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sábado, 1 de fevereiro de 2020

O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial - Paulo Roberto de Almeida

O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial

Paulo Roberto de Almeida
Professor de Econômica Política nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

Um espectro ronda o Brasil, assim como vários outros países: o espectro é esse mesmo do título, o globalismo, cujas alegadas manifestações concretas, contra a soberania dos Estados nacionais poderiam passar apenas e tão somente por um mero exercício de alienação acadêmica. Mas, ao se tornar uma bandeira de oposição a um suposto processo globalista que estaria trazendo prejuízos ao Estado e à sociedade, esse tipo de postura paranoica arrisca causar danos irremediáveis ao país, ao se converter em programa de governo e, no plano de sua diplomacia, em uma nova palavra de ordem para o corpo diplomático profissional: o combate às “estruturas do pensamento globalista”. Este curto ensaio pode ser identificado como um manifesto anti-antiglobalista, à falta de melhor expressão. Antes, uma pequena recordação.
Um de meus trabalhos mais acessados, em toda a história da livre divulgação de meus textos, em diversas plataformas, foi um produzido e liberado em 2004, mas que só veio a tomar impulso exponencial uma década atrás, aproximadamente, quando um curso online de relações internacionais o adotou como texto-base: “Contra a antiglobalização: contradições, insuficiências e impasses do movimento antiglobalizador” (disponível, entre outras fontes, na plataforma Academia.edu; link: https://www.academia.edu/5873102/1297_Contra_a_antiglobalização_Contradições_insuficiências_e_impasses_do_movimento_antiglobalizador_2004_).
Naquela época, mais de quinze anos atrás, a partir dos primeiros grupos de ativistas europeus e americanos de tendência antiglobalizadora (os franceses preferiam se dizer alter-mundialistas), movimentos e correntes na mesma linha disseminaram-se pelo mundo – sobretudo na América Latina, na onda dos governos de esquerda –, passando a empreender grandes e ruidosas manifestações de protesto contra as entidades mais representativas da globalização: FMI, Banco Mundial, OMC, OCDE, Fórum Econômico Mundial de Davos, cúpulas do G-7 ou quaisquer outras reuniões identificadas com o capitalismo global. Para se contrapor de forma mais ou menos organizada a essas entidades perversas, esses movimentos passaram a se reunir no âmbito do Fórum Social Mundial, com muitos encontros realizados no próprio Brasil, durante os governos do PT. Em seu primeiro ano de governo, o presidente Lula compareceu quase simultaneamente ao encontro de Davos e à reunião do FSM em Porto Alegre, com habilidade suficiente para ser aplaudido em ambas as ocasiões.
Como é meu hábito de estudioso, sempre segui os debates das entidades da interdependência global, assim como os argumentos daqueles que lhes são opostos, daí resultando uma série de ensaios, desde meados anos 1990, cuja síntese se encontra nesse trabalho de 2004. Nele eu examinava cada uma das alegações e acusações dos antiglobalizadores contra o capitalismo global, demonstrando cabalmente, como aliás indicado no subtítulo do ensaio, as contradições conceituais e insuficiências empíricas desses ataques ingênuos, mas sobretudo os impasses políticos e econômicos a que conduziriam as “teses” sustentadas por eles, se por acaso fossem aplicadas na prática por governos ou entidades internacionais (algumas o foram, por regimes de esquerda, os “bolivarianos”, por exemplo, ou expressas em textos enviesados e politicamente desonestos, como os relatórios da Oxfam). Como era evidentemente, desde o início, esses antiglobalizadores foram derrotados por suas próprias contradições: dispondo das mais cômodas e modernas facilidades em comunicações e informação, oferecidas pelas empresas do capitalismo global, eles fizeram, nas palavras de Shakespeare, muito barulho por nada. Pouco a pouco, aquele entusiasmo juvenil, alimentado por alguns profissionais do anticapitalismo visceral, tornados órfãos pela implosão de todos – ou quase todos – os “socialismos reais”, foi perdendo ímpeto e interesse, até que suas teses bizarras já não mobilizavam praticamente ninguém.
Dei por encerrada minha atividade didática e pedagógica nessa vertente, inclusive porque essas reuniões do FSM foram rareando, com um alcance diáfano entre os universitários, todos eles ultra-ligados nas últimas novidades da globalização. Em seu lugar, começou a pipocar, em alguns sites e blogs de movimentos de direita, um novo espectro, um tal de “globalismo”, contra o qual palavras de ordem passaram a apimentar alguns debates nessas esferas. Não dei importância a mais essa bizarrice de novos grupos políticos, tanto porque a globalização alimenta, justamente, todas as crendices mais estapafúrdias que possam a surgir de mentes doentias, por profetas do apocalipse, em alertas estridentes de arautos de algum desastre iminente.
