O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 9 de março de 2019

Livro PRA: A Constituição contra o Brasil - Agora em Audiobook

https://www.ubook.com/audiobook/681031?fbclid=IwAR1K7sKcTr2jdzfKbWtLGoWyNXNOatzNvMTMWS4rvzUHWP9GPjgmAeS3GX4

A Constituição contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988

A Constituição contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988



Sinopse

A Constituição de 1988 é um documento provocativo, inegavelmente criativo, mas, por suas características, desestabilizador da vida nacional. Não há exageros em afirmar-se que seu advento provocou enorme insegurança jurídica, dificultou a governabilidade, inibiu os negócios e investimentos internos e externos, sem falar nos conflitos sociais que gerou, em níveis jamais experimentados entre nós. São grandes as perplexidades suscitadas pelas inovações da Carta de 1988. Essas perplexidades têm se refletido no Parlamento, no Executivo e nos Tribunais, bem como nos inúmeros seminários e congressos em que as novas instituições vêm sendo analisadas e debatidas. Há quase um geral reconhecimento, que o nosso Magno Diploma Jurídico trouxe mais dúvidas do que certezas, tornando-se, sem dúvidas, um entrave à governabilidade e ao desenvolvimento do país. Roberto Campos, profeta involuntário, antecipou todos esses problemas ainda durante a Constituinte, e esforçou-se denodadamente em reduzir a maior parte das irracionalidades propostas. Os artigos aqui coligidos constituem a prova irrefutável de sua luta. -- Ney Prado (Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, Desembargador Federal do Trabalho aposentado, professor aposentado da FGV-SP, ex-membro e secretário geral da Comissão Afonso Arinos).

Capítulos

  • Epígrafe
    Duração: 01min
  • Prefácio do organizador
    Duração: 17min
  • Roberto Campos e a trajetória constitucional brasileira - O que é esta obra
    Duração: 10min
  • A trajetória intelectual de Roberto Campos no período maduro
    Duração: 14min
  • Roberto Campos e a instabilidade constitucional brasileira
    Duração: 09min
  • A sexta Constituição do Brasil, no regime autoritário: A de 1967
    Duração: 03min
  • A caminho da redemocratização pela via do irrealismo constitucional
    Duração: 23min
  • O “besteirol” constituinte e a consagração da utopia
    Duração: 28min
  • O avanço do retrocesso: A Constituição contra os miseráveis
    Duração: 33min
  • A revisão radical da Constituição de 1988, jamais feita
    Duração: 23min
  • 1. Reservatório de utopias
    Duração: 05min
  • 2. Nosso querido nosocômio
    Duração: 05min
  • 3. A transição política no Brasil
    Duração: 26min
  • 4. A busca de mensagem
    Duração: 09min
  • 5. Ensaio sobre o surrealismo
    Duração: 10min
  • 6. Ensaio de realismo fantástico
    Duração: 13min
  • 7. É proibido sonhar
    Duração: 10min
  • 8. O radicalismo infantojuvenil
    Duração: 09min
  • 9. Pianistas no Titanic
    Duração: 10min
  • 10. Por uma Constituição não biodegradável
    Duração: 10min
  • 11. O “besteirol” constituinte - I
    Duração: 11min
  • 12. O “besteirol” constituinte - II
    Duração: 10min
  • 13. O bebê de Rosemary
    Duração: 11min
  • 14. O culto da antirrazão
    Duração: 10min
  • 15. As soluções suicidas
    Duração: 10min
  • 16. Mais gastança que poupança
    Duração: 08min
  • 17. O direito de ignorar o Estado
    Duração: 08min
  • 18. O “Gosplan” caboclo
    Duração: 09min
  • 19. Dois dias que abalaram o Brasil
    Duração: 06min
  • 20. Como extrair a vitória das mandíbulas da derrota
    Duração: 08min
  • 21. Progressismo improdutivo
    Duração: 09min
  • 22. A ética da preguiça
    Duração: 07min
  • 23. O escândalo da universidade
    Duração: 08min
  • 24. A vingança da História
    Duração: 12min
  • 25. As consequências não pretendidas
    Duração: 09min
  • 26. Xenofobia minerária
    Duração: 08min
  • 27. A revolução discreta
    Duração: 10min
  • 28. A marcha altiva da insensatez
    Duração: 08min
  • 29. A humildade dos liberais
    Duração: 08min
  • 30. O buraco branco
    Duração: 10min
  • 31. A Constituição-espartilho
    Duração: 11min
  • 32. Indisposições transitórias
    Duração: 10min
  • 33. Os quatro desastres ecológicos
    Duração: 09min
  • 34. A Constituição “promiscuísta”
    Duração: 11min
  • 35. Desembarcando do mundo
    Duração: 11min
  • 36. A sucata mental
    Duração: 07min
  • 37. Loucuras de primavera
    Duração: 10min
  • 38. Democracia e democratice
    Duração: 11min
  • 39. Nota Zero
    Duração: 07min
  • 40. Dando uma de português
    Duração: 09min
  • 41. As falsas soluções e as seis liberdades
    Duração: 39min
  • 42. O avanço do retrocesso
    Duração: 08min
  • 43. Razões da urgente reforma constitucional
    Duração: 48min
  • 44. O gigante chorão
    Duração: 09min
  • 45. A Constituição dos miseráveis
    Duração: 08min
  • 46. Besteira preventiva
    Duração: 07min
  • 47. Saudades da chantagem
    Duração: 08min
  • 48. O fácil ofício de profeta
    Duração: 07min
  • 49. A modernidade abortada
    Duração: 09min
  • 50. Brincando de Deus
    Duração: 09min
  • 51. Como não fazer constituições
    Duração: 08min
  • 52. As perguntas erradas
    Duração: 08min
  • 53. Da dificuldade de ligar causa e efeito
    Duração: 10min
  • 54. O grande embuste
    Duração: 11min
  • 55. O nacionalismo carcerário
    Duração: 11min
  • 56. Da necessidade de autocrítica
    Duração: 08min
  • 57. Piada de alemão é coisa séria
    Duração: 07min
  • 58. O fim da paralisia política
    Duração: 09min
  • 59. O anacronismo planejado
    Duração: 10min
  • 60. A Constituição-saúva
    Duração: 08min
  • 61. Assim falava Macunaíma
    Duração: 10min
  • 62. Três vícios de comportamento
    Duração: 09min
  • 63. Quem tem medo de Virgínia Woolf
    Duração: 09min
  • 64. O estado do abuso
    Duração: 08min
  • 65. Reforma política
    Duração: 09min
  • A Constituição brasileira contra o Brasil: Uma análise de seus dispositivos econômicos - Introdução
    Duração: 11min
  • Mudanças de regime econômico no Brasil contemporâneo
    Duração: 19min
  • A Constituição de 1988: um novo contrato social para o Brasil?
    Duração: 04min
  • O que a Constituição promete, e o que ela produz, na realidade?
    Duração: 11min
  • A Constituição “cidadã”: Distribuindo bondades para todos
    Duração: 13min
  • A Constituição “estatal”: reduzindo o espaço da livre iniciativa
    Duração: 12min
  • A Constituição “parlamentar”: Muitos privilégios, baixa produtividade
    Duração: 07min
  • A Constituição “econômica”: Equívocos em cadeia
    Duração: 10min
  • A Constituição dos “direitos sociais”: Sem qualquer análise dos custos
    Duração: 18min
  • Uma Constituição economicamente esquizofrênica
    Duração: 12min

