Participei, em 26 de abril de 2018, de um hangout com meu amigo Marcos Troyjo, animado por Sérvulo Dias, jornalista, organizado pelo Instituto Millenium, sobre a propalada "guerra comercial" entre os EUA e a China (que não vai ocorrer, a despeito das escaramuças). Foi bastante animado, e sobretudo sem controvérsias, pois ambos aprofundamos os argumentos um do outro.
Não vou dizer o que eu teria dito em particular sobre o iniciador dessa guerra comercial, mais retórica do que efetiva, pois em público não caberia expressar certas ideias "íntimas", digamos assim...
Abaixo, o excelente roteiro preparado pelo Sérvulo Dias para ordenar as questões entre nós, mas, dada a limitação de tempo, não foi possível abordar todas os temas em profundidade.
Em breve postarei o link da conversa a três.
Paulo Roberto de Almeida
Addendum com os links anunciados, mas não deixem de ler a matéria do jornalista abaixo.
Site do Instituto Millenium com a matéria sobre a "guerra comercial" (neste link: https://www.institutomillenium.org.br/recentes/imil-promove-hangout-incerteza-global-nesta-quinta/), aqui para o vídeo gravado (link: https://youtu.be/wuQZokgpOV4).
Hangout do Instituto Millenium: "Incerteza global: Como uma guerra comercial entre EUA e China pode afetar a economia do Brasil e do mundo?"
Orientações gerais para o hangout:
- O evento será aberto ao público e transmitido ao vivo através de nosso canal no Youtube, Facebook, site e redes sociais;
Biografia dos participantes:
Marcos Troyjo
É graduado em ciência política e economia pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em sociologia das relações internacionais pela USP e diplomata. É integrante do Conselho Consultivo do Fórum Econômico Mundial, diretor do BRICLab da Universidade Columbia, pesquisador do Centre d´Études sur l´Actuel et le Quotidien (CEAQ) da Universidade Paris-Descartes (Sorbonne), fundador do Centro de Diplomacia Empresarial e conselheiro do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). É colunista do jornal "Folha de S.Paulo".
Paulo Roberto de Almeida
É doutor em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles), mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia), licenciado em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles) e diplomata. Serviu em diversos postos no exterior e exerceu funções na Secretaria de Estado, geralmente nas áreas de comércio, integração, finanças e investimentos. Foi professor de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília (1986-87) e atualmente leciona no Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Sérvulo Dias
E economista formado pela FEA/USP, administrador de empresas e especialista em marketing de serviços pela FIA. Ocupou posições executivas na área comercial e de desenvolvimento de novos negócios em empresas nacionais e multinacionais de grande porte. Atuou em projetos de inovação e redefinição de modelos de negócio na indústria química, embalagens, papel e celulose e fotografia/varejo.
Alguns pontos no hangout:
1) Nessa retórica protecionista do presidente Trump, que tem alicerce num conjunto de políticas agrupadas sob o mantra "America First", quem são os perdedores e ganhadores de uma eventual guerra comercial?
2) O presidente Trump tem capital político para de fato executar essa política comercial protecionista, dado que parte do seu eleitorado poderia ser altamente prejudicado caso a China decida retaliar, notadamente os grandes exportadores de grãos do "yellow belt" americano?
3) E no caso brasileiro, quais são as oportunidades e ameaças numa iminente guerra comercial?
4) Essa guerra comercial seria majoritariamente uma guerra bilateral entre China e EUA ou a tendência é que se espalhe por todos os continentes?
5) Na semana passada o presidente anunciou sua "disposição" em rever o tema da saída dos EUA da aliança Tratado Transpacífico, numa clara tentativa de "negociar" termos mais favoráveis mas não deixar de vez o tratado. Não seria mais uma vez o estilo de Trump, que sempre "marca" posições radicais e extremas no início das negociações e depois abranda o diálogo para posições mais moderadas?
6) O primeiro-ministro chinês agora passa a ter mandato vitalício, o que parece indicar total respaldo do Partido Comunista para poder retaliar os EUA à altura. Esse poder ampliado não configura um elemento adicional de preocupação?
Links Relacionados:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS DO JORNALISTA SÉRVULO DIAS
O Presidente Trump começou sua retórica polêmica antes mesmo de ser eleito presidente dos Estados Unidos. Já na campanha eleitoral, o então candidato republicano lançou o slogan “America First”, que indicava um conjunto de medidas que sempre colocaria os interesses dos Estados Unidos à frente de qualquer outro interesse.
