O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O TPP provoca calafrios em certas autoridades brasileiras (nao todas...) - Matias Spektor

TPP: um dos grandes problemas de analistas acadêmicos é o de achar que o Itamaraty é responsável pela diplomacia brasileira. Não, não é; se foi no passado, isso ficou muito distante no tempo.
Há muito tempo que o Itamaraty deixou de ser o formulador, e por vezes o aplicador, da política externa, sobretudo em sua vertente econômica, ou seja, comercial.
Não há uma relação de causa a efeito, como se costuma dizer, sequer uma correlação...
Paulo Roberto de Almeida

Matias Spektor
 
Em seguida ao anúncio do Tratado Transpacífico (TPP), o ministro das Relações Exteriores disse ter "preocupação sistêmica". Em diplomatês, significa que o problema é grave.
O novo mega-acordo comercial é um golpe duro contra a estratégia brasileira dos últimos 20 anos, quando o condomínio PT-PSDB optou por fazer uma abertura comercial lenta e parcial, sem combate aos grandes interesses protecionistas nacionais.
A preocupação do chanceler se justifica porque o TPP reduz o poder de fogo de grandes países em desenvolvimento e reconcentra a autoridade pelo comércio global nas mãos de um grupo pequeno de países e de suas empresas.
Não surpreende que o TPP reintroduza elementos que o Brasil e seus aliados haviam conseguido eliminar ou neutralizar nas negociações multilateral da última década.
Além de facilitar comércio, o TPP agora estabelece disciplinas de direito trabalhista, proteção ambiental, convergência regulatória, serviços legais, comércio eletrônico, propriedade intelectual e políticas de conteúdo nacional. Um mecanismo de solução de disputas outorga poderes inéditos a investidores estrangeiros diante de Estados nacionais.
A proposta do TPP é tão ambiciosa, e seus signatários tão poderosos, que o efeito do acordo será sentido em todo o mundo. E servirá como balão de ensaio para a introdução de temas polêmicos. Para o Brasil, o saldo de um acordo dessa natureza é muito negativo.
Não se trata apenas de mais um passo em direção ao isolamento na geopolítica do comércio, mas de algo mais grave. Com o Brasil fora de qualquer negociação relevante, os defensores do livre comércio em Brasília perdem força diante de interesses protecionistas representados no Congresso.
O impacto disso é brutal por um motivo simples. O protecionismo brasileiro beneficia um grupo pequeno de grandes indústrias subsidiadas. Elas custam caro à sociedade, embora empreguem cada vez menos trabalhadores, que via de regra são da classe média.
Quem perde é o resto da economia, onde trabalha a maior parte da população. Esta, apesar de ser composta em sua grande maioria por pessoas de renda baixa ou muito baixa, é forçada a pagar caro por produtos de má qualidade que seus impostos subsidiam.
Forças protecionistas utilizarão o TPP para denunciar o imperialismo americano. Afastando o país das cadeias globais de valor, porém, manterão a sociedade brasileira enquistada no atraso tecnológico e na baixa produtividade. Impedirão o surgimento de uma política industrial inteligente.
A retomada da liderança em negociações comerciais deveria ser objetivo central da diplomacia brasileira. Desta vez, o país precisaria fazê-lo pela via da abertura.
 
MATIAS SPEKTOR escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Ah, como deve ser bom, voltar para o Brasil e dar de cara com a Receita Federal

Um exercício dantesco: verificando as regras de tratamento aplicadas à mudança, tal como estabelecidas por esse órgão supergeneroso que se chama Receita Federal:

Preparando a mudança e constatando como a Receita Federal é boazinha:
 
B . BENS NOVOS – isentos de impostos desde que sejam importados somente 1(um) por 
      categoria (ex.: uma TV, um refrigerador, uma lava-louça, etc.)
As notas fiscais de compra, em nome do proprietário da mudança, têm que ser apresentadas à Alfândega.


C. BENS DE CONSUMO (cosmético, bebida alcoólica, sabão, etc.) – sujeitos a cobrança de imposto de importação, ICMS e AFRMN, pois estão excluídos do conceito de bagagem desacompanhada.
(...)
8 - O limite para importar bebidas alcoólicas como bagagem, com isenção do pagamento dos impostos, é de 12 litros no total. Ultrapassado esse volume estará sujeito a cobrança de impostos ou poderá ser confiscado, dependendo da interpretação do auditor fiscal.

9 - A importação de alimentos em geral não é permitida.

