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quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Dia do Professor: título que, no meu caso, concorre com o da carreira na burocracia oficial - Paulo Roberto de Almeida

 Quem primeiro me chamou de professor, no Itamaraty, preferencialmente à designação normal do ranking na carreira, foi o chanceler Luiz Felipe Lampreia, seguido depois pelo chanceler Celso Lafer. Creio que FHC, antes disso, quando foi chanceler, também sabia dessa condição, e eu justamente havia feito a minuta de seu pronunciamento por ocasião da posse do então embaixador Lampreia como Secretário Geral do Itamaraty, quando pela primeira vez substitui o conceito tradicional de América Latina pelo inovador de América do Sul, o que depois se refletiria na reunião de Brasília em 2000, dando origem à IIRSA. Lampreia só me chamava de “professor”, o que depois passou a ser adotado pelos demais embaixadores, isso antes mesmo de minha promoção a ministro de segunda classe. Parece que colou e, desde então, é o título, ou condição que prefiro, e vem sendo usado mais extensivamente do que o burocrático da carreira. Estou bem com ele, aliás há muitos anos. Reafirmo o que escrevi nesta minha postagem do ano passado.

Brasília 15/10/2020


O que escrevi um ano atrás:

No Itamaraty, colegas vivem me chamando de professor. 

Esse modesto apelativo me dá mais orgulho e satisfação do que o aparentemente pomposo de embaixador. 

Ser embaixador é apenas um título, para mim anódino, que qualquer amigo do rei, ou do presidente, pode ostentar, com base em conexões e apoios, e até sendo filho de quem decide. Ser reconhecido basicamente, essencialmente, como professor é uma condição que poucos podem exibir, a não ser que encarnem efetivamente esse gênero de atividade.

Feliz dia dos professores — a despeito de nossos tempos sombrios, quando temos um cidadão ignorante como ministro da área [eu me referia ao então ministro Weintraub, literalmente uma cavalgadura]— a todos os que podem ser legitimamente reconhecidos nessa nobre atividade.

Ser embaixador passa.

Ser professor permanece!

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 15/10/2019


sábado, 15 de outubro de 2016

Minha homenagem no dia do Professor - Paulo Roberto de Almeida



Paulo Roberto de Almeida

Neste dia 15 de outubro, convencionalmente dedicado aos professores, desejo prestar uma homenagem aos que se revelam essenciais às lides docentes: os alunos. Sim! Se não fossem os estudantes, os professores não teriam razão de ser, não apenas pelo fato dos alunos constituírem a “outra parte” absolutamente indispensável à atividade dos professores, mas também porque, sem alunos inquisidores, o encargo docente seria incrivelmente aborrecido. Minha homenagem, portanto, aos alunos, a todos eles, os meus e os de todos os outros professores. Obrigado, alunos, por me permitir existir como professor, o que faço por prazer, não por obrigação ou necessidade.

