Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
É preciso saber caminhar na complexidade atual para o País não perder o controle de seu destino
Celso Lafer
O Estado de S. Paulo, 18/02/2018
A política externa é uma política pública. Pode ser retratada como um processo de tradução qualitativa e quantitativa de necessidades internas em possibilidades externas. Esse processo tem suas dificuldades e seus desafios analíticos, pois é preciso identificar quais são, em determinada conjuntura de um país, as suas necessidades prioritárias e quais são as possibilidades externas de torná-las efetivas. A experiência diplomática também aconselha avaliar qual é o impacto externo da afirmação de necessidades internas. É o que cabe lembrar a propósito do America First de Trump e da política nuclear da Coreia do Norte.
Na análise das necessidades internas, vale a pena destacar que a área das relações internacionais não é como um campo de futebol, onde o claro objetivo dos dois times em confronto é, dentro de regras estabelecidas, ganhar o jogo num tempo e num espaço definido. Não é também, num grau muito maior de dificuldade, como a área da economia, no âmbito da qual o tema central é a escassez e a discussão transita pelos meios de superá-la. Os objetivos das relações internacionais, definidores das necessidades internas, não são unívocos. São plurívocos e frequentemente esquivos, podendo resultar da maior ou menor atribuição de peso à segurança, ao desenvolvimento, ao prestígio, à propagação de ideias, à cooperação internacional, à agenda normativa da ordem internacional, aos desafios da sustentabilidade do meio ambiente.
A segurança é sempre um objetivo relevante de política externa, pois está voltada para, no limite, assegurar a manutenção de um Estado como um ator independente num sistema internacional que vive à sombra da guerra. Esta, como se sabe, é um camaleão que assume sempre novas formas. É compreensível que a Coreia do Sul e o Japão, diante do aumento dos riscos de um conflito nuclear na região, atribuam à segurança a dimensão de uma imperativa necessidade interna muito superior, por exemplo, à relevância do tema para a política externa da Suíça. As circunstâncias da inserção internacional de um país são, por isso mesmo, um dos dados dos distintos pesos atribuídos aos objetivos da política externa.
A avaliação de como traduzir necessidades internas em possibilidades externas passa por uma adequada compreensão das características de funcionamento do sistema internacional e de suas mudanças, e nesse contexto, para recorrer a uma formulação de Hélio Jaguaribe, da latitude de suas condições de permissibilidade, vale dizer, do juízo diplomático do que está ou não está, em distintas conjunturas, ao alcance dos alvos da política externa de um ator internacional. Mudar a geografia econômica do mundo, por exemplo, foi uma das aspirações da política externa do presidente Lula, que não estava ao alcance do Brasil. Era um objetivo inconsequente a serviço da sôfrega busca de prestígio internacional do lulopetismo.
O desenvolvimento do espaço nacional tem sido o objetivo recorrente da política externa brasileira desde o deslinde, no início do século 20, da delimitação das fronteiras nacionais por Rio Branco. Ilustro com dois distintos protótipos.
A política externa de JK, voltada no plano interno para alcançar os “50 anos em 5”, corporifica nas condições dos anos 1950 e das brechas na bipolaridade Leste-Oeste uma ação que, conjugando diplomacia presidencial, uma renovada diplomacia econômica e prestígio, logrou traduzir a necessidade interna do desenvolvimento em possibilidades externas.
O presidente FHC, levando em conta as transformações do sistema internacional e o processo de globalização, buscou a autonomia pela participação como caminho para o desenvolvimento. Elevou o patamar de presença do Brasil no mundo, conferindo locus standi ao País, associando coerentemente o externo com o interno das práticas democráticas, da estabilidade da moeda, da responsabilidade fiscal, da maior abertura da economia ao exterior, do respeito aos direitos humanos, da preocupação com o meio ambiente.
Faço estas considerações para observar que o Brasil é um país de escala continental, inserido na América do Sul, mais distante, por isso mesmo, na sua História, dos grandes focos de tensão da vida internacional. Por isso, menos atento ao mundo, como se vê no debate público, mas que, no entanto, necessita do mundo para desenvolver-se. Como diria Hannah Arendt, somos do mundo e não estamos apenas no mundo, o que exige, para o juízo diplomático de traduzir necessidades internas em possibilidades externas, saber orientar-se no mundo.
Esse saber não é fácil, nem pode valer-se de fórmulas feitas, dadas as características do sistema internacional contemporâneo. Este tem entre as suas notas, inter alia, uma multipolaridade que desborda das instituições multilaterais; uma balcanização que leva à fragmentação do espaço mundial, que se dissolve e se reestrutura em torno de grandes polos regionais, ao mesmo tempo interdependentes e rivais; disrupções graves de que é um grande exemplo a massa dos refugiados; uma proliferação da violência que a onipresença do terrorismo patenteia; o inédito impacto do ciberespaço e das novas tecnologias na vida das pessoas; a sublevação dos particularismos, dos fundamentalismos e a geografia centrífuga das paixões que acarretam; a diversidade crescente da população mundial.
É nesse contexto que se torna mais intrincado o desafio diplomático de identificar interesses comuns e compartilháveis e lidar com a Torre de Babel da heterogeneidade contemporânea. É por essa razão que, para levar a bom termo a interação necessidades internas-possibilidades externas, é preciso saber caminhar na complexidade contemporânea para o País não perder o controle de seu destino.
É assunto que merece e precisa estar presente no debate político da eleição presidencial deste ano.
* PROFESSOR EMÉRITO DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002).
Fiz essa distinção porque os companheiros, para tentar contornar as reclamações de que eles estavam fazendo, na verdade, política partidária, passaram a dizer que estavam fazendo políticas de Estado, sobretudo na área da política externa e da diplomacia, onde eram mais evidentes o sectarismo e a ideologia (além de alianças secretas com seus simpatizantes de ditaduras conhecidas).