Algo de novo, todavia, surgiu no Brasil, durante a campanha presidencial de 2018, quando um colega diplomata passou a sustentar ativamente o candidato da direita, escondendo sua personalidade – depois revelada na imprensa – nas postagens surpreendentes de um blog coincidentemente chamado de “Metapolítica 17”, por acaso o número desse candidato, cujo subtítulo (todo um programa e manifesto político) era este: “contra o globalismo”. Só vim a tomar conhecimento dos estranhos, estranhíssimos, textos nele contidos, na própria noite de sua escolha, pelo presidente eleito, como futuro chanceler do Brasil: confesso que fiquei “imprecionado”, como diria o segundo ministro da Educação desse governo. Estarrecido seria a palavra mais exata, já que dificilmente se poderia acreditar que um diplomata normal, que nunca tinha revelado tais tendências bizarras, pudesse defender causas tão estranhas quanto as do antimultilateralismo, anticomercialismo, anticlimatismo e a do novo espectro preferido pelos paranoicos da globalização, o antiglobalismo, justamente.
Foi aí que comecei a prestar alguma atenção a essas “teses” antiglobalistas, tão estapafúrdias e equivocadas quanto as dos antigos antiglobalizadores: busquei então alguma literatura de qualidade sobre o tal de globalismo. Confesso que não achei praticamente nada, a não ser subliteratura de baixíssima qualidade conceitual, sem qualquer fundamentação empírica, apenas alertas desprovidos de qualquer apoio em dados concretos sobre os supostos perigos de um assalto à soberania dos Estados nacionais, vindos de organizações internacionais, ricaços de esquerda e representantes do chamado “marxismo cultural”. Na verdade, o globalismo, sob a pena de estudiosos sérios, nada mais é do que a vertente política da globalização econômica, ou seja, a interconexão de diferentes estruturas institucionais existentes no sistema multilateral, e conectadas aos fluxos e transferências de ativos transnacionais: comércio de bens e serviços, investimentos diretos, movimentos de capitais autônomos, enfim, tudo aquilo que subjaz à crescente regulação política mundial das relações econômicas internacionais. Joseph Nye trata extensivamente do tema em alguns de seus livros.
Em uma palavra, o globalismo é o universo conceitual e prático no qual trabalham os diplomatas e todos os agentes econômicos ou políticos que gravitam em torno dessas interações que se estabelecem entre diferentes economias nacionais e Estados soberanos ao redor de um planeta cada vez mais interligado. Atenção: mas não para os paranoicos do antiglobalismo, que transformaram esse conceito aparentemente inocente num horrível e malfadado espectro perverso, um monstro metafísico devotado a retirar soberania política desses Estados e a deixá-los sob as ordens de organismos internacionais intrusivos, submetidos aos projetos maléficos de burocratas não eleitos. Das antigas acusações dos antiglobalizadores – o mundo sendo dominado por gigantescas multinacionais empenhadas em abolir direitos trabalhistas, devastar o meio ambiente, sugar os trabalhadores e países pobres em busca de lucros usurários –, passamos agora às ridículas alegações dos antiglobalistas, a de um mundo também dominado por estruturas gigantescas, empenhadas na construção forçada de um governo mundial, substituindo-se à soberania dos Estados nacionais.
Tentei achar elementos probatórios desses cenários conspiratórios, mas confesso que tenho sido infeliz em minhas buscas, pois a única coisa que encontrei foram slogans, alegações, alertas e premonições, mas nenhuma evidência concreta de que essa dominação globalista esteja sendo implementada pela ONU, suas agências especializadas, ou quaisquer outras entidades multilaterais ou transnacionais. O mais preocupante, porém, não é que as antecipações paranoicas estejam sendo veiculadas pelos conhecidos profetas do apocalipse e outros alarmistas doentios, mas que elas tenham sido incorporadas em programas de governo e estejam servindo de bandeira e justificativa para uma luta inglória, insana e estúpida, contra o multilateralismo e outras instâncias do globalismo normal, isto é, a do sistema internacional construído progressivamente desde Bretton Woods e em constante aperfeiçoamento desde então.
Custa a crer que o governo brasileiro, pela voz e ação de vários de seus mais altos dirigentes, de representantes diplomáticos e outros funcionários qualificados, estimulados por algumas mentes doentias que circulam à sua volta, tenha embarcado nessas fantasias ridículas do antiglobalismo como programa de governo, como bandeira de luta, supostamente contra uma ameaça real aos interesses do país. O grau de irracionalismo embutido nesse tipo de discurso é propriamente estarrecedor, sobretudo no âmbito das relações exteriores do país e no de sua diplomacia prática.
Como diplomata de carreira, e estudioso das relações internacionais do Brasil, inquieta-me a capacidade que têm os discípulos de uma paranoia, sem qualquer fundamento na realidade, de projetar uma imagem distorcida do país no plano internacional, diminuindo sua credibilidade diplomática e projetando uma sombra de escárnio sobre nossas posturas em relação a diversos itens da agenda mundial. Meus espaços públicos estão abertos a um debate qualificado, bem informado, intelectualmente honesto e empiricamente fundamentado sobre todos os fatos concretos e os elementos conceituais que poderiam sustentar a “tese” de que o tal de globalismo – que não vejo senão como um espectro pueril – possa, de alguma forma, trazer prejuízos ao Brasil e à sua sociedade. Estou sempre aberto ao diálogo, como sempre estive à época das bizarrices antiglobalizadoras, sem ter tido, de fato, oponentes credíveis. A luta continua, desde meu quilombo de resistência intelectual.