No primeiro ano de governo, muitos foram os assuntos polêmicos nos quais o presidente Trump se envolveu, sendo os principais:
· a demissão de James Comey, então diretor do FBI, sob a alegação de que houve mal condução no caso da investigação sobre o uso de um servidor pessoal por parte da ex-candidata democrata Hillary Clinton
· o apoio declarado aos supremacistas brancos depois dos enfrentamentos violentos em Charlottesville (Virginia), evento no qual foram mortos 3 manifestantes e outros 34 foram feridos
· em Setembro de 2017, o insulto aos atletas da NFL (Liga Nacional de Futebol Americano) que se recusavam a permanecer de pé durante a execução do hino nacional em uma forma de protesto às políticas racistas de Washington
· todo o imbróglio que rodeia o caso da interferência russa nas eleições americanas, o possível conflito de interesses entre Trump e seus aliados em negócios escusos com oligarcas russos, o que gerou a investigação independente coordenada pelo então nomeado conselheiro especial Robert Mueller, que pode ter um desfecho inesperado para o presidente Trump
· além de todos os escândalos sexuais envolvendo o presidente Trump, desde as acusações de assédio até os casos mais graves que envolvem a atriz pornô Stormy Daniels e a ex-modelo da Playboy Karen McDougal
Do lado das relações internacionais, podemos citar:
· a promessa de construção de um muro que separaria o México dos Estados Unidos
· a rejeição ao tema do aquecimento global e o descaso total com o Acordo de Paris
· os temas ligados às leis anti-imigração americanas, com uma crescente tendência ao fechamento e o desejo de abortar programas tradicionais, como é o caso do DACA
· todo o tema da troca de ameaças contra a Coréia do Norte e o líder Kim Jong-um, o qual Trump chegou a chamar de “homem-foguete” pelo Twitter
· o desejo de alterar o Acordo Nuclear com o Irã, firmado ainda no governo de Barak Obama
· a questão da participação americana na guerra civil da Síria e o potencial escalonamento do conflito, já que adiciona elementos à já complicada geopolítica do Oriente Médio
Especificamente do lado do comércio internacional, podemos citar:
· a exigência pela renegociação dos termos do NAFTA, o qual o presidente Trump classificou como uma “catástrofe”
· assinou o decreto que retira os Estados Unidos da Parceria Transpacífica (TPP)
· por fim, e o que mais nos interessa para a discussão de hoje, a declaração aberta de uma guerra comercial contra a China, com o anúncio de medidas protecionistas que geram uma sobretaxa de US$ 153 bilhões a uma lista de 1.300 produtos chineses, dentre os quais ferro, alumínio e bens de capital
· do lado Chinês, já foi anunciado um pacote retaliatório que impactaria as exportações americanas no montante de US$ 50 bilhões, sendo que a sobretaxa impacta 234 produtos americanos exportados aos chineses (soja, algodão, carne bovina e alguns ícones americanos tais como as motocicletas da marca Harley Davidson)
Nesse contexto, gostaria então de dar início ao debate com a primeira pergunta, que dirijo ao nosso convidado Marcos Troyjo:
1) Nessa retórica protecionista do presidente Trump, que tem alicerce num conjunto de políticas agrupadas sob o slogan "America First", quem são os perdedores e ganhadores de uma eventual guerra comercial com a China?
Passemos então para a segunda pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Paulo Roberto de Almeida:
2) Essa guerra comercial seria majoritariamente uma guerra bilateral entre China e EUA ou a tendência é que se espalhe por todos os continentes? Quais as consequências?
Passemos então para a terceira pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Marcos Troyjo:
3) O presidente Trump tem capital político para de fato executar essa política comercial protecionista, dado que parte do seu eleitorado poderia ser altamente prejudicado caso a China decida retaliar, notadamente os grandes exportadores de grãos do "yellow belt" americano assim como os grandes produtores e exportadores de proteína animal? A título de curiosidade, a China compra dos Estados Unidos aproximadamente ¼ da safra de grãos de soja. Vale lembrar também que as medidas anti-imigratórias anunciadas por Donald Trump no início do seu mandato irritaram o setor agrícola americano, ainda dependente da mão-de-obra de imigrantes para o plantio e colheita de algumas culturas. Os críticos afirmavam que as medidas causariam uma redução na oferta de mão-de-obra e o consequente aumento dos salários médios no setor agrícola. O presidente Trump inclusive já foi advertido das consequências políticas que podem resultar das suas medidas protecionistas: a retaliação chinesa sobretaxando as importações de soja provenientes dos Estados Unidos afetaria fortemente a economia de estados tais como Iowa, Kansas, Missouri, Minnesota, Indiana e Dakota do Norte, estados nos quais haverá uma corrida eleitoral altamente competitiva entre Republicanos e Democratas para as cadeiras no Senado. Sendo assim, você acredita que o presidente Donald Trump vai manter a retórica da guerra comercial com a China e assim arriscar apoio político doméstico?