sexta-feira, 8 de março de 2019

Cadê a política externa? - Paulo Roberto de Almeida (revista Veja)

Cadê a política externa?

Em combate genérico ao ‘globalismo’ e ao ‘marxismo cultural’, o Itamaraty da era Ernesto Araújo não disse qual será a estratégia internacional para o Brasil



O ALIADO - Donald Trump: aliança com o presidente americano não pode ser sinônimo de diplomacia brasileira (Joshua Roberts/Reuters)
             Nas horas e dias seguintes à minha exoneração, por ordem do chanceler Ernesto Araújo, do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), as pessoas quiseram saber, além dos motivos da demissão, minha opinião sobre a atual política externa do Itamaraty. Tive de perguntar a elas: “Vocês conhecem alguma? Digam-me qual é, para eu poder avaliá-la”.
Sinceramente não tenho uma resposta, pois nunca nos foi oferecida uma apresentação abrangente, sistemática e completa de qual seria a estratégia internacional do Brasil, quais suas prioridades regionais e multilaterais, como pretendemos organizar a abertura econômica e a liberalização comercial, o que fazer com o Mercosul, como resolver os desafios da inserção global do país nos grandes circuitos da economia mundial, as relações com os vizinhos e todo o resto. Recapitulando o discurso de inauguração do presidente temos poucas diretivas, entre elas uma política externa sem ideologia e um comércio exterior idem. O discurso de posse do chanceler, por sua vez, foi do grego ao latim - e até ao tupi-guarani - para dizer que tínhamos sido muito subservientes com o marxismo cultural e que cabia “libertar o Itamaraty” da influência nefasta dos petistas (já o avisaram que os companheiros se foram em 2016?). 
Desde então, aguardamos uma manifestação mais concreta sobre como será essa política externa, desconhecida de meus colegas diplomatas e dos brasileiros. O que tivemos, até aqui, foram eflúvios bizarros contra o “globalismo”, sustentados em teorias conspiratórias de um famoso guru ideológico, o sofista da Virgínia, um grande eleitor do atual governo. Todo o resto foram recuos e tergiversações.
Base militar americana no Brasil? De forma nenhuma, alertaram os militares! Mudança da embaixada em Israel para Jerusalém? Alto lá, gritaram os agricultores e exportadores de carne halal para países islâmicos! Denúncia do Acordo de Paris? Mas os ecologistas e os próprios empresários já disseram que ele é positivo para o Brasil, e não implica em renúncia de soberania. E onde está a China “maoísta” que representaria, supostamente, uma ameaça? Essa China já não existe há mais de 40 anos: os chineses só querem importar matérias-primas, exportar manufaturados, garantir sua segurança alimentar e energética, coisas que o Brasil pode fazer muito bem (com mais investimentos...chineses). Alinhar-se a Trump para “salvar o Ocidente”? Qual é o maluco que acredita numa coisa dessas?
  O tema que está na ordem do dia, a terrível crise na Venezuela, recebeu num primeiro momento tratamento pouco diplomático: primeiro a recusa de qualquer diálogo com o governo ditatorial; depois a “instrução” dada a nossos diplomatas em Caracas de que deveriam reportar-se unicamente a Guaidó, não a Maduro, quando ele não tem qualquer controle sobre os mais modestos mecanismos administrativos do país; em seguida, a ruptura de relações militares com os bolivarianos, o que irritou nossa tropa e levantou os alarmes no núcleo mais racional do governo.
   As inconsistências nessa área foram tantas que logo instalou-se um “cordão sanitário” em torno do chanceler para impedi-lo de fazer aquilo que está expressamente proibido pela Constituição: imiscuir-se nos assuntos internos de outros países. Foi preciso que o vice-presidente Hamilton Mourão se tornasse o chefe da delegação brasileira na reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, para impedir mais um gesto de insanidade do chanceler: apoiar uma aventura militar contra o nefando regime chavista-madurista. A Venezuela é um grande teste para o governo, mas parece que os militares assumiram o papel dos diplomatas e estão cuidando do assunto.
  Volto a perguntar: onde está a política externa do Brasil? Nos destemperos olavistas contra o globalismo? Na luta contra o marxismo cultural? Numa aliança com todos os regimes direitistas e xenófobos da Europa e com Trump? Na denúncia do Pacto Global das Migrações, quando o Brasil possui pelo menos dez vezes mais emigrantes do que imigrantes e esse acordo não afeta em nada nossa soberania? Um desses tresloucados chegou até a dizer nos EUA que os brasileiros apoiam a construção do muro que Trump pretende erigir na fronteira com o México!