Brasília, 1 de fevereiro de 2020

Acordo EUA-China: discriminatório e ilegal - Marcos Jank


Acordo EUA-China – impacto e inconsistências legais

Jornal “O Estado de S. Paulo”, Opinião, 31/01/2020.

Marcos S. Jank (*)
Renata Amaral (**)

Frágil, incompleto, ele pode implodir a qualquer momento e causar estrago global.

O mundo está instável e perigoso. Epidemias, migrações descontroladas, conflitos étnicos e religiosos, protestos de rua, terrorismo e nacionalismos exacerbados são fatos diários neste período turbulento que vivemos.

Nos últimos seis meses vimos a China ser abatida por uma epidemia de peste suína africana, que dizimou a produção doméstica da proteína preferida da culinária chinesa. Na sequência, a guerra comercial com os Estados Unidos parece estar se transformando num grande acordo que pode impactar o acesso dos demais competidores. A epidemia de coronavírus, nas últimas semanas, pode afetar o crescimento e o comércio chineses.

Durante mais de 70 anos os Estados Unidos lideraram um louvável esforço para criar regras multilaterais de comércio no sistema Gatt-OMC. A China aderiu ao sistema em 2001, beneficiando-se fortemente da corrente de abertura comercial e globalização que foi criada. É nesse contexto que temos de analisar o impacto da primeira fase do acordo econômico e comercial entre EUA e China, assinado em 15 de janeiro.

O endosso das duas maiores economias do planeta a um acordo explícito de facilitação de comércio em favor dos EUA (na linha “America first”) pode representar um golpe profundo na Organização Mundial do Comércio (OMC), além de causar mudanças importantes na geopolítica do comércio global.

Acordos comerciais típicos normalmente tratam de liberalização do comércio entre dois ou mais países. Diferentemente, este acordo comercial é uma versão extrema de uma nova e perigosa forma de “comércio administrado”, com a China concordando em comprar um adicional US$ 200 bilhões em bens e serviços dos EUA “com base nas condições do mercado”, segundo o texto do acordo. Isso quase dobraria as exportações dos EUA para a China em 2021, em relação ao ano-base de 2017.

Duas questões fundamentais emergem desse contexto: 1) pode a China forçar suas empresas domésticas a comprarem esse imenso volume dos EUA, em detrimento de outros parceiros comerciais? 2) Essa nova prática de “comércio administrado” é consistente com as regras multilaterais da OMC?

O capítulo do acordo que trata de agricultura impõe à China uma série de obrigações para conceder melhores condições de acesso a mercado para as importações dos EUA de grãos, lácteos, aves, carne bovina e suína, carne processada e arroz, entre outros. Chama a atenção a criação de uma espécie de fast track regulatório para os EUA em questões sanitárias, administração de cotas de importação e trocas de informação para o comércio de produtos de biotecnologia agrícola entre os países (variedades transgênicas de soja, por exemplo).

Dependendo das mercadorias envolvidas, as obrigações da China variam entre a remoção de certas restrições de importação, o relaxamento de alguns requisitos substantivos e procedimentais na inspeção sanitária, a concordância com padrões de produtos e requisitos de rotulagem e o acesso facilitado a importações originárias de plantas fabris norte-americanas qualificadas.

A menos que a China estenda esses compromissos a outros membros da OMC, a implementação desse acordo com os EUA soa fortemente discriminatória. A chamada cláusula da “nação mais favorecida” estabelece que os membros da Organização devem estender os mesmos benefícios e conceder tratamento não discriminatório a todos os demais membros (artigo I.1. do Acordo Geral de Tarifas e Comércio – Gatt 1994).

No mesmo tom, o artigo 2.3 do acordo SPS da OMC estabelece que medidas sanitárias não podem ser fonte de discriminações arbitrárias e injustificadas entre os membros. O que vale para um vale para todos, salvo no caso da existência de acordos preferenciais de comércio, o que não é o caso entre EUA e China.

Outro capítulo que chama a atenção nesse acordo é o que trata de “expansão de comércio” por meio de compromissos não recíprocos de importação. Na agricultura, as importações da China oriundas dos EUA teriam de saltar de US$ 16 bilhões no ano passado para US$ 36,5 bilhões este ano e US$ 44,5 bilhões em 2021.

Administrar quantitativamente o comércio é um erro crasso, que vai desviar comércio, em vez de aumentá-lo. O mecanismo para isso permanece secreto, mas se aplicado de forma discriminatória a outros países – por meio de cotas, por exemplo – estaria potencialmente violando os artigos XI e XIII do Gatt.

O acordo entre Pequim e Washington marca o nascimento de uma nova era nas relações comerciais internacionais, mas faz um desserviço ao sistema multilateral de comércio, já abalado pelo bloqueio dos EUA à nomeação de juízes para o Órgão de Apelação da OMC – que por isso deixou de funcionar em dezembro último.

