terça-feira, 15 de janeiro de 2008

830) Vestibular da UFRGS: debilidade mental galopante?

Vejam a questão 24 da prova de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, versao 2008 (mas poderia ser qualquer ano a partir da Alca):

"24. Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo, na ordem em que aparecem.

A América Latina ocupa posição periférica na economia mundial. Os países da região ora adotam políticas que reforçam esta sua posição, ora defendem propostas alternativas em relação às economias centrais.
Uma das políticas das economias centrais para manter a posição periférica dos demais países é a ...........; e um projeto internacional destinado a inibir as iniciativas de autonomia e integração dos países latino-americanos é .......

Aí a questão oferece as seguintes alternativas:

(A) neoliberal - o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA)
(B) liberal - a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)
(C) populista - o Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL)
(D) socialista - a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC)
(E) nacionalista - a Organização dos Estados Americanos (OEA)
"


O candidato, é claro, deve assinalar a alternativa "A" se quiser "acertar".
Dispenso-me de comentar a debilidade implícita e explícita desta questão. Acho que a universidade brasileira não está caminhando para a decadência. Ela já está decadente há muito tempo, apenas não percebemos isto...

829) Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...) 3. De vuelta a la patria chica, malgré moi...

Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
3) De vuelta a la patria chica, malgré moi...


Paulo Roberto de Almeida
Punta del Este, Uruguai, 12 de janeiro de 2008

Sem que eu pretendesse, ou desejasse realmente fazê-lo, tive de render-me às evidências mais fortes da economia política argentina: fui mais uma vez “expulso” do país, em função das incertezas geradas por uma política absolutamente esquizofrênica de abastecimento e de organização de determinados mercados, tal como em vigor atualmente na pátria dos dois Kirchner.
A mesma política em vigor anteriormente sob o marido, de controle de preços e de “retenciones” – isto é, de impedimentos à exportação –, continua a ser operada agora pela esposa, que se faz chamar de “presidenta”. Essa política já provocou falta de produtos, mercados paralelos, aumentos preventivos de preços, desinvestimentos setoriais em atividades produtivas, mas tudo isso não deveria normalmente interessar um simples turista acidental, como eu, cabendo aos economistas argentinos fazer esse tipo de análise macroeconômica. Minha intenção inicial era apenas a de viajar de carro até o Chile, um país que não visito há cerca de 16 anos e que me parecia o mais “normal”, em termos de política econômica que possa existir numa América Latina que insiste em fazer experimentos já fracassados no passado.
Pois bem, parafraseando (mal) Pablo Neruda, confieso que he desistido...
Em lugar de atravessar o país a caminho da cordilheira, em um ou dois dias de viagem, desde Buenos Aires até Mendoza, de onde pretendia atravessa para o Chile, tive miseravelmente de fazer marche arrière, a caminho do Uruguai, país que conheço bem, por ter nele vivido no início dos anos 1990. Não pretendia voltar a ele agora, mas o destino nos prega peças inesperadas.
A razão, como todos podem adivinhar, foi falta de gasolina, não absoluta, mas potencial. Ainda na noite do dia 10 eu pretendia viajar direto a Mendoza, mas um relato de “terror turístico” me fez desistir. Um turista brasileiro, viajando de carro como eu, relatou as desventuras de um colega, retido durante três dias num vilarejo miserável qualquer bem no meio desse trajeto, impedido de seguir viagem por falta de gasolina (e, onde havia, não tinha eletricidade para impulsionar a bomba). Isso sem falar do desconforto da falta de paradas decentes – e de banheiros limpos, como já relatei em outra crônica – que tornam qualquer viagem de lazer um calvário federal (a expressão se aplica, neste país federalista).
Foi assim que decidi comprar uma passagem de primeira (não tenho certeza se o carro também “pagou” primeira), no chamado Buquebus, e atravessei o Rio de la Plata, em direção a Colonia del Sacramento, uma simpática cidadezinha fundada pelos portugueses no século XVII e várias vezes trocada de mãos, até ficar com os também simpáticos orientales. Dormimos lá mesmo, visitamos os museus e a cidade velha esta manhã, e viajamos a Punta del Este, depois de uma parada rememorativa em Montevidéu, visitando meu antigo edificio, a escuela Grecia, onde estudou meu filho (e que fez questão de se fazer fotografar frente a ela quase duas décadas depois).
Perto da Argentina, o Uruguai é um país assustadoramente “normal”. Enquanto escrevo, mais de 3hs da manha do domingo 13 de janeiro, está “todo mundo” passeando na Gorlero, a rua principal de Punta del Este, onde fica o meu hotel, um pequeno e despretensioso hotel médio em pleno centro da cidade (foi o que consegui achar, depois de peregrinar em dois ou três). A cidade tem muitos hotéis, dezenas de restaurantes, e quase nenhum parking ou estacionamento. Foi um sufoco achar lugar para o carro, concorrendo com centenas de veículos argentinos e brasileiros de todas as marcas e tamanhos (geralmente maiores e melhores do que o meu).
Para mim, está mais do que “normal”. Em qual outra cidade, eu disporia de livrarias abertas as 23hs? Comprei quatro livros, em questão de meia hora, antes de ir jantar no Garibaldi, um belo risotto ai frutti di mare. Não posso reclamar da decisão de entrar no que chamo, sem qualquer demérito, de “pátria pequena”, pois é isto o que o Uruguai representa, perto de um elefante e um cavalo, sem outros deméritos... Um pequeno país, mas bem organizado e preparado para o turismo, que constitui a sua segunda fonte de receitas, depois das vacas, ovelhas, cabras e outros animais de criação (inclusive os de passagem).
De um ponto de vista estritamente turístico, faz sentido este recuo, pois a “patria grande”, a Argentina, não me parece hoje um lugar muito saudável, ou normal. Lamento não ter chegado ao Chile, mas vou fazê-lo de avião, na primeira oportunidade, sem os inconvenientes de combustível, carnes, tangos démodés, e outros inconvenientes de um país que trata mal os seus próprios cidadãos. Eles talvez não tenham balas perdidas na Argentina, mas existem políticas “perdidas”, que por vezes causam tanto mal quanto...
Rio Grande, aqui me tens de regresso...
Punta del Este, 12-13 de janeiro de 2008.

domingo, 13 de janeiro de 2008

828) Concurso do Itamaraty, 2008

Concursos
O caminho do Itamaraty
Instituto Rio Branco abre inscrições de concurso para diplomatas
Zero Hora, Porto Alegre, 13 de janeiro de 2008

Dedicação, muita leitura, preparo psicológico para suportar uma rotina estressante de estudos e persistir mesmo após mais de uma reprovação, até ter sucesso. São essas algumas das prerrogativas para quem vai tentar a disputada carreira diplomática, começando como terceiro secretário no Instituto Rio Branco (IRBr), instituição de ensino ligada ao Ministério das Relações Exteriores.

Com inscrições abertas na próxima segunda-feira, a seleção já foi vencida por gaúchos como Rita de Curtis, 26 anos. Formada em direito e jornalismo há três anos e acostumada a estudar simultaneamente para dois cursos superiores, em 2005 decidiu que iria tentar a carreira diplomática. Pela imprensa, descobriu com um mês de antecedência que haveria seleção para o Rio Branco naquele ano e começou a se preparar para a prova de 2006. Em Brasília, fez curso preparatório. Reprovada na primeira fase do concurso, Rita voltou para Porto Alegre, onde ficou três meses, e seguiu estudando:

- Consegui bolsa de estudos em um curso no Rio de Janeiro. O curso preparatório é importante. É como um técnico para um atleta. Você se preocupa apenas em estudar, e alguém vai te orientando, dando dicas, passando os livros que são necessários ler.

Ela conta que chegou a estudar 14 horas por dia na preparação para algumas provas e aniquilou a vida social durante certo tempo para se dedicar à seleção. Foi aprovada em 2007. Muitos, porém, tentam meia dúzia de vezes até conseguir ou desistem pelo caminho.

Não menos sacrifícios fez Maurício Costa, 31 anos, formado em Letras, outro gaúcho aprovado na seleção do ano passado, na qual 8,6 mil pessoas concorreram a apenas 105 vagas - uma disputa de 82,5 candidatos por vaga. A aprovação veio depois de três tentativas. O horário de estudo disputava espaço com o trabalho e o mestrado.

- Meus cabelos branquearam naquela época. Não é fácil, mas é possível para quem se dedica. Eu sou de família humilde e sempre estudei em escolas públicas de periferia - diz Costa.

Hoje, além das atividades no IRBr, Costa dá aulas em um curso preparatório, em Brasília. Com dois amigos, criou um blog (dialogodiplomatico.blogspot.com) para ajudar quem quer seguir o caminho do Itamaraty:

- É para ajudar estudantes que estão fora dos grandes centros. Infelizmente, os cursos preparatórios específicos estão em Brasília, São Paulo e Rio.

Aberta a candidatos com graduação superior em qualquer curso, a seleção tem quatro etapas. A primeira será uma prova objetiva, em 27 de fevereiro, com temas como português, história, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e economia.

- No conjunto das provas, procuramos avaliar muito mais a capacidade de articulação das idéias, verificar a maturidade intelectual do candidato do que fazer com que ele reproduza um conhecimento memorizado, inclusive na prova objetiva - diz o coordenador do concurso, Geraldo Tupynambá, do IRBr.
THIAGO COPETTI

O concurso
Prazo: 14 de janeiro a 14 de fevereiro
Cargo e vagas: terceiro secretário/diplomata (115)
Inscrições: pelo site www.cespe.unb.br/concursos
Taxa de inscrição: R$ 20
Informações: www.irbr.mre.gov.br
Carreira: o aprovado cursará o mestrado profissionalizante em diplomacia do IRBr e começará com salário inicial de R$ 7.751,97. Ao longo da carreira, fará cursos obrigatórios de aperfeiçoamento, podendo chegar ao cargo de ministro de primeira classe (embaixador).

As dicas de quem chegou lá
Não se limite a estudar uma ou outra matéria. É preciso ser bom em tudo.
Leia muito. De prioridade à bibliografia recomendada. Em três anos, até ser aprovado em 2007, Maurício Costa leu 87 livros, alguns mais de uma vez.
Esteja preparado para muito sacrifício. A resistência psicológica é tão importante como o estudo. Para reduzir o estresse, Rita de Curtis opta por não estudar nada na véspera.

Jornais e revistas são fundamentais para conhecer atualidades.
É preciso escrever bem e sobre tudo. Leia bons livros. Para quem está em Porto Alegre, Costa recomenda a biblioteca do Centro Universitário Metodista/Ipa (Cel. Joaquim Pedro Salgado, 80), que fica aberta 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados. Outra dica é utilizar as bibliotecas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quando fez as provas, Costa encontrou toda a bibliografia nas bibliotecas da universidade.
No dia 21 de janeiro, o IRBr divulgará no site www.irbr.mre.gov.br um guia de estudos com orientação para as provas.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

827) Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...), 2

Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
2) Contrapunteo argentino del tango y de la carne...”


Paulo Roberto de Almeida
Buenos Aires, 9 de janeiro de 2008

Desfrutando de quatro dias em Buenos Aires, onde consegui chegar malgrado temores quanto à falta de gasolina – mas carecemos de banheiros limpos e de paradas decentes – dediquei-me a freqüentar as duas melhores coisas que esta capital federal (ooops) tem a oferecer: restaurantes e, sobretudo, livrarias. Volto ao turismo livresco-gastronômico depois, agora tenho de explicar a razão do meu ooops.
A expressão se aplica porque, segundo aprendi lendo o livro de Felix Luna – Breve Historia de los Argentinos – a Argentina padece de uma fatalidade geográfica que a condena ao centralismo de sua capital, porta obrigatória de entrada e de saída de praticamente tudo, o que pode ser uma maldição para o resto do país. Quem controla Buenos Aires, controla o país, e isso pode não ser bom para as províncias e seus caudilhos locais. O tirano Rosas, a despeito de teoricamente federalista e em luta contra os salvajes unitarios, acabou se rendendo às facilidades do centralismo de Buenos Aires e terminou escorraçado da capital federal pelas tropas do caudilho concorrente Urquiza, with a little help from his Brazilian friends. Felix Luna lamenta que a tentativa de se levar a capital federal para outro local, novo ou existente, tenha sido tão mal conduzida pelo presidente da redemocratização, Raul Alfonsin. Não sei se teria sido uma boa solução: eu estive lá alguns anos atrás e o local escolhido, Viedma (uns 400kms ao sul, na costa), não era nenhuma “Brasilia”: um frio de gelar os ossos, o vento cortante do mar penetrando até a alma. Teria sido uma Vladivostock sem qualquer charme...
Minhas incursões em livrarias tem sido moderadamente frustrantes. Num sebo velhíssimo no centro da cidade – La Libreria de Avila, calle Alsina y Bolivar, casa fundada em 1830, diz a propaganda – não encontrei quase nada de interesse para mim (história econômica, economia internacional, história regional etc.). Nas lojas modernas tampouco fiz a festa: comprei dois livros de história econômica mundial e a edição espanhola de Colossus, um ensaio histórico sobre o império americano, do historiador britânico Neill Ferguson (de quem já estou lendo, simultaneamente, Empire, sobre o império britânico, e The War of the World, sobre as mortandades do século XX). O Colosso também o era no preço: 89 pesos, ou seja, em torno de 25 dólares, quando eu o poderia ter comprado por apenas 4 ou 5 no maior sebo eletrônico do mundo (www.abebooks.com) e mesmo acrescentado 10 ou 12 de frete, ainda sairia mais barato.
As incursões gastronômicas tampouco representaram um prazer insuperável, se ouso arriscar o termo. Já não se fazem mais bifes de chorizo como antigamente, na Argentina, o que comprovei ainda agora à noite numa boa casa de tango tradicional (aliás, por um preço bem salgado). Fui à famosa “esquina Homero Manzi” – Av. San Juan, 3601, tel.: 4957-8488; www.esquinahomeromanzi.com.ar – do nome do famoso autor e compositor, que escreveu o belíssimo tango inspirado nesse local, chamado “Sur” (fui ouvindo no meu iPod, a caminho do local, na bela voz de Nelly Omar, que capturei na trilogia em CDs, The Complete Anthology of the Tango). Bem, o show era bonito, mas o meu bife de chorizo não valia, realmente, nem 10% dos 260 pesos pagos, individualmente, pelo espetáculo.
Lendo o La Nación do mesmo dia pode-se descobrir porque. O governo está empenhado em restringir as exportações de carne, para atender ao mercado local, que continua com preços controlados, ou pelo menos vigiados. “Doloroso adiós a las vacas” trazia a chamada de primeira página do jornal, com direito a matéria principal no caderno de economia. Segundo a matéria, “la crisis de la ganaderia por la intervención del gobierno y el boom de la soja siguen impulsando a los productores a cambiar de rubro. En Buchardo (sur de Cordoba), Benito Sánchez, que en 2003 ganó el Premio La Nación al Mejor Invernador, dejará de producir casi 2000 novillos por ano. Su campo será 100% soja y otros cultivos”.
De fato, a intervenção do governo, aqui na Argentina, como na Venezuela, está expulsando os produtores de suas atividades tradicionais, e eles simplesmente se refugiam em atividades (ainda) não controladas, ou se tornam rentistas, como acontece nesses países que praticam mais a cultura do déficit público do que a dos alimentos. A Argentina que já a maior exportadora mundial de carne e de processados de carne, nesse ritmo deve começar a importar carne do Brasil: a situação dos dois países nos mercados de processados conheceu uma exata inversão nos último anos, de 70 a 20% das exportações mundiais, num sentido e noutro. O mesmo pode estar se passando com outros setores, segundo leio.
Aliás, a inflação oficial, fechada em 8%, parece ser menos da metade da taxa real, segundo economistas. Não sei se foi por causa desse anúncio que encontrei hoje, ao ir a uma livraria, um pelotão de policiais em frente ao Instituto Nacional de Estadísticas y Censo, que parece ter sido obrigado a maquiar alguns de seus índices. O mesmo tipo de prática que parece estar vitimando o setor da carne se estende em outras áreas. O governo diz que não controla preços, apenas faz o seu seguimento. O mesmo jornal trazia a foto de um secretário fazendo a “visita” de postos de gasolina: o governo pretende que os distribuidores “retornem”, voluntariamente se entende, aos preços de outubro último, quando eles atualmente já estão 15 ou 20% mais altos.
Tenho a leve impressão de que vou novamente ficar sem gasolina para viajar, assim como os consumidores de eletricidade e de gás já começam a ficar sem o seu abastecimento habitual. A um calor de 40 graus, normal que alguns queiram ligar seus ventiladores ou o ar condicionado, o que provavelmente não será fácil. O inverno de 2007 em Bariloche foi, literalmente, sob a neve, na temperatura pertinente...
Acho que estamos, de novo, assistindo a um tango na política econômica, com a desvantagem dele ser bem menos vistoso do que aquele a que assisti esta noite, no chamado Boedo. Não posso reclamar das qualidades dos cantores e dos dançarinos, que eram realmente excelente, mas tudo me pareceu tradicional demais, como se a Argentina tivesse parado no tempo. As moças com seus reluzentes vestidos de paetês, com algo mais a mostra do que no passado, talvez, mas os rapazes com aquele ar de filme preto e branco, cabelos gomalinados, bigodinhos finos recortados, sapatos de verniz e ternos ridiculamente antiquados...
O poeta-escritor inspirador do local onde fui ver ao show, Homero Manzi, é homenageado por uma bela frase sob sua foto, na parede: “Tuve que eligir entre ser hombre de letras y escribir letras para los hombres”. Ele escolheu bem, pois deixou tangos inesquecíveis.
Meu problema atual é que não posso escolher deixar de comer carne – que está aquém da qualidade dos tempos de Manzi – para me abastecer de gasolina: uma e outra estão submetidas à tradicional política econômica esquizofrênica de um governo que se pretende reformista e nacionalista.
Acho que minhas férias vão continuar kirkegaardianas, isto é, angustiantes. Por falar nisso, o sucesso do momento nas livrarias locais é o “repeteco” de um exercício de psicanálise dos argentinos, por Marcos Aguinis: El atroz encanto de ser argentinos, 2 (acho que vamos ter muitos volumes mais...)