  O que pretende, exatamente, o chanceler? Ele começou subvertendo a hierarquia do Itamaraty, colocando “coronéis” dando ordens a “generais” – ou seja, ministros de segunda classe comandando embaixadores mais experientes. Depois impôs uma reforma autoritária, feita no bunker do governo de transição, inclusive por amadores externos, e alterou significativamente estruturas mais racionais, ainda que muito extensas da administração anterior. Os EUA constituem um departamento exclusivo, mas a Europa encontra-se relegada à vala comum da África e do Oriente Médio, já que ela seria um “vazio cultural”, segundo um artigo surrealista publicado nos Cadernos de Política Exterior do IPRI, que eu dirigia até ser defenestrado. E como fica a recomendação de ler menos o New York Times? 
  O Brasil é hoje o país mais introvertido do G20, o grupo de nações economicamente mais importantes do mundo. Todas exibem coeficiente de abertura externa e participação em cadeias de valor bem superiores aos nossos. Está mais do que na hora de substituir uma mal definida “diplomacia do desenvolvimento com preservação da autonomia nacional” por uma vigorosa política de “integração à economia mundial”, assim como eliminar o determinismo geográfico de um fantasmagórico “Sul Global” e voltar ao universalismo tradicional da política externa e da diplomacia brasileira. Sobre minha exoneração, permito-me registrar que o ministro está me negando a mesma liberdade de opinião que ele teve para alimentar seu blog com vituperações antipetistas – quando nada tinha feito nos treze anos do PT no poder. Agora, o chanceler quer cercear-me o direito de alimentar um blog com materiais, aliás, veiculados nos próprios clippings  de notícias da Casa. Estou fora do IPRI, mas continuo sendo um funcionário do Estado e deixo um recado aos que pretendem me calar: a despeito das punições que recebi no Itamaraty por publicar artigos adequados a meu papel de diplomata, me atribuí, assim como James Bond com sua permissão especial para matar, uma permissão especial para dissentir. 

* Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, autor de Nunca Antes na Diplomacia (2014) e Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (2019).

(PRA: versão editada pela revista Veja; a versão original é um pouco maior).

Acordo de salvaguardas tecnologicas Brasil-EUA - Gazeta do Povo

Militares dão aval a Bolsonaro para fechar acordo com EUA sobre base de foguetes

Texto está em fase final de ajustes formais para a assinatura, programada para ocorrer na viagem oficial de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos na segunda quinzena de março

Brasília Renan Barbosa  [07/03/2019]  [20h51]

O Ministério da Defesa aprovou o conteúdo da versão mais recente do texto do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), chamado de “Acordo de Alcântara”, enviada pelos americanos ao governo brasileiro em meados de fevereiro. O aval dos militares era a última pendência para selar o tratado entre os governos do Brasil e Estados Unidos que vai viabilizar o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no litoral do Maranhão. A negociação permitirá o aluguel da base, atualmente sem uso, para outros países, o que abriria um mercado estimado em R$ 140 milhões ao ano para o Brasil."
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/militares-dao-aval-a-bolsonaro-para-fechar-acordo-com-eua-sobre-base-de-foguetes-aptf9qdfw60t12fg93xpo7nm2/?utm_source=whatsapp&utm_medium=midia-social&utm_campaign=gazeta-do-povo
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Brazil First, política externa - Eliane Cantanhede (OESP)

Um artigo sem muita consistência da conhecida jornalista que tenta apresentar como razoável a postura da política externa oficial, de romper com os velhos padrões do multilateralismo, quando até aqui essa política externa não apresentou nenhuma realização digna de nota, a não ser o gesto deplorável de "desassinar" o Pacto Global das Migrações, apresentado estupidamente como uma defesa da soberania.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 de março de 2019

‘Brazil first’

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
08 de março de 2019 | 03h00

No Itamaraty, ideia é ‘desligar o botão automático’ e rever tradição e multilateralismo