Tenho com a atividade docente uma antiga relação de dedicação parcial, no tempo, mas integral, no espírito. Salvo um ou outro livro de literatura, em volume bem mais rarefeito, quase todas as minhas leituras, no campo das humanidades, da história econômica são feitas – e anotadas – em função daquilo que posso transmitir a meus alunos, diretos ou indiretos, oralmente ou por escrito, em contato pessoal ou à distância. Estou sempre anotando alguma coisa, em alguns dos meus muitos cadernos de notas, que servem para leituras, reflexões, registros de viagens, contatos, enfim, uma variedade de objetivos. Também estou sempre lendo algo, geralmente o que comprei no minuto anterior: andando ou dirigindo, sempre dá para avançar alguns parágrafos, talvez mesmo algumas páginas. Tudo isso é para ser revertido em alguma aula ou algum escrito, que é também uma forma de aula, por extensão.
Preferiria, claro, ter mais alunos perguntadores do que ouvintes passivos, mas cada um deve decidir o que é melhor para si, independentemente da vontade do professor. Este só existe para tentar melhorar os estudantes, e estes só existem, se forem conscienciosos e inquisitivos, para melhorar o professor. Alguns creem que se trata de uma relação assimétrica, mas para mim se trata de algo absolutamente relacional, com conivências recíprocas, ainda que não isentas de contradições. O aluno contestador ajuda o professor a ser responsável, ajustar o foco, preparar suas aulas de forma responsável, a sempre fazer a síntese de suas leituras, a expor claramente os seus argumentos, a embasá-los de forma pertinente em elementos factuais ou empíricos relevantes, sob risco de não convencer e não persuadir. O professor precisa de alunos iconoclastas, que contestem as meias-verdades e as afirmações puramente opinativas ou impressionistas.
Alguns são chatos, é verdade, não por questionar o professor, mas por desprezar o aprendizado, conversar ou ausentar-se de forma ostensiva no meio da aula, não que isso represente uma ofensa absoluta ao professor, mas porque perturba a aula pelo barulho do deslocamento, pela conversa paralela, pelo zumbido intermitente da concorrência desleal. Muitas vezes a culpa é do próprio professor, que não soube tornar a sua aula suficientemente atraente para motivar e capturar a atenção dos alunos. Aqui também se trata da lei da oferta e da procura num mercado pouco transparente: o aluno “compra” aquilo que lhe parece de boa qualidade e suscetível de oferecer algum prazer intelectual e se a aula é chata e pouco vinculada às realidades cotidianas, merece o desapreço e desatenção que lhe dedicam os alunos.
São os alunos, portanto, que fazem um bom professor, ainda que as qualidades deste também dependam de seu investimento preliminar no estudo e na leitura, sua acumulação primitiva de conhecimentos e informações, tudo isso apresentado com alguma pedagogia atrativa. De minha parte, não tenho reclamações de meus alunos, apenas motivo de satisfação. Sinto que estou contribuindo, ainda que modestamente, para o seu enriquecimento intelectual e, quiçá, para a elevação de seus padrões morais. Algumas sementes só vão frutificar alguns anos à frente, mas isso não importa para o professor, se ele tem certeza de que fez corretamente o seu trabalho docente.
Por tudo isso, só tenho a agradecer sinceramente aos meus alunos e prestar-lhes, neste dia, uma merecida homenagem por permitir-me ser um simples professor.
Cheers...

Brasília, 15 de outubro de 2009

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A caminho de Ítaca: como e por que sou professor - Paulo Roberto de Almeida