Desmantelei essas fraudes fazendo as necessárias distinções.
Hoje, alguém fazendo doutorado me perguntou sobre uma bibliografia nessa área, o que fui incapaz de apontar, porque escrevi com base em minha própria experiência, não com base em construções teóricas.
Eis o que tinha escrito na ocasião (2009), e reafirmo o que pensava...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de fevereiro de 2018
1218) Sobre políticas de Estado e políticas de governo
Este post pode ser lido em conexão com um mais antigo, relativo ao debate sobre políticas públicas na esfera do Estado ou no âmbito do governo, especificamente este aqui: Quarta-feira, 17 de Junho de 2009 1163) Um debate sobre diplomatas e políticas de Estado
Em todo caso, se trata do meu trabalho mais recente.
Sobre políticas de governo e políticas de Estado: distinções necessárias Paulo Roberto de Almeida
Saber se uma determinada política seguida por um governo específico, num dado momento da trajetória política de um país, corresponde a uma expressão da chamada “vontade nacional” – ou seja, se ela corresponde ao que normalmente se designa como política de Estado – ou se ela, alternativamente, expressa tão somente a vontade passageira de um governo ocasional, numa conjuntura precisa, geralmente breve ou temporária, da vida política desse mesmo país não é, certamente, uma questão trivial, pois esse conhecimento envolve usualmente a consideração de certo número de elementos objetivos que podem entrar na categoria dos sistêmicos, ou estruturais, ou também na classe dos passageiros, ou circunstanciais. Muitos pretendem que toda e qualquer política de governo é uma política de Estado, posto que um governo, que ocupa o poder num Estado democrático – isto é, emergindo de eleições competitivas num ambiente aberto aos talentos políticos – é sempre a expressão da vontade nacional, expressa na escolha regular daqueles que serão os encarregados de formular essas políticas setoriais. Os que assim pensam consideram bizantina a distinção, mas estes são geralmente pessoalmente do próprio governo, eventualmente até funcionários do Estado que pretendem se identificar com o governo de passagem. O que se argumenta é que, na medida em que suas propostas políticas já foram “aprovadas” previamente no escrutínio eleitoral, elas correspondem, portanto, aos desejos da maioria da população, sendo em conseqüência “nacionais”, ou “de Estado”. Não é bem assim, pois raramente, numa competição eleitoral, o debate pré-votação desce aos detalhes e minudências das políticas setoriais e a todos os contornos e implicações dos problemas que podem surgir na administração corrente do Estado após a posse do grupo vencedor. Campanhas eleitorais são sempre superficiais, por mais debates que se possam fazer, e os candidatos procuram simplificar ainda mais os problemas em confronto, adotando slogans redutores, e fazendo outras tantas simplificações em relação às posições dos seus adversários. Por outro lado, as promessas são sempre genéricas, sem muita quantificação – diretamente quanto às metas ou sua expressão orçamentária – e sobretudo sem precisão quanto aos meios e seus efeitos no cenário econômico ou social. Todos prometem empregos, distribuição de renda, crescimento e desenvolvimento, defesa dos interesses nacionais, resgate da dignidade e da cidadania e outras maravilhas do gênero. Em outros termos, raramente a eleição de um movimento ou partido político ao poder executivo lhe dá plena legitimidade para implementar políticas de governo como se fossem políticas de Estado, que por sua própria definição possuem um caráter mais permanente, ou sistêmico, do que escolhas de ocasião ou medidas conjunturais para responder a desafios do momento. Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política-parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais. Políticas de Estado, por sua vez, são aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado, justamente, e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade. Se quisermos ficar apenas com um exemplo, no âmbito da diplomacia, pode-se utilizar esta distinção. Política de Estado é a decisão de engajar um processo de integração regional, a assinatura de um tratado de livre comércio, a conclusão de um acordo de cooperação científica e tecnológica numa determinada área e coisas do gênero. Política de governo seria a definição de alíquotas tarifárias para um setor determinado, a exclusão de produtos ou ramos econômicos do alcance do tratado de livre comércio, ou a assinatura de um protocolo complementar definindo modalidades para a cooperação científica e tecnológica na área já contemplada no acordo. Creio que tanto o escopo das políticas, como os procedimentos observados em cada caso podem ser facilmente distinguidos quando se considera cada um dos conjuntos de medidas em função das características definidas nos dois parágrafos precedentes. Por isso, não se pode pretender que as políticas de Estado possam ser adotadas apenas pelo ministro da área, ou mesmo pelo presidente, ao sabor de uma sugestão de um assessor, pois raramente o trabalho técnico terá sido exaustivo ou aprofundado o suficiente para justificar legitimamente essa designação. Isso se reflete, aliás, na própria estrutura do Estado, quando se pensa em como são formuladas e implementadas essas políticas de Estado. Pense-se, por exemplo, em políticas de defesa, de relações exteriores, de economia e finanças – em seus aspectos mais conceituais do que operacionais – de meio ambiente ou de educação e tecnologia: elas geralmente envolvem um corpo de funcionários especializados, dedicados profissionalmente ao estudo, acompanhamento e formulação das grandes orientações das políticas vinculadas às suas respectivas áreas. Ou considere-se, então, medidas de natureza conjuntural, ou voltadas para uma clientela mais restrita, quando não ações de caráter mais reativo ou operacional do que propriamente sistêmicas ou estruturais: estas podem ser ditas de governo, aquelas não. Portanto, quando alguém disser que está seguindo políticas de Estado, pare um pouco e examine os procedimentos, a cadeia decisória, as implicações para o país e constate se isso é verdade, ou se a tal política corresponde apenas e tão somente a uma iniciativa individual do chefe de Estado ou do ministro que assim se expressou. Nem todo presidente se dedica apenas a políticas de Estado, e nem toda política de Estado é necessariamente formulada pelo presidente ou decidida apenas no âmbito do Executivo. Como dizem os americanos: think again, ou seja, espere um pouco e reconsidere o problema...