10 - Bens de consumo ou bens novos que não forem declarados e forem encontrados na bagagem estarão sujeitos ao Imposto de Importação + ICMS + AFRMN + multa por falsa declaração, inclusive poderão ser confiscados.
11 - Base de cálculo dos impostos:

Imposto de importação (II): 50 % sobre o valor declarado.
Imposto estadual (ICMS) - itens de consumo / novos: valor declarado + I.I. / 0,82 x 18%
Imposto estadual (ICMS) - bebidas: valor declarado + I.I / 0,75 X 25%
Marinha Mercante (AFRMN): aproximadamente 25 % do valor do frete.


Não é uma gracinha?
Ou seja, pagando 50% de tarifa de importação sobre o valor declarado, mais ICMS, mais ICMS bebidas, mais 25% sobre o valor do Frete (???!!!), melhor deixar os bens com o fiscal da receita, não é mesmo? Pois iria sair muito mais caro do que voce pagou. Tem uma solução melhor ainda: destruir na hora, o bem que por acaso for embargado sob esses critérios.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 16/10/2015

A rigidez do gasto publico - Mansueto Almeida

A Rigidez do Gasto Público: Problemas e Soluções

Mansueto Almeida
Revista Interesse Nacional, ano 8, n. 31, outubro-dezembro 2015

De 1991 a 2014, a despesa primária do governo central cresceu 9 pontos de percentagem do PIB, um crescimento da despesa da ordem de R$ 512 bilhões, dos quais 78,7% decorrente da expansão de programas de transferência de renda: Benefício Mensal de Prestação Continuada, seguro-desemprego e abono salarial, Bolsa Família, INSS e aposentadorias de servidores públicos. Essa tendência do crescimento da despesa do governo central foi agravada, nos últimos três anos, com a criação de novos programas, em especial, subsídios setoriais, subsídios para o Minha Casa Minha Vida e desoneração da folha de salários.
Há hoje na economia brasileira dois grandes problemas. No curto prazo, a despesa do governo central continua crescendo acima da sua receita, o que significa que o resultado continua deficitário. A meta de 2% do PIB de superávit primário até 2018 exigirá que o setor público arrecade R$ 200 bilhões a mais do que arrecadou em 2014.
No longo prazo, regras para previdência (INSS), educação e saúde sinalizam um crescimento da despesa de pelo menos seis pontos do PIB até 2030. Controlar o crescimento da despesa pública significa modificar as regras que determinam a dinâmica da despesa. Não há alternativa que não seja uma profunda reforma nas vinculações e regras de crescimento do gasto público para que um maior crescimento da economia não se transforme, automaticamente, no crescimento mais rápido da despesa.
Este texto aborda a questão da rigidez do gasto público, destacando possíveis mecanismos de desvinculação da despesa à receita e ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Sem alterações das regras atuais que indexam a despesa pública ao crescimento da receita e ao crescimento do PIB, corre-se o risco da necessidade de um aumento da carga tributária de pelo menos oito pontos de percentagem do PIB até 2030, sem que isso signifique aumento da poupança e do investimento do setor público.
As transferências De renda do governo central
O debate fiscal, algumas vezes, se destaca pela busca de uma saída fácil. Algumas pessoas acreditam que um gestor eficiente poderia, com ações voluntárias, reduzir desperdícios e fazer um ajuste fiscal sem a necessidade de aumentar carga tributária ou rever regras que determinam o crescimento de despesas obrigatórias.

(...)
 Leia a íntegra neste link: http://interessenacional.uol.com.br/index.php/edicoes-revista/a-rigidez-do-gasto-publico-problemase-solucoes-2/

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A caminho de Ítaca: como e por que sou professor - Paulo Roberto de Almeida