A caminho de Ítaca...
como e por que sou professor

Paulo Roberto de Almeida

         De todas as ocupações que fui dado até agora exercer, numa vida nômade e aventurosa da qual guardo não poucos momentos de orgulho, a que mais prezo e valorizo, obviamente, é a de professor, ou melhor de orientador de ensino, uma vez que não sou professor em tempo integral, nem retiro meu principal ganha-pão dessa nobre função de ‘mestre de artes e letras’. Não sei, aliás, se tenho o direito de me considerar professor, no sentido estrito do termo, já que nunca fui treinado para tanto, desconheço as mais elementares noções de pedagogia e não tenho certeza, de fato, se ao exercer esse nobre ofício minha real intenção é a de tentar ensinar algo a outras pessoas ou, como parece mais provável, faço de tudo isso uma grande figuração e estou, de verdade, aprendendo algo novo cada vez que me ocupo dessa absorvente atividade.
         Antes que alguém pense que sou, apenas e tão somente, um grande ‘embromador’, utilizando-me de inocentes alunos para, constantemente, ensinar algo a mim mesmo, desejo retificar minhas palavras, e corrigir essa sensação de improvisação no trato com o corpo discente. Acredito ter realmente algumas coisas úteis a ensinar a outras pessoas, mais por desejo de transmitir coisas novas, que venho aprendendo desde muitos anos, ao longo de constantes e intensas leituras, do que propriamente por necessidade de ter uma segunda profissão (ainda que, de fato, eu a considere a minha primeira e eterna ocupação, ao lado desta mais formal que exerço temporariamente de diplomata). Com efeito, não retiro, como disse, meu sustento dessa atividade que muitos julgam paralela e exercida como uma espécie de hobby ou para complemento de salário. Longe disso, pois que nunca o fiz, pelo menos desde que ingressei no serviço exterior brasileiro, pensando nos retornos pecuniários que retiraria dessa dupla jornada de trabalho, muitas vezes estafante e exercida contra meu lazer pessoal ou dedicação à família, ou em detrimento da ainda mais prazerosa ocupação de simples leitor e escrevinhador de coisas várias.
         Nunca pensei em ser professor, achando que eu tinha, de fato, qualquer coisa de extraordinário para ensinar a “mentes inocentes”, ou que essa minha atividade temporária e fortuita iria fazer alguma diferença na futura capacitação profissional daqueles temporariamente colocados sob minha responsabilidade docente. O que de fato sempre me motivou a ensinar, ou pelo menos a transmitir conhecimentos, foi uma espécie de motivação interior, algo como uma compulsão inata que me impele a sistematizar o meu próprio conhecimento e tentar repassar aquela maçaroca de idéias e conceitos sob uma forma minimamente organizada, de forma a satisfazer minhas próprias necessidades em termos de racionalização do saber adqurido nos livros (e também na observação homesta da realidade) e de “atingimento” de uma nova síntese a partir desses conhecimentos dispersos na “natureza”. Estou parecendo muito dialético?
         Não importa, desejo confirmar e reafirmar que o que me impele a ser professor é mais uma força interna do que uma necessidade externa, quaisquer que sejam as outras motivações aparentemente altruísticas geralmente invocadas nessas circunstâncias (compromisso com o saber, transmissão de conhecimento, desejo de formar os mais jovens, atendimento de uma vocação e outras escusas do gênero). Sou professor porque eu mesmo “preciso” disso, não porque outros possam eventualmente precisar de minhas competências gerais ou habilidades específicas. Se desejar, você pode considerar isso altamente egoísta ou profundamente narcisista: não me importo com as classificações externas, pois minha motivação interior não vai mudar porque se descobriu, aparentemente, algum motivo menos nobre, ou passavelmente autocentrado nesta principal “ocupação secundária”. 
         É esta motivação interna, não necessariamente “espiritual”, que me leva a desviar-me de outras atividades, talvez mais prazerosas – como o próprio lazer pessoal, a convivência familiar ou o simples tempo alocado à minha outra compulsão não tão secreta que é o hábito da leitura –,  para dedicar-me a essas práticas docentes com uma certa regularidade e constância. Nem por isso desprovidas de algum retorno pecuniário: a despeito de já ter aceito dar aulas de mestrado gratuitas em universidade pública – e de dar incontáveis palestras sem nunca ter sequer invocado alguma remuneração em contrapartida, por vezes mesmo tendo incorrido em despesas pessoais de deslocamentos a outras cidades –, o essencial das minhas atividades docentes se faz segundo tradicionais práticas contratuais. Nem poderia ser de outro modo: se eu deixo de ler ou de escrever para dar aulas, que o ‘desvio’ de ocupação me permita ao menos alimentar esse terrível vício da compra de novos livros e periódicos.
         Tampouco eu poderia invocar como motivação ‘nobre’ a própria arte do ensino. Sendo eu mesmo um autodidata radical, não me preocupa tanto o que os alunos possam estar aprendendo, como o próprio conteúdo do que estou ensinando, que pretendo seja o mais claro possível, o mais didático e o mais completo dentro daquele campo de conhecimento. Transmito aquilo que sei, aos alunos, depois, o encargo de reter o novo saber, de complementá-lo com as muitas indicações de leitura que não me canso de fazer ou de interrogar-me sobre algum aspecto pouco claro ou solicitar esclarecimentos adicionais sobre ‘coisas’ passavelmente complexas, quando não prolixas (sim: tenho esse péssimo hábito, talvez pelo excesso de leituras, de “complicar inutilmente” a vida de meus alunos, estendendo-me sobre longos períodos históricos, voltando a um passado remoto para encontrar as causas de algum processo atual ou supondo um conhecimento geral, sobre o Brasil ou o mundo, que simplesmente não existe mais para a maior parte das gerações mais jovens). Nesse sentido, sou mais ‘substância’ do que ‘forma’, ao dar uma densidade no mais das vezes dispensável a um conteúdo de aula que a maior parte dos alunos provavelmente preferiria superficial ou no estrito limite do “necessário para fazer a prova”. Mas, como disse, não estou principalmente preocupado com o que os alunos possam ‘aprender’ e sim com o que eu mesmo possa ensinar.