In the spring of 2017, and all through the year, social media feeds in Venezuela were filled with images of deprivation and despair: long lines of people hoping to purchase food; women fighting over a stick of butter; mothers who could not find milk to buy; children picking through garbage in search of something to eat; empty shelves in pharmacies and stores; hospitals without stretchers, drugs, or minimum levels of hygiene; doctors operating on a patient by the light of a cell phone; women giving birth outside of hospitals. Venezuela’s economy, the economist Ricardo Hausmann wrote in a recent study, is suffering a collapse that is “unprecedented” in the Western world.1 Between 2013 and 2017 the country’s national and per capita GDPs contracted more severely than those of the US did during the Great Depression and more than those of Russia, Cuba, and Albania did after the fall of communism.
This is a humanitarian crisis of immense proportions. By May 2017, Venezuela’s minimum monthly wage wasn’t enough to meet even 12 percent of a single person’s basic food needs.2 A survey of 6,500 households by three prestigious universities showed that 74 percent of the population had lost on average nineteen pounds in 2016. Infant mortality in hospitals has risen by 100 percent. Diseases nearly eradicated in many countries, like malaria and diphtheria, have flourished; illnesses largely new to the area, like Chikungunya, Zika, and dengue, have spread. Caracas is now the most dangerous city on the planet. All this is happening in a country that has one of the largest oil reserves in the world.
None of the present crises seemed likely in 2007 and 2008, when I made a number of visits to Venezuela. Caracas was seen as the new Mecca for the European, Latin American, and American left. Progressive news organizations, magazines, and newspapers including TheGuardian, The New Yorker, and the BBC reported favorably on Hugo Chávez, whose presidency lasted from 1999 until 2013. They mentioned the dangers of his cult of personality but yielded to it all the same. Chávez, as the writer Alma Guillermoprieto succinctly noted in these pages, was “indisputably fascinating, and often even endearing.”3
Despite ever-growing limitations on freedom of expression and the canceling of the license of RCTV (the principal independent radio and television service), some analysts, including the British writer Tariq Ali, kept proclaiming that Venezuela was the most democratic country in Latin America. Since they were indulgent of Cuba, they didn’t mind that Venezuela was drifting toward the authoritarian Cuban model. They rightly celebrated Chávez’s successes at reducing poverty, but they failed to see the damage his administration was meanwhile inflicting on the country’s entire productive infrastructure—most consequentially, on Venezuela’s state-owned petroleum company, Petróleos de Venezuela (PDVSA).
In 1998, as the development specialists Ramón Espinasa and Carlos Sucre note in their recent study of the Venezuelan oil industry,4 PDVSA employed 40,000 people and produced 3.4 million barrels of oil per day. By the first decade of the twenty-first century, it projected it would be producing 4.4 million barrels per day. It operated autonomously and by law deposited its profits in the country’s Central Bank. With Chávez’s election, all this changed. He ordered that PDVSA personnel be hired for their political credentials rather than their technical skills, and that oil be sold at highly discounted prices to Latin American countries sympathetic to his administration.
In December 2002, the employees of PDVSA went on strike. The government responded by stripping the company of its administrative autonomy, nullifying the exchange agreement that required PDVSA to sell all foreign currency resulting from the sale of oil to the Central Bank, and handling those resources discretionally itself, outside the budget approved by the Venezuelan National Assembly. Roughly 20,000 employees were dismissed, two thirds of them with technical and professional skills. In the years that followed, PDVSA became a super-ministry; it distributed food, built houses, and managed some of the 1,400 businesses that Chávez frenetically nationalized starting in 2007. During Chávez’s presidency, it came to employ three times as many people as it had before 1998. Its productivity, on the other hand, fell significantly; it produced 700,000 fewer barrels per day. This reduction was masked in part by the surge in oil prices that began in 2002 and peaked in 2008 at $147 per barrel.
Critics of Chávez—former guerrillas, opposition leaders, left-wing intellectuals, labor and religious leaders, artists, businessmen, students, academics, and former military officers—foresaw what was coming. One of those voices was Espinasa, who told me in 2008 that “the prices will fall; the government will not be able to halt its expenditures and production will not recover; the collapse is inevitable; the perfect storm is coming.” But oil revenues remained high for four years, and Chávez used these revenues to spend more than ever. Each year he left a public-sector deficit of around 10 percent of the GDP. Between 2014 and 2015—by which point oil prices had collapsed, Chávez had died, and Nicolás Maduro had succeeded him as president—those deficits reached 20 percent of the GDP.
The government justified such spending by wagering that the price of oil would simply continue to rise. In 2008 Alí Rodríguez Araque, one of Chávez’s main advisers and at that time minister of finance, told me that the price would go as high as $250 per barrel. In June 2014, when prices fell, the country would have been less badly damaged had the government saved at least part of the profits it had made during the boom, as PDVSA had previously been required by law to do. Studies have shown that these savings could have amounted to $233 billion. Not only did the government fail to do this; it sextupled its external debt to $172 billion, making Venezuela the most indebted nation in the world.
Between 1999 and 2017 PDVSA earned $635 billion in cash and produced an additional $406 billion worth of oil, which it used to subsidize the internal market (gasoline in Venezuela is virtually free) and reward countries seen as politically sympathetic to the regime. What happened to the rest of this money? Jorge Giordani, a former minister of planning who left the government in 2014, estimates that $300 billion was simply stolen. Another portion was wasted on unfinished pharaonic projects (rail lines, bridges started but left incomplete), purchases of Russian military equipment, opaque and unaccountable multibillion-dollar public entities such as the Venezuelan Economic and Social Development Bank and the Fund for National Development, costly and unproductive expropriations, wasteful imports to compensate for the lack of internal production, purely sumptuary imports (500,000 automobiles in 2006 alone), and excessive growth in public employment. From 1998 to 2013, consumption grew by 60 percent but production barely increased.