A caminho de Ítaca...
como e por que sou professor

Paulo Roberto de Almeida

         De todas as ocupações que fui dado até agora exercer, numa vida nômade e aventurosa da qual guardo não poucos momentos de orgulho, a que mais prezo e valorizo, obviamente, é a de professor, ou melhor de orientador de ensino, uma vez que não sou professor em tempo integral, nem retiro meu principal ganha-pão dessa nobre função de ‘mestre de artes e letras’. Não sei, aliás, se tenho o direito de me considerar professor, no sentido estrito do termo, já que nunca fui treinado para tanto, desconheço as mais elementares noções de pedagogia e não tenho certeza, de fato, se ao exercer esse nobre ofício minha real intenção é a de tentar ensinar algo a outras pessoas ou, como parece mais provável, faço de tudo isso uma grande figuração e estou, de verdade, aprendendo algo novo cada vez que me ocupo dessa absorvente atividade.
         Antes que alguém pense que sou, apenas e tão somente, um grande ‘embromador’, utilizando-me de inocentes alunos para, constantemente, ensinar algo a mim mesmo, desejo retificar minhas palavras, e corrigir essa sensação de improvisação no trato com o corpo discente. Acredito ter realmente algumas coisas úteis a ensinar a outras pessoas, mais por desejo de transmitir coisas novas, que venho aprendendo desde muitos anos, ao longo de constantes e intensas leituras, do que propriamente por necessidade de ter uma segunda profissão (ainda que, de fato, eu a considere a minha primeira e eterna ocupação, ao lado desta mais formal que exerço temporariamente de diplomata). Com efeito, não retiro, como disse, meu sustento dessa atividade que muitos julgam paralela e exercida como uma espécie de hobby ou para complemento de salário. Longe disso, pois que nunca o fiz, pelo menos desde que ingressei no serviço exterior brasileiro, pensando nos retornos pecuniários que retiraria dessa dupla jornada de trabalho, muitas vezes estafante e exercida contra meu lazer pessoal ou dedicação à família, ou em detrimento da ainda mais prazerosa ocupação de simples leitor e escrevinhador de coisas várias.
         Nunca pensei em ser professor, achando que eu tinha, de fato, qualquer coisa de extraordinário para ensinar a “mentes inocentes”, ou que essa minha atividade temporária e fortuita iria fazer alguma diferença na futura capacitação profissional daqueles temporariamente colocados sob minha responsabilidade docente. O que de fato sempre me motivou a ensinar, ou pelo menos a transmitir conhecimentos, foi uma espécie de motivação interior, algo como uma compulsão inata que me impele a sistematizar o meu próprio conhecimento e tentar repassar aquela maçaroca de idéias e conceitos sob uma forma minimamente organizada, de forma a satisfazer minhas próprias necessidades em termos de racionalização do saber adqurido nos livros (e também na observação homesta da realidade) e de “atingimento” de uma nova síntese a partir desses conhecimentos dispersos na “natureza”. Estou parecendo muito dialético?
         Não importa, desejo confirmar e reafirmar que o que me impele a ser professor é mais uma força interna do que uma necessidade externa, quaisquer que sejam as outras motivações aparentemente altruísticas geralmente invocadas nessas circunstâncias (compromisso com o saber, transmissão de conhecimento, desejo de formar os mais jovens, atendimento de uma vocação e outras escusas do gênero). Sou professor porque eu mesmo “preciso” disso, não porque outros possam eventualmente precisar de minhas competências gerais ou habilidades específicas. Se desejar, você pode considerar isso altamente egoísta ou profundamente narcisista: não me importo com as classificações externas, pois minha motivação interior não vai mudar porque se descobriu, aparentemente, algum motivo menos nobre, ou passavelmente autocentrado nesta principal “ocupação secundária”. 
         É esta motivação interna, não necessariamente “espiritual”, que me leva a desviar-me de outras atividades, talvez mais prazerosas – como o próprio lazer pessoal, a convivência familiar ou o simples tempo alocado à minha outra compulsão não tão secreta que é o hábito da leitura –,  para dedicar-me a essas práticas docentes com uma certa regularidade e constância. Nem por isso desprovidas de algum retorno pecuniário: a despeito de já ter aceito dar aulas de mestrado gratuitas em universidade pública – e de dar incontáveis palestras sem nunca ter sequer invocado alguma remuneração em contrapartida, por vezes mesmo tendo incorrido em despesas pessoais de deslocamentos a outras cidades –, o essencial das minhas atividades docentes se faz segundo tradicionais práticas contratuais. Nem poderia ser de outro modo: se eu deixo de ler ou de escrever para dar aulas, que o ‘desvio’ de ocupação me permita ao menos alimentar esse terrível vício da compra de novos livros e periódicos.
         Tampouco eu poderia invocar como motivação ‘nobre’ a própria arte do ensino. Sendo eu mesmo um autodidata radical, não me preocupa tanto o que os alunos possam estar aprendendo, como o próprio conteúdo do que estou ensinando, que pretendo seja o mais claro possível, o mais didático e o mais completo dentro daquele campo de conhecimento. Transmito aquilo que sei, aos alunos, depois, o encargo de reter o novo saber, de complementá-lo com as muitas indicações de leitura que não me canso de fazer ou de interrogar-me sobre algum aspecto pouco claro ou solicitar esclarecimentos adicionais sobre ‘coisas’ passavelmente complexas, quando não prolixas (sim: tenho esse péssimo hábito, talvez pelo excesso de leituras, de “complicar inutilmente” a vida de meus alunos, estendendo-me sobre longos períodos históricos, voltando a um passado remoto para encontrar as causas de algum processo atual ou supondo um conhecimento geral, sobre o Brasil ou o mundo, que simplesmente não existe mais para a maior parte das gerações mais jovens). Nesse sentido, sou mais ‘substância’ do que ‘forma’, ao dar uma densidade no mais das vezes dispensável a um conteúdo de aula que a maior parte dos alunos provavelmente preferiria superficial ou no estrito limite do “necessário para fazer a prova”. Mas, como disse, não estou principalmente preocupado com o que os alunos possam ‘aprender’ e sim com o que eu mesmo possa ensinar.