         Tratar-se-ia, por acaso, de uma “má técnica docente”? Talvez, ou quem sabe até, certamente. Minha didática está em ensinar, ou transmitir conhecimentos, julgando que os alunos, ou ouvintes de alguma palestra, serão suficiente maduros ou responsáveis para procurar, depois, seu próprio aperfeiçoamento cultural ou intelectual, cultivando as boas práticas do autodidatismo que eu mesmo reputo valiosas para mim mesmo (e assim tem sido desde os tempos remotos em que aprendi a ler, na ‘tardia’ idade de sete anos). Tão motivado sou pela necessidade interior e imperiosa de ensinar, que procuro estender a tarefa além das quatro paredes da sala de aulas ou de um auditório ou seminário acadêmico. Pela necessidade de complementar esse ensino fora do período ‘normal’ de atividade docente, criei e mantenho, praticamente sozinho (sem possuir as técnicas para tanto) um site de informação com motivações essencialmente didáticas. Também tenho produzido material impresso como derivação ou complementação das atividades didáticas: praticamente todos os meus livros – com exceção de um grosso ‘tijolo’ de pesquisa histórica – resultaram de aulas dadas, conferências pronunciadas, palestras proferidas, seminários a convite (sim, nunca me ‘convidei’ para qualquer tipo de atividade externa, tanto porque não conseguiria atender a todas essas oportunidades).
         Tanto o site como os livros e trabalhos publicados, bem mais até do que as aulas dadas em caráter necessariamente restrito, constituem, obviamente, oportunidades para aparecer em público, me tornar conhecido, quem sabe até ‘famoso’ em certos meios. Seria, então, por algum secreto desejo de prestígio pessoal, de reconhecimento público, de notoriedade acadêmica, que me obrigo a todas essas atividades cansativas, que não raro penetram fundo na madrugada e ocupam quase todos os fins de semana, para maior angústia familiar e evidente cansaço cotidiano?
         Não posso, honestamente, recusar esse aspecto da ‘necessidade de reconhecimento’, talvez uma demonstração de ‘desvio de personalidade’, buscando na exposição pública e no aplauso dos demais uma satisfação de alguma necessidade ‘secreta’ que o excesso de timidez me impediria de realizar de outro modo. Não creio, todavia, que esse aspecto seja determinante, tanto porque tenho inúmeros outros trabalhos que permanecem rigorosamente inéditos ou porque mantenho, em paralelo, alguma atividade de correspondente dedicado – e não apenas em direção dos muitos alunos que me procuram pedindo ajuda em trabalhos ou projetos de estudos – e algumas colaborações regulares (em matéria de livros, por exemplo) com determinados veículos de divulgação que não necessariamente levam minha assinatura.
         A principal motivação, volto a reafirmar, é interna, e deriva dessa minha inclinação pelo estudo, pela sistematização do conhecimento, pela necessidade de eu mesmo ver claro no emaranhado de informações que recolho diariamente de livros, jornais e revistas, pelo desejo subsequente de organizar o conhecimento adquirido em uma nova ‘síntese combinatória’ e pela motivação ulterior de tentar alcançar um público mais amplo ao colocar no papel, se possível impresso e publicado, essa massa de conhecimentos que adquiro de forma contínua e de modo interminável. Tanto é assim que acabo aceitando, contra a opinião familiar e contra o que seria sensato do ponto de vista profissional, dar palestras em alguns cantos recuados desse país continente que é o Brasil (e até mesmo em outros países), sem outra motivação aparente (e real) do que a de atender à solicitação de algum grupo de estudantes que acabaram descobrindo, na internet ou nas bibliografias, algum livro ou trabalho meu, que estiveram na origem dos convites.
         Sem pretender dar qualquer conotação de ‘épico literário’ a esse meu ativismo docente, algo de “jornada de Ulisses” pode estar escondida nas minhas aventuras didáticas, no mar revolto das instituições de ensino superior e nas enseadas mais movimentadas dos seminários acadêmicos. Com efeito, minha busca incessante de ‘complemento professoral’ às atividades profissionais normalmente desempenhadas no âmbito da carreira diplomática – já por si suficientemente absorvente – pode ter esse sentido de unending quest, de busca incessante de algo mais, ou de itinerário contínuo em direção de algo valorizado, que eu não bem precisar o que seja, exatamente.
         Na verdade, a comparação pode ser enganosa, pois mesmo Ulisses sabia para onde queria ir, e a esse objetivo dedicou todo o tempo do retorno de Tróia, ainda que tivesse sido constantemente desviado de alcançar seu destino final pelas trapaças da sorte e pelos acasos da vida. De minha parte, eu não sei exatamente o que persigo ao me ‘obrigar’, literalmente, a exercer uma ‘segunda’ – ou primeira? – profissão, ao lado daquela que me distingue socialmente, que me define institucionalmente e que me remunera essencialmente.