From this pattern a clear conclusion can be drawn: the tragedy of the Venezuelan economy is due not to the fall of oil prices in 2014 but to PDVSA’s historic collapse in production. The dismantling of that institution set a pattern of politicization and opaque and inefficient management for the rest of Venezuela’s economy, including the steel, farming, cattle, fishing, transport, construction, food, and fertilizer industries. In 2007, the country exported 85 percent of its cement; today it has to import cement from abroad.
It became common to call Chávez “the soul of the fiesta.” The people of Venezuela hung on his every declaration. In December 2007 he scheduled a referendum that proposed dozens of constitutional changes meant to consolidate the Venezuelan socialist state: unrestricted presidential terms, limitations on private property, a “new political geometry” (which in practice would become a form of gerrymandering), the consolidation of his personal guard as a kind of army parallel to the country’s military, suppression of the autonomy of the Central Bank, direct access for the president to the country’s international monetary reserves and the license to use them however he pleased, and the establishment of a “popular power” based on the creation of communes.
The referendum required a single “yes” or “no” vote for all the provisions together, but to Chávez’s surprise the negative votes prevailed. Students made important contributions to the mobilization against the initiative, but Venezuelans in general rejected the radical drift Chávez was proposing toward the Cuban model. “Enjoy your shitty victory,” Chávez said, promising to advance his project through decrees instead. Over the last decade, his government and that of his successor have fulfilled that promise.
Chávez wanted to create a federation with Cuba. He had since his youth been intoxicated by a heroic view of history. His favorite work of political theory was The Role of the Individual in History by Georgi Plekhanov, whose vision of the Great Man distinctly equipped to address “the great social needs of his time” Chávez dreamed of applying to Venezuela, and to himself. He would present himself as the heir of Simón Bolívar, erasing or rejecting all of the country’s history between the death of Bolívar and his own accession to power.
But it was Fidel Castro who became his “spiritual father.” Before Chávez was elected president, after a trip to Cuba, he emphasized his admiration for Castro’s relation to his people: “It’s as if Fidel is everything.” During the first year of his presidency, in a speech at the University of Havana, Chávez predicted that “Venezuela is heading toward the same sea as the Cuban people, a sea of happiness, of true social justice, of peace.” When Castro fell ill in 2006, Chávez accelerated his revolutionary project, against the counsel of his most experienced advisers.
For Cuba, which had since 1959 hungered for preferential access to Venezuelan oil, the Chávez connection offered significant economic advantages. At its height in 2013, according to the Cuban-American economist Carmelo Mesa-Lago, Venezuela contributed about 15 percent of Cuba’s GDP—more than the USSR did in the 1980s. About 40,000 Cubans, many of them doctors, were sent to Venezuela and assigned to attend to the poor, part of a widespread program of Chávez’s to import Cuban educational and medical personnel into the country in exchange for oil subsidies.
Critics of this “mission” system pointed to the abandonment of established health institutions (hundreds of hospitals and thousands of mobile clinics), the cost for Venezuela ($6 billion in 2013 alone), and the political nature of the operation, since Chávez received obedience in return for his munificence. By now the missions barely exist, but the Cuban intelligence services remain fully entrenched in Venezuela. The government has ceded the management of the national identification system to Cuban functionaries, as well as the control of businesses, customs, and notary publics.
To become a political heir to Castro, Chávez aspired to transform himself into the leader of “twenty-first century socialism,” to become “everything.” He wanted to remain in power until 2030, when he would celebrate his seventy-sixth birthday and the two hundredth anniversary of the death of Bolívar. It was a wager Chávez would lose. Diagnosed with cancer, he died in Caracas on March 5, 2013, after undergoing long and somewhat mysterious treatments in Havana. In Patria o Muerte, a recent novel by Alberto Barrera Tyszka set during the Comandante’s final agonies in Cuba, a poor woman explains to Madeleine, an American academic, why she feels grateful for Chávez:
He changed my way of thinking, of looking, of looking at myself. You ask what did he give me, concretely you say. As I have told you. It’s that we had nothing, that we were nothing. Or better said, we felt that we were nothing, that we had no value, we did not matter. And that is what Chávez changed. That’s what he gave us.
The Comandante was one of them. He spoke with them and for them. He appealed to the natural religiosity of a people drawn to faith, magic, and the folk religion of Santería. This appeal could be used to manipulate opinion and behavior. Chávez had always taken his identification with Bolívar to extremes, but in 2010 those extremes reached an especially morbid level: he opened Bolívar’s sarcophagus, ordered the painting of a portrait supposedly based on DNA evidence, and presented Bolívar not as the creole he was (of pure Spanish descent) but as a mestizo like Chávez.
The man entrusted with the responsibility for Chávez’s legacy has been Nicolás Maduro. He was called “The priest of Chavismo” by the Venezuelan journalist Roger Santodomingo, the author of De verde a Maduro,a brief biography—more accurately a piece of reportage—published in 2013 and based on a pair of interviews done some years earlier. Maduro, who was born in 1962, recalled, in detail, scenes of “police brutality” he had witnessed as a child. As a young man he tried being a rock musician and a baseball player, but he also maintained connections with left-wing organizations, thanks to which, in 1986, he spent some months in Cuba studying Marxist-Leninism. He was for a time a bus driver and a union leader.