         Tratar-se-ia, por acaso, de uma “má técnica docente”? Talvez, ou quem sabe até, certamente. Minha didática está em ensinar, ou transmitir conhecimentos, julgando que os alunos, ou ouvintes de alguma palestra, serão suficiente maduros ou responsáveis para procurar, depois, seu próprio aperfeiçoamento cultural ou intelectual, cultivando as boas práticas do autodidatismo que eu mesmo reputo valiosas para mim mesmo (e assim tem sido desde os tempos remotos em que aprendi a ler, na ‘tardia’ idade de sete anos). Tão motivado sou pela necessidade interior e imperiosa de ensinar, que procuro estender a tarefa além das quatro paredes da sala de aulas ou de um auditório ou seminário acadêmico. Pela necessidade de complementar esse ensino fora do período ‘normal’ de atividade docente, criei e mantenho, praticamente sozinho (sem possuir as técnicas para tanto) um site de informação com motivações essencialmente didáticas. Também tenho produzido material impresso como derivação ou complementação das atividades didáticas: praticamente todos os meus livros – com exceção de um grosso ‘tijolo’ de pesquisa histórica – resultaram de aulas dadas, conferências pronunciadas, palestras proferidas, seminários a convite (sim, nunca me ‘convidei’ para qualquer tipo de atividade externa, tanto porque não conseguiria atender a todas essas oportunidades).
         Tanto o site como os livros e trabalhos publicados, bem mais até do que as aulas dadas em caráter necessariamente restrito, constituem, obviamente, oportunidades para aparecer em público, me tornar conhecido, quem sabe até ‘famoso’ em certos meios. Seria, então, por algum secreto desejo de prestígio pessoal, de reconhecimento público, de notoriedade acadêmica, que me obrigo a todas essas atividades cansativas, que não raro penetram fundo na madrugada e ocupam quase todos os fins de semana, para maior angústia familiar e evidente cansaço cotidiano?
         Não posso, honestamente, recusar esse aspecto da ‘necessidade de reconhecimento’, talvez uma demonstração de ‘desvio de personalidade’, buscando na exposição pública e no aplauso dos demais uma satisfação de alguma necessidade ‘secreta’ que o excesso de timidez me impediria de realizar de outro modo. Não creio, todavia, que esse aspecto seja determinante, tanto porque tenho inúmeros outros trabalhos que permanecem rigorosamente inéditos ou porque mantenho, em paralelo, alguma atividade de correspondente dedicado – e não apenas em direção dos muitos alunos que me procuram pedindo ajuda em trabalhos ou projetos de estudos – e algumas colaborações regulares (em matéria de livros, por exemplo) com determinados veículos de divulgação que não necessariamente levam minha assinatura.
         A principal motivação, volto a reafirmar, é interna, e deriva dessa minha inclinação pelo estudo, pela sistematização do conhecimento, pela necessidade de eu mesmo ver claro no emaranhado de informações que recolho diariamente de livros, jornais e revistas, pelo desejo subsequente de organizar o conhecimento adquirido em uma nova ‘síntese combinatória’ e pela motivação ulterior de tentar alcançar um público mais amplo ao colocar no papel, se possível impresso e publicado, essa massa de conhecimentos que adquiro de forma contínua e de modo interminável. Tanto é assim que acabo aceitando, contra a opinião familiar e contra o que seria sensato do ponto de vista profissional, dar palestras em alguns cantos recuados desse país continente que é o Brasil (e até mesmo em outros países), sem outra motivação aparente (e real) do que a de atender à solicitação de algum grupo de estudantes que acabaram descobrindo, na internet ou nas bibliografias, algum livro ou trabalho meu, que estiveram na origem dos convites.
         Sem pretender dar qualquer conotação de ‘épico literário’ a esse meu ativismo docente, algo de “jornada de Ulisses” pode estar escondida nas minhas aventuras didáticas, no mar revolto das instituições de ensino superior e nas enseadas mais movimentadas dos seminários acadêmicos. Com efeito, minha busca incessante de ‘complemento professoral’ às atividades profissionais normalmente desempenhadas no âmbito da carreira diplomática – já por si suficientemente absorvente – pode ter esse sentido de unending quest, de busca incessante de algo mais, ou de itinerário contínuo em direção de algo valorizado, que eu não bem precisar o que seja, exatamente.
         Na verdade, a comparação pode ser enganosa, pois mesmo Ulisses sabia para onde queria ir, e a esse objetivo dedicou todo o tempo do retorno de Tróia, ainda que tivesse sido constantemente desviado de alcançar seu destino final pelas trapaças da sorte e pelos acasos da vida. De minha parte, eu não sei exatamente o que persigo ao me ‘obrigar’, literalmente, a exercer uma ‘segunda’ – ou primeira? – profissão, ao lado daquela que me distingue socialmente, que me define institucionalmente e que me remunera essencialmente.
         Independentemente do destino final, o caminho de Ítaca é, ele mesmo, a aventura de uma vida inteira, uma experiência gratificante (por vezes ‘mortificante’) e, de certa forma, um reconhecimento implícito de uma certa ‘dívida social’ que eu desejaria amortizar da forma mais inconsciente possível. Como seria isso? Sendo eu originário de família modesta, morador, até a adolescência tardia, de uma casa onde eram poucos os materiais de leitura e relativamente raros os ‘livros sérios’, tendo feito toda a minha educação formal em instituições públicas e tendo tido a chance de poder frequentar, desde muito jovem, uma biblioteca infantil, aprendi a valorizar tremendamente o hábito da leitura e o auto-aprendizado. Sou, essencialmente e verdadeiramente, um autodidata, no sentido mais completo e profundo da palavra, algo não necessariamente extraordinário ou excepcional, mas que no meu caso corresponde inteiramente a toda uma realização de vida que devo reconhecer e valorizar honestamente.
         Mas, onde entra Ítaca nessa história de self-made intellectual, de sucesso profissional pelo esforço próprio, de mérito social pelo empenho no estudo e no trabalho? Creio que Ítaca é uma espécie de ‘Santo Graal’ intelectual que persigo por simples desencargo de consciência. Como aprendi por mim mesmo, mas também aprendi porque frequentei escolas públicas que num determinado momento eram ‘boas’ – mas que hoje são passavelmente sofríveis, quando não insuficientes para formar qualquer estudante para o ingresso no terceiro ciclo – e sobretudo aprendi porque tive à minha disposição uma biblioteca repleta de livros interessantes, acredito que ao me obrigar a dar aulas eu esteja, talvez inconscientemente, procurando dar aos outros aquilo que eu mesmo tive como ‘oferta da sociedade’, basicamente uma boa escola pública e uma ‘grande” biblioteca infantil.
         São essas instituições que fizeram de mim o que sou hoje – ademais do esforço próprio no estudo e na leitura, por certo – e aparentemente eu tenho um certo calling, um certo dever de consciência de contribuir em retorno ao que obtive em priscas eras (com perdão pela horrível expressão ‘pasteurizada’). Obviamente não estou retribuindo na justa medida, pois que dou aulas e orientação a ‘marmanjos’ do terceiro ciclo, não a ‘pequenos inocentes’ dos dois ciclos anteriores, mas é o que eu posso fazer, com meu singular  despreparo para aulas de ensino fundamental, e meu (reconheçamos) bom preparo para o ensino especializado, fortemente intelectualizado.
         Voilà, minha ilha de Ítaca é uma espécie de miragem, um ponto não alcançável no horizonte, jamais realizado ou realizável, mas que conforma um objetivo material (e ‘espiritual’) que me traz imensa satisfação pessoal: a necessidade de ensinar, um desejo (agora não tão secreto) de contribuir para o engrandecimento alheio tomando como ponto de partida os conhecimentos que fui adquirindo ao longo de uma vida razoavelmente feliz, ainda que materialmente difícil, feita de muito estudo, de leituras intensas, de escrituras compulsivas, de perorações infinitas, de um constante navegar em busca de mais conhecimento, de mais informação, de um pouco mais de compreensão (no sentido weberiano da Verstehen). 
         Não sei, aliás, se chegarei a alguma Ítaca algum dia: a sensação que mais tenho é a de que sempre há uma nova porção de mar para além do horizonte, de que a busca por conhecimento é infindável e propriamente inesgotável. Mas, pelo menos, não busco o conhecimento pelo conhecimento, não me retiro nos prazeres secretos da leitura pela leitura, como esses leitores de Proust que fazem da busca do tempo perdido um exercício de indeclináveis características de ‘eterno retorno’.
         Eu acredito na ‘flecha retilínea do tempo’ (com os habituais acidentes de percurso), acredito que o saber tem um caráter instrumental, de liberação, de capacitação humana, de engrandecimento social, de aperfeiçoamento da humanidade, de busca de valorização do que é belo, do que é útil e, sobretudo, do que é bom. Nesse sentido, não sou relativista, nem agnóstico: acredito que o exercício das paixões humanas – e, no caso, minhas atividades didáticas ou professorais constituem uma ‘paixão’ – podem e devem servir a algo de valorizado socialmente, não para uma mera satisfação pessoal de fundo egoísta.
         Repito: dou aulas ou orientação com um certo sacrifício pessoal e familiar, e de forma nenhuma motivado pela remuneração ou pelo prestígio vinculado a essas atividades. Eu o faço por necessidade interior e motivado por um sentimento que poderia, honestamente, classificar como ‘nobre’. Retiro satisfação social dos encargos docentes auto-assumidos, mas sobretudo retiro satisfação pessoal pelo fato de estar ensinando algo a mim mesmo: esse algo é a consciência de que pertencemos a uma entidade que nos transcende – sem qualquer espiritualismo aqui – e que precisa melhorar constantemente para que nós mesmos possamos ter motivos contínuos de satisfação social ou pessoal.
         Sou perfeitamente materialista, mesmo correndo o risco de ser incompreendido por causa desse conceito tão carregado de significados obscuros e supostamente ‘vulgares’. Acredito que a elevação da humanidade se dará por força e empenho pessoal de seus componentes irredutíveis, que são os seres humanos como eu e você, que me está lendo neste momento. Eu procuro, modestamente, contribuir com o meu pequeno esforço para a elevação dos padrões materiais e morais da humanidade. Por isso tenho orgulho em ser professor ou orientador, mesmo não necessitando fazê-lo por razões objetivas ou externas.
         Se não me falharem as forças, continuarei a caminho de Ítaca pelo resto de meus dias...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 18 de outubro de 2004