         Independentemente do destino final, o caminho de Ítaca é, ele mesmo, a aventura de uma vida inteira, uma experiência gratificante (por vezes ‘mortificante’) e, de certa forma, um reconhecimento implícito de uma certa ‘dívida social’ que eu desejaria amortizar da forma mais inconsciente possível. Como seria isso? Sendo eu originário de família modesta, morador, até a adolescência tardia, de uma casa onde eram poucos os materiais de leitura e relativamente raros os ‘livros sérios’, tendo feito toda a minha educação formal em instituições públicas e tendo tido a chance de poder frequentar, desde muito jovem, uma biblioteca infantil, aprendi a valorizar tremendamente o hábito da leitura e o auto-aprendizado. Sou, essencialmente e verdadeiramente, um autodidata, no sentido mais completo e profundo da palavra, algo não necessariamente extraordinário ou excepcional, mas que no meu caso corresponde inteiramente a toda uma realização de vida que devo reconhecer e valorizar honestamente.
         Mas, onde entra Ítaca nessa história de self-made intellectual, de sucesso profissional pelo esforço próprio, de mérito social pelo empenho no estudo e no trabalho? Creio que Ítaca é uma espécie de ‘Santo Graal’ intelectual que persigo por simples desencargo de consciência. Como aprendi por mim mesmo, mas também aprendi porque frequentei escolas públicas que num determinado momento eram ‘boas’ – mas que hoje são passavelmente sofríveis, quando não insuficientes para formar qualquer estudante para o ingresso no terceiro ciclo – e sobretudo aprendi porque tive à minha disposição uma biblioteca repleta de livros interessantes, acredito que ao me obrigar a dar aulas eu esteja, talvez inconscientemente, procurando dar aos outros aquilo que eu mesmo tive como ‘oferta da sociedade’, basicamente uma boa escola pública e uma ‘grande” biblioteca infantil.
         São essas instituições que fizeram de mim o que sou hoje – ademais do esforço próprio no estudo e na leitura, por certo – e aparentemente eu tenho um certo calling, um certo dever de consciência de contribuir em retorno ao que obtive em priscas eras (com perdão pela horrível expressão ‘pasteurizada’). Obviamente não estou retribuindo na justa medida, pois que dou aulas e orientação a ‘marmanjos’ do terceiro ciclo, não a ‘pequenos inocentes’ dos dois ciclos anteriores, mas é o que eu posso fazer, com meu singular  despreparo para aulas de ensino fundamental, e meu (reconheçamos) bom preparo para o ensino especializado, fortemente intelectualizado.
         Voilà, minha ilha de Ítaca é uma espécie de miragem, um ponto não alcançável no horizonte, jamais realizado ou realizável, mas que conforma um objetivo material (e ‘espiritual’) que me traz imensa satisfação pessoal: a necessidade de ensinar, um desejo (agora não tão secreto) de contribuir para o engrandecimento alheio tomando como ponto de partida os conhecimentos que fui adquirindo ao longo de uma vida razoavelmente feliz, ainda que materialmente difícil, feita de muito estudo, de leituras intensas, de escrituras compulsivas, de perorações infinitas, de um constante navegar em busca de mais conhecimento, de mais informação, de um pouco mais de compreensão (no sentido weberiano da Verstehen). 
         Não sei, aliás, se chegarei a alguma Ítaca algum dia: a sensação que mais tenho é a de que sempre há uma nova porção de mar para além do horizonte, de que a busca por conhecimento é infindável e propriamente inesgotável. Mas, pelo menos, não busco o conhecimento pelo conhecimento, não me retiro nos prazeres secretos da leitura pela leitura, como esses leitores de Proust que fazem da busca do tempo perdido um exercício de indeclináveis características de ‘eterno retorno’.
         Eu acredito na ‘flecha retilínea do tempo’ (com os habituais acidentes de percurso), acredito que o saber tem um caráter instrumental, de liberação, de capacitação humana, de engrandecimento social, de aperfeiçoamento da humanidade, de busca de valorização do que é belo, do que é útil e, sobretudo, do que é bom. Nesse sentido, não sou relativista, nem agnóstico: acredito que o exercício das paixões humanas – e, no caso, minhas atividades didáticas ou professorais constituem uma ‘paixão’ – podem e devem servir a algo de valorizado socialmente, não para uma mera satisfação pessoal de fundo egoísta.
         Repito: dou aulas ou orientação com um certo sacrifício pessoal e familiar, e de forma nenhuma motivado pela remuneração ou pelo prestígio vinculado a essas atividades. Eu o faço por necessidade interior e motivado por um sentimento que poderia, honestamente, classificar como ‘nobre’. Retiro satisfação social dos encargos docentes auto-assumidos, mas sobretudo retiro satisfação pessoal pelo fato de estar ensinando algo a mim mesmo: esse algo é a consciência de que pertencemos a uma entidade que nos transcende – sem qualquer espiritualismo aqui – e que precisa melhorar constantemente para que nós mesmos possamos ter motivos contínuos de satisfação social ou pessoal.
         Sou perfeitamente materialista, mesmo correndo o risco de ser incompreendido por causa desse conceito tão carregado de significados obscuros e supostamente ‘vulgares’. Acredito que a elevação da humanidade se dará por força e empenho pessoal de seus componentes irredutíveis, que são os seres humanos como eu e você, que me está lendo neste momento. Eu procuro, modestamente, contribuir com o meu pequeno esforço para a elevação dos padrões materiais e morais da humanidade. Por isso tenho orgulho em ser professor ou orientador, mesmo não necessitando fazê-lo por razões objetivas ou externas.
         Se não me falharem as forças, continuarei a caminho de Ítaca pelo resto de meus dias...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 18 de outubro de 2004

1345. “A caminho de Ítaca”, Brasília, 18 out. 2004, 7 p. Ensaio sobre como e por que sou professor, de caráter autobiográfico. Postado no blog DiplomataZ (23.11.2009; link: http://diplomataz.blogspot.com/2009/11/24-por-que-sou-professor-uma-reflexao.html).

sábado, 5 de setembro de 2015

Minha homenagem (antecipada) pelo dia do Professor - Paulo Roberto de Almeida

Em meados de outubro, quando se comemora mais um dia do Professor, não vou poder, provavelmente, estar disponível para fazer mais uma homenagem a meus colegas de "profissão", de "emprego", de "ocupação", ou de simples atividade (remunerativa, como é o caso da maior parte deles, no meu caso simplesmente prazeirosa, pois a tenho como opção, não como obrigação ou necessidade).
Vou estar preparando minha mudança para o Brasil, para voltar a exercer atividades professorais, digamos assim, e portanto não vou poder ficar escrevendo tanto quanto faço normalmente.
Antecipo-me, portanto, à data, e posto, preventivamente, um texto que havia feito em 2009 que se dedicava, no caso, a prestar homenagem aos alunos, que são os que legitimam, explicam, fundamental a atividade de todo professor, por opção ou por obrigação.
Reproduzo, portanto, o texto que segue.
Paulo Roberto de Almeida 
Hartford, 5 de setembro de 2015