Although in 1993 he visited Chávez in prison, he did not belong to the inner circle and was barely noticed when in 2000 he was elected as a deputy to the National Assembly. His dizzying ascent to power began in 2006, when Chávez named him minister of foreign relations. Surrounded by older men from whom he sought independence and by military officers of his own age whom he distrusted, Chávez needed the loyalty and support of younger men and came to recognize Maduro as unconditionally devoted to him. During Maduro’s time as a diplomat—in the years of the oil bonanza—he consolidated the regime’s alliances with politically sympathetic Latin American countries. But it was his intimacy with Chávez during the Comandante’s final illness that brought him the presidency.
Maduro had a messiah before Chávez, the famous Indian guru Sai Baba, accredited by his followers with magic powers. He and his wife spent some time at Sai Baba’s ashram in India. The connection with Sai Baba explains his frequent wearing of orange tunics, his Indian-style greeting with closed hands raised before his face, and his superstitious conviction of being protected by some superior power. Revelations about Sai Baba’s pedophilia and his closeness to the Ugandan dictator Idi Amin did not appear to disturb Maduro. Without renouncing his devotion to Sai Baba, Maduro transferred it to Chávez. During his tenure as minister of foreign relations he became Chávez’s vice-president, spokesperson, and faithful apostle.
“I am Chávez,” Maduro said shortly before his leader died. But although he spoke like Chávez, he was certainly not Chávez. After his death, Maduro declared publicly that “Chávez appeared to me in the form of a little bird.” Although some writers still treat Maduro as an astute leader and a pure revolutionary who has met with hard times, the regime is now very close to a full dictatorship. It has lost its quasi-religious aura. Maduro’s government has been forcing Venezuelans into submission or exile (an estimated 500,000 have fled in the last two years) while it counts on a rise in the price of oil. But not even that miracle would compensate for PDVSA’s decline in production, down to 1.7 million barrels per day, half of what it produced when Chávez was elected in 1998. Maduro nonetheless intends to continue his rule. Presidential elections are set for the end of April, with himself as the prime candidate. Few expect them to be free or fair. Key figures in the opposition have been banned from running, imprisoned, or forced into exile.
Maduro’s presidency has given rise to one of the most impressive defenses of democracy in the twenty-first century. Between April and July 2017, hundreds of thousands took to the streets to protest the decision of the Venezuelan Supreme Court—which Maduro controls—to dissolve the National Assembly, the only independent power that still existed in Venezuela, in which a two-thirds majority opposed the government. The demonstrators’ confrontations with the Bolivarian National Guard led to over 120 deaths, thousands of injuries, and the imprisonment and torture of hundreds.5 On July 16, almost seven and a half million people—a quarter of the population and more than a third of the electorate—voted in an unofficial referendum held by the opposition to defend the National Assembly and reject the call by the Electoral Authority (also controlled by Maduro) to elect a new and illegal Constituent Assembly. Most of the candidates for the Constituent Assembly had been chosen by municipal governments and organizations loyal to Maduro.
The effort came to nothing. After an election that was clearly fraudulent (according to Smartmatic, the company that provided the software for it), the spurious Constituent Assembly was established. With the opposition divided, weakened, and discouraged, Maduro now has immense power, which he has been using to severely limit freedom of expression. After the protests it became dangerous to post images of the poverty and desperation to which much of the country has been brought. The Constituent Assembly—many of whose members have incited hate for twenty years—has approved a law that can impose up to twenty years of prison time on anyone who “foments, promotes, or incites hate.”
According to the public health activist Feliciano Reyna, much of the blame for Venezuela’s present crisis lies with Maduro. “What is happening is deliberate,” Reyna argues, pointing to the president’s refusal to accept an offer from thirteen countries to send food and medicine through national and international NGOs and the UN. The powerful politician Diosdado Cabello has said that Venezuela won’t accept the help because doing so would open the doors for an imperialist invasion. In his public appearances (during which, on occasion, he dances the salsa), Maduro has suggested that hunger could be alleviated by the breeding of rabbits.
One of his solutions to the crisis involved an especially ingenious combination of feeding people and manipulating them politically. About a third of Venezuela’s population depends on receiving imported boxes of food marked with CLAP, the initials of the local Committee for Supplies and Production, which carries out this distribution according to a system of identity cards. (A typical CLAP package, which is supposed to arrive every three weeks, contains small portions of pasta, rice, powdered milk, and canned tuna.) In the referendum on the new Constituent Assembly, the government came up with the idea of forcing recipients to renew these cards at polling booths, intimidating them with the prospect of losing their food cards, and even their homes, if they didn’t vote for the official candidates.
Instead of reversing the stubborn statism of Chávez’s Bolivarian Revolution, Maduro has concentrated on paying the external debt. To do so he has choked off imports of goods and services, which have dropped by 75 percent between 2012 and 2016. Most of this contraction has been in manufacturing, commerce, construction, and transport, but there has been pervasive damage to the private sector in general. Between 1998 and 2016, the number of private enterprises fell from 13,000 to 4,000. At the same time, Maduro has been printing more currency, leading to dramatic inflation. People now often have to choose between food and medicine.
The Maduro government and its supporters maintain that the crisis is the result of an economic war waged by the American Empire against the people of Venezuela. But the United States has always been the principal customer for Venezuelan oil—it has bought $477 billion worth since 1998—and has now become one of the few to pay in cash. The full responsibility lies with the Chávez and Maduro regimes themselves, which for fifteen years had a windfall of petroleum resources comparable only to those of the major Middle Eastern producers yet wasted that income recklessly. Maduro’s government is not an unfortunate heir of chavismo but its natural conclusion, the hangover after the fiesta. But it is also, in the words of Feliciano Reyna, “a militaristic project, aiming to control power, exorbitantly corrupt and inflicting extensive damage on the Venezuelan population.”
