegre-Atlântida, 19-20 março 1983, 2 pp. Resenha do livro de Sérgio Paulo Rouanet, Teoria Crítica e Psicanálise (Rio de Janeiro-Fortaleza: Tempo Brasileiro-Universidade Federal do Ceará, 1983). Publicado, com dois pequenos cortes e sob o título “Freud und Frankfurt”, em Leia Livros (São Paulo, Ano VI, nº 59, 15 julho a 14 agosto 1983, p. 17). Relação de Publicados nº 017.

 

 

Sobre impérios, estados nacionais e as liberdades democráticas - Paulo Roberto de Almeida

Sobre impérios, estados nacionais e as liberdades democráticas

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre a grande divisão do mundo atual, entre o mundo liberal (Ocidente) e os impérios autocráticos, promovendo uma ordem mundial alternativa.

  

Depois de uma história milenar de impérios sucessivos e formação de Estados nacionais, no fragor das batalhas, propostas pacificadoras de intelectuais iluministas e muitos embates que continuam, chegamos ao estado atual de 200 Estados formalmente ou concretamente independentes — sendo 193 membros da ONU —, com 20 economias dominantes e mais ou menos três impérios e meio: o Império americano, com pouco mais de cem anos, o Império chinês, com uma milenar história atrás de si (atualmente comandado por um partido leninista assessorado por uma eficiente burocracia mandarinesca baseada no mérito), um Império russo, ou neoczarista, com sua psicologia paranoica das ameaças externas, e um meio império europeu, com sua tecnocracia dominada por grandes Estados que se combateram no passado, mas que cansaram de se massacrar mutuamente e decidiram viver em paz numa ordem legal e parlamentar ainda em construção.

O que sobra além disso? Grandes economias, com trajetórias diversificadas: Japão, Índia, Canadá, Brasil, Indonésia e vários outros menores no G20. O resto é o resto, com alguns Estados importantes, mas que não pesam muito na balança.

Os três impérios e meio, mais as potências médias significativas, são responsáveis pela maior parte do PIB mundial, pelo poderio militar e pela produção científica e tecnológica que movimenta o planeta.

Mas o que se tem, em termos de evolução civilizatória e cultural, é uma grande divisão atual entre, de um lado, um império e um meio império que se pautam pelo Estado de Direito e pelo império da lei, com alternância democrática de governantes e o predomínio de liberdades e direitos humanos baseados no indivíduo e não prioritariamente no Estado — que são o Império americano e o meio império europeu —, e, de outro lado, o Império chinês e o império neoczarista, baseados no poder indiscutível do Estado sobre súditos ou cidadãos, que não estão baseados no império da Lei e na alternância democrática de governos obedecendo a partidos ou movimentos democraticamente organizados por cidadãos livres. O conceito de “despotismo oriental” pode até ser inadequado para expressar a complexidade desses dois impérios autocráticos, mas essa é a diferença básica existente atualmente entre o chamado “Ocidente” e os outros dois impérios que buscam uma ordem mundial alternativa a esta, que vem de 5 séculos de dominação europeia sobre o mundo — inclusive humilhando e tentando dominar os impérios chinês e russo — e mais um século de ordem americana por vezes arrogante e brutal.

As Américas são o resultado da colonização e dos imperialismos europeus, mas com uma divisão básica, e dramática, entre o Império da Lei — construído ao longo de uma violenta história que passou pelo feudalismo, pelo absolutismo, pela Magna Carta, por uma cruel guerra civil que teve de decapitar um rei para estabelecer a supremacia do Parlamento, com um Bill of Rights que complementou o “ninguém está acima da lei, nem mesmo o rei”, por um “o rei reina, mas não governa” — e o Império do Estado, que somos nós, latinos, os descendentes do absolutismo ibérico, temperado pelo liberalismo constitucional com dominância oligárquica. 

Nem nós, nem os russos e chineses, assim como a maior parte dos atuais 200 Estados nacionais, formalmente independentes, ainda NÃO CHEGAMOS ainda ao Império da Lei.

Isso vai chegar um dia, mas vai demorar um bocado, para nós e para a maioria dos povos do planeta. 

