Depois do besteirol da UFRGS (vejam post 830, abaixo, neste link), a UnB também tem todo o direito de cometer o seu atentado à inteligência.
Apenas me limito a transcrever um post do Blog do Reinaldo Azevedo, 24.01.2008, substituindo as cores do seu blog pela indicação clara de quem escreve: UnB ou RA.
Esquerdopatia e burrice no vestibular na UnB
A Universidade de Brasília vai merecer, um dia, um estudo de caso. Em nenhuma outra instituição de ensino a esquerdização bocó foi tão longe. Basta lembrar que é o território de uma estrovenga chamada "O Direito Achado na Rua". Quem não sabe o que é deve procurar no arquivo do blog. Em síntese, é uma corrente de pensamento do direito que, na prática, manda a lei às favas em nome daquilo que os valentes consideram ser o justo e o legítimo.
A UnB fez vestibular. Trata-se de uma prova toda moderninha — e, com efeito, nada mais velho do que aquilo. Do candidato é cobrado o esforço supremo de dizer se as proposições estão certas (e, então, ele marca "C") ou erradas ("E").
Na página 12, o aluno é convidado a ler um texto. Em seguida, há oito questões (da 100 à 107) de interpretação. Acompanhem. A prova segue em vermelho (UnB), interrompida por observações minhas, em azul (RA).
UnB: O ano de 1979 pode ser tomado como marco da construção de uma nova ordem econômica mundial. Na seqüência, os governos de Thatcher e Reagan adotaram (linha 4) políticas neoliberais — privatização, desregulamentação e desmantelamento das conquistas sociais que estiveram na base do crescimento econômico com distribuição de (linha 7) renda que caracterizou os países do centro nos primeiros trinta anos do pós-guerra. E, com o fim do mundo socialista, elas tenderam a adquirir um âmbito (linha 10) efetivamente mundial. As políticas neoliberais abriram espaço para mudanças muito importantes que deram início a uma nova etapa de internacionalização do (linha 13) sistema capitalista, a fase do capitalismo mundializado.
Brasilio Salloum Jr. In: A condição periférica: o Brasil nos quadros do capitalismo mundial (1945-2000). Carlos Guilherme Mota (org.), op. cit., p.423-24 (com adaptações).
UnB: Julgue os itens que se seguem, tendo o texto acima como referência inicial.
UnB: 100 Na linha 9, o pronome "elas" retoma a idéia de "políticas neoliberais" (R.4).
RA: O aluno deve marcar C se quiser provar que não é um débil mental ou analfabeto. Não há ideologia nesse caso, só estupidez.
UnB: 101 Depreende-se do texto que a "nova ordem econômica mundial", que, como referido, teve no ano de 1979 seu marco inicial, reforçou as bases do Estado de bem-estar social surgido no pós-Segunda Guerra, ampliando-as de maneira global.
RA: O texto não é explícito, mas arreganhado, na afirmação de que a "tal nova ordem" desmantelou as conquistas sociais. O coitado do aluno deve marcar "E". De novo, é um teste de leitura ginasiano, ainda que o candidato ignore o assunto. O mais estupidamente divertido é a afirmação de que as políticas neoliberais só se expandiram com "o fim do mundo socialista" — logo, o mundo capitalista anterior, que o autor parecia até apreciar (aquele do "crescimento e da distribuição de renda") eram também, vejam só, conquistas indiretas do... socialismo!!!
UnB: 102 A China representa uma exceção ao "fim do mundo socialista" ao manter, ainda, seu regime de governo e sua economia alheia à possibilidade de investimentos externos.
RA: Deve ser "E", né, leitor amigo?, já que, como sabemos, a China é chegadita num investimento externo. E aqui surge um outro aspecto problemático da prova. Observem que a questão anterior busca verificar se o aluno entendeu o sentido do que está escrito. Feito isso, ele é conduzido, então, a uma espécie de armadilha, já que o texto de Salloum, por inepto, ignora a realidade chinesa.
UnB: 103 A fase do denominado "capitalismo mundializado", referido no texto, tem, entre seus fatores de expansão, o desenvolvimento da tecnologia da informação, que
propicia, por exemplo, o aumento na circulação de capitais.
RA: É Cêêêêêêê. Adoraria que a UnB definisse num livrinho o que entende, por exemplo, por "circulação de capitais". A tecnologia da informação não nos trouxe nada além dessa facilidade conferida aos capitalistas cúpidos e desalmados?
UnB: 104 No âmbito das mudanças decorrentes do que foi referido no texto como "nova etapa de internacionalização do sistema capitalista", observa-se a diminuição das disparidades socioeconômicas entre os países.
RA: É a mais dolosa de todas as questões. O aluno tem de responder "E" — ou seja, tem de asseverar que a afirmação está errada quando ela, de fato, está CERTA. A disparidade entre os países diminuiu brutalmente. A China saiu da fome para se tornar uma das maiores economias do mundo, aquela que mais cresce hoje. A Coréia do Sul se tornou uma potência econômica e exemplo de eficiência em educação e saúde. A Índia é uma das estrelas do mercado global. Só aí já estamos falando de um terço da humanidade.
UnB: 105 No Brasil, o governo Collor deu início às reformas neoliberais, concluídas nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso com as privatizações da Vale do Rio Doce e da Petrobras.
RA: Pegadinha vagabunda. De fato, essa gente acha que Collor e FHC tocaram o projeto neoliberal no Brasil. Isso está em tudo o que é livro didático; isso é afirmado nos cursinhos de maneira obsessiva. Há dias, assistimos a uma campanha dos esquerdopatas para reestatizar a Vale do Rio Doce. Onde está o truque? A Petrobras não foi privatizada. E só por isso o examinador cobra que o aluno marque "E", embora torça para ele marcar "C"...
Unb: 106 Antecipando-se em cerca de uma década ao denominado socialismo do século XXI, do venezuelano Hugo Chávez, os governos de Menem (Argentina) e de Fujimori (Peru) adotaram ideais bolivarianos e teses socialistas.
RA: Está errado, claro! O aluno, aqui, tem de saber que Menem e Fujimori são dois porcos reacionários de direita, que nada têm a ver com o "grande" Hugo Chávez e seus "ideais bolivarianos e teses socialistas". A propósito: o que essa questão tem a ver com o texto?
UnB: 107 A dificuldade material de acompanhar os EUA com seu milionário projeto Guerra nas Estrelas, lançado por Reagan, foi fator significativo para a explicitação da
crise que levou ao desmantelamento da União Soviética.
RA: Que vontade de chorar ou de pegar o chicote! O aluno tem de marcar C, tem de dizer que essa porcaria está certa, embora seja uma mentira tosca, bisonha.
a - o projeto de Reagan não era milionário — pode-se dizer que era, sim, trilionário;
b – nunca existiu nada parecido com "Guerra nas Estrelas". Isso foi um termo criado pela imprensa anti-Reagan para dar um caráter delirante a um projeto de defesa;
c – de fato, o projeto original, bastante ambicioso, nunca saiu do papel;
d – o regime soviético já estava em crise, tanto que deu início à abertura, com Gorbatchev, e isso nada teve a ver com o tal Guerra nas Estrelas.
Por que o Brasil dá vexame em tudo o que é prova internacional? A resposta está no que vai acima. É a Universidade de Brasília, a mais petista das universidades brasileiras.
Por Reinaldo Azevedo, 16:01
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
832) Investindo em acoes da Apple...
Eu sou um macmaníaco fiel desde o começo -- só tive Macs em toda a minha vida informática, e posso dizer, não sei se com alguma ponta de orgulho, que NUNCA comprei um PC, DOS ou Windows based durante todo esse itinerário -- mas NUNCA investi em uma ação da Apple.
Talvez esteja ainda em tempo de fazê-lo, de acordo com os resultados abaixo:
"Announcing financial results for its fiscal 2008 first quarter, which ended December 29, 2007, Apple today posted revenue of $9.6 billion and net quarterly profit of $1.58 billion, or $1.76 per diluted share. These results compare to revenue of $7.1 billion and net quarterly profit of $1 billion, or $1.14 per diluted share, in the year-ago quarter. In attaining its highest revenue and earnings in company history, Apple shipped 2,319,000 Macs, a 44% unit growth and 47% revenue growth over the year ago quarter; sold 22,121,000 iPods, representing five percent unit growth and 17 percent revenue growth over the year-ago quarter; and sold 2,315,000 iPhones in the quarter."
Talvez esteja ainda em tempo de fazê-lo, de acordo com os resultados abaixo:
"Announcing financial results for its fiscal 2008 first quarter, which ended December 29, 2007, Apple today posted revenue of $9.6 billion and net quarterly profit of $1.58 billion, or $1.76 per diluted share. These results compare to revenue of $7.1 billion and net quarterly profit of $1 billion, or $1.14 per diluted share, in the year-ago quarter. In attaining its highest revenue and earnings in company history, Apple shipped 2,319,000 Macs, a 44% unit growth and 47% revenue growth over the year ago quarter; sold 22,121,000 iPods, representing five percent unit growth and 17 percent revenue growth over the year-ago quarter; and sold 2,315,000 iPhones in the quarter."
831) Concurso do Itamaraty 2008: Correio Braziliense
Transcrevo abaixo matéria publicada nesta quarta-feira, 23 de janeiro de 2008, no jornal de Brasília, Correio Braziliense:
Diplomacia
Itamaraty espera recorde de inscritos em concurso
Correio Braziliense, 23 de janeiro de 2008, seção "Mundo".
Instituto Rio Branco anuncia novidades na prova de admissão para a carreira e prevê que mais de 8,6 mil candidatos façam o exame
Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio
Política de democratização do acesso ao Palácio do Itamaraty recebe críticas de diplomatas
O lançamento do edital do Concurso de Admissão da Carreira Diplomática (CACD) de 2008, na semana passada, reanimou a polêmica sobre o peso ideológico na formação dos novos quadros do Itamaraty. Diplomatas e acadêmicos consultados pelo Correio divergem sobre o caminho escolhido pelo chanceler Celso Amorim para democratizar o acesso a uma das carreiras mais elitistas do serviço público brasileiro. Nunca se ofereceram tantas vagas (115), e a cúpula ministerial espera bater o recorde de candidatos, superando os de 2007, quando 13.137 se cadastraram e 8.657 confirmaram a inscrição. Diplomatas estão sendo enviados a 20 capitais onde as provas serão aplicadas, para divulgar o concurso. Com a inscrição a R$ 120, a expectativa é que o Instituto Rio Branco (IRBr) arrecade R$ 1 milhão.
A surpresa também está no formato e no conteúdo das provas. Trata-se da sexta vez que o IRBr propõe mudanças no concurso. Começou com o fim do teste de francês, que voltou após protestos. Em 2005, a prova de inglês deixou de ser eliminatória. Todas as etapas apresentam novidade, como a redução da nota de corte da terceira fase: de 60% para 50%. Há quem diga que baixar a média nivela por baixo os candidatos. Outra alteração está no teste de segunda língua estrangeira, no qual o candidato poderá escolher entre sete idiomas.
Se no ano passado foram cobrados apenas francês e espanhol, agora sairá na frente quem tiver conhecimentos de alemão, árabe, chinês (mandarim), japonês ou russo num esforço para cobrir o déficit de diplomatas com domínio dessas línguas. A primeira fase, ou Teste de Pré-Seleção (TPS), por exemplo, comporta sete matérias, em vez das quatro do ano passado. Recupera, dessa maneira, um perfil de provas aplicado na década de 1990. Na terceira, provas discursivas de história do Brasil, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e direito internacional público, e noções de economia. O candidato poderá ser aprovado com aproveitamento menor em uma disciplina, desde que o rendimento seja compensado em outra.
As mudanças evitam surpreender os candidatos com exigências que não sejam compatíveis com a própria natureza do certame, esclarece o diretor do IRBr, embaixador Fernando Guimarães Reis (leia entrevista). A orientação de Amorim é para evitar os concurseiros de plantão. A idéia é afastar quem não conhece a carreira a fundo ou não tem interesse, avalia o diplomata Fábio Simão Alves, que entrou para o Rio Branco no concurso de 2007. Ele concorda com a democratização da carreira. O Itamaraty está selecionando pessoas de diferentes origens sociais e de fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília.
Internet
Simão criou o blog dialogodiplomatico.blogspot.com, com dicas para candidatos. Na internet, os futuros diplomatas têm ferramentas para estreitar experiências. No Orkut, a comunidade Coisas da Diplomacia reúne 8,7 mil membros. O principal tópico é o Guia de Estudos, divulgado na segunda-feira pelo Rio Branco. Todos concordam que houve mudanças na bibliografia, algumas para evitar acusações de anti-americanismo ou ideologização contra o ministério. Um exemplo foi a retirada do livro Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula, de Paulo Vizentini. A obra era considerada petista.
Celso Furtado, por exemplo, é uma referência metodológica, mas não serve para fundamentar uma história econômica, disse à reportagem um diplomata. Doutor em história e professor do curso preparatório Clio, João Daniel Lima de Almeida não vê componente ideológico na escolha dos livros, mas acha que há títulos superados. Os livros de Edgar Carone sobre história estão ultrapassados, têm mais de 30 anos e já foram revistos por outros historiadores, avalia. Lima de Almeida considera infundadas as críticas sobre ideologização e cita a presença de autores considerados de direita, como José Murilo de Carvalho.
Entrevista - Fernando Guimarães Reis
Mudanças favorecem aposta na inteligência
Diretor do Instituto Rio Branco, o embaixador Fernando Guimarães Reis tem sido responsável por executar as polêmicas diretrizes emanadas pela cúpula do Itamaraty para a carreira diplomática. Em entrevista ao Correio, ele rebate as críticas às constantes mudanças no concurso de admissão. O objetivo é tornar o processo mais isonômico, abrangente e democrático, argumenta. Para Reis, a diplomacia brasileira precisa de talento e conhecimento.
O que há de novidade no concurso deste ano?
Ele mantém os traços fundamentais dos concursos anteriores, mas incorpora modificações que visam a torná-lo mais equilibrado e eqüitativo. Incorporaram-se à primeira fase todas as disciplinas cobradas na segunda (português) e na terceira (história do Brasil, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e direito internacional público e noções de economia). As notas dessas provas passaram, a partir de 2005, a ser contabilizadas de forma conjunta. Isso favorece candidatos com formação mais ampla, permite que eventuais debilidades em alguma matéria sejam compensadas por desempenho acima da média em outras. Na terceira fase, houve redução do número de questões, do tempo de duração e da média para aprovação (de 60% para 50%). A prova da segunda língua estrangeira virou uma quarta fase, classificatória. Busca-se estimular e valorizar o domínio de diferentes línguas, sem enfraquecer o critério da isonomia.
Desde 2003, nenhum concurso foi igual ao anterior. Qual o objetivo dessas constantes mudanças?
As mudanças evitam surpreender os candidatos com exigências que não sejam compatíveis com a própria natureza do certame. Assim, pode-se afirmar que o concurso atual mantém alto grau de previsibilidade e, há décadas, concentra-se essencialmente no mesmo núcleo de disciplinas, que não diferem muito das que foram estabelecidas ainda no tempo do Império, no primeiro exame público para ingresso na carreira (1852). Por outro lado, a preocupação em conservar os traços básicos do concurso não deve redundar em imobilismo. As mudanças recentes têm o objetivo de tornar o processo mais isonômico, abrangente e democrático.
O concurso está mais difícil ou mais fácil?
O nível de exigência continua o mesmo. O que se tem buscado é uma sintonia fina na avaliação dos candidatos, de modo a torná-la cada vez mais adequada ao nível acadêmico do Curso de Formação do instituto e às futuras atribuições profissionais do diplomata. Para além da quantidade e da qualidade das informações cobradas nas provas, a avaliação privilegia a capacidade de raciocínio e argumentação dos candidatos, seu espírito crítico e sua maturidade intelectual. Não é por acaso que vem aumentando paulatinamente o número de candidatos com pós-graduação.
Na prática, o que significa democratizar a carreira?
A idéia foi a de ampliar o acesso para todos aqueles que tenham talento e conhecimento é do que precisa a diplomacia brasileira. Exemplo: a ampliação de opções para a segunda língua estrangeira demonstra a importância dessas outras línguas nas atividades diplomáticas, seja como línguas de trabalho das Nações Unidas (árabe, chinês, russo), seja como línguas de importantes parceiros do Brasil no panorama internacional (japonês, alemão). No exame, o candidato deve demonstrar, sobretudo, que é capaz de pensar, isto é, de juntar idéias, que é o sentido etimológico da palavra inteligência. (CDS)
Diplomacia
Itamaraty espera recorde de inscritos em concurso
Correio Braziliense, 23 de janeiro de 2008, seção "Mundo".
Instituto Rio Branco anuncia novidades na prova de admissão para a carreira e prevê que mais de 8,6 mil candidatos façam o exame
Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio
Política de democratização do acesso ao Palácio do Itamaraty recebe críticas de diplomatas
O lançamento do edital do Concurso de Admissão da Carreira Diplomática (CACD) de 2008, na semana passada, reanimou a polêmica sobre o peso ideológico na formação dos novos quadros do Itamaraty. Diplomatas e acadêmicos consultados pelo Correio divergem sobre o caminho escolhido pelo chanceler Celso Amorim para democratizar o acesso a uma das carreiras mais elitistas do serviço público brasileiro. Nunca se ofereceram tantas vagas (115), e a cúpula ministerial espera bater o recorde de candidatos, superando os de 2007, quando 13.137 se cadastraram e 8.657 confirmaram a inscrição. Diplomatas estão sendo enviados a 20 capitais onde as provas serão aplicadas, para divulgar o concurso. Com a inscrição a R$ 120, a expectativa é que o Instituto Rio Branco (IRBr) arrecade R$ 1 milhão.
A surpresa também está no formato e no conteúdo das provas. Trata-se da sexta vez que o IRBr propõe mudanças no concurso. Começou com o fim do teste de francês, que voltou após protestos. Em 2005, a prova de inglês deixou de ser eliminatória. Todas as etapas apresentam novidade, como a redução da nota de corte da terceira fase: de 60% para 50%. Há quem diga que baixar a média nivela por baixo os candidatos. Outra alteração está no teste de segunda língua estrangeira, no qual o candidato poderá escolher entre sete idiomas.
Se no ano passado foram cobrados apenas francês e espanhol, agora sairá na frente quem tiver conhecimentos de alemão, árabe, chinês (mandarim), japonês ou russo num esforço para cobrir o déficit de diplomatas com domínio dessas línguas. A primeira fase, ou Teste de Pré-Seleção (TPS), por exemplo, comporta sete matérias, em vez das quatro do ano passado. Recupera, dessa maneira, um perfil de provas aplicado na década de 1990. Na terceira, provas discursivas de história do Brasil, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e direito internacional público, e noções de economia. O candidato poderá ser aprovado com aproveitamento menor em uma disciplina, desde que o rendimento seja compensado em outra.
As mudanças evitam surpreender os candidatos com exigências que não sejam compatíveis com a própria natureza do certame, esclarece o diretor do IRBr, embaixador Fernando Guimarães Reis (leia entrevista). A orientação de Amorim é para evitar os concurseiros de plantão. A idéia é afastar quem não conhece a carreira a fundo ou não tem interesse, avalia o diplomata Fábio Simão Alves, que entrou para o Rio Branco no concurso de 2007. Ele concorda com a democratização da carreira. O Itamaraty está selecionando pessoas de diferentes origens sociais e de fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília.
Internet
Simão criou o blog dialogodiplomatico.blogspot.com, com dicas para candidatos. Na internet, os futuros diplomatas têm ferramentas para estreitar experiências. No Orkut, a comunidade Coisas da Diplomacia reúne 8,7 mil membros. O principal tópico é o Guia de Estudos, divulgado na segunda-feira pelo Rio Branco. Todos concordam que houve mudanças na bibliografia, algumas para evitar acusações de anti-americanismo ou ideologização contra o ministério. Um exemplo foi a retirada do livro Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula, de Paulo Vizentini. A obra era considerada petista.
Celso Furtado, por exemplo, é uma referência metodológica, mas não serve para fundamentar uma história econômica, disse à reportagem um diplomata. Doutor em história e professor do curso preparatório Clio, João Daniel Lima de Almeida não vê componente ideológico na escolha dos livros, mas acha que há títulos superados. Os livros de Edgar Carone sobre história estão ultrapassados, têm mais de 30 anos e já foram revistos por outros historiadores, avalia. Lima de Almeida considera infundadas as críticas sobre ideologização e cita a presença de autores considerados de direita, como José Murilo de Carvalho.
Entrevista - Fernando Guimarães Reis
Mudanças favorecem aposta na inteligência
Diretor do Instituto Rio Branco, o embaixador Fernando Guimarães Reis tem sido responsável por executar as polêmicas diretrizes emanadas pela cúpula do Itamaraty para a carreira diplomática. Em entrevista ao Correio, ele rebate as críticas às constantes mudanças no concurso de admissão. O objetivo é tornar o processo mais isonômico, abrangente e democrático, argumenta. Para Reis, a diplomacia brasileira precisa de talento e conhecimento.
O que há de novidade no concurso deste ano?
Ele mantém os traços fundamentais dos concursos anteriores, mas incorpora modificações que visam a torná-lo mais equilibrado e eqüitativo. Incorporaram-se à primeira fase todas as disciplinas cobradas na segunda (português) e na terceira (história do Brasil, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e direito internacional público e noções de economia). As notas dessas provas passaram, a partir de 2005, a ser contabilizadas de forma conjunta. Isso favorece candidatos com formação mais ampla, permite que eventuais debilidades em alguma matéria sejam compensadas por desempenho acima da média em outras. Na terceira fase, houve redução do número de questões, do tempo de duração e da média para aprovação (de 60% para 50%). A prova da segunda língua estrangeira virou uma quarta fase, classificatória. Busca-se estimular e valorizar o domínio de diferentes línguas, sem enfraquecer o critério da isonomia.
Desde 2003, nenhum concurso foi igual ao anterior. Qual o objetivo dessas constantes mudanças?
As mudanças evitam surpreender os candidatos com exigências que não sejam compatíveis com a própria natureza do certame. Assim, pode-se afirmar que o concurso atual mantém alto grau de previsibilidade e, há décadas, concentra-se essencialmente no mesmo núcleo de disciplinas, que não diferem muito das que foram estabelecidas ainda no tempo do Império, no primeiro exame público para ingresso na carreira (1852). Por outro lado, a preocupação em conservar os traços básicos do concurso não deve redundar em imobilismo. As mudanças recentes têm o objetivo de tornar o processo mais isonômico, abrangente e democrático.
O concurso está mais difícil ou mais fácil?
O nível de exigência continua o mesmo. O que se tem buscado é uma sintonia fina na avaliação dos candidatos, de modo a torná-la cada vez mais adequada ao nível acadêmico do Curso de Formação do instituto e às futuras atribuições profissionais do diplomata. Para além da quantidade e da qualidade das informações cobradas nas provas, a avaliação privilegia a capacidade de raciocínio e argumentação dos candidatos, seu espírito crítico e sua maturidade intelectual. Não é por acaso que vem aumentando paulatinamente o número de candidatos com pós-graduação.
Na prática, o que significa democratizar a carreira?
A idéia foi a de ampliar o acesso para todos aqueles que tenham talento e conhecimento é do que precisa a diplomacia brasileira. Exemplo: a ampliação de opções para a segunda língua estrangeira demonstra a importância dessas outras línguas nas atividades diplomáticas, seja como línguas de trabalho das Nações Unidas (árabe, chinês, russo), seja como línguas de importantes parceiros do Brasil no panorama internacional (japonês, alemão). No exame, o candidato deve demonstrar, sobretudo, que é capaz de pensar, isto é, de juntar idéias, que é o sentido etimológico da palavra inteligência. (CDS)
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
830) Vestibular da UFRGS: debilidade mental galopante?
Vejam a questão 24 da prova de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, versao 2008 (mas poderia ser qualquer ano a partir da Alca):
"24. Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo, na ordem em que aparecem.
A América Latina ocupa posição periférica na economia mundial. Os países da região ora adotam políticas que reforçam esta sua posição, ora defendem propostas alternativas em relação às economias centrais.
Uma das políticas das economias centrais para manter a posição periférica dos demais países é a ...........; e um projeto internacional destinado a inibir as iniciativas de autonomia e integração dos países latino-americanos é .......
Aí a questão oferece as seguintes alternativas:
(A) neoliberal - o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA)
(B) liberal - a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)
(C) populista - o Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL)
(D) socialista - a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC)
(E) nacionalista - a Organização dos Estados Americanos (OEA)"
O candidato, é claro, deve assinalar a alternativa "A" se quiser "acertar".
Dispenso-me de comentar a debilidade implícita e explícita desta questão. Acho que a universidade brasileira não está caminhando para a decadência. Ela já está decadente há muito tempo, apenas não percebemos isto...
"24. Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo, na ordem em que aparecem.
A América Latina ocupa posição periférica na economia mundial. Os países da região ora adotam políticas que reforçam esta sua posição, ora defendem propostas alternativas em relação às economias centrais.
Uma das políticas das economias centrais para manter a posição periférica dos demais países é a ...........; e um projeto internacional destinado a inibir as iniciativas de autonomia e integração dos países latino-americanos é .......
Aí a questão oferece as seguintes alternativas:
(A) neoliberal - o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA)
(B) liberal - a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)
(C) populista - o Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL)
(D) socialista - a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC)
(E) nacionalista - a Organização dos Estados Americanos (OEA)"
O candidato, é claro, deve assinalar a alternativa "A" se quiser "acertar".
Dispenso-me de comentar a debilidade implícita e explícita desta questão. Acho que a universidade brasileira não está caminhando para a decadência. Ela já está decadente há muito tempo, apenas não percebemos isto...
829) Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...) 3. De vuelta a la patria chica, malgré moi...
Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
3) De vuelta a la patria chica, malgré moi...
Paulo Roberto de Almeida
Punta del Este, Uruguai, 12 de janeiro de 2008
Sem que eu pretendesse, ou desejasse realmente fazê-lo, tive de render-me às evidências mais fortes da economia política argentina: fui mais uma vez “expulso” do país, em função das incertezas geradas por uma política absolutamente esquizofrênica de abastecimento e de organização de determinados mercados, tal como em vigor atualmente na pátria dos dois Kirchner.
A mesma política em vigor anteriormente sob o marido, de controle de preços e de “retenciones” – isto é, de impedimentos à exportação –, continua a ser operada agora pela esposa, que se faz chamar de “presidenta”. Essa política já provocou falta de produtos, mercados paralelos, aumentos preventivos de preços, desinvestimentos setoriais em atividades produtivas, mas tudo isso não deveria normalmente interessar um simples turista acidental, como eu, cabendo aos economistas argentinos fazer esse tipo de análise macroeconômica. Minha intenção inicial era apenas a de viajar de carro até o Chile, um país que não visito há cerca de 16 anos e que me parecia o mais “normal”, em termos de política econômica que possa existir numa América Latina que insiste em fazer experimentos já fracassados no passado.
Pois bem, parafraseando (mal) Pablo Neruda, confieso que he desistido...
Em lugar de atravessar o país a caminho da cordilheira, em um ou dois dias de viagem, desde Buenos Aires até Mendoza, de onde pretendia atravessa para o Chile, tive miseravelmente de fazer marche arrière, a caminho do Uruguai, país que conheço bem, por ter nele vivido no início dos anos 1990. Não pretendia voltar a ele agora, mas o destino nos prega peças inesperadas.
A razão, como todos podem adivinhar, foi falta de gasolina, não absoluta, mas potencial. Ainda na noite do dia 10 eu pretendia viajar direto a Mendoza, mas um relato de “terror turístico” me fez desistir. Um turista brasileiro, viajando de carro como eu, relatou as desventuras de um colega, retido durante três dias num vilarejo miserável qualquer bem no meio desse trajeto, impedido de seguir viagem por falta de gasolina (e, onde havia, não tinha eletricidade para impulsionar a bomba). Isso sem falar do desconforto da falta de paradas decentes – e de banheiros limpos, como já relatei em outra crônica – que tornam qualquer viagem de lazer um calvário federal (a expressão se aplica, neste país federalista).
Foi assim que decidi comprar uma passagem de primeira (não tenho certeza se o carro também “pagou” primeira), no chamado Buquebus, e atravessei o Rio de la Plata, em direção a Colonia del Sacramento, uma simpática cidadezinha fundada pelos portugueses no século XVII e várias vezes trocada de mãos, até ficar com os também simpáticos orientales. Dormimos lá mesmo, visitamos os museus e a cidade velha esta manhã, e viajamos a Punta del Este, depois de uma parada rememorativa em Montevidéu, visitando meu antigo edificio, a escuela Grecia, onde estudou meu filho (e que fez questão de se fazer fotografar frente a ela quase duas décadas depois).
Perto da Argentina, o Uruguai é um país assustadoramente “normal”. Enquanto escrevo, mais de 3hs da manha do domingo 13 de janeiro, está “todo mundo” passeando na Gorlero, a rua principal de Punta del Este, onde fica o meu hotel, um pequeno e despretensioso hotel médio em pleno centro da cidade (foi o que consegui achar, depois de peregrinar em dois ou três). A cidade tem muitos hotéis, dezenas de restaurantes, e quase nenhum parking ou estacionamento. Foi um sufoco achar lugar para o carro, concorrendo com centenas de veículos argentinos e brasileiros de todas as marcas e tamanhos (geralmente maiores e melhores do que o meu).
Para mim, está mais do que “normal”. Em qual outra cidade, eu disporia de livrarias abertas as 23hs? Comprei quatro livros, em questão de meia hora, antes de ir jantar no Garibaldi, um belo risotto ai frutti di mare. Não posso reclamar da decisão de entrar no que chamo, sem qualquer demérito, de “pátria pequena”, pois é isto o que o Uruguai representa, perto de um elefante e um cavalo, sem outros deméritos... Um pequeno país, mas bem organizado e preparado para o turismo, que constitui a sua segunda fonte de receitas, depois das vacas, ovelhas, cabras e outros animais de criação (inclusive os de passagem).
De um ponto de vista estritamente turístico, faz sentido este recuo, pois a “patria grande”, a Argentina, não me parece hoje um lugar muito saudável, ou normal. Lamento não ter chegado ao Chile, mas vou fazê-lo de avião, na primeira oportunidade, sem os inconvenientes de combustível, carnes, tangos démodés, e outros inconvenientes de um país que trata mal os seus próprios cidadãos. Eles talvez não tenham balas perdidas na Argentina, mas existem políticas “perdidas”, que por vezes causam tanto mal quanto...
Rio Grande, aqui me tens de regresso...
Punta del Este, 12-13 de janeiro de 2008.
3) De vuelta a la patria chica, malgré moi...
Paulo Roberto de Almeida
Punta del Este, Uruguai, 12 de janeiro de 2008
Sem que eu pretendesse, ou desejasse realmente fazê-lo, tive de render-me às evidências mais fortes da economia política argentina: fui mais uma vez “expulso” do país, em função das incertezas geradas por uma política absolutamente esquizofrênica de abastecimento e de organização de determinados mercados, tal como em vigor atualmente na pátria dos dois Kirchner.
A mesma política em vigor anteriormente sob o marido, de controle de preços e de “retenciones” – isto é, de impedimentos à exportação –, continua a ser operada agora pela esposa, que se faz chamar de “presidenta”. Essa política já provocou falta de produtos, mercados paralelos, aumentos preventivos de preços, desinvestimentos setoriais em atividades produtivas, mas tudo isso não deveria normalmente interessar um simples turista acidental, como eu, cabendo aos economistas argentinos fazer esse tipo de análise macroeconômica. Minha intenção inicial era apenas a de viajar de carro até o Chile, um país que não visito há cerca de 16 anos e que me parecia o mais “normal”, em termos de política econômica que possa existir numa América Latina que insiste em fazer experimentos já fracassados no passado.
Pois bem, parafraseando (mal) Pablo Neruda, confieso que he desistido...
Em lugar de atravessar o país a caminho da cordilheira, em um ou dois dias de viagem, desde Buenos Aires até Mendoza, de onde pretendia atravessa para o Chile, tive miseravelmente de fazer marche arrière, a caminho do Uruguai, país que conheço bem, por ter nele vivido no início dos anos 1990. Não pretendia voltar a ele agora, mas o destino nos prega peças inesperadas.
A razão, como todos podem adivinhar, foi falta de gasolina, não absoluta, mas potencial. Ainda na noite do dia 10 eu pretendia viajar direto a Mendoza, mas um relato de “terror turístico” me fez desistir. Um turista brasileiro, viajando de carro como eu, relatou as desventuras de um colega, retido durante três dias num vilarejo miserável qualquer bem no meio desse trajeto, impedido de seguir viagem por falta de gasolina (e, onde havia, não tinha eletricidade para impulsionar a bomba). Isso sem falar do desconforto da falta de paradas decentes – e de banheiros limpos, como já relatei em outra crônica – que tornam qualquer viagem de lazer um calvário federal (a expressão se aplica, neste país federalista).
Foi assim que decidi comprar uma passagem de primeira (não tenho certeza se o carro também “pagou” primeira), no chamado Buquebus, e atravessei o Rio de la Plata, em direção a Colonia del Sacramento, uma simpática cidadezinha fundada pelos portugueses no século XVII e várias vezes trocada de mãos, até ficar com os também simpáticos orientales. Dormimos lá mesmo, visitamos os museus e a cidade velha esta manhã, e viajamos a Punta del Este, depois de uma parada rememorativa em Montevidéu, visitando meu antigo edificio, a escuela Grecia, onde estudou meu filho (e que fez questão de se fazer fotografar frente a ela quase duas décadas depois).
Perto da Argentina, o Uruguai é um país assustadoramente “normal”. Enquanto escrevo, mais de 3hs da manha do domingo 13 de janeiro, está “todo mundo” passeando na Gorlero, a rua principal de Punta del Este, onde fica o meu hotel, um pequeno e despretensioso hotel médio em pleno centro da cidade (foi o que consegui achar, depois de peregrinar em dois ou três). A cidade tem muitos hotéis, dezenas de restaurantes, e quase nenhum parking ou estacionamento. Foi um sufoco achar lugar para o carro, concorrendo com centenas de veículos argentinos e brasileiros de todas as marcas e tamanhos (geralmente maiores e melhores do que o meu).
Para mim, está mais do que “normal”. Em qual outra cidade, eu disporia de livrarias abertas as 23hs? Comprei quatro livros, em questão de meia hora, antes de ir jantar no Garibaldi, um belo risotto ai frutti di mare. Não posso reclamar da decisão de entrar no que chamo, sem qualquer demérito, de “pátria pequena”, pois é isto o que o Uruguai representa, perto de um elefante e um cavalo, sem outros deméritos... Um pequeno país, mas bem organizado e preparado para o turismo, que constitui a sua segunda fonte de receitas, depois das vacas, ovelhas, cabras e outros animais de criação (inclusive os de passagem).
De um ponto de vista estritamente turístico, faz sentido este recuo, pois a “patria grande”, a Argentina, não me parece hoje um lugar muito saudável, ou normal. Lamento não ter chegado ao Chile, mas vou fazê-lo de avião, na primeira oportunidade, sem os inconvenientes de combustível, carnes, tangos démodés, e outros inconvenientes de um país que trata mal os seus próprios cidadãos. Eles talvez não tenham balas perdidas na Argentina, mas existem políticas “perdidas”, que por vezes causam tanto mal quanto...
Rio Grande, aqui me tens de regresso...
Punta del Este, 12-13 de janeiro de 2008.
domingo, 13 de janeiro de 2008
828) Concurso do Itamaraty, 2008
Concursos
O caminho do Itamaraty
Instituto Rio Branco abre inscrições de concurso para diplomatas
Zero Hora, Porto Alegre, 13 de janeiro de 2008
Dedicação, muita leitura, preparo psicológico para suportar uma rotina estressante de estudos e persistir mesmo após mais de uma reprovação, até ter sucesso. São essas algumas das prerrogativas para quem vai tentar a disputada carreira diplomática, começando como terceiro secretário no Instituto Rio Branco (IRBr), instituição de ensino ligada ao Ministério das Relações Exteriores.
Com inscrições abertas na próxima segunda-feira, a seleção já foi vencida por gaúchos como Rita de Curtis, 26 anos. Formada em direito e jornalismo há três anos e acostumada a estudar simultaneamente para dois cursos superiores, em 2005 decidiu que iria tentar a carreira diplomática. Pela imprensa, descobriu com um mês de antecedência que haveria seleção para o Rio Branco naquele ano e começou a se preparar para a prova de 2006. Em Brasília, fez curso preparatório. Reprovada na primeira fase do concurso, Rita voltou para Porto Alegre, onde ficou três meses, e seguiu estudando:
- Consegui bolsa de estudos em um curso no Rio de Janeiro. O curso preparatório é importante. É como um técnico para um atleta. Você se preocupa apenas em estudar, e alguém vai te orientando, dando dicas, passando os livros que são necessários ler.
Ela conta que chegou a estudar 14 horas por dia na preparação para algumas provas e aniquilou a vida social durante certo tempo para se dedicar à seleção. Foi aprovada em 2007. Muitos, porém, tentam meia dúzia de vezes até conseguir ou desistem pelo caminho.
Não menos sacrifícios fez Maurício Costa, 31 anos, formado em Letras, outro gaúcho aprovado na seleção do ano passado, na qual 8,6 mil pessoas concorreram a apenas 105 vagas - uma disputa de 82,5 candidatos por vaga. A aprovação veio depois de três tentativas. O horário de estudo disputava espaço com o trabalho e o mestrado.
- Meus cabelos branquearam naquela época. Não é fácil, mas é possível para quem se dedica. Eu sou de família humilde e sempre estudei em escolas públicas de periferia - diz Costa.
Hoje, além das atividades no IRBr, Costa dá aulas em um curso preparatório, em Brasília. Com dois amigos, criou um blog (dialogodiplomatico.blogspot.com) para ajudar quem quer seguir o caminho do Itamaraty:
- É para ajudar estudantes que estão fora dos grandes centros. Infelizmente, os cursos preparatórios específicos estão em Brasília, São Paulo e Rio.
Aberta a candidatos com graduação superior em qualquer curso, a seleção tem quatro etapas. A primeira será uma prova objetiva, em 27 de fevereiro, com temas como português, história, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e economia.
- No conjunto das provas, procuramos avaliar muito mais a capacidade de articulação das idéias, verificar a maturidade intelectual do candidato do que fazer com que ele reproduza um conhecimento memorizado, inclusive na prova objetiva - diz o coordenador do concurso, Geraldo Tupynambá, do IRBr.
THIAGO COPETTI
O concurso
Prazo: 14 de janeiro a 14 de fevereiro
Cargo e vagas: terceiro secretário/diplomata (115)
Inscrições: pelo site www.cespe.unb.br/concursos
Taxa de inscrição: R$ 20
Informações: www.irbr.mre.gov.br
Carreira: o aprovado cursará o mestrado profissionalizante em diplomacia do IRBr e começará com salário inicial de R$ 7.751,97. Ao longo da carreira, fará cursos obrigatórios de aperfeiçoamento, podendo chegar ao cargo de ministro de primeira classe (embaixador).
As dicas de quem chegou lá
Não se limite a estudar uma ou outra matéria. É preciso ser bom em tudo.
Leia muito. De prioridade à bibliografia recomendada. Em três anos, até ser aprovado em 2007, Maurício Costa leu 87 livros, alguns mais de uma vez.
Esteja preparado para muito sacrifício. A resistência psicológica é tão importante como o estudo. Para reduzir o estresse, Rita de Curtis opta por não estudar nada na véspera.
Jornais e revistas são fundamentais para conhecer atualidades.
É preciso escrever bem e sobre tudo. Leia bons livros. Para quem está em Porto Alegre, Costa recomenda a biblioteca do Centro Universitário Metodista/Ipa (Cel. Joaquim Pedro Salgado, 80), que fica aberta 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados. Outra dica é utilizar as bibliotecas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quando fez as provas, Costa encontrou toda a bibliografia nas bibliotecas da universidade.
No dia 21 de janeiro, o IRBr divulgará no site www.irbr.mre.gov.br um guia de estudos com orientação para as provas.
O caminho do Itamaraty
Instituto Rio Branco abre inscrições de concurso para diplomatas
Zero Hora, Porto Alegre, 13 de janeiro de 2008
Dedicação, muita leitura, preparo psicológico para suportar uma rotina estressante de estudos e persistir mesmo após mais de uma reprovação, até ter sucesso. São essas algumas das prerrogativas para quem vai tentar a disputada carreira diplomática, começando como terceiro secretário no Instituto Rio Branco (IRBr), instituição de ensino ligada ao Ministério das Relações Exteriores.
Com inscrições abertas na próxima segunda-feira, a seleção já foi vencida por gaúchos como Rita de Curtis, 26 anos. Formada em direito e jornalismo há três anos e acostumada a estudar simultaneamente para dois cursos superiores, em 2005 decidiu que iria tentar a carreira diplomática. Pela imprensa, descobriu com um mês de antecedência que haveria seleção para o Rio Branco naquele ano e começou a se preparar para a prova de 2006. Em Brasília, fez curso preparatório. Reprovada na primeira fase do concurso, Rita voltou para Porto Alegre, onde ficou três meses, e seguiu estudando:
- Consegui bolsa de estudos em um curso no Rio de Janeiro. O curso preparatório é importante. É como um técnico para um atleta. Você se preocupa apenas em estudar, e alguém vai te orientando, dando dicas, passando os livros que são necessários ler.
Ela conta que chegou a estudar 14 horas por dia na preparação para algumas provas e aniquilou a vida social durante certo tempo para se dedicar à seleção. Foi aprovada em 2007. Muitos, porém, tentam meia dúzia de vezes até conseguir ou desistem pelo caminho.
Não menos sacrifícios fez Maurício Costa, 31 anos, formado em Letras, outro gaúcho aprovado na seleção do ano passado, na qual 8,6 mil pessoas concorreram a apenas 105 vagas - uma disputa de 82,5 candidatos por vaga. A aprovação veio depois de três tentativas. O horário de estudo disputava espaço com o trabalho e o mestrado.
- Meus cabelos branquearam naquela época. Não é fácil, mas é possível para quem se dedica. Eu sou de família humilde e sempre estudei em escolas públicas de periferia - diz Costa.
Hoje, além das atividades no IRBr, Costa dá aulas em um curso preparatório, em Brasília. Com dois amigos, criou um blog (dialogodiplomatico.blogspot.com) para ajudar quem quer seguir o caminho do Itamaraty:
- É para ajudar estudantes que estão fora dos grandes centros. Infelizmente, os cursos preparatórios específicos estão em Brasília, São Paulo e Rio.
Aberta a candidatos com graduação superior em qualquer curso, a seleção tem quatro etapas. A primeira será uma prova objetiva, em 27 de fevereiro, com temas como português, história, geografia, política internacional, inglês, noções de direito e economia.
- No conjunto das provas, procuramos avaliar muito mais a capacidade de articulação das idéias, verificar a maturidade intelectual do candidato do que fazer com que ele reproduza um conhecimento memorizado, inclusive na prova objetiva - diz o coordenador do concurso, Geraldo Tupynambá, do IRBr.
THIAGO COPETTI
O concurso
Prazo: 14 de janeiro a 14 de fevereiro
Cargo e vagas: terceiro secretário/diplomata (115)
Inscrições: pelo site www.cespe.unb.br/concursos
Taxa de inscrição: R$ 20
Informações: www.irbr.mre.gov.br
Carreira: o aprovado cursará o mestrado profissionalizante em diplomacia do IRBr e começará com salário inicial de R$ 7.751,97. Ao longo da carreira, fará cursos obrigatórios de aperfeiçoamento, podendo chegar ao cargo de ministro de primeira classe (embaixador).
As dicas de quem chegou lá
Não se limite a estudar uma ou outra matéria. É preciso ser bom em tudo.
Leia muito. De prioridade à bibliografia recomendada. Em três anos, até ser aprovado em 2007, Maurício Costa leu 87 livros, alguns mais de uma vez.
Esteja preparado para muito sacrifício. A resistência psicológica é tão importante como o estudo. Para reduzir o estresse, Rita de Curtis opta por não estudar nada na véspera.
Jornais e revistas são fundamentais para conhecer atualidades.
É preciso escrever bem e sobre tudo. Leia bons livros. Para quem está em Porto Alegre, Costa recomenda a biblioteca do Centro Universitário Metodista/Ipa (Cel. Joaquim Pedro Salgado, 80), que fica aberta 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados. Outra dica é utilizar as bibliotecas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quando fez as provas, Costa encontrou toda a bibliografia nas bibliotecas da universidade.
No dia 21 de janeiro, o IRBr divulgará no site www.irbr.mre.gov.br um guia de estudos com orientação para as provas.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
827) Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...), 2
Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
2) Contrapunteo argentino del tango y de la carne...”
Paulo Roberto de Almeida
Buenos Aires, 9 de janeiro de 2008
Desfrutando de quatro dias em Buenos Aires, onde consegui chegar malgrado temores quanto à falta de gasolina – mas carecemos de banheiros limpos e de paradas decentes – dediquei-me a freqüentar as duas melhores coisas que esta capital federal (ooops) tem a oferecer: restaurantes e, sobretudo, livrarias. Volto ao turismo livresco-gastronômico depois, agora tenho de explicar a razão do meu ooops.
A expressão se aplica porque, segundo aprendi lendo o livro de Felix Luna – Breve Historia de los Argentinos – a Argentina padece de uma fatalidade geográfica que a condena ao centralismo de sua capital, porta obrigatória de entrada e de saída de praticamente tudo, o que pode ser uma maldição para o resto do país. Quem controla Buenos Aires, controla o país, e isso pode não ser bom para as províncias e seus caudilhos locais. O tirano Rosas, a despeito de teoricamente federalista e em luta contra os salvajes unitarios, acabou se rendendo às facilidades do centralismo de Buenos Aires e terminou escorraçado da capital federal pelas tropas do caudilho concorrente Urquiza, with a little help from his Brazilian friends. Felix Luna lamenta que a tentativa de se levar a capital federal para outro local, novo ou existente, tenha sido tão mal conduzida pelo presidente da redemocratização, Raul Alfonsin. Não sei se teria sido uma boa solução: eu estive lá alguns anos atrás e o local escolhido, Viedma (uns 400kms ao sul, na costa), não era nenhuma “Brasilia”: um frio de gelar os ossos, o vento cortante do mar penetrando até a alma. Teria sido uma Vladivostock sem qualquer charme...
Minhas incursões em livrarias tem sido moderadamente frustrantes. Num sebo velhíssimo no centro da cidade – La Libreria de Avila, calle Alsina y Bolivar, casa fundada em 1830, diz a propaganda – não encontrei quase nada de interesse para mim (história econômica, economia internacional, história regional etc.). Nas lojas modernas tampouco fiz a festa: comprei dois livros de história econômica mundial e a edição espanhola de Colossus, um ensaio histórico sobre o império americano, do historiador britânico Neill Ferguson (de quem já estou lendo, simultaneamente, Empire, sobre o império britânico, e The War of the World, sobre as mortandades do século XX). O Colosso também o era no preço: 89 pesos, ou seja, em torno de 25 dólares, quando eu o poderia ter comprado por apenas 4 ou 5 no maior sebo eletrônico do mundo (www.abebooks.com) e mesmo acrescentado 10 ou 12 de frete, ainda sairia mais barato.
As incursões gastronômicas tampouco representaram um prazer insuperável, se ouso arriscar o termo. Já não se fazem mais bifes de chorizo como antigamente, na Argentina, o que comprovei ainda agora à noite numa boa casa de tango tradicional (aliás, por um preço bem salgado). Fui à famosa “esquina Homero Manzi” – Av. San Juan, 3601, tel.: 4957-8488; www.esquinahomeromanzi.com.ar – do nome do famoso autor e compositor, que escreveu o belíssimo tango inspirado nesse local, chamado “Sur” (fui ouvindo no meu iPod, a caminho do local, na bela voz de Nelly Omar, que capturei na trilogia em CDs, The Complete Anthology of the Tango). Bem, o show era bonito, mas o meu bife de chorizo não valia, realmente, nem 10% dos 260 pesos pagos, individualmente, pelo espetáculo.
Lendo o La Nación do mesmo dia pode-se descobrir porque. O governo está empenhado em restringir as exportações de carne, para atender ao mercado local, que continua com preços controlados, ou pelo menos vigiados. “Doloroso adiós a las vacas” trazia a chamada de primeira página do jornal, com direito a matéria principal no caderno de economia. Segundo a matéria, “la crisis de la ganaderia por la intervención del gobierno y el boom de la soja siguen impulsando a los productores a cambiar de rubro. En Buchardo (sur de Cordoba), Benito Sánchez, que en 2003 ganó el Premio La Nación al Mejor Invernador, dejará de producir casi 2000 novillos por ano. Su campo será 100% soja y otros cultivos”.
De fato, a intervenção do governo, aqui na Argentina, como na Venezuela, está expulsando os produtores de suas atividades tradicionais, e eles simplesmente se refugiam em atividades (ainda) não controladas, ou se tornam rentistas, como acontece nesses países que praticam mais a cultura do déficit público do que a dos alimentos. A Argentina que já a maior exportadora mundial de carne e de processados de carne, nesse ritmo deve começar a importar carne do Brasil: a situação dos dois países nos mercados de processados conheceu uma exata inversão nos último anos, de 70 a 20% das exportações mundiais, num sentido e noutro. O mesmo pode estar se passando com outros setores, segundo leio.
Aliás, a inflação oficial, fechada em 8%, parece ser menos da metade da taxa real, segundo economistas. Não sei se foi por causa desse anúncio que encontrei hoje, ao ir a uma livraria, um pelotão de policiais em frente ao Instituto Nacional de Estadísticas y Censo, que parece ter sido obrigado a maquiar alguns de seus índices. O mesmo tipo de prática que parece estar vitimando o setor da carne se estende em outras áreas. O governo diz que não controla preços, apenas faz o seu seguimento. