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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 26 de abril de 2014

Nunca antes no Brasil: a politica e a economia de tempos nao convencionais (8) - Paulo Roberto de Almeida

A economia e a política do Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...), 8

Paulo Roberto de Almeida
Palestra na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014

(continuação da parte anterior)

 Existe saída do fascismo corporativo já instalado entre nós?
Não gostaria de terminar por uma nota pessimista, mas, leitor da História, sempre penso nos possíveis paralelos, ou analogias em torno da decadência de certos países, aliás algumas grandes civilizações. Três exemplos contemporâneos me veem à mente – e deixo de lado a Roma dos Césares e o império otomano – e me detenho nos casos da China, da Grã-Bretanha e da Argentina.
A China foi, outrora, o Estado weberiano mais avançado do mundo, muito antes de Weber obviamente, uns quatro mil anos antes, a civilização mais refinada, na vanguarda das descobertas científicas e das invenções práticas: a bússola, o papel, a pólvora, o spaghetti e várias outras mais, sem esquecer o kung fu. No entanto, a China decaiu, durante dois ou três séculos, sendo humilhada pelas potências ocidentais e esquartejada pelo militarismo japonês. Como isso foi acontecer? Parece que bastou um imperador idiota que resolveu fechar a China aos estrangeiros, privando-a da revolução industrial e de outras inovações importantes, sobretudo no terreno militar. A cupidez de hordas de mandarins empenhados em assaltar o Estado, e os camponeses, fez o resto. Bem, parece que nós já temos os mandarins, sem ter tido civilização sofisticada...
Pensem na Grã-Bretanha, não o império britânico, mas a pequena ilha que Deus na Mancha ancorou, como diria nosso poeta condoreiro. Depois de oferecer ao mundo o know-how da revolução industrial, ela estagnou, e foi ultrapassada pela Alemanha e pelos Estados Unidos, e vários outros, inclusive por sua colônia de Hong Kong. Não foram só os socialistas Fabianos que a inviabilizaram: conservadores também se renderam aos mitos do Estado de bem-estar social, da nacionalização, ou estatização, dos serviços públicos, e por aí veio a decadência. Ela declinou durante o pós-guerra, até que uma dama de ferro conseguisse resgatá-la de uma condição de terceira classe, invertendo um declínio que parecia inevitável.
Mirem os hermanos, aqui ao lado, que já foram muito ricos, cem anos atrás, aliás mais ricos do que vários europeus, com 70% da renda per capita dos americanos, já então o povo mais rico do planeta (o que não é o caso atualmente). Primeiro, eles foram sequestrados por um caudilho fascista, depois pela esposa, mesmo mumificada, e ainda hoje são reféns mentais de dois cadáveres, cultivados pelas máfias sindicais e por políticos medíocres, que continuam afundando a Argentina, contra toda lógica e contra toda racionalidade instrumental. Também tem o caso de um outro caudilho fascista, mais acima, que conseguiu destruir a economia do país mais rico da região, mesmo se à base de uma vaca petrolífera que só confirma a maldição do petróleo, que espero não se abata sobre o Brasil.
Seriam capazes, os companheiros, de nos arrastar para trás, como o fizeram os mandarins chineses, os Fabianos britânicos, a máfia sindical do peronismo argentino e os socialistas anacrônicos do chavismo moribundo? Talvez! Em todo caso, eles são tão incompetentes economicamente – ainda que espertos politicamente – quanto os êmulos de outras decadências. Eles não apenas sonham, como já praticam o fascismo tropical, qualquer que seja o rótulo sob o qual escondem os seus intentos e instintos. Eles só não conseguiram, ainda, desmantelar o Brasil, como o fizeram esses companheiros de outras paragens, não porque não queiram, mas porque não podem, temporariamente, ao menos. Mas eles já conseguiram arrastar o Brasil para trás, atrasá-lo, em mais de uma vertente.
Economicamente, eles conseguiram a proeza de desmentir Keynes, produzindo inflação sem qualquer crescimento: o Brasil cresce hoje menos do que a média da região, e mundial, e três vezes menos do que os emergentes dinâmicos. Politicamente, eles conseguiram submeter vários órgãos do Estado: o Congresso, certamente, várias, ou todas, as agências públicas, sem nenhuma dúvida; eles avançam sobre o Judiciário e desmoralizaram até as Forças Armadas, acusadas de todos os crimes do período militar sem que eles assumam a responsabilidade pela precedência dos ataques a quartéis que provocaram a sanha dos militares contra si. Socialmente, estão criando um Apartheid no país, com suas políticas racistas de divisão do país. Moralmente, também, conseguiram desmoralizar a ética pública, tentando colocar todo mundo na mesma indústria de corrupção que foi aperfeiçoada a partir da corrupção artesanal que era comum nos meios políticos. O retrocesso é mental, por fim, já que a própria burguesia industrial e os banqueiros de pés juntos rendem visitas  ao grande chefe, implorando que ele coloque um pouco de ordem na bagunça feita por companheiros menos competentes (e que na verdade tinha sido criada exatamente pelo próprio guia genial dos povos).
Lamento ter de terminar assim, mas é um fato que eu vejo sinais profundos de decadência institucional se espalhando por vários poros do Estado, e se disseminando pela sociedade. Nunca antes eu tinha encontrado, nos meus retornos regulares ao país, tal estado de desalento, de desconforto, de falta de rumos. Não existe outra conclusão possível: nosso país continua servido por elites incompetentes, inclusive na oposição. Nossas elites, as velhas e as novas – aliás aliadas na promiscuidade política – seguem arrastando o Brasil para trás.
Até quando isso será possível? Sinceramente, eu não sei. Toda situação de crise, ou de retrocesso, requer, em primeiro lugar, um diagnóstico correto, para depois se pensar em aplicar as prescrições adequadas. Não pretendi oferecer aqui um diagnóstico científico da situação brasileira, apenas quis transmitir minha percepção sobre o estado atual da nação. Meu diagnóstico, por certo impressionista, é apenas este: nossas elites padecem de atraso mental. Isso se corrige, mas costuma passar por algumas crises e um doloroso processo de reformas. Que isso venha o quanto antes!
[Em voo, Bradley-Atlanta-Brasília, 17-18 de abril de 2014]

FINAL DA PALESTRA
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Textos que guardam relação com o diagnóstico feito acima:

2035. “De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em missão”, Brasília, 10 agosto 2009, 10 p. Resumo de relatório da missão ao Brasil empreendida por Alexis de Tocqueville, a pedido do Banco Mundial, para determinar a situação do Brasil em termos de democracia e de economia de mercado. Antecipa relatório detalhado, que poderá ser preparado na categoria dos clássicos revisitados. Publicado na Espaço Acadêmico (ano 9, n. 103, dezembro 2009, p. 130-138; ISSN: 1519-6186; http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8822/4947). Revista Espaço da Sophia (ano 3, n. 33, dezembro 2009).  Postado no blog Diplomatizzando (12/07/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/07/tocqueville-de-novo-em-missao-o-brasil.html). Relação de Publicados n. 939.

2116. “O Direito, a Política e a Economia das Relações Internacionais do Brasil: Uma abordagem não-convencional”, Brasília, 19 fevereiro 2010, 8 p.; revisto 20.03.2-10. Texto suporte para palestra-debate na abertura dos cursos de Direito, Ciência Política, Economia e Relações Internacionais da UnB, no dia 22.03.2010. Postado no site pessoal (www.pralmeida.org/05DocsPRA/2116PalestraDebateAcadem.pdf). Revisto em 25/03/2010 em Lisboa, para publicação, sob o título de “A coruja de Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desmantelamento institucional do Brasil contemporâneo”, em Espaço Acadêmico (ano 9, n. 107, abril 2010, p. 143-148; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9800/5484). Relação de Publicados n. 958.