Minha homenagem no dia do Professor
Paulo Roberto de Almeida

Neste dia 15 de outubro, convencionalmente dedicado aos professores, desejo prestar uma homenagem aos que se revelam essenciais às lides docentes: os alunos. Sim, se não fossem os estudantes, os professores não teriam razão de ser, não apenas pelo fato deles constituírem a “outra parte” absolutamente indispensável à atividade dos professores, mas porque, sem alunos inquisidores, o encargo docente seria incrivelmente aborrecido. Minha homenagem, portanto, aos alunos, a todos eles, os meus e os de todos os outros professores. Obrigado, alunos, por me permitir existir como professor, o que faço por prazer, não por obrigação ou necessidade.

Tenho com a atividade docente uma antiga relação de dedicação parcial, no tempo, mas integral, no espírito. Salvo um ou outro romance, em volume bem mais rarefeito, todas as minhas leituras são feitas – e anotadas – em função daquilo que eu posso transmitir a meus alunos, diretos ou indiretos, oralmente ou por escrito, em contato pessoal ou à distância. Estou sempre anotando alguma coisa, em alguns dos meus muitos cadernos de notas, que servem para leituras, reflexões, registros de viagens, contatos, enfim, uma variedade de objetivos. Também estou sempre lendo algo, geralmente o que comprei no minuto anterior: andando ou dirigindo, sempre dá para avançar alguns parágrafos, talvez mesmo algumas páginas. Tudo isso é para ser revertido em alguma aula ou algum escrito, que é também uma forma de aula, por extensão.
Preferiria, claro, ter mais alunos perguntadores do que ouvintes passivos, mas cada um deve decidir o que é melhor para si, independentemente da vontade do professor. Este só existe para tentar melhorar os estudantes, e estes só existem, se forem conscienciosos e inquisitivos, para melhorar o professor. Alguns crêem que se trata de uma relação assimétrica, mas para mim se trata de algo absolutamente relacional, com conivências recíprocas, ainda que não isentas de contradições. O aluno contestador ajuda o professor a ser responsável, ajustar o foco, preparar suas aulas de forma responsável, a sempre fazer a síntese de suas leituras, a expor claramente os seus argumentos, a embasá-los de forma pertinente em elementos factuais ou empíricos relevantes, sob risco de não convencer e não persuadir. O professor precisa de alunos iconoclastas, que contestem as meias-verdades e as afirmações puramente opinativas ou impressionistas.
Alguns são chatos, é verdade, não por questionar o professor, mas por desprezar o aprendizado, conversar ou ausentar-se de forma ostensiva no meio da aula, não que isso represente uma ofensa absoluta ao professor, mas porque perturba a aula pelo barulho do deslocamento, pela conversa paralela, pelo zumbido intermitente da concorrência desleal. Muitas vezes a culpa é do próprio professor, que não soube tornar a sua aula suficientemente atraente para motivar e capturar a atenção dos alunos. Aqui também se trata da lei da oferta e da procura num mercado pouco transparente: o aluno “compra” aquilo que lhe parece de boa qualidade e suscetível de oferecer algum prazer intelectual e se a aula é chata e pouco vinculada às realidades cotidianas, merece o desapreço e desatenção que lhe dedicam os alunos.
São os alunos, portanto, que fazem um bom professor, ainda que as qualidades deste também dependam de seu investimento preliminar no estudo e na leitura, sua acumulação primitiva de conhecimentos e informações, tudo isso apresentado com alguma pedagogia atrativa. De minha parte, não tenho reclamações de meus alunos, apenas motivo de satisfação. Sinto que estou contribuindo, ainda que modestamente, para o seu enriquecimento intelectual e, quiçá, para a elevação de seus padrões morais. Algumas sementes só vão frutificar alguns anos à frente, mas isso não importa para o professor, se ele tem certeza de que fez corretamente o seu trabalho docente.
Por tudo isso, só tenho a agradecer sinceramente aos meus alunos e prestar-lhes, neste dia, uma merecida homenagem por permitir-me ser um simples professor.
Cheers...