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro distrai o digníssimo público com uma barbaridade por dia, o mercado só quer saber da reforma da Previdência e o mundo, os investidores, os exportadores e os importadores perguntam qual é a política externa brasileira. Aliás, se há uma. Se há, pode ser resumida assim: “Brazil first”.
É, obviamente, um plágio do slogan de Donald Trump nos Estados Unidos: “America first”. A questão, levantada por ex-presidentes, ex-chanceleres e diplomatas da ativa é se é “Brazil first” ou se vai acabar sendo “Brazil after America”.
Além de causar perplexidade de novo ontem, ao dizer que “liberdade e democracia só existem quando as Forças Armadas assim o querem”, Bolsonaro enumerou os seus aliados no governo e incluiu aí “aqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa (Brasil)”.
Mais do que uma manifestação de ojeriza a Cuba e Venezuela, foi uma referência à aliança com os EUA e com Trump, pedra fundamental da política externa da “nova era”. Há consenso quanto a aprofundar as relações com a maior potência mundial, tradicional parceira brasileira. A dúvida é sobre a calibragem. Alinhamento automático? Brasil caudatário dos EUA?
Tudo isso vai ficar mais claro no encontro de Bolsonaro com Trump, dia 19. Além da gorda pauta bilateral de negócios, cooperação e facilitação de trânsito de pessoas e produtos, os dois terão muito a conversar sobre temas globais e regionais e interesses estratégicos de EUA e Brasil, como Venezuela e China.
Setores do Itamaraty lembram que Bolsonaro deixou muito claro na campanha eleitoral o que pensava, o que significava e o que pretendia. Logo, o eleitorado chancelou uma forte guinada ideológica no poder e isso, evidentemente, tem reflexo direto no Itamaraty. Na montagem do gabinete, na distribuição das peças no tabuleiro e na própria política externa.
A equipe do chanceler rechaça “caça às bruxas” e diz que os movimentos são naturais. Mudou o governo, muda o Itamaraty. Quanto à política externa, a intenção é “quebrar a inércia”. Ou seja: rever conceitos, práticas e hábitos que vêm de décadas, de governo após governo, como se fossem cláusulas pétreas. “É desligar o botão automático”, resumiu um dos artífices das mudanças, sempre enfatizando que tudo está sendo suave, sem solavancos.
Uma das “verdades absolutas” é justamente que o multilateralismo tem de se sobrepor a tudo. “Por quê?”, pergunta ele. Decisões de organismos internacionais são boas quando são boas para o Brasil. Não são quando não convêm ao País. Simples assim. Quer dizer... mais ou menos simples, porque a ONU tem seus problemas, mas é fonte de estabilidade internacional, e a OMC, útil nas guerras comerciais, é fundamental para países médios como o Brasil. E vai por aí afora.
Quanto aos temas mais bombásticos da campanha, eles trariam enorme prejuízo ao Brasil e foram estacionando no caminho para o poder: embaixada em Jerusalém, retirada do Acordo do Clima, cacetadas na China. Parecem bem distantes.
Após reduzir a estrutura do Itamaraty – “escolher pessoas para cargos, não cargos para pessoas”, diz Araújo –, há sérias dificuldades para fechar postos no exterior criados pelo ex-chanceler Celso Amorim como forma de atrair votos para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Criar é fácil, fechar é que são elas. É o oposto do “soft power”, é como dizer aos países: “Vocês não têm a menor importância”.
E a exoneração do embaixador Paulo Roberto de Almeida por críticas ao chanceler? Resposta: não é nenhuma novidade, que o digam os embaixadores Moscardo, Bustani e Samuel Pinheiro Guimarães no governo FHC. Turma é turma.


Meu artigo na Veja: Onde se esconde a politica externa? - Paulo Roberto de Almeida

Cadê a política externa?

Em combate genérico ao ‘globalismo’ e ao ‘marxismo cultural’, o Itamaraty da era Ernesto Araújo não disse qual será a estratégia internacional para o Brasil

O ALIADO - Donald Trump: aliança com o presidente americano não pode ser sinônimo de diplomacia brasileira (Joshua Roberts/Reuters)
Nas horas e dias seguintes à minha exoneração, por ordem do chanceler Ernesto Araújo, do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), as pessoas quiseram saber, além dos motivos da demissão, minha opinião sobre a atual política externa do Itamaraty. Tive de perguntar a elas: “Vocês conhecem alguma? Digam-me qual é, para eu poder avaliá-la”.

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Vou postar íntegra do artigo, tal como eu o fiz, e depois a versão editada da Veja
Paulo Roberto de Almeida