Throughout Venezuela’s history, which has been full of civil wars and long periods of tyranny, the armed forces have often intervened and made radical changes. It happened in 1945, when the military gave power to civilians and cleared the way for a brief experiment with democracy (1945–1948). This prefigured the democratic regime that came to power in 1958, lasted forty years, and led to more social, economic, and cultural achievements than mistakes before its collapse.
Now even a military intervention seems improbable. Miguel Henrique Otero, the editor of El Nacional, an independent newspaper with a long history that today only precariously survives, told me:
The military is divided into various groups. Many of them—on active duty or retired—manage public companies. Recently, an officer of the Guardia Nacional Boliviana, who was active in repressing the protests of 2017, has been named director of PDVSA. Others have connections with the narcos, and some hold governmental positions. In 2002 there were seventy generals in Venezuela, now there are 1,200. The common soldiers have gained little and are a reservoir of violence and desertion. The army does not at present seem to be showing signs of rebellion, and, if such sentiments do exist in the middle ranks of officers, those who harbor them live in fear of Cuban espionage.
Although the regime now appears to have everything under control, it may still end up defeated by the human and material cost of its failures. “If the economy remains as it is, we will die,” Ricardo Hausmann affirms. He is not exaggerating. Even if oil prices start rising again, as long as Venezuelan oil production does not recover the country will be doomed. It is already well on its way to hyperinflation, which almost no regime has survived. The Maduro government may well continue applying the Cuban method of control through scarcity, but it cannot rule out the possibility that the population’s increasing hunger and illness will lead to a social eruption of enormous proportions.
Is there an exit strategy? According to Hausmann, the regime needs to immediately allow food and medicine into Venezuela, negotiate a substantial reduction in the country’s huge debt, arrange for an adequate delay in paying off the rest, and with the remaining resources open the gates to imports that might revive the economy. Such an economic shift would have to be accompanied by equally dramatic political changes. Maduro’s government would have to guarantee free and fair elections, liberate political prisoners, and recognize the National Assembly as the only legitimate parliamentary body.
Maduro is bound to oppose such reforms. But Venezuela has fallen into so deep an abyss that positive moves along these lines would meet with almost universal support from democratic countries around the world. The United States might in the past have favored such solutions, but under Donald Trump it has fallen into its own sort of chavismo. And although supporters in Europe and Latin America have expressed solidarity with the opposition, Venezuelans, in effect, remain alone. In one of the country’s hellish hospitals, a woman told a reporter for El Nacional: “So rich a country. We had everything and they destroyed it. And the future.”
—February 8, 2018; translated from the Spanish by Hank Heifetz
1
“Venezuela’s Unprecedented Collapse,” Project Syndicate, July 31, 2017, a brief résumé of the internal report Background and Recent Economic Trends (Harvard Center for International Development, 2017). ↩
2
As of this writing, the minimum monthly wage is $5, enough to buy four pounds of meat and nothing else. ↩
Ramón Espinasa and Carlos Sucre, The Fall and Collapse of the Venezuelan Oil Sector, August 2017. See also Igor Hernández and Francisco Monaldi, Weathering Collapse: An Assessment of the Financial and Operational Situation of the Venezuelan Oil Industry, Center for International Development Working Paper no. 327, November 2016, Harvard University; available at growthlab.cid.harvard.edu. ↩
5
The International Criminal Court in The Hague announced on February 8 that preliminary probes would be made into alleged crimes by police and security forces in Venezuela. The crimes concern “frequently used excessive force to disperse and put down demonstrations,” as well as the abuse of some opposition members in detention. See Aryeh Neier, “A Glimmer of Justice,” in the online edition of this issue. ↩
O ano é 2010. O Brasil é a bola da vez no mundo. Em meio a uma crise que assola os países mais desenvolvidos do planeta, ocupamos a capa da revista “The Economist”, uma das mais importantes publicações já criadas, com a imagem de um cristo redentor decolando. O Brasil vivia uma festa. O país iria sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas e apenas alguns meses depois descobriria seu maior crescimento econômico em 35 anos. Do outro lado do Atlântico, na Europa, o cenário era o exato oposto. Apenas seis anos após sediar uma olimpíada, a Grécia era o centro de um continente em crise, o símbolo de um modelo que deu errado. Passado o mesmo tempo, já em 2016, prestes a sediar as Olimpíadas, a cena se repete – o Rio de Janeiro acaba de declarar falência. Muito mais do que coincidência, a história é, no fundo, uma grande lição.
Do Caburaí ao Chuí, os governos estaduais estão quebrados (dez deles já parcelam salários). Todos, sem exceção, gastam mais do que o recomendado com pagamento de funcionalismo público. Em três deles, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, já se gasta mais com aposentadorias e pensões do que com educação e saúde. Para onde quer que se olhe, o cenário é quase sempre o mesmo.
Para muitos estados, como o Rio Grande do Sul, por exemplo, que convive há mais de quatro décadas com déficit nas contas públicas, a situação pode ser considerada dentro dos padrões normais, ou ao menos dentro do esperado. Em outros casos, como o do Rio, no entanto, a situação ainda parece difícil de acreditar. Trata-se do mesmo Rio de Janeiro que há 10 anos esperava crescer o dobro da média nacional e atingir até 20% de participação no PIB brasileiro em 2016. O motivo pra euforia? A descoberta da camada pré-sal lá em 2007. O otimismo não rolou à toa. Apenas entre 2014 e 2016 o estado recebeu nada menos do que R$ 235 bilhões em investimentos, boa parte deste valor destinado à indústria do petróleo e à infraestrutura necessária para sediar os jogos olímpicos.
No papel, o Rio estava bombando. Como em uma das famosas apresentações de Eike Batista, seu ilustre morador, tudo parecia ajustado e pronto para explodir. Na prática, porém, as coisas desandaram tão rápido quanto pareciam crescer.
Poucos meses antes de sediar as Olimpíadas para as quais vem se preparando há quase uma década, o Rio declarou “estado de calamidade pública”. A medida emergencial significa que na prática o governo estadual terá acesso mais rápido à liberação de recursos por parte do governo federal (estimados em R$ 3 bilhões), permitindo pagar salários e horas extras, além de continuar investindo nas obras fundamentais para a realização dos jogos olímpicos.
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Com um déficit estimado para este ano em R$ 19 bilhões, ou quase metade do total arrecadado em 2015, o governo do estado não chegou até esse patamar sem nenhum motivo. Disfarçado por muito otimismo, algumas partidas marcantes de Copa do Mundo e uma enxurrada de investimentos por parte de estatais como a Petrobras, há alguns fatores que levaram o estado à situação atual. Entender estes motivos significa na prática se adiantar em alguns meses, ou na melhor das hipóteses, poucos anos, aquilo que tem boas chances de ocorrer ao governo federal. Abaixo, oferecemos um manual completo de como não evitar estes problemas.
Gaste mais com aposentados do que com estudantes
Falar que há problemas na previdência brasileira pode parecer chover no molhado. Há anos a reforma no setor vem sendo debatida e discutida. Evitar um déficit que pode alcançar a casa dos trilhões é provavelmente uma das mais urgentes medidas que qualquer governo poderia tomar. Apenas para este ano, por exemplo, o governo federal estima que o déficit dos 28 milhões de beneficiários do INSS deve atingir R$ 146 bilhões, valor próximo daquilo que deve ser alcançado pelos 1,2 milhão de aposentados e pensionistas do serviço público. Dizendo de outra forma, nada menos do que R$ 700 bilhões serão gastos em 2016 para pagar benefícios sociais (mais do que a arrecadação de todos os estados brasileiros).
Escondida em meio a esse debate nacional, a previdência dos estados chega a apresentar dados ainda mais assustadores. Para este ano, o déficit programado deve atingir R$ 51 bilhões. E quase 25% deste valor deve-se a um único estado: o Rio de Janeiro.
Em todo o país, apenas dois estados possuem mais aposentados do que trabalhadores na ativa: o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Em outras palavras, para cada médico, policial ou professor que lhe presta um serviço público, você precisa pagar por pelo menos dois.
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Como nos demais estados brasileiros, o Rio de Janeiro se especializou em um sistema no qual cada funcionário na ativa paga uma contribuição sobre seu salário, que é destinada a cobrir o salário daqueles que estão aposentados. A diminuição do número de funcionários na ativa em relação aos inativos tem se agravado nos últimos anos – e com ela a necessidade de aportes do Tesouro.
Ao contrário dos demais estados, porém, o Rio criou uma fonte específica e complementar de financiamento da sua previdência estadual: os royalties do petróleo. Em 2014, nada menos do que 55% dos pagamentos de aposentadorias e pensões tinham como origem os royalties aos quais o estado tinha direito. Cerca de 95% de todos dos royalties do estado se destinavam a cobrir gastos com previdência. Com a queda no preço do barril de petróleo, no entanto, a situação tornou-se insustentável. Royalties hoje bancam apenas 28% dos gastos com previdência. Cabe ao governo do estado complementar. Em 2015, isso significou aportar R$ 7 bilhões na “RioPrevidência”.
Entre 2007 e 2015, os gastos com previdência no Estado saltaram de R$ 5,7 bilhões para R$ 17 bilhões. Graças à receita abundante dos royalties, em especial quando o petróleo atingiu US$ 145 por barril, o estado pode reajustar pensões, elevando o gasto médio de R$ 900 para R$ 4 mil no período. Atualmente, cerca de 66 em cada 100 funcionários na ativa possuem a chamada “aposentadoria especial”, podendo se aposentar mais cedo do que as demais categorias (em especial, bombeiros, policiais e professores), o que contribui significativamente para elevar o déficit da previdência. O socorro ao fundo de previdência fez os gastos do governo estadual com aposentados e pensionistas saltar nada menos do que 118% apenas em 2015.
Juntos, os estados brasileiros possuem uma conta a ser paga de R$ 2,4 trilhões na previdência. Ao contrário do Rio, no entanto, a maioria deles não pode contar com a sorte de ter as maiores reservas de petróleo no país. Sozinhos, os gastos com previdência no Rio atingem mais do que aquilo que é gasto em saúde (R$ 3,96 bilhões), educação (R$ 4,04 bilhões) e segurança (R$ 5,18 bilhões), somados.
Uma repartição pública a céu aberto
Pouco mais de um século e meio como capital do país fizeram do Rio um estado onde se respira funcionalismo público. Nem mesmo cinco décadas de mudança da capital para Brasília foram capazes de apagar isso. Ainda hoje, inúmeras empresas estatais, bancos públicos e repartições das mais variadas possuem o Rio de Janeiro como sede.
Não por acaso, há mais funcionários públicos federais no Rio de Janeiro hoje do que em Brasília. São cerca de 258,5 mil contra 178,5 mil funcionários públicos na atual capital federal. Em termos de salários, o Rio é destino de R$ 22 bilhões anuais contra R$ 10,3 bilhões de Brasília (incluindo aí apenas funcionários do Executivo).
Cerca de 1 em cada 5 trabalhadores no estado tem como empregador o setor público. São 18,64%, acima da média nacional. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal não obriga os estados a contabilizarem gastos com previdência como sendo “gastos com pessoal”, a situação do estado passou anos como sendo aparentemente uma das mais positivas do país.
Toda maquiagem contábil, porém, não impediu que o Rio fosse o segundo estado do país a começar a parcelar salários. Mesmo sendo em teoria o estado que menos gasta com pessoal em todo o país (apesar de ser um dos que mais emprega), o Rio está oficialmente “incapacitado de pagar o funcionalismo”, nas palavras do próprio governador em exercício.
Justamente por não ferir o que manda a LRF (gastar no máximo 44% da sua receita corrente líquido com funcionalismo), o Rio se viu livre para elevar salários e amenizar o fato de que seus policiais e professores se encontram entre os cinco mais mal pagos do país.
Quando somado ao aporte que o Estado teve de fazer para pagar aposentados e pensionistas, a folha de pessoal teve custos de R$ 24,5 bilhões em 2015, sendo R$ 10,84 bilhões com inativos. A receita do estado, porém, teve queda, atingindo R$ 39 bilhões. Quando incluídos aí todo os gastos com funcionalismo inativo, o Rio de Janeiro gastou R$ 31,6 bilhões no ano, um crescimento de 146% desde 2009. No mesmo período a inflação medida pelo IPCA atingiu 57,29%.
Distribua benefícios e socialize o prejuízo
R$ 138 bilhões.
O valor, quase oito vezes o déficit que o governo estadual deve atingir em 2016, representa aquilo que, de boa vontade, os governadores do estado abriram mão de arrecadar em ICMS entre 2008 e 2013.
Para atrair empresas da área de petróleo, infraestrutura, siderurgia e bebidas, o governo do estado não se fez de rogado – botou a mão no bolso dos pagadores de impostos e distribuiu as benesses. Ao mesmo tempo em que elevava a distribuição de isenções fiscais, o governo fluminense aumentava também a sua já preocupante dívida. Ao final de 2013, o Rio devia R$ 107 bilhões, quase o dobro dos R$ 59,2 bilhões devidos em 2008.
A escolha de quem receberia os benefícios ficou a cargo do governo estadual. No meio de tantos bilhões, casos como a indústria de jóias, que recebeu isenções de R$ 230 milhões, chamam a atenção. Enquanto obrigava toda a população a bancar uma máquina pública cada vez mais pesada, o governo concedeu benefícios a uma indústria cuja base de consumidores é essencialmente a camada mais rica dos moradores do estado.
Dentro deste valor, há ainda casos mais curiosos, como o da montadora Nissan, que recebeu R$ 353 milhões em isenções, além de ter tido sua fábrica no estado financiada pelo próprio governo, ao custo de R$ 5,9 bilhões, com carência e prazo para pagamento em 30 anos.
Outros R$ 760 milhões via crédito de ICMS foram destinados a financiar a expansão da AMBEV em Piraí, onde o governador Pezão foi prefeito por dois mandatos. Menos de um ano antes, a empresa havia recebido R$ 850 milhões para financiar uma de suas sedes. A montadora alemã Volkswagen foi outra das beneficiadas, recebendo R$ 2,1 bilhões para se instalar no estado.
Para o governo, a prática estimula a geração de empregos. No acordo com a AMBEV, por exemplo, foram criadas 73 vagas de empregos. Somando os dois contratos, a empresa recebeu nada menos do que R$ 7 milhões por emprego gerado.
Use o cartão de crédito para bancar as festas
Reformado para os jogos Panamericanos, para a Copa do Mundo e agora para as Olimpíadas, o Maracanã já demandou sozinho R$ 1,2 bilhão do governo do Estado – quase 5 vezes o valor investido em sua construção na década de 40 (com valores são atualizados). Hoje sob concessão da empreiteira Odebrecht, o estádio é apenas um dos exemplos da festa que foi o Rio de Janeiro na última década. A expectativa das Olimpíadas, a final da Copa do Mundo e tudo que gira ao redor disso, fizeram o estado entrar em uma onda de gastos que pode chegar a R$ 39,1 bilhões, ou mais de duas vezes o valor estimado para o déficit deste ano.
O decreto emitido pelo governo em exercício é parte do plano para impedir que os serviços públicos no estado entrem em colapso antes das olimpíadas. Quase R$ 3 bilhões devem ser liberados. Após a festa, a conta ainda deve perdurar por algumas décadas.
Apenas a dívida do governo do estado com a União atinge mais de R$ 75 bilhões, ao custo de R$ 6,5 bilhões por ano – ou mais do que o valor gasto com a segurança no estado. O serviço total da dívida, no entanto, atinge R$ 10 bilhõeseste ano, mais do que os valores de saúde e educação somados. Como resultado, o estado investe menos da metade do que a lei determina em saúde.
O resultado da farra de gastos, porém, não deve se limitar ao próprio estado. Impedido por lei de dar calote na União (caso deixe de repassar a parcela da dívida, a União pode legalmente bloquear as contas do estado e impedir repasses), o governo do estado já aplicou calotes em outras dívidas. A Agência Francesa de Fomento, por exemplo, deixou de receber o que lhe era devido pelo estado ainda em junho deste ano. Para compensar, a União teve de arcar com o prejuízo. Cerca de 90% da divida já foi paga. Pagamentos futuros ainda são incertos.
O calote é parte de uma tragédia anunciada. Em maio deste ano, a agência Fitch já havia rebaixado a nota de crédito do Rio para BB-, ou “mau pagador”.
De fato, a situação do Rio de Janeiro não é alheia aos demais estados e muito menos ao próprio país. Ao longo das últimas duas décadas, governos estaduais têm se convertido a cada dia que passa em pagadores de salários, relegando investimentos. Enquanto o investimento público total no país saltou de 0,8% para 1,1% nos últimos 20 anos, os gastos públicos totais saíram de 25% para 36% – e ao que tudo indica, não deve haver nenhuma reversão deste cenário em um futuro próximo.
Para qualquer turista, o samba, o futebol, as praias, a caipirinha, o Corcovado e o Cristo Redentor são a cara do Brasil. Um olhar mais atento, porém, identificaria que a verdadeira coincidência entre o Brasil e o Rio nesse momento são os seus problemas econômicos. Evitá-los é o grande desafio das próximas décadas a qualquer liderança política que se preze.