Fim



Nunca antes no Brasil: a politica e a economia de tempos nao convencionais (7) - Paulo Roberto de Almeida

A economia e a política do Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...), 7

Paulo Roberto de Almeida
Palestra na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014

(continuação da parte anterior)

Nova classe, novo pensamento, nova língua, como nunca antes...
Para simplificar, pode-se retomar o padrão já descrito: as novas elites vivem do Estado, para o Estado, com o Estado, pelo Estado, e sem ele não conseguiriam mais sobreviver, já que não se pode mais contar com mensalão cubano ou mesada chavista. A verdade que elas agora não mais precisam disso, pois possuem meios próprios, inclusive uma vaca petrolífera para ordenhar à vontade. À diferença das antigas elites, que viviam em contubérnio com o Estado, mas que também produziam alguma coisa – que fossem produtos rústicos para o mercado interno, ou um pouco de inteligência jurídica ou acadêmica – as novas elites não produzem nada, sequer um grama de conhecimento, só marxismo rastaquera e gramscismo de fancaria. Elas são, como já disse um jornalista, a burguesia do capital alheio, a nossa Nomenklatura, a nova classe que vive sugando o Estado e extorquindo a verdadeira burguesia, muitas vezes com a conivência da própria.
Elas sequer pensam em construir o socialismo; para quê? Nem o PCdoB acredita mais nisso, e seus panfletos só servem para enganar estudantes ingênuos e já iludidos. O capitalismo é muito melhor, já vem pronto para desfrutar: iPhone, iPad, fast food, viagens à Disneyworld, filmes de Hollywood e, sobretudo, não tem aquela pobreza igualmente distribuída – menos para a Nomenklatura – de todos os regimes socialistas; os companheiros só precisam visitar a miséria cubana nas reverências rituais que eles prestam regularmente aos patrões ideológicos (com alguma parada em paraísos fiscais). Essa coisa de prateleiras vazias, cartões de racionamento, penúria de dólares, isso é só para socialista estúpido economicamente, não para os companheiros da nova elite.
De fato, as novas elites companheiras não precisam mais viver de mensalão cubano, como ocorria nos primeiros tempos; são elas, agora, que ajudam os hermanos da ilha caídos na lata de lixo da História, por serem tão estúpidos a ponto de acreditar que uma economia socialista poderia funcionar. Não foi por falta de aviso: Ludwig von Mises já tinha dito que seria como fazer uma vaca voar, no seu Cálculo Econômico na Comunidade Socialista, escrito em 1919. Os companheiros aprenderam que, mesmo periférico, deficiente e subdesenvolvido, como o brasileiro, o capitalismo é muito melhor, inclusive porque se pode ter charutos cubanos e vinhos franceses, se pode assinar sem medo manifestos em favor da “democratização da mídia”, e sobretudo se pode ir fazer compras em Nova York ou Paris, sem aquela burocracia socialista, chata, aborrecida, controladora, idiota, como toda burocracia socialista (às vezes nem isso).
Tem mais: estando no poder, não precisa mais ficar improvisando maneiras de desviar umas merrecas no recolhimento de lixo ou em transportes públicos de pequenos municípios de interior. Agora, o dinheiro chega sozinho, quase sem precisar fazer força, e por meios quase legais (mas os hábitos da clandestinidade persistem). Nem precisa mais extorquir banqueiros e capitalistas industriais, são eles que agora se oferecem generosamente para financiar campanhas eleitorais e datas festivas. Os mais pródigos, obviamente, são os donos de construtoras: esses possuem a corrupção no DNA, e não conseguem viver sem corromper um funcionário aqui, outro acolá, de preferência nos mais altos escalões. Claro, contrapartidas são de rigor: superfaturamento garantido, com aditivos pré-agendados e rapidamente aprovados, subsídios de mãezona para filhão do BNDES, gordos juros da dívida pública e expedientes do gênero.