A crise na (e da) macroeconomia - Andre Lara Resende

André Lara Resende escreve sobre a crise da macroeconomia

Por André Lara Resende | Para o Valor, 7/03/2019
A crise da macroeconomia

A teoria macroeconômica está em crise. A realidade, sobretudo a partir da crise financeira de 2008 nos países desenvolvidos, mostrou-se flagrantemente incompatível com a teoria convencionalmente aceita. O arcabouço conceitual que sustenta as políticas macroeconômicas está prestes a ruir. O questionamento da ortodoxia começou com alguns focos de inconformismo na academia. Só depois de muita resistência e controvérsia, extravasou os limites das escolas. Embora ainda não tenha chegado ao Brasil, sempre a reboque, nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, já está na política e na mídia.
A nova macroeconomia que começa a ser delineada é capaz de explicar fenômenos incompatíveis com o antigo paradigma. É o caso, por exemplo, da renitente inflação abaixo das metas nas economias avançadas, mesmo depois de um inusitado aumento da base monetária. Permite compreender como é possível que a economia japonesa carregue uma dívida pública acima de 200% do PIB, com juros próximos de zero, sem qualquer dificuldade para o seu refinanciamento. Ajuda a explicar o rápido crescimento da economia chinesa, liderado por um extraordinário nível de investimento público e com alto endividamento. Em relação à economia brasileira, dá uma resposta à pergunta que, há mais de duas décadas, causa perplexidade: como explicar que o país seja incapaz de crescer de forma sustentada e continue estagnado, sem ganhos de produtividade, há mais de três décadas?
Em artigo recente, "Consenso e Contrassenso: Dívida, Déficit e Previdência", que circula como texto para discussão do Iepe/Casa das Garças (http://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2019/02/Consensoecontrasenso.docx...pdf), procuro ligar alguns pontos que podem vir a consolidar um novo paradigma macroeconômico. Como foi escrito com o objetivo de embasar a argumentação na literatura econômica, pode exigir do leitor conhecimentos específicos e ser mais técnico do que seria desejável. Por isso volto ao tema, de forma menos técnica, para dar ideia desse novo arcabouço macroeconômico e de suas implicações para a realidade brasileira. As conclusões são surpreendentes, muitas vezes contraintuitivas, irão provocar controvérsia e correm risco de ser politicamente mal interpretadas.
Não tenho a intenção, nem seria possível, responder às inúmeras dúvidas e perguntas que irão, inevitavelmente, assolar o leitor. Ao fazer um resumo esquemático das teses que compõem as bases de um novo paradigma macroeconômico, pretendo apenas estimular o leitor a refletir e a procurar se informar sobre a verdadeira revolução que está em curso na macroeconomia. É da mais alta relevância para compreender as razões da estagnação da economia brasileira. Na literatura econômica fala-se numa armadilha da renda média, constituída por forças que impediriam, uma vez superado o subdesenvolvimento, que se chegue finalmente ao Primeiro Mundo. Há razões para crer que não se trata de uma armadilha objetiva, mas sim conceitual.
Pilares de um novo paradigma
O primeiro pilar do novo paradigma macroeconômico, a sua pedra angular, é a compreensão de que moeda fiduciária contemporânea é essencialmente uma unidade de conta. Assim como o litro é uma unidade de volume, a moeda é uma unidade de valor. O valor total da moeda na economia é o placar da riqueza nacional. Como todo placar, a moeda acompanha a evolução da atividade econômica e da riqueza. No jargão da economia, diz-se que a moeda é endógena, criada e destruída à medida que a atividade econômica e a riqueza financeira se expandem ou se contraem. A moeda é essencialmente uma unidade de referência para a contabilização de ativos e passivos. Sua expansão ou contração é consequência, e não causa, do nível da atividade econômica. Esta é a tese que defendo no meu livro "Juros, Moeda e Ortodoxia", de 2017.
Moeda e impostos são indissociáveis. A moeda é um título de dívida do Estado que serve para cancelar dívidas tributárias. Como todos os agentes na economia têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se transforma na unidade de contabilização de todos os demais ativos e passivos na economia. A aceitação da moeda decorre do fato de que ela pode ser usada para quitar impostos.
O segundo pilar é um corolário do primeiro: dado que a moeda é uma unidade de conta, um índice oficial de ativos e passivos, o governo que a emite não tem restrição financeira. O Estado nacional que controla a sua moeda não tem necessidade de levantar fundos para se financiar, pois ao efetuar pagamentos, automática e obrigatoriamente, cria moeda, assim como ao receber pagamentos, também de maneira automática e obrigatória, destrói moeda. Como não precisa respeitar uma restrição financeira, a única razão macroeconômica para o governo cobrar impostos é reduzir a despesa do setor privado e abrir espaço para os seus gastos, sem pressionar a capacidade de oferta da economia. O governo não tem restrição financeira, mas é obrigado a respeitar a restrição da realidade, sob pena de pressionar a capacidade instalada, provocar desequilíbrios internos e externos e criar pressões inflacionárias.
O terceiro pilar é a constatação de que o Banco Central fixa a taxa de juros básica da economia, que determina o custo da dívida pública. Desde os anos 1990, sabe-se que os bancos centrais não controlam a quantidade de moeda, nenhum dos chamados "agregados monetários", mas sim a taxa de juros. O principal instrumento de que dispõe o Banco Central para o controle da demanda agregada é a taxa básica de juros.