Desculpem, mas não se trata de “choque de civilizações” e sim de evoluções culturais diferenciadas, que são ainda mais lentas a se manifestarem do que a própria emergência, consolidação e eventual desaparecimento dos impérios (que costumam ser mais longevos do que os Estados nacionais).

Grato pela leitura. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4190: 3 julho 2022, 2 p.


Putin: His Life and Times by Philip Short - book review - Angus Macqueen (The Guardian)

 Uma biografia que tenta capturar Putin nos seus próprios termos. Só que estes são os do Império czarista, não os de uma democracia liberal. O Império americano tem muita culpa em sua hipocrisia, mas em última instância defende tais valores e princípios liberais, ainda que por vezes brutalmente.

Putin: His Life and Times by Philip Short is published by Bodley Head (£30). 

Vladimir Putin in 2004


Philip Short’s meticulous new biography forces us to look at Vladimir Putin’s most appalling acts from a Russian perspective

In his speech on the night of the invasion of Ukraine on 24 February, which Philip Short describes as “pulsating with anger and resentment” at 30 years of Russian humiliation, Putin seethed: “They deceived us… they duped us like a con artist… the whole so-called western bloc, formed by the United States in its own image is… an empire of lies.” For those who dismiss the speech and the invasion that followed as the words and actions of a man gone mad, dying or out of contact with reality due to Covid isolation, this new biography should be compulsory reading.

As Short observes, however authoritarian and corrupt modern Russia may be, “national leaders invariably reflect the society from which they come, no matter how unpalatable that thought may be to the citizens”. While his people may have been as surprised as the rest of the world at the timing, the invasion hardly came out of the blue and many Russians, not all blinded by propaganda, support it. For as the foreign minister, Sergei Lavrov, commented a couple of weeks later: “This is not actually, or at least primarily… about Ukraine. It reflects the battle over what the world order will look like. Will it be a world in which the west will lead everyone with impunity and without question?”

Running through all Putin’s thinking was a clear belief that 1991 was a catastrophe for Russia

Refreshingly, Short, in this meticulous biography of a man portrayed elsewhere as a 21st-century monster, refuses to moralise, opting instead to lay out how Putin’s recent actions can be seen as the consequence of the 30 years since the collapse of the Soviet Union. The former BBC correspondent is at his best when pushing us to see the world from a Russian perspective. The importance of this is neatly illustrated in the publisher’s own claims for the book: “What forces and experiences shaped him [Putin]? What led him to challenge the American-led world order that has kept the peace since the end of the cold war?” Short relentlessly traces the journey Putin has taken in rejecting that “peace”, the Pax Americana, the unipolar world in which, according to Russia expert Strobe Talbott, then US deputy secretary of state, “the US was acting as though it had the right to impose its view on the world”. From Moscow, Putin watched the US openly intervene in elections whenever it chose, encourage the break-up of the sovereign state of Serbia using bombs, invade Iraq on a tissue of falsehoods and then overthrow Libya’s Muammar Gaddafi without any UN resolution. As Putin commented in one of his acid asides that pepper Short’s account, when it came to concocting fables “those of us in the KGB were children compared to American politicians”. No wonder Xi Jinping of China and much of the world demur at the west’s claim to have done nothing to provoke the nightmare that has descended on Ukraine.

For all his recent whitewashing of Stalinism and Soviet history, in the early 1990s Putin understood the 1917 revolution had taken the country to an economic and political dead end. In his words, “the only thing they had to keep the country within common borders was barbed wire. And as soon as this barbed wire was removed, the country fell apart.” Yet running through all Putin’s thinking was a clear belief that the break-up of the Union in 1991 was a catastrophe for Russia; what was lost was not the Soviet dream but a country that physically stretched from Poland to the Pacific and historically back to Peter the Great and before. Putin mourned: “It was precisely those people in December 1917 who laid a time bomb under this edifice… which was called Russia… they endowed these territories with governments and parliaments. And now we have what we have.” Except we do not. For Putin and many of his fellow Russians have never understood how a country they believe saved the world from fascism at staggering personal cost just 50 years before dissolved in a matter of weeks.