Buenos Aires, 9-10 de janeiro de 2008

domingo, 6 de janeiro de 2008

826) Cronicas de uma viagem ordinaria (ou quase...), 1

Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
1) “Expulso” (or like) da Argentina

Paulo Roberto de Almeida
Uruguaiana, RS, 5 de janeiro de 2008

O historiador Caio Prado Júnior dizia que viajar pelo Brasil representava um passeio por cinco séculos de história econômica. Pois eu acho que viajar pela América Latina pode representar um passeio por várias escolas de políticas econômicas, como explico logo adiante.
Comecei estas crônicas de uma viagem que deveria ser “ordinária” – no sentido de anódina, isto é, mais uma dentre dezenas, ou centenas de viagens de carro que já fiz em vários continentes, como a melhor forma de se conhecer lugares, pessoas, problemas – na praça central de Uruguaiana, RS, dominada por uma grande estátua do nosso “santo protetor”, o Barão do Rio Branco, ao canto da qual eu degusto uma belo filé acebolado, embalado por músicas pretensamente românticas e certamente cafonas, do estilo: “Meu amor, não jogue fora/Um amor que lhe adora...”, ou então, “No olhar de uma pedra falsa/eu pensei que era uma jóia rara/e era só uma bijoteria [sic]”...
Mas como é que, tendo partido para uma longa viagem pela Argentina e pelo Chile, eu me reencontro de volta ao extremo oeste do Rio Grande do Sul? Se ouso dizer, fui “expulso” pela política econômica, ou algo assim. Explico.
Pouco antes de partir de Brasília, tendo adquirido alguns meses antes um veículo dotado de motor Flex – mas utilizando única e exclusivamente álcool até há pouco, obviamente pelo diferencial de preços –, minha preocupação imediata era a de saber que tipo de gasolina eu deveria colocar no tanque do meu Flex, se normal ou super. Eu não estava preparado, contudo, para não usar nenhuma gasolina, ou melhor, nenhum tipo de combustível, um pouco como naquela história do cavalo inglês, cujo dono o estava ensinando a viver sem comer, mas que, quase acostumado, veio infelizmente a falecer...
Pois foi o que me aconteceu, nem bem entrado na Argentina, via Puerto Iguazu, ao ser confrontado, logo mais adiante (a partir de Posadas, supostamente a terra natal do Ché Guevara), com a falta total de gasolina nos postos da cidade e da estrada. Fui confrontado, em toda a província de Misiones, com uma discriminação tão odiosa quanto ilegal, pois que o único posto que dispunha de gasolina, na Ruta 14, a caminho de Buenos Aires, estava recusando-se a vender para “carros de placa estrangeira” (eufemismo para placas brasileiras). Não adiantou eu alegar que já tinha entrado na Argentina desde a fronteira do Nordeste e que planejava viajar até Buenos Aires, não contrabandear “nafta” para revender a preços mais altos do lado brasileiro, fui colocado no grupo dos “aproveitadores”, o que nos deixa sonhadores sobre a tão prioritária política de integração no Mercosul, entusiasticamente sustentada pelo governo brasileiro.
Tendo planejado seguir a Ruta 14 até Zamora, e daí seguir para Buenos Aires, com alguma parada pelo caminho – talvez na terra daqueles “terroristas” argentinos anti-uruguaios de Gualeguaychu, que vivem bloqueando a ponte com o pobre Uruguai depois que este país decidiu receber uma fábrica estrangeira de celulose, nas margens do rio Uruguai – fui obrigado, assim, a retroceder para o território brasileiro, pelo simples fato de poder ficar na incômoda situação do “cavalo inglês”. Comecei a refletir sobre a natureza das políticas econômicas dos nossos países latino-americanos, pois isso me lembrou outras carências de mercadorias, no plano nacional, ou o recorrente vai-e-vem que ocorre nas nossas fronteiras comuns por causa de políticas cambiais contraditórias, quando não insustentáveis, que deslocam o comércio “formiga” – às vezes nem tão formiga assim – alternativamente de um lado a outro da fronteira, segundo os preços relativos nos produtos essenciais.
Aprofundei a reflexão ao dar carona a um guarda patrulheiro argentino, na saída de Posadas, ao parar num posto da Gendarmeria para pedir informações sobre como conseguir gasolina naquela situação. Não tive nenhum conforto daquele lado, mas o simpático policial, que devia alcançar, por seus próprios meios, seu posto de plantão 40kms mais adiante, me aconselhou a retornar ao Brasil, o que fiz pela fronteira de Santo Tomé-São Borja, atravessando a “flamante” ponte da “integração”, sobre o rio Uruguai, no que seria, supostamente um centro de controle integrado do Mercosul (não vi absolutamente nada de integrado, apenas um soldado argentino, que anotou meu passaporte).
Terminou assim, não tão melancolicamente, meu quarto dia de viagem, desde a saída de Brasília, no dia 2 de janeiro de 2008, fazendo um primeiro trajeto até Marília, no interior de São Paulo. Dali até Foz de Iguaçu correu tudo bem, a despeito das tarifas extorsivas do pedágio paranaense, para estradas medíocres com muitos poucos trechos duplicados, o que, no entanto, não me coloca do lado do MST, que tem promovido ocupações violentas dos postos de pedágio daquele estado, para protestar contra esse tipo de “extorsão” (apenas constato como os nossos estados andam falidos, e como o governo federal não cumpre suas obrigações, a despeito de contarem, um e outro, com o Ipva e com a Cide, respectivamente). Foz do Iguaçu foi uma excelente estada, com um bom hotel, bela visita às cataratas e à represa de Itaipu, o que prometia uma excelente continuação do lado argentino.
Qual não foi a minha decepção: estrada razoável, do lado argentino, mas paradas medíocres, para não dizer lamentáveis. Simplesmente não encontrei um único posto decente em toda a extensão: sem falar da falta de gasolina, banheiros sujos, quando existentes, ausência completa de algum café decente, ou simples snacks, no que constitui o “Nordeste” argentino, que talvez não esteja muito distante de um outro Nordeste. Minha constatação é que a Argentina simplesmente não avança, como, por exemplo, o Brasil se moderniza, a despeito de tantas desigualdades sociais. Ela continua a recuar, a decair, a afundar na mesmice. Constatei isso pelo hotel de Posadas onde me hospedei, supostamente o melhor da cidade, segundo o meu guia: coisas da época do Ché Guevara, literalmente... para preços não de todo moderados.
A despeito da decadência, a Argentina ainda tem uma população bem mais educada do que a do Brasil. Constatei isso a conversar com o nosso simpático policial caroneiro, durante os 40 kms que percorremos a partir de Posadas. A despeito de sua condição modesta (sueldo de 1.500 pesos, segundo ele, para uma família de três filhos), ele tinha um espanhol perfeito e uma razoável compreensão do país e do mundo, como pude verificar pela nossa conversa em torno das dificuldades atuais do seu país. Não faltou o inefável Chávez na nossa conversa, que aparentemente está levando “toda nuestra buena leche” (em troca da compra de títulos da nova dívida argentina, eu lembrei-lhe), além de outros problemas típicos da “economia política chavista”: falta de produtos, inflação e coisas do gênero.
Será que nossos países sul-americanos são capazes de repetir os mesmos erros do passado? Aparentemente sim, pois governantes irresponsáveis insistem em fazer apelo às mesmas medidas de controle de preços que já foram provadas ineficientes em outras épocas, mas que rendem ]dividendos eleitorais durante algum tempo. Patético – para não dizer trágico – esse recurso a políticas absolutamente erradas no plano macroeconômico e esse desestímulo geral, no plano microeconômico, à atividade empresarial e de investimento produtivo.
Digo isto porque o que me “expulsou” da Argentina – aliás para um Brasil que me pareceu bem melhor do que julgamos, quando estamos apenas aqui dentro – não foi a discriminação de um ou outro dono de “gasolinera”, ainda que isso de fato ocorreu (mas tendo a “compreender” os reclamos argentinos): o que me “devolveu” ao Brasil foi uma política irracional de preços do setor (e um pouco em todas as demais áreas, também), e de desestímulo aos investimentos produtivos, por parte de um governo que pretende estar recuperando a Argentina dos sombrios tempos de crise cambial e de derrocada completa de seu sistema econômico.
Na praça central de Uruguaiana, onde terminei de degustar o meu bom bife brasileiro, comecei a refletir sobre o ciclo do “eterno retorno” de nossas políticas econômicas, essa sensação de “déjà vu” no plano dos abusos contra a racionalidade mais elementar. O Brasil, aparentemente, está a salvo, embora eu não esteja muito seguro disso, das formas mais extremadas de aventureirismo econômico e de irresponsabilidade política, embora nossos políticos não pareçam ser muito diferentes dos colegas argentinos (nisso o Mercosul caminha para a integração). Espero não ter novos motivos para outras “crônicas da penúria” como esta (coisas que conheci no velho socialismo real, e no Brasil de outros tempos).
Aliás, não contei que desisti de um passeio às ruínas jesuíticas de San Ignácio justamente por causa desse prosaico problema “naftalino”. Até cogitei, em certo momento, de atravessar o rio Paraná e dirigir-me ao Paraguai, não para visitar outras missões jesuíticas, mas simplesmente para comprar gasolina, mas conclui que seria inútil: provavelmente, metade da população de Posadas estaria fazendo o mesmo naquele momento, o que só me atrasaria na viagem.
Voltei pois ao Brasil, depois de já ter guardado cartões, dinheiro e talão de cheques. Não foi mau, mas não pretendia esta mudança no meu roteiro de viagem. Amanhã volto à Argentina, com o carro devidamente abastecido no Brasil – a preços de mercado, diga-se de passagem – e espero chegar ao meu destino.
Vou continuar a refletir sobre nossa história econômica, ao logo das próximas três semanas. A América Latina continua pródiga em experiências de todo tipo...

Uruguaiana, 5 de janeiro de 2008
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Paulo Roberto de Almeida

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

825) Um ataque idiota a um texto sobre os idiotas do mundo...

Acredito que os idiotas do mundo são em número ainda maior do que se pensa: eles estão disseminados por toda a parte, inclusive na venerável Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, as famosas "arcadas" de São Paulo, hoje integrada à USP (que tem também, assim, a sua quota de idiotas, por mais surpreendente que isso possa parecer).
Eu havia escrito, tempos atrás, um texto provocador, que se interrogava se estava aumentando o número de idiotas no mundo. Dizia que sim e não, pois é um fato que mais e mais pessoas idiotas, nascem, crescem e se reproduzem neste nosso pequeno planeta submetido à destruição ambiental, a guerras fraticidas, a atentados terroristas, à intolerância religiosa e a vários outros fenômenos e processos que só podem ser atribuidos à ignorância ou idiotice de alguns. Sim, infelizmente, eles ainda são muito numerosos, e ainda que a educação progride (lentamente), a TV e outros meios de comunicação de massa (além da simples incultura e as superstições populares) se encarregam de "produzir" um número razoável de idiotas a cada dia.
Pois não é que eu recebi uma mensagem perfeitamente idiota de um candidato a idiota?
Digo candidato pois acredito que ele ainda pode se redimir, pois há salvação para tudo, menos para a morte e os impostos, como dizia Benjamin Franklin, este um perfeito sensato homem, não mais inteligente ou idiota do que a média, apenas mais atento, curioso e experiente do que os demais.