O quarto pilar é a constatação de que uma taxa de juros da dívida inferior à taxa de crescimento da economia tem duas implicações importantes. A primeira é que a relação dívida/PIB irá decrescer a partir do momento em que o déficit primário - aquele que exclui os juros da dívida - for eliminado, sem necessidade de qualquer aumento da carga tributária. Portanto, se a taxa de juros, controlada pelo Banco Central, for fixada sempre abaixo da taxa de crescimento, a dívida pública irá decrescer, sem custo fiscal, a partir do momento em que o déficit primário for eliminado. Este é um resultado trivial e mais robusto do que parece, pois independe do nível atingido pela relação dívida/PIB, da magnitude dos déficits e da extensão do período em que há déficits. A segunda implicação, tecnicamente mais sofisticada, é que será possível aumentar o bem-estar de todos em relação ao equilíbrio competitivo através do endividamento público. Em termos técnicos, diz-se que o equilíbrio competitivo não é eficiente no sentido de Pareto.
Sobre esses quatro pilares, acrescenta-se o que foi aprendido sobre a inflação nas últimas três décadas. Ao contrário do que se acreditou por muito tempo, a moeda não provoca inflação. Inflação é essencialmente questão de expectativas, porque expectativas de inflação provocam inflação. As expectativas se formam das maneiras mais diversas, dependem das circunstâncias, e os economistas não têm ideias precisas sobre como são formadas. A pressão excessiva da demanda agregada sobre a capacidade instalada cria expectativas de inflação, mas não é condição necessária para a existência de expectativas inflacionárias. Alguns preços, como salários, câmbio e taxas de juros, funcionam como sinalizadores para a formação das expectativas. Se o banco central tiver credibilidade, as metas anunciadas para a inflação também serão um sinalizador importante. Uma vez ancoradas, as expectativas são muito estáveis. A inflação tende a ficar onde sempre esteve. Por isso é tão difícil, como sempre se soube, reduzir uma inflação que está acima da desejada. Depois da grande crise financeira de 2008, ficou claro que é igualmente difícil elevar uma inflação abaixo da desejada.
Novas ideias, antigas raízes
Embora grande parte das teses do novo paradigma contradigam o consenso econômico-financeiro, elas não são novas. Têm raízes em ideias esquecidas, submersas pela força das ideias estabelecidas e insistentemente repetidas. A tese de que a moeda é essencialmente uma unidade de conta, cuja aceitação deriva da possibilidade de usá-la para pagar impostos, é de 1905. Foi originalmente formulada pelo economista alemão Georg F. Knapp, no livro "The State Theory of Money". Ficou conhecida como "cartalismo" e foi retomada recentemente pelos proponentes da chamada moderna teoria monetária, MMT em inglês.
Já a tese de que o governo que emite a sua própria moeda não tem restrição financeira, portanto não precisa equilibrar receitas e despesas, é de 1943. Seu autor, Abba Lerner, foi um economista que, como Clarice Lispector, nasceu na Bessarábia, estudou na Inglaterra e deu contribuições de grande relevância para os mais diversos campos da teoria econômica. No ensaio "Functional Finance and the Federal Debt", Lerner enuncia os princípios que devem guiar o governo no desenho da política fiscal. Segundo ele, os déficits fiscais podem e devem sempre ser usados para garantir o pleno emprego e estimular o crescimento.
A primeira prescrição de Lerner, a sua "primeira lei das finanças funcionais", é macroeconômica: o governo deve sempre usar a política fiscal para manter a economia no pleno emprego e estimular o crescimento. A única preocupação em relação à aplicação dessa prescrição deve ser com os limites da capacidade de oferta da economia, que não podem ser ultrapassados, sob pena de provocar desequilíbrios internos e externos e criar pressões inflacionárias. A segunda prescrição, ou a segunda "lei das finanças funcionais", é microeconômica: os impostos e os gastos do governo devem ser avaliados segundo uma análise objetiva de custos e benefícios, nunca sob o prisma financeiro.
Todo banqueiro central com alguma experiência prática na condução da política monetária sabe que o banco central controla efetivamente a taxa de juros básica da economia. Os mais atualizados sabem ainda que, desde que não haja pressão sobre a capacidade de oferta, é possível criar qualquer quantidade de moeda remunerada sem provocar inflação. Trata-se de um poder tão extraordinário, que convém a todos, para evitar pressões políticas espúrias, continuar a sustentar a ficção de que o banco central deve controlar, e que efetivamente controla, a quantidade de moeda.
Já o fato de que o governo - que emite a sua própria moeda - não está submetido a qualquer restrição financeira, é bem menos compreendido. Talvez porque seja profundamente contraintuitivo, dado que todo e qualquer outro agente, as empresas, as famílias, os governos estaduais e municipais, estão obrigados a respeitar o equilíbrio entre receitas e despesas, sob pena de se tornar inadimplentes.
Quando se compreende a proposição que a moeda é um índice da riqueza na economia, que sua expansão não provoca inflação e o seu corolário, que governo que a emite não tem restrição financeira, há uma mudança de Gestalt.
A compreensão da lógica da especificidade dos governos que emitem sua moeda provoca uma sensação de epifania, que subverte todo o raciocínio macroeconômico convencional. Toda mudança de percepção que desconstrói princípios estabelecidos é inicialmente perturbadora, mas uma vez incorporada, abre as portas para o avanço do conhecimento. Como observou o Prêmio Nobel de Física, gênio inconteste, Richard Feynman, num artigo de 1955, "O Valor da Ciência", o conhecimento pode tanto ser a chave do paraíso, como a dos portões do inferno. É fundamental que essa mudança de percepção seja corretamente interpretada para a formulação de políticas. Assim como Ivan Karamazov concluiu que se Deus não existe, tudo é permitido, de forma menos angustiada e mais afoita, não faltarão políticos para concluir que se o governo não tem restrição financeira, tudo é permitido.