Passemos então para a quarta pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Paulo Roberto de Almeida:
4) O parlamento chinês aprovou em Março uma emenda constitucional que elimina os limites do mandato presidencial, permitindo que o presidente Xi Jinping permaneça no cargo por tempo indefinido, num modelo de mandato vitalício. Tal ampliação no poder do presidente parece indicar total respaldo do Partido Comunista para poder retaliar comercialmente os Estados Unidos à altura. Esse poder ampliado do lado chinês não configura um elemento adicional de preocupação? A China estaria disposta a levar a retaliação comercial às últimas consequências?
Passemos então para a quinta pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Marcos Troyjo:
5) E no caso brasileiro, quais são as oportunidades e ameaças numa iminente guerra comercial entre Estados Unidos e China? Seria essa uma oportunidade de maior aproximação com o bloco comercial da União Européia, por exemplo? Seria também uma chance de estreitar ainda mais as relações comerciais com a China?
Passemos então para a sexta pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Paulo Roberto de Almeida:
6) No dia 16 de Abril, nosso colega Júlio Netto do Instituto Millenium escreveu um artigo muito interessante com o título “Guerra Comercial ou Jogo de Cena?”. No artigo, Júlio Netto relembra dois fatos recentes interessantes sobre a postura do presidente americano Donald Trump sobre o tema da Guerra Comercial. No primeiro desses fatos, datado de 23 de Março, o presidente americano Donald Trump colocou o mundo em suspense ao anunciar a sobretaxação de 25% para as importações de aço e 10% para as de alumínio. Muitos foram os protestos, com os países mais afetados ameaçando com represálias ou mesmo apelando à OMC. Passados alguns dias, Trump foi “amaciando” seu discurso e anunciou que países como os da União Europeia, México, Canadá, Japão e inclusive o Brasil estariam isentos desta taxação, pelo menos temporariamente. Depois disso, em outra evidência de “amaciamento” no seu discurso, o presidente Trump anunciou, no início de Abril, sua "disposição" em rever o tema da saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica, numa clara tentativa de "negociar" termos mais favoráveis mas não deixar de vez o tratado. Não seria mais uma vez o estilo de Trump, que sempre "marca" posições radicais e extremas no início das negociações e depois abranda o diálogo para posições mais moderadas?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É sempre bom retomar a história e aprender com os erros e acertos do passado. Entre Republicanos e Democratas dos estados que compõem o cinturão agrícola americano, há um consenso de que a política comercial de Trump vai ser um replay do fracassado embargo à União Soviética imposto pelo presidente Jimmy Carter em 1980, como retaliação pela invasão dos russos no Afeganistão. Na ocasião, o então presidente americano Jimmy Carter limitou as exportações de grãos para a União Soviética e conclamou que outros países tomassem as mesmas medidas. Na época, o então candidato à presidência da Casa Branca, o republicano Ronald Reagan, criticou severamente o embargo com base no argumento de que o mesmo fazia com que os agricultores americanos arcassem injustamente com o fardo da política externa dos Estados Unidos. Vale lembrar que os Democratas sofreram perdas massivas nas eleições daquele ano. Trump parece agora correr o mesmo risco, quase quarenta anos depois. Para piorar a situação, tudo isso acontece no mesmo ano em que o presidente Trump aprovou cortes profundos no orçamento do Departamento de Agricultura, aguçando ainda mais o sentimento de que as medidas de Trump contra os chineses tem o potencial de causar fortes impactos econômicos em sua própria base política.
A série de barreiras comerciais anunciadas pelo presidente americano Donald Trump têm o potencial de causar grandes danos à economia americana e mundial. Em cadeias produtivas globalizadas e interconectadas ao extremo, especialmente no caso dos países desenvolvidos, barreiras comerciais costumam traduzir-se em custos mais elevados para as empresas domésticas, gerando ainda mais pressão inflacionária (de custos). Pior do que isso, a guerra comercial iniciada por Trump tem o potencial de criar um clima de total incerteza nos mercados. Robert Shiller, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 2013, advertiu em Março que a guerra comercial em curso pode criar uma atitude de “esperar pra ver” nos agentes econômicos. Tal atitude pode ser potencialmente ainda mais danosa do que as próprias tarifas comerciais, pois impactaria a confiança para a tomada das decisões de investimento, acentuando ainda mais a recessão.