Em que pese a trégua temporária entre as duas potências, em vez de aprimorar regras comerciais globais e horizontais, caminhamos a passos largos na direção do comércio bipolar e administrado, que certamente ajudará a reeleger Donald Trump no final deste ano. Mas o pior é que, sem segurança jurídica, incompleto e com pouca previsibilidade, o acordo EUA-China é frágil, inconsistente e pode implodir a qualquer momento, causando grande estrago no cenário global.

(**) Renata Vargas Amaral é doutora em direito do comércio internacional e professora adjunta da American University, em Washington, DC.

Brexit: minha mini-reflexão - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre uma “data histórica”: a saida do Reino Unido da União Europeia
Paulo Roberto de Almeida

Ingleses comemorando o Brexit?
Ele ainda não está de todo consumado, pois cabe ainda regular dezenas de milhares de regras que presidem às múltiplas interações criadas em 47 anos. Não vai ser fácil.
Na realidade, dentro da UE, o Reino Unido podia, e não só teoricamente, influenciar as políticas desse mastodonte supranacional.
Agora pode ser que nem mais exista algo “unido” e o que sobrar desse processo traumático para as quatro partes  que integram o RU terá de negociar duramente para preservar metade de sua efetiva interface externa, que ocorre na UE. As consequências econômicas podem ser decepcionantes.
De toda forma, desejo boa sorte aos ingleses, muito realismo aos escoceses, sorte aos irlandeses do norte, e um pouco de ânimo a todos: eles já passaram por quase 4 anos de virtual paralisia dos negócios públicos, por causa da imensa bobagem do plebiscito — que não representou a “vontade do povo”, e sim a capacidade de mobilização da minoria de brexiters, ante a indiferença da maioria —, e ainda vão gastar mais alguns anos, a serem literalmente desperdiçados em novas e desgastantes negociações burocráticas.
E tudo isso para o quê, exatamente?
Para dizer que estão livres da “catedral gótica” comunitária de Bruxelas?
Podem acabar numa modesta town house puramente inglesa, sem todas as comodidades do imenso espaço econômica e social unificado da UE.
Por mais que a UE fosse um paquiderme institucional, creio que a retirada vai deixar a GB, ou talvez a Inglaterra, bastante diminuída no mundo.
Sinceramente, não creio que tenha sido uma boa escolha.

Brasília, 1/02/2020

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Juro baixo transforma mercado de crédito e de investimento - Estadão

Juro baixo transforma mercado de crédito e de investimento


O rápido recuo da taxa de juros pegou os brasileiros despreparados. Até então nossa cultura era de investir em poupança e renda fixa”, diz Costa, fundador e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). De uma hora para outra, completa ele, os investidores tiveram de buscar novas formas de remunerar seu capital, elevando a procura por renda variável e aumentando o preço dos ativos. “Isso acabou gerando uma discussão sobre uma bolha especulativa.
Na avaliação de Costa, se comparados aos ativos internacionais, o mercado brasileiro não está caro nem barato. Mas se levar em conta o patamar dos ativos de três anos atrás, está caro. Ele, no entanto, não vê com preocupação o risco de formação de uma bolha. “No passado, o estrangeiro abocanhava boa parte das emissões na Bolsa. Hoje, na busca de novas opções de investimento, é o brasileiro que tem feito esse papel”, diz ele, explicando a alta do mercado.
Processo.
Para Maílson, ex-ministro da Fazenda, o Brasil vive hoje “o admirável mundo novo dos juros baixos”, que veio para ficar. Ele acredita que esse é o resultado de um conjunto de ações que aumentou a potência da política monetária brasileira – num processo que durou 25 anos. Com os juros mais baixos, diz ele, o mercado de capitais já assume papel de provedor do crédito no País, seguindo o caminho dos Estados Unidos, onde representa 80% do crédito. Por aqui, esse número é de 30%, um grande avanço, na avaliação de Maílson. “O que ocorre hoje é algo inimaginável há cinco anos.
O economista destaca, entretanto, que apesar de o mercado apostar em novas quedas na Selic, a taxa de equilíbrio não é de 4,25% ou 4% ao ano. “Essa é uma taxa estimulativa. Vemos a Selic em torno de 7% ao ano daqui a dois anos.
Saudável.
Newton Rosa, economista-chefe da Sul América, concorda. Mas, segundo ele, mesmo se subir um pouco, a taxa de juros vai estimular novas captações, especialmente do setor de infraestrutura que puxará o crescimento econômico neste ano junto com o consumo das famílias.
Na opinião de Rosa, apesar da lenta retomada da atividade econômica, o movimento de agora é mais saudável. “Antes a economia voltava mais rápido a base de mais gasto público. Hoje vemos um padrão novo de crescimento, baseado na volta do emprego e do consumo das famílias.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: IstoÉ Dinheiro

O Brasil virou uma republiqueta? Cosi è, si vi pare - Hussein Kalout

O Brasil contra o Direito Internacional

O ramo, princípio basilar de nossa atuação, passou a ser um mero detalhe, quando não um estorvo a ser ignorado ou até mesmo tripudiado

Revista Época, 31/01/2020

Quem se dedica ao estudo das relações internacionais provavelmente se formou com uma certeza: a defesa do direito internacional tornou-se, ao longo do século XX, parte inextrincável da identidade internacional brasileira.
Do Barão do Rio Branco e da atuação de Rui Barbosa na Conferência da Haia, passando pela fundação da ONU e das instituições de Bretton Woods e outros arranjos regionais à OEA e ao MERCOSUL, o Brasil consolidou a reputação de um grande defensor do direito como método para regular as relações entre países.
Essa defesa do direito internacional – e das instituições multilaterais, que são supostas dar-lhe consequência prática – ganhou estatura de princípio constitucional em 1988, refletindo um amplo consenso na sociedade, nos partidos políticos e na academia. Um consenso que, perseguido na prática por meio da política externa, tornou-se fonte de credibilidade e influência.
Não adotamos, é certo, esse princípio apenas por idealismo, mas por considerar que essa postura atende melhor ao interesse nacional, contribuindo para criar previsibilidade nas relações internacionais, ao mesmo tempo em que protege os relativamente mais fracos da imposição de interesses pelos mais fortes.
Nos últimos 75 anos, o Brasil investiu capital político e diplomático para reforçar as instituições multilaterais. O país se engajou na construção de arcabouços jurídicos com vistas a enfrentar desafios comuns em variados campos: paz e segurança, direito humanitário, direitos humanos, comércio internacional, meio ambiente, entre outros.
Em matéria de direito internacional, a antiga certeza converteu-se, por força da atual “política externa”, em dúvida. O consenso passou a ser ativamente combatido em nome de uma ruptura conservadora, cujos objetivos conjunturais de política interna são priorizados em detrimento do compromisso histórico com o direito e as regras multilaterais. 
Dessa forma, o direito internacional, de princípio basilar de nossa atuação passou a ser um mero detalhe, quando não um estorvo a ser ignorado ou até mesmo tripudiado.
Isso tem sido a nova norma, como demonstram o voto contrário à resolução que condenava o embargo unilateral contra Cuba, a inédita posição sobre o conflito Israelo-Palestino e o endosso irrestrito à eliminação do general iraniano Qassem Suleimani pelos Estados Unidos.
Em cada um desses temas, o Brasil se afastou do seu compromisso com o direito internacional. O governo preferiu agarrar-se cegamente a alinhamentos puramente ideológicos, patrocinou narrativas alheias ao interesse nacional e marginalizou a análise racional dos interesses de longo prazo. 
Análises lúcidas e preocupações justificáveis de nossos militares e de assessores econômicos foram descartadas, levando de roldão o princípio de respeito ao direito internacional que no passado sempre nos blindaram contra guinadas que teriam colocado em risco interesses concretos do país.
No caso do embargo contra Cuba, a ideia teria sido punir o regime que exporta revolução socialista desde 1959. Mas se é assim, por que será que aliados dos EUA e críticos do governo cubano, como o Canadá e todos os europeus, inclusive o Reino Unido, integraram a maioria de 187 países que votaram a favor da resolução que condenava o embargo unilateral?
Não foi certamente por amor ao socialismo que até a Hungria de Orbán votou a favor da resolução. O propósito era não legitimar o instrumento do embargo, que é contrário ao direito internacional. Apoiar o embargo, como fizemos, é aceitar que o mais forte pode decidir sozinho medidas coercitivas. Se no futuro formos alvos de medidas de força, será difícil esgrimir o direito internacional para nos defender.
A nota do Itamaraty saudando o “acordo do século” do presidente Trump para a “paz e a prosperidade” entre Israel e os palestinos é um dos mais grotescos passos da história da diplomacia brasileira. O suposto acordo de paz não é um acordo e nem é de paz. Trata-se de uma tentativa de impor solução unilateral arquitetada para salvar a reeleição de Netanyahu em Israel e fortalecer a posição eleitoral de Trump. 
O pioneirismo fica por conta de como o Brasil decidiu entrar nessa farsa, diminuindo-se ao patamar de uma republiqueta de quinta categoria. Joga-se por terra um posicionamento de 73 anos de uma diplomacia profissional que sempre buscou se pautar pelo equilíbrio na busca de uma solução negociada de dois Estados.
Para endossar esse teatro, a diplomacia bolsonarista topou agredir o direito internacional, ferir a constituição federal e implodir o voto brasileiro em todas as resoluções do âmbito das Nações Unidas – inclusive aquelas aprovadas com apoio dos EUA ou sem o veto dos EUA no Conselho de Segurança da ONU. 
E isso sem contar, ainda, que o Brasil já mudou uma série de votos em organismos internacionais para favorecer Israel, inclusive no tema do Golã sírio ocupado e da agência de apoio aos refugiados palestinos (UNRWA).
Na mesma toada, no episódio da eliminação do General Suleimani o Itamaraty só faltou aplaudir o assassinato - uma grave violação ao direito internacional. O afã de agradar foi tão grande que o Brasil, país sem interesse estratégico na região, deu um endosso que nem aliados mais próximos e membros da coalizão anti-Estado Islâmico se dignaram a estender aos EUA.
Quando se minimiza o direito internacional em nome de alianças políticas, visão ideológica ou alucinações teocráticas, o que se tem como resultado não é apenas o definhamento de um abstrato poder de influência e persuasão. 
Nos casos mencionados, além de fazer minguar nosso já escasso “soft power” e contribuir para um mundo mais caótico e desordenado na esteira da política temerária de Trump, nossa diplomacia está arando um terreno minado, alimentando os monstros que diz atacar e aumentando a probabilidade de perdas econômicas e elevando o risco de segurança.
Espero que, antes de adotar essa postura, nossos luminares da política externa tenham executado medidas de reforço da segurança dos bens e ativos do Brasil no exterior, inclusive de nosso pessoal diplomático e nossas comunidades de expatriados. Afinal, não seriam tão amadores a ponto de não calcular pelo menos esse risco que afeta a segurança e a integridade dos nossos compatriotas.

Écologie politique en Amérique latine: colloque IHEAL, Paris, 5-7/05/2020


 Cher.es toutes et tous,

Nous avons le plaisir de vous proposer l’appel à communications pour le colloque international, « Ce que l’Amérique latine fait à ‘l’écologie politique’. Bilan d’étape d’un courant ascendant des sciences sociales », les 5, 6 et 7 mai 2020 au Campus Condorcet (Paris/Aubervilliers).
Le texte de l’appel à communications ainsi que toutes les informations se trouvent sur le site du colloque (date limite de réception des propositions de communication : 20 février 2020).

Résumé : La political ecology s’est aujourd’hui imposée comme un courant interdisciplinaire central pour penser les relations société/environnement. En Amérique latine, l’ecología politica s’est développée très rapidement depuis plus d'une trentaine d’année avec une grande richesse théorique, empirique et militante, et se trouve aujourd’hui dans une première phase d’institutionnalisation académique alors que la conjoncture politique actuelle du continent autorise également à considérer qu’une première phase se termine. Ce constat justifie l’idée de réaliser un ‘bilan d’étape’, et dans ce but, ce colloque international sera structuré selon quatre axes de débat:
1) Cartographier les spécificités de cette ecología política latino-américaine vis-à-vis du courant anglo-saxon;  2) Cerner les raisons des difficultés d’appropriation en France de ce courant par les sciences sociales;  3) Interroger la diversité interne de ce courant, notamment à travers la mise en valeur de trajectoires nationales/régionales de la ecología política4) Identifier les fronts émergents et reconfigurations du programme.
Ce colloque est cofinancé par 10 établissements de l’enseignement supérieur et de la recherche, et plusieurs conférenciers invités ont déjà confirmés leur participation : Susana Hecht (Université de Californie, Los Angeles, EUA), Joan Martinez-Alier (Université Autonome de Barcelone, Espagne), Gabriela Merlinsky (UBA, CONICET, Argentine), Diana Ojeda (Université des Andes, Colombie), Jose Augusto Padua (Univ. Fédérale de Rio de Janeiro, Brésil), Erik Swyngedouw (Université de Manchester, R.U.).

Nous vous encourageons à proposer (via le site web ci-dessus) une communication et à réserver ces journées de mai pour venir discuter avec la communauté qui se rassemblera à cette occasion au Campus Condorcet autour de l’écologie politique. 

Pour le comité d’organisation de ECOPOL-AL,
David Dumoulin Kervran (IHEAL-CREDA, Université Sorbonne Nouvelle

***

Estimadas y estimados,

Tenemos el placer de compartirles el llamado a propuestas para el simposium internacional « La ecología política en America latina. Balance de epoca y debates transnacionales » a realizarse los 5, 6 y 7 de mayo del 2020 en el Campus Condorcet (Paris / Aubervilliers).
El texto de este llamado, junto con todas las informaciones relativas al evento, se encuentran en el sitio (fecha límite de postulación: 20 de febrero 2020).
Resumen: En América Latina, la ecología política se ha desarrollado rápidamente en los últimos treinta años, a partir de una gran riqueza de enfoques, de miradas y de prácticas militantes. Como consecuencia de ello, en la actualidad atraviesa una fase de institucionalización académica y exhibe un gran nivel de consolidación como marco de análisis intelectual y político. Este simposio internacional tiene como objetivo revisar el panorama de la ecología política en América Latina en términos de :
1) hacer una cartografía de la ecología política latinoamericana en contrapunto con la corriente anglosajona;   2) identificar las razones que dificultan su apropiación por las ciencias sociales en Francia; 3) desarrollar un primer balance de la diversidad interna de la ecología política latinoamericana, en particular en lo que refiere al desarrollo de trayectorias nacionales/regionales y, 4) identificar temas, agendas  emergentes y aspectos invisibilizados, así como los diferentes modos de reconfiguración de esta corriente.
Este simposio internacional es financiado por 10 instituciones académicas, y ya tiene confirmados los siguientes destacados ponentes : Susana Hecht (Universidad de California, Los Angeles, EE.UU.), Joan Martinez-Alier (Universidad Autónoma de Barcelona, España), Gabriela Merlinsky (UBA, CONICET), Diana Ojeda (Universidad de los Andes, Colombia), Jose Augusto Padua (Univ. Federal de Rio de Janeiro), Erik Swyngedouw (Universidad de Manchester, Reino Unido).

Les invitamos a enviar una comunicación en el sitio a reservar los primeros días de mayo para venir a intercambiar ideas con la comunidad que se reunirá en el Campus Condorcet entorno de la ecología politica.

Por el comite organizador de ECOPOL-AL,
David Dumoulin Kervran (IHEAL-CREDA, Université Sorbonne Nouvelle)

 ***

Dear all,

We are pleased to share the call for abstracts for the International Symposium“Political ecology in Latin America. Balance of epoch and transnational debates”, that will be held on May 2020 (5, 6, and 7)  at Campus Condorcet-   Paris / Aubervilliers. 
The following link provides information about the call and logistics (Deadline for submissions of abstracts is February 20th). 

Abstract: Political ecology has now emerged as a central interdisciplinary field for thinking about society / environment relations. For the last 30 years, ecología política has been very rapidly developed in Latin America, with great theoretical, empirical and militant richness. As a result, Political Ecology is facing an institutionalizing phase and display a significant level of consolidation as a frame of intellectual and political analysis.
This International Symposium aims to revise the Political Ecology panorama in Latin America according to four topics : 1) Map the specificities of this Latin American political ecology vis-à-vis the Anglo-Saxon current; 2) Identify the reasons why Political Ecology as a field of research has not yet been appropriated by the French social sciences; 3) Examine the internal diversity of this field, focusing on national / regional trajectories of ecological política; 4) Identify new topics and emergent agendas of this research-program.

This conference is co-funded by 10 academic institutions, and several keynote speakers have already confirmed their participation: Susana Hecht (University of California, Los Angeles, USA.), Joan Martinez-Alier (Universitat Autonoma de Barcelona, Spain), Gabriela Merlinsky (UBA, CONICET, Argentina), Diana Ojeda (University de los Andes, Colombia), Jose Augusto Padua (Univ. Federal de Rio de Janeiro, Brazil), Erik Swyngedouw (University of Manchester, U.K.).
 
We encourage you to submit a paper to the website save the date and come to share with the community that will gather in Campus Condorcet on this days of May.

For the organization committee of ECOPOL-AL,
David Dumoulin Kervran (IHEAL-CREDA, Université Sorbonne Nouvelle)

Institut des hautes études de l'Amérique latine
IHEAL
Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3
Campus Condorcet - Bâtiment de Recherche Sud
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O Brasil nas duas guerras mundiais - Mary Del Priori, Carlos Daróz (Unesp)


Mary Del Priore e Carlos Daróz resgatam o papel do Brasil nas duas guerras mundiais



Coletânea de ensaios de especialistas em história militar contemplam sob diferentes ângulos a participação da única nação da América do Sul presente nos dois grandes conflitos

“A guerra é um dos fenômenos mais constantes na trajetória humana e conceituá-la nunca foi uma tarefa simples”, assinalam os historiadores Mary Del Priore e Carlos Daróz, que reúnem, em A história do Brasil nas duas guerras mundiais, lançamento da Editora Unesp, estudos sobre a participação do país nos dois confrontos bélicos. A coletânea busca apresentar uma pluralidade de temáticas, que vai desde a geopolítica até a economia, passando pelo desenvolvimento das instituições militares brasileiras, pela espionagem e por questões do cotidiano dos soldados.
A obra, em seus dez capítulos, permite ao leitor ultrapassar as linhas gerais em que são descritas as participações brasileiras e observar de posição privilegiada o que ocorria na trincheira, no navio, no quartel. O livro “vem preencher a lacuna ainda sentida na bibliografia relativa à temática, contemplando ângulos raramente explorados do envolvimento brasileiro nos combates, como a geopolítica, a economia, a espionagem, o desenvolvimento de instituições militares e o próprio cotidiano dos soldados no calor da batalha”, comentam os organizadores. 
Apesar da falta de experiência para atuar no front, o Brasil foi o único país da América do Sul a enviar contingentes para as duas grandes guerras. Os fluxos migratórios precedentes, vindos da Europa e da Ásia, são apontados como um dos fatores responsáveis por aproximar o país dos conflitos, pois as centenas de milhares de imigrantes e seus descendentes foram mobilizados, complicando a neutralidade brasileira. “Em ambas ocasiões, o país posicionou-se inicialmente neutro, mas foi conduzido à beligerância quando diversos de seus navios mercantes foram afundados por submarinos alemães, na Primeira Guerra Mundial, e alemães e italianos, no segundo conflito”.
Sobre os organizadores – Mary Del Priore é doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP). Lecionou História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Publicou, pela Editora Unesp, Ao sul do corpo (2009), História do esporte no Brasil (2009),História do corpo no Brasil (2011), História dos homens no Brasil (2013) e História dos crimes e da violência no Brasil (2017). Em 1998, recebeu os prêmios Jabuti e Casa Grande & Senzala pelo livro História das mulheres no Brasil (1997). Carlos Daróz é historiador, professor, pesquisador e escritor. Doutorando em História Social (UFF), é especialista em História Militar, mestre em Operações Militares e em História. Colaborador do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB), é autor de diversos artigos e livros sobre a temática.
Título: A história do Brasil nas duas guerras mundiais
Organizadores: Mary Del Priore e Carlos Daróz
Número de páginas: 262
Formato: 16 x 23 cm
Preço: R$ 82,00
ISBN: 978-85-393-0820-0 
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Corrupção: o ex-ministro da Defesa Celso Amorim aparece numa trama - revista Veja

Léo Pinheiro: novas revelações sobre pagamento de propina envolvendo Lula
Nenhum empreiteiro desfrutou a intimidade do ex-presidente Lula como José Adelmário Pinheiro Filho, ex-­presidente da construtora OAS. A camaradagem entre os dois começou na década de 80 e se estreitou quando o ex-­sindicalista chegou ao Palácio do Planalto. Nesse período, eles se transformaram em bons companheiros, relação que atravessou os dois mandatos presidenciais e continuou firme depois que o petista deixou o Planalto. A dupla se encontrava com frequência, viajava junta em jatinhos, degustava cachaças especiais e se tornou parceira em grandes, pequenos e lucrativos negócios. Para o ex-presidente, o empreiteiro era simplesmente o “Léo”. Para o empreiteiro, Lula era o “Brahma” — uma referência à marca de cerveja. A Operação Lava-Jato abalou a amizade, especialmente depois que Pinheiro confirmou em juízo que pagava propina ao ex-presidente e ao PT em troca de contratos na Petrobras. Ambos acabaram na cadeia. Agora, para sepultar de vez a relação, Pinheiro, em delação premiada, está contando tudo o que essa simbiose produziu.
VEJA teve acesso a trechos inéditos da colaboração. Em um deles, Léo Pinheiro revela os detalhes de uma grande ajuda que recebeu do ex-presidente, retribuída na mesma proporção. Em 2014, a presidente Dilma Rousseff anunciou que o Brasil faria investimentos bilionários na área de defesa. De olho no filão, a empresa criou a OAS Defesa. O objetivo era disputar as principais licitações. Mas havia um problema: a nova companhia não tinha o selo que a credenciaria como empresa estratégica de defesa (EED), uma exigência que a impediria de celebrar contratos com o governo. “Diante das dificuldades que a OAS Defesa estava enfrentando para se habilitar, procurei o ex-presidente Lula pedindo sua intervenção junto ao ministro Celso Amorim”, contou Léo Pinheiro. Prestativo, o ex-presidente, segundo ele, ligou imediatamente para o ministro.
Pouco tempo depois, o empreiteiro se encontrou com Amorim no Ministério da Defesa. Na audiência, o ministro foi extremamente cordial, segundo Léo Pinheiro, e deixou claro que, “em função do pedido de ajuda feito pelo ex-presidente Lula”, iria convocar uma reunião com seus assessores e “determinar o credenciamento da empresa”, o que realmente aconteceu na sequência. “Sem a interferência de Lula, a OAS não obteria a certificação necessária”, afirmou. E o que o ex-presidente recebeu em troca da ajuda? “A remuneração de Lula estava no bojo do pacote de diversas outras vantagens”, disse o delator em sua colaboração.
ROLO – Dilma: acusações de Léo Pinheiro são “infundadas e descabidas”Nelson Almeida/AFP
Parte desse “pacote de vantagens”, como se sabe, já resultou na condenação de Lula a 25 anos de prisão, dos quais ele cumpriu até agora apenas 580 dias. Em troca dos contratos que ganhava no governo e nas estatais, como na Petrobras, a OAS recompensou o ex-presidente com um apartamento tríplex no Guarujá e reformas no sítio que Lula frequentava em Atibaia. Além disso, a empreiteira “remunerou” o petista em alguns milhões por “palestras”. Essas vantagens eram depositadas numa conta clandestina abastecida pela empreiteira e administrada pelo PT, cujo saldo chegou a 80 milhões de reais. Pinheiro confirmou que os acertos financeiros que favoreceram o ex-­presidente eram tratados com João Vaccari, ex-tesoureiro do partido, que também foi condenado e preso na Operação Lava-Jato.
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Em outro capítulo de sua delação, o empreiteiro envolveu ainda nas tramoias a ex-presidente Dilma Rousseff. Pinheiro relata que, certa vez, procurou o ex-presidente para propor medidas que o governo poderia implementar que “beneficiariam diretamente a OAS e as principais empresas do setor”. Na época, Lula solicitou um estudo sobre o tema e disse que “conversaria com a então presidente Dilma” — e ainda sugeriu um ardil: para esconder que as empreiteiras estavam por trás do projeto, uma entidade de classe se apresentaria como autora da ideia. Pinheiro acatou o conselho e destacou o presidente de um sindicato do setor para a missão, exatamente como havia sido combinado. O apoio do Brahma, de acordo com Léo, foi “determinante” para aprovar mudanças que engordaram o caixa das construtoras. “Léo Pinheiro se tornou um braço da Lava-Jato para perseguir Lula”, acusa Cristiano Zanin, advogado do ex-­presidente. Celso Amorim disse que não se recorda do suposto pedido de Lula, e Dilma considerou que as acusações contra ela são “infundadas e descabidas”. A amizade, de fato, acabou.
Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672