Do ponto de vista macroeconômico, se o governo gastar mais do que retira da economia via impostos, estará aumentando a demanda agregada. Quando a economia estiver perto do pleno emprego, corre o risco de causar desequilíbrios e provocar pressões inflacionárias. Do ponto de vista microeconômico, a política fiscal tem impactos alocativos e redistributivos importantes. Embora o governo não esteja sempre obrigado a equilibrar receitas e despesas, a composição de suas despesas e de suas receitas, a forma como o governo conduz a política fiscal, é da mais alta importância para o bom funcionamento da economia e o bem-estar da sociedade. A preocupação dos formuladores de políticas públicas não deve ser o de viabilizar o financiamento dos gastos, mas sim a qualidade, tanto das despesas como das receitas do governo. A decisão de como tributar e gastar não deve levar em consideração o equilíbrio entre receitas e despesas, mas sim o objetivo de aumentar a produtividade e equidade. Por isso, é fundamental não confundir a inexistência de restrição financeira com a supressão da noção de custo de oportunidade. O governo continua obrigado a avaliar custos e benefícios microeconômicos de seus gastos. Um governo que equilibra o seu orçamento, mas gasta mal e tributa muito, é incomparavelmente mais prejudicial do que um governo deficitário, mas que gasta bem e tributa de forma eficiente e equânime, sobretudo quando a economia está aquém do pleno emprego.
É possível argumentar que seria melhor não desmontar a ficção de que os gastos públicos são financiados pelos impostos, pelo "o seu, o meu, o nosso dinheiro", para criar uma resistência da sociedade às pressões espúrias por gastos públicos. Afinal, pressões políticas, populistas e demagógicas, por mais gastos nunca hão de faltar. O problema é que quando se adota um raciocínio torto, ainda que com a melhor das intenções, chega-se a conclusões necessariamente equivocadas.
Uma armadilha brasileira
Desde o início dos anos 1990, a taxa real de juros foi sempre muito superior à taxa de crescimento da economia. Só entre 2007 e 2014 a taxa real de juros ficou apenas ligeiramente acima da taxa de crescimento. A partir de 2015, quando a economia entrou na mais grave recessão de sua história, com queda acumulada em três anos de quase 10% da renda per capita, a taxa real de juros voltou a ser muito mais alta do que a taxa de crescimento. A economia cresceu apenas 1,1% ao ano em 2017 e 2018. Hoje, com a renda per capita ainda 5% abaixo do nível de 2014, com o desemprego acima de 12% e grande capacidade ociosa, a taxa real de juros ainda é mais do dobro da taxa de crescimento. Como não poderia deixar de ser, a relação dívida/PIB tem crescido e se aproxima de níveis considerados insustentáveis pelo consenso macro-financeiro.
O diagnóstico não depende do arcabouço macroeconômico adotado, é claro e irrefutável: as contas públicas estão em desequilíbrio crescente e a relação dívida/PIB vai continuar a crescer e superar os 100% em poucos anos. Já o desenho das políticas a serem adotadas para sair da situação em que nos encontramos é completamente diferente caso se adote a visão macroeconômica convencional ou um novo paradigma. O velho consenso exige o corte a despesas, a venda de ativos estatais, a reforma da Previdência e o aumento dos impostos, para reverter o déficit público e estabilizar a relação dívida/PIB. É o roteiro do governo Bolsonaro sob a liderança do ministro Paulo Guedes. A partir de um novo paradigma, compreende-se que o equívoco vem de longe.
A inflação brasileira tem origem na pressão excessiva sobre a capacidade instalada, durante as três décadas de 1950 a 1980 de esforço desenvolvimentista. Foi agravada pelo choque do petróleo na primeira metade da década de 1970, quando adquiriu uma dinâmica própria, alimentada pela indexação e pelas expectativas desancoradas. Altas taxas de inflação crônica têm uma forte inércia, não podem ser revertidas apenas através do controle da demanda agregada, com objetivo de provocar desemprego e capacidade ociosa. Para quebrar a inércia é preciso um mecanismo de coordenação das expectativas. No Plano Real, esse mecanismo foi a URV, uma unidade de conta sem existência física, corrigida diariamente pela inflação corrente. A URV foi uma unidade de conta oficial virtual, com poder aquisitivo estável, uma moeda plena na acepção Cartalista, que viabilizou estabilização da inflação brasileira. Quando a URV foi introduzida, a economia não crescia, havia desemprego e capacidade ociosa. A causa da inflação não era mais o gasto público nem o excesso de demanda. Quando se compreende que o governo emissor não tem restrição financeira, fica claro que não havia necessidade de equilibrar as contas públicas para garantir a estabilidade da moeda. A criação do Fundo de Estabilização Social e posteriormente a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, apenas satisfizeram as exigências do consenso macroeconômico e financeiro da época.
Como se acreditava na necessidade de equilíbrio financeiro do governo, para garantir a consolidação da estabilização, a carga tributária foi sistematicamente elevada. Chegou a 36% da renda, comparável às das mais altas entre as economias desenvolvidas. Durante os governos do PT, opção demagógica pelo aumento dos gastos com pessoal e por grandes obras, turbinadas pela corrupção e sem qualquer avaliação de custo e benefícios, combinada com a ortodoxia do Banco Central, aprofundou o desequilíbrio das contas públicas. O quadro foi agravado pela rápida queda do crescimento demográfico e do aumento da expectativa de vida, que tornou a Previdência crescentemente deficitária.