Abaixo um "exchange" entre o candidato a idiota e eu mesmo, a propósito de meu texto sobre os idiotas no mundo (que está disponível nessas coordenadas:
“Está aumentando o número de idiotas no mundo?”, revista Espaço Acadêmico (ano 6, nr. 72, maio de 2007; link: http://www.espacoacademico.com.br/072/72pra.htm). Republicado, sob o título “O Apogeu dos Idiotas”, na revista Mirada Global, no dia 25.05.07 (link: http://www.miradaglobal.com/index.asp?id=editorial&principal=200104&idioma=pt )

Dito isto, reproduzo abaixo a mensagem em questão (exatamente como recebida, com sua sintaxe própria), seguida de minha própria resposta ao candidato da "sanfran" (isto é, da São Francisco):

On 31/12/2007, at 14:47, daniel c******* wrote:

Mensagem enviada pelo formulário de Contato do SITE.

Nome: daniel c*******
Cidade: são paulo
Estado: sp
Email: jcks_daniels@hotmail.com
Assunto: Opiniao
Mensagem: gostaria de dizer que, lendo um artigo, mais especificamente, está aumentando o número de idiotas no mundo ? confirmei o que já sabia: há uma enorme diferença entre inteligencia e sabedoria ,de fato, é necessário rasgar o verbo para justificar algo tão complexo que,aliás ,não pode ser exemplificado por um pobre coitado formado em ciências socias . sou aluno de direito sanfran e, já me acostumei a conviver com esse tipo de gente..malditos alunos de humanas!!!! pessoas que se vislubram por coisas tão passageiras , \"...vaidades apenas vaidades...\" !!! deveria aprender mais com guimarães rosa , pena uma literatura tão rica ,ser compartilhada por pessoas tão pobres de espírito .

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E agora, minha resposta, em 31.12.2007 (nunca se está ao abrigo de uma última decepção no ano...):

Caro Daniel C*********,
Acredito que você tenha algum problema com o pessoal de humanas: eles não não melhores, nem piores do que os advogados, engenheiros, médicos, veterinários, ou que quaisquer outras categorias de trabalhadores, inclusive peões, operários, garis, colhedores de cana, etc.
Se você se julga detentor de algum conhecimento especial, seja ele sabedoria ou inteligência, deveria expor suas idéias, supostamente inteligentes, ao resto do mundo, e assim contribuir para a elevação do nível cultural da humanidade, o que supostamente faria diminuir, relativamente, o número de idiotas, não acha?
Insistir numa critica negativa, ou pessimista, como a que voce faz, contribui, apenas e tao somente para aumentar o número de idiotas, entre os quais voce supostamente não se inclui.
Mas, a sua crítica pode ser classificada, me desculpe por não encontrar melhor termo, de propriamente idiota, uma vez que ela não tem absolutamente nada de inteligente a propor, apenas se limita a criticar, de modo corrosivo, o que uma outra pessoa, que você não conhece, escreveu.
Deve ser difícil para voce conviver com esse tipo de gente, idiotas, como você as chama. Acredito que apenas um idiota, com o perdão da expressão, consegue conviver com outros idiotas.
Eu, por exemplo, tenho alergia à burrice e cada vez que vejo uma de suas manifestações, me distancio imediatamente, seja me afastando dos idiotas do mundo, seja desligando a TV por exemplo.
Mas, existem idiotas que chegam até nós, sem qualquer solicitação, e passam a nos criticar sem qualquer atenção ao que está dito no texto, que não se dirige obviamente aos idiotas. Apenas um idiota seria capaz de pensar assim...
Não sei se na "sanfran", como voce diz, tem muitos idiotas, mas acredito, pessoalmente, que eles estão proporcionalmente espalhados ao redor do mundo, existindo tantos, na "sanfran", quanto em qualquer faculdade Tabajara. Ser idiota não é privilegio de ninguém ou de alguma instituição especifica: eles conseguem se disseminar nos lugares mais supreendentes...
Pobres de espírito sao aqueles que não percebem isto...
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com www.pralmeida.org
http://diplomatizzando.blogspot.com/

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

824) Strange Maps: o estranho mapa da internacionalizacao da Amazonia

Um site dedicado a mapas estranhos incluiu o famoso mapa da internacionalização da Amazônia na sua relação, com direito a uma citação do meu trabalho na investigação e denúncia dessa fraude forjada no Brasil.
Para o site dos mapas bizarros, veja este link:
http://strangemaps.wordpress.com/

Para ir direto à "fraude amazônica, veja este link:
http://strangemaps.wordpress.com/2007/12/06/216-us-annexes-amazon-forest/

Para o meu dossiê sobre o caso, veja este link:
http://www.pralmeida.org/04Temas/07Amazonia/00Amazonia.html

Bom divertimento a todos...

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