1345. “A caminho de Ítaca”, Brasília, 18 out. 2004, 7 p. Ensaio sobre como e por que sou professor, de caráter autobiográfico. Postado no blog DiplomataZ (23.11.2009; link: http://diplomataz.blogspot.com/2009/11/24-por-que-sou-professor-uma-reflexao.html).

A OMC, das origens aos impasses atuais; nro. especial Meridiano 47 - Paulo Roberto de Almeida

Meus dois artigos mais recentes, o primeiro em cooperação com o Rogério S. Farias.
Paulo Roberto de Almeida

1198. “A OMC e os desafios do sistema multilateral de comércio”, com Rogério de Souza Farias, Meridiano 47 (vol. 16, n. 150, Julho-Agosto de 2015, p. 5-9; ISSN: 1512-1219; link da revista: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/1212; link do artigo: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/16507; pdf do artigo: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/16507/11777). Relação de Originais n. 2857.


1199. “A longa marcha da OMC: das origens aos impasses atuais”, Meridiano 47 (vol. 16, n. 150, Julh////////............................o-Agosto de 2015, p. 16-22; ISSN: 1512-1219; link da revista: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/1212; link do artigo: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/16511; pdf do artigo: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/16511/11780). Relação de Originais n. 2764.

Meridiano 47: numero especial sobre os 20 anos da OMC - sumario

Tenho um artigo e uma introdução, compartilhada com meu amigo Rogério de Souza Farias, neste número especial da Meridiano 47, uma velha conhecida de todos os pesquisadores e militantes do campo das RI do Brasil.

Caro(a) Leitor(a), Dear Reader,

Temos a satisfação de informar a publicação da edição especial dedicada à análise do vigésimo ano da Organização Mundial do Comércio.
Essa edição se acessa em http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/1212.

Veja abaixo o sumário desta edição.

We are pleased to announce the publication of the special issue dedicated to the analysis of the twentieth year of the World Trade Organization. This special issue is available at
http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/1212.

Below you can find the table of contents of this issue.

Editoria Meridiano 47
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais
Fone + 55 61 31073651
Meridiano47@ibri-rbpi.org
____________

Boletim Meridiano 47
v. 16, n. 150 (2015): Julho-Agosto
Sumário
http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/1212

Editoriais
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A OMC e os desafios do sistema multilateral de comércio - um número
especial a propósito da 150a edição do Boletim Meridiano 47 (3-4)
    Antônio Carlos Lessa

Artigos
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Nota Liminar: A OMC e os desafios do Sistema Multilateral de Comércio (5-9)
    Rogério de Souza Farias,    Paulo Roberto de Almeida
A OMC aos 20 anos (10-13)
    Roberto Azevêdo
Os desafios da Organização Mundial do Comércio (14-15)
    Rubens Antônio Barbosa
A longa marcha da OMC: do nascimento aos impasses atuais (16-22)
    Paulo Roberto de Almeida
Sob o véu da ignorância: a aprovação dos resultados da Rodada Uruguai do
GATT no Congresso brasileiro (23-33)
    Rogério de Souza Farias
The Power of Law or the Law of Power? A Critique of the Liberal Approach to
the Dispute Settlement Understanding (34-41)
    Igor Abdalla Medina de Souza
The WTO's international multilateral trade system and its effects on the
production and consumption of food (42-49)
    Ricardo César Barbosa Júnior,    Estevan Coca

Edição completa
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v. 16, n. 150 (2015): Julho-Agosto (1-49)

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Boletim Meridiano 47  - http://www.meridiano47.info
E-mail: meridiano47@ibri-rbpi.org

Strange Fruit, by Billie Holiday, a mais pungente imagem do racismo

Today's encore selection -- Strange Fruit: The Biography of a Song by David Margolick.  Billie Holiday (1915-1959), considered by some to be the greatest of the female jazz vocalists, introduced 'Strange Fruit', a song about lynching, into a world of songs about love and romance:

"A few years back, Q, a British music publication, named 'Strange Fruit' one of 'the ten songs that actually changed the world.' Like any revolutionary act, the song initially encountered great resistance. Holiday and the black folksinger Josh White, who began performing it a few years after Holiday first did [in 1939], were abused, sometimes physically, by irate nightclub patrons -- 'crackers' as Holiday called them. Columbia Records, Holiday's label in the late 1930s, refused to record it. ... 'Strange Fruit' marked a watershed, praised by some, lamented by others, in Holiday's evolution from exuberant jazz singer to chanteuse of lovelorn pain and loneliness. Once Holiday added it to her repertoire, some of its sadness seemed to cling to her; as she deteriorated physically, the song took on new poignancy and immediacy. ...

"Lynchings -- during which blacks were murdered with unspeakable brutality, often in a carnival-like atmosphere, and then, with the acquiescence if not the complicity of local authorities, hung from trees for all to see -- were rampant in the South following the Civil War and for many years thereafter. According to figures kept by the Tuskegee Institute -- conservative figures -- between 1889 and 1940, 3,833 people were lynched; ninety percent of them were murdered in the South, and four-fifths of them were black. Lynchings tended to occur in poor, small towns -- often taking the place the famed newspaper columnist H.L. Mencken once said, 'of the merry-go-round, the theater, the symphony orchestra.' ... And they were meted out for a host of alleged offenses -- not just for murder, theft and rape, but for insulting a white person, boasting, swearing or buying a car. In some instances, it was no infraction at all; it was just time to remind 'uppity' blacks to stay in their place. ...

"The night that she first sang 'Strange Fruit' [at Cafe Society in New York] 'there wasn't even a patter of applause when I finished,' she later wrote in her autobiography. 'Then a lone person began to clap nervously. Then, suddenly, everybody was clapping.' The applause grew louder and a bit less tentative as 'Strange Fruit' became a nightly ritual for Holiday, then one of her most successful records, then one of her signature songs, at least in those places where it was safe to perform."

Lyrics:

Southern trees bear a strange fruit
Blood on the leaves and blood at the root
Black body swinging in the Southern breeze
Strange fruit hanging from the poplar trees.

Pastoral scene of the gallant South
The bulging eyes and the twisted mouth
Scent of magnolia, sweet and fresh
And the sudden smell of burning flesh!

Here is a fruit for the crows to pluck
For the rain to gather, for the wind to suck
For the sun to rot, for a tree to drop
Here is a strange and bitter crop.



Strange Fruit: The Biography of a Song
Author: David Margolick
Publisher: Harper Perennial
Copyright 2001 by David Margolick
Pages: 8, 19-20, 3-4

 
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Mansueto Almeida e o consenso dos economistas em prol da CPMF


Resumindo o artigo de Mansueto Almeida (não é meu parente): o Brasil ainda vai piorar muito antes de piorar um pouco mais. Não estou brincando: não existe solução a curto prazo e não haverá, pois Executivo e Congresso são incapazes de fazer reformas imediatas, mediatas e de longo prazo, ou estruturais. Uma das razões é porque o Governo é a crise e a crise é o governo. E ainda assim não partilho do consenso dos economistas em que uma solução parcial e temporária ao grave problema fiscal é inevitavelmente a recriação da CPMF. Não acho: isso só elevaria a carga fiscal e o governo não faria o que tem de ser obrigado a fazer: reduzir os seus gastos, diminuir salários dos funcionários públicos, cortar os subsídios para o consumo dos pobres e para o aumento da renda dos ricos, e várias outras despesas (que tal reduzir os ministérios a dez e dispensar cargos de confiança?). Ou seja: teremos mais inflação, mais desvalorização e depois caos social, manifestações, depredações, delinquência, etc. Esse é o futuro imediato do Brasil... Infelizmente...
Paulo Roberto de Almeida 