Uma vez feita a transição da URV para o Real, teria sido necessário manter uma âncora coordenadora das expectativas. Retrospectivamente, o correto teria sido adotar um regime de metas inflacionárias, para balizar as expectativas, que só veio a ser adotado no segundo governo FHC. A opção à época foi por dispensar um mecanismo coordenador das expectativas e confiar nas políticas monetária e fiscal contracionistas. Optou-se por combinar uma política de altíssimas taxas de juros com a austeridade fiscal. O resultado foram mais de duas décadas de crescimento desprezível, colapso dos investimentos públicos, uma infraestrutura subdimensionada e anacrônica, Estados e municípios estrangulados, incapazes de prover os serviços básicos de segurança, saneamento, saúde e educação. Mas como não vale a pena chorar sobre o leite derramado, passemos a políticas a serem adotadas para sair da armadilha em que nos encontramos, com base no novo arcabouço conceitual macroeconômico.
Reformas voltadas para o futuro
Comecemos pela questão que ocupa as manchetes, a reforma da Previdência. Sim, é preciso uma reforma da Previdência, não porque ela seja deficitária, mas porque ela é corporativista e injusta e porque o aumento da expectativa de vida exige a revisão da idade mínima. O déficit do sistema previdenciário, como todo déficit público, não precisa ser eliminado se a taxa de juros for inferior à taxa de crescimento. Como estamos com alto desemprego, significativamente abaixo da plena utilização da capacidade instalada e com expectativas de inflação ancoradas, o objetivo primordial das "reformas" deve ser estimular o investimento e a produtividade.
Em paralelo à reforma da Previdência, deve-se fazer uma profunda reforma fiscal segundo os preceitos das finanças funcionais de Abba Lerner. O objetivo da reforma tributária não deve ser maximizar a arrecadação, mas sim o de simplificar, desburocratizar, reduzir o custo de cumprir as obrigações tributárias, para estimular os investimentos e facilitar a inciativa privada. Enquanto não houver pressão excessiva sobre a oferta e sinais de desequilíbrio externo, a carga tributária deve ser significativamente menor.
A taxa básica de juros deveria ser reduzida, acompanhada do anúncio de que, a partir de agora, seria sempre fixada abaixo da taxa nominal de crescimento da renda. Simultaneamente, deveria-se promover a modernização do sistema monetário, substituindo as LFTs e as chamadas Operações Compromissadas, que hoje representam metade da dívida pública, por depósitos remunerados no Banco Central. Adicionalmente, seria dado acesso direto ao público, não apenas aos bancos comerciais, às reservas remuneradas no Banco Central. A modernização do sistema, com redução de custos e grandes ganhos de eficiência no sistema de pagamentos, passaria ainda pela criação de uma moeda digital do Banco Central, que abriria o caminho para um governo digital e desburocratizado.
Para garantir a eficiência dos investimentos e o ganho de produtividade, deveria-se promover uma abertura comercial programada para integrar definitivamente a economia brasileira na economia mundial. O prazo de transição para a completa abertura comercial deveria ser pré-anunciado e de no máximo cinco anos.
Por fim, mas não menos importante, seria fundamental criar mecanismos eficientes, idealmente através da contratação de agências privadas independentes, para avaliação de custos e benefícios dos gastos públicos em todas as esferas do setor público. A política fiscal é da mais alta relevância para o bom funcionamento da economia e para o bem-estar da sociedade. Compreender que o governo não tem restrição financeira não implica compactuar com um Estado inchado, ineficiente e patrimonialista, que perde de vista os interesses do país. Ao contrário, redobra a responsabilidade e a exigência de mecanismos de controle e avaliação sobre a qualidade, os custos e os benefícios, dos serviços e dos investimentos públicos.
Estas linhas gerais de políticas, sugeridas pelo novo paradigma macroeconômico, correm o risco de desagradar a gregos e troianos. Não se encaixam, nem no populismo estatista da esquerda, nem no dogmatismo fiscalista da direita. Como observou, de maneira premonitória, Abba Lerner, em seu ensaio de 1943, os princípios das Finanças Funcionais são igualmente aplicáveis numa sociedade comunista, como numa sociedade fascista, como numa sociedade capitalista democrática. A diferença é que se os defensores do capitalismo democrático não os compreenderem e adotarem, não terão chance contra aqueles que vieram a adotá-los. No primeiro ensaio de "Juros, Moeda e Ortodoxia", sustento que, durante o século XX, o liberalismo econômico perdeu a batalha pelos corações e pelas mentes dos brasileiros. Embora a história tenha mostrado que seus defensores, desde Eugênio Gudin, estavam certos sobre os riscos do capitalismo de Estado, do corporativismo, do patrimonialismo e do fechamento da economia à competição, foram derrotados porque adotaram um dogmatismo monetário quantitativista equivocado. Tentaram combater a inflação promovendo um aperto da liquidez. O resultado foi sempre o mesmo: recessão, desemprego e crise bancária. Expulsos do comando da economia pela reação da sociedade, seus defensores recolhiam-se para lamentar a demagogia dos políticos e a irracionalidade da população. Quase sete décadas depois de Gudin, os liberais voltam a comandar a economia. O apego a um fiscalismo dogmático e a um quantitativismo anacrônico pode levá-los, mais uma vez, a voltar para casa mais cedo do que se imagina.
André Lara Resende é economista