Brasília, 15 de outubro de 2009

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Dia do professor e da professora, uma singela homenagem pelo dia 15 de outubro - Verly Campos

Um texto singelo, mas altamente emotivo, e sobretudo fiel, um retrato de uma educação que se foi para nunca mais voltar...
Paulo Roberto de Almeida

15 de outubro, dia do professor e da professora
Verly Campos
13/10/2014

Eu tive a felicidade de contar com excelentes professores durante toda a minha vida. Do ensino primário ou fundamental e, até, a universidade sempre houve, em meus períodos escolares, alguns professores excepcionais. Seria injusto se escrevesse os nomes dos meus queridos mestres e das minhas queridas professoras, pois foram tantos e correria o risco de esquecer alguns.
Lembro-me em 1949 e 1950, a primeira professora quantas coisas me ensinou que até hoje são muito úteis. Depois, guardo ainda a caderneta escolar dos anos 1951 e 1952 com a melhores notas, salvo a nota em procedimento do último mês, imposto pela diretora por desavença nossa. Um absurdo à parte. Depois foi a vez do ginasial de que, hoje, faria parte do fundamental. Também ali tive excelentes professores e alguns foram êmulos para que eu prosseguisse nos estudos. Já na capital, nos anos 1960, fiz parte do segundo grau no Colégio Municipal que contava com os melhores professores do país. Fiz, de 1963 a 1965,  o curso técnico de agrimensura, de onde, ainda hoje, apresento ao meu filho professores daqueles tempos. Na universidade tive os melhores mestres que abriam minha mente para um estágio de vida bem melhor como pessoa.
Volto aos tempos de criança. Naqueles anos, especialmente no interior, ainda não se comemorava a semana da criança com tanto destaque como hoje, porém, o dia 15 de outubro era sagrado: O DIA DA PROFESSORA. Naquela ocasião, na cidade de Pompéu, interior de Minas Gerais, só existiam professoras, do gênero feminino.
Foi num mês de outubro de 1952, que por lá apareceu um músico que marcou a nossa vida: Mozart Bicalho e seu violão elétrico. Um show nunca visto na minha vida até então. E foi ele quem no palco do Cine Teatro Marabá, recém inaugurado cantou para nossas professoras: “Professoras brasileiras, é linda vossa missão. Muitos cantos muitas flores e também muita alegria. São pequenos os louvores para a glória desse dia. “Professoras pompeanas, nós queremos vos saudar; por estas lutas insanas, Deus vos há de abençoar”. Depois vinha um refrão bem amplo: “Viva o Brasil, nossa pátria amada, viva o Brasil, terra abençoada.”
E mais não ficou na minha memória. O que recordo é que todos nós sentíamos um tremendo orgulho de nossas mestras. No período escolar, estudávamos a vida das primeiras mestras da cidade: Mestra Don’Ana, Mestra Pequenina, ficaram gravadas.
Lembrarei sempre da Dona Olga Maciel Garcia, Dona Eldira Campos, Dona Maria de Lourdes, Dona Dejanira Chagas, Dona Elza Tavares e Dona Zizinha, apenas para citar algumas das melhores professoras do meu tempo de aluno no Grupo Escolar Jacinto Campos.
Atualmente, no entanto, a situação está um tanto diferente. Hoje, pela manhã, quando fazia minha caminhada, escutei, sem querer, o lamento de uma professorinha, sobre o desrespeito que a elas têm os alunos de hoje. É claro que são as exceções. Porém é lastimável.
Há, na atividade do magistério um verdadeiro sacerdócio. Os professores e professoras, diferentemente de tantas outras profissões, se obrigam a uma presença constante diante dos mesmos alunos que poderiam ser seus filhos ou irmãos. E ali fazem das tripas o coração para transmitir o que sabem e estimular os alunos a irem muito além.
Minha proposta é que os pais conversem com os filhos e retomem a linha de pensamento antiga de respeito e consideração com aquelas abnegadas pessoas – hoje homens e mulheres – que se submetem ao rigor de ensinar e despertar a sede de saber nas crianças, jovens e adultos.
Viva o dia dos professores e professoras que constroem a base do futuro de nosso país.