Falando sério: O risco fiscal

A cada dia que passa, o problema fiscal vai ficando cada vez mais sério devido à falta de consenso politico de como resolver o problema no curto e no longo prazo.

No curto prazo, o governo não sai dessa sem algum aumento de carga tributária pois não há como tapar um buraco entre R$ 65 bilhões a R$ 90 bilhões apenas com cortes de despesas nos próximos 12 meses. Assim, será necessário CPMF e forte aumento de receitas extraordinárias, além de cortes necessários e desejáveis da despesa.

No longo prazo, para evitar que a CPMF se torne permanente, será necessário reforma estruturais que diminuam ou acabem com a vinculação de receitas, reduzam a indexação das despesas publicas, estabelecimento de idade mínima de aposentadoria para 65 anos, acabar com regime especial para professores e aumento do tempo de contribuição para mulheres, entre outas coisas.

Hoje, estamos avançado muito pouco na agenda de curto e na de longo prazo. E se não avançarmos imediatamente na de curto prazo até o próximo ano significa mais uma perda de grau de investimento, juros mais altos e uma taxa de câmbio que poderá ser de R$ 4,50/US$ ou R$ 6/US$ – ninguém sabe exatamente o que será um país em um regime de dominância fiscal: a divida não é compatível com os resultados primários esperados nos anos futuros descontados para o presente.

Meus amigos falam que em uma situação de dominância fiscal a inflação teria que disparar para comer o valor da divida do setor público e torná-la compatível com a capacidade de o governo pagar sua divida com superávits primários menores. Mas o problema é que mais ou menos 57% da despesa do governo central é hoje indexada ao salário mínimo e , logo, à inflação. E se levarmos em conta os gastos que são indexados à receita nominal (que deve acompanhar à inflação em circunstâncias normais), a parcela da despesa pública do governo central que é de alguma forma indexada à inflação vai para 75%.

Ontem, em um debate aqui em São Paulo, eu, Ilan Goldfajn (economista chefe do Itaú) e Otaviano Canuto (Diretor Executivo do FMI) não conseguimos ver alternativa, no curto prazo, que não seja a recriação da CPMF para termos algum primário já no próximo ano. Todos nós achamos que a carga tributária no Brasil já é elevada, mas no curto prazo não há alternativas menos ruim.

E se fizermos algo radical do lado da despesa já para 2016: desvinculação total das despesas à receita, desindexação do salário mínimo, idade mínima de 65 anos já para o próximo ano, etc.? Isso não vai acontecer. É mais difícil do que aprovar a CPMF e reforma da previdência não é algo que se faz para começar a valer daqui a 12 meses. Estabelecimento da idade mínima para aposentadoria, por exemplo, é em geral acompanhada de uma regra de transição.

É claro que podemos chegar a um impasse e que não haja consenso para aprovar CPMF, dado o medo justificável de alguns que o ex-presidente Lula vai pressionar o governo para gastar mais, e nem para cortes grandes da despesa. Neste caso, caminhamos para o imprevisível e nenhum truque –banda cambial, venda de reservas, etc.- nos salvará de uma situação de crise aguda com uma disparada do dólar, baixo ou nenhum crescimento e inflação elevada e crescente.

Por enquanto, apenas fique com a certeza que a situação econômica vai piorar porque ninguém consegue enxergar uma luz no fim do túnel e, sem essa luz, os empresários não vão investir e continuaremos atolados na recessão com uma arrecadação incerta e que não ajuda no esforço fiscal.

A questão principal para mim hoje é quanto o Brasil precisa piorar para que se crie algum consenso pró reformas? Inflação mensal de 1,5%? Desemprego passando de 10%? Taxa de câmbio perto de R$ 6? Ficou assustado? Eu fiquei ainda mais quando escutei de analistas de mercado que esse cenário catastrófico já começou a afetar a decisão de alocação de carteira. Pode ser exagero, mas o fato é que hoje estamos às cegas com a necessidade de um ajuste profundo em um governo cuja sua base politica não parece ainda totalmente convencida da necessidade do ajuste e da gravidade da situação.