Nem adianta esses técnicos do TCU apresentarem laudos arrasadores, capazes de impugnar até a compra de um prego; os conselheiros políticos sempre dão um jeito de salvar o pão deles de cada dia. De outra forma, como seria possível explicar a construção de uma refinaria que passa de 2 a 20 bilhões de dólares sem maiores contestações ou surpresas? Como justificar o preço final de uma outra refinaria que, na verdade, entra como Pilatos no Credo, não tem nada a ver com a verdadeira operação, que transcorreu muito bem, deu resultados e constituiu um ótimo negócio para eles?
As novas elites foram extremamente bem sucedidas na neutralização mental do país, na operação de lobotomia das outras elites, inclusive a acadêmica, que não vê nada de errado na construção do maior curral eleitoral do mundo, com quase um terço da população colocada numa condição de assistida, com recursos extraídos da metade que trabalha e paga impostos. Atualmente, para esse tipo de dominação, não se requer nem mesmo alguma doutrina sofisticada, uma ideologia completa, sequer um peronismo de botequim; nada disso é preciso. Basta demonizar o neoliberalismo, vilipendiar as privatizações, atacar os inimigos de classe – as tais das “zelites” – e enganar os incautos com PACs imaginários, fazer muitas conferências nacionais de inclusão (de qualquer coisa) e fazer discursos na base do nunca antes.
De fato, pouca gente ficou ao relento: temos uma Argentina inteira vivendo aqui com cartão magnético, um imenso exército de assistidos oficiais; a burguesia ficou com a Bolsa-BNDES e os banqueiros continuam vivendo de déficit público e da dívida que segue junto. E a classe média? Depende: tem uma parte que paga mais impostos – 4 pontos do PIB a mais para cobrir a conta de todos esses favores – e tem a tal de nova classe média, que ainda mora na favela, mas já está em ascensão, ou pelo menos assim dizem, pois comprou uma TV a plasma (em dez vezes sem juros, obviamente) e tem direito a vaga numa Faculdade Tabajara, com subsídio público (ou seja, nosso).
As novas elites são realmente espertas: elas estão construindo um tipo de fascismo corporativo, quase consensual, com a ajuda da burguesia e das grandes massas encantadas com o discurso do nunca antes. Tenho a impressão de já ter visto esse filme antes, e de fato já conheço a história, de leituras e visitas a museus. Ainda recentemente, morando em Paris para dar aulas na Sorbonne, fomos visitar, Carmen Lícia e eu, o museu dos congressos nazistas em Nuremberg, um prédio impressionante de concreto, aproveitando parte do altar cerimonial de onde um outro guia genial do povo arengava as massas, que carregava tochas e bandeiras. No interior do museu, se pode assistir a documentários da época, filmagens de ocasião: aquilo me relembrou o nunca antes, o mesmo discurso inflamado, as mesmas invectivas contra as “zelites”, contra os inimigos do povo, os exploradores estrangeiros, enfim, todas essas coisas que vocês conhecem bem. Nunca antes eu tinha saído de um museu com tamanha sensação de desconforto, nem mesmo após visitar Auschwitz, ou ao deixar o Museu do Holocausto.
Nunca antes mesmo: pode-se imaginar que os companheiros, se pudessem, praticariam o mesmo stalinismo industrial que eles tanto admiravam nos militares, e tentariam construir o mesmo fascismo corporativo que deixou tão amargas lembranças em outros povos. Claro, já não é mais preciso ir à guerra por qualquer espaço vital; este já foi conquistado. O Estado já é deles: a partir do ogro famélico, eles disseminam o mais possível esse gramcismo tupiniquim em todos os níveis de ensino, do jardim de infância ao pós-doc, com apoio naquela pedagogia idiota que as saúvas freireanas instaladas no MEC apresentam sob a forma de diretrizes das educação nacional.

(continua)

Nunca antes no Brasil: a politica e a economia de tempos nao convencionais (6) - Paulo Roberto de Almeida

A economia e a política do Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...), 6

Paulo Roberto de Almeida
Palestra na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014
(continuação da parte anterior)

 E as novas elites: quem são elas, o que fazem elas?
Qual a diferença entre as velhas elites, hoje submissas, e as novas elites? As antigas elites brasileiras viviam SOB o Estado, ao passo que as novas elites, vivem DO Estado, PARA o Estado, PELO Estado, COM o Estado. A nova classe, a Nomenklatura do partido neobolchevique, parece ter a intenção de manter indefinidamente o controle do Estado, se possível exclusivamente, se não der, em coalizão, desde que ela mantenha a hegemonia do processo decisório e dos mecanismos pelos quais fluem os recursos. As antigas elites obtiveram do Estado o que necessitavam para sobreviver e prosperar: proteção à indústria infante, subsídios setoriais generosos, políticas acomodatícias, como a lei do similar nacional, tarifas comerciais sempre defensivas, em todo caso muito elevadas, fechamento quase completo da economia e, como consequência de tudo isso, um grande mercado interno cativo, passivo, ao seu inteiro dispor. Elas desfrutaram do Estado varguista, que foi também o Estado dos militares, os mesmos que derrubaram Vargas, mas que continuaram a sua obra econômica, aperfeiçoaram o Estado interventor e o levaram aos seus extremos. Tem gente que adora esse tipo de coisa.
Os militares, tanto nos anos 1930-45, quanto no período 1964-85 fizeram no Brasil aquilo que Stalin estava fazendo na União Soviética com o seu socialismo num só país: eles praticaram o que pode ser chamado de stalinismo industrial, e construíram um sistema integrado verticalmente, pouco dependente do exterior, com um índice de nacionalização da oferta interna poucas vezes visto em outras experiências desse tipo: ao final do regime militar, o “made in Brazil” representava provavelmente perto de 95% dos produtos de consumo. Os militares praticaram esse capitalismo num só país em benefício de grandes grupos nacionais, de algumas multinacionais integradas a esse espírito industrial e em benefício do próprio Estado, obviamente.
E as nossas novas elites?  Quem são, o que fazem, como vivem, do que vivem? Elas não são mais, obviamente, aqueles coronéis de chapelão, aqueles burgueses de cartola e charuto (mas as novas não dispensam os charutos cubanos), elas não são mais os industriais que se beneficiaram do stalinismo industrial praticado tanto pelo Estado varguista quanto pelo regime militar. As novas elites, quando ainda não eram tão ricas quanto hoje – mas elas já eram, de certa forma, elites, ainda que do tipo da aristocracia operária que conhecemos bem, ou como guerrilheiros reciclados que também sabemos quem são –, nos velhos tempos do Ancien Régime burguês (desculpem a contradição nos termos), essas novas elites que se tornaram velhas antes do tempo viviam às turras com o Estado burguês, com a sociedade capitalista, imaginem vocês. Antes desses tempos de fim da História, elas pretendiam – vejam que pretensão – derrocar o Estado burguês, aplastar o capitalismo perverso, e colocar em seus lugares respectivos o glorioso Estado proletário e o modo de produção socialista, com algumas loucuras maoísta em complemento.
Patriotas equivocados, como diria o Partidão – e eu fui um deles –, ou ainda, guerrilheiros improvisados, brincando de mocinho e bandido com os gorilas da ditadura militar. Fomos derrotados, obviamente, embora eu continuasse a lutar contra o regime militar até o final, ainda pensando em construir o socialismo, mas já numa feição mais democrática, à face humana como se dizia na ocasião, para distinguir do sovietismo já esclerosado, não mais dos tempos do stalinismo com Gulag, que funcionava apenas na base da repressão a dissidentes e internação em clínicas psiquiátricas. Eu já tinha feito minhas observações ao vivo, tendo morado num dos socialismos reais durante breve tempo, mas visitado todos os outros socialismos, do real ao surreal, e conhecia bastante bem os diversos capitalismos, do ideal ao perverso, como se encontra na periferia.
Mesmo marxista, nunca fui fundamentalista, e sempre li meu Raymond Aron ao lado de Marx e Sartre, e Roberto Campos para compensar os economistas estruturalistas e keynesianos a que estávamos acostumados na faculdade. Ou seja, fiz o meu dever de casa, aquilo que os camaradas do Partido Soviético chamavam de autocrítica, algo que os companheiros atuais nunca fizeram. Isso me habilitou a tirar certas conclusões, não apenas sobre o sentido da História, como gostam de dizer os marxistas, mas também sobre as políticas públicas, macroeconômicas ou setoriais, que funcionam e as que não funcionam. Minhas conclusões são muitas, mas eu vou me ater às características das novas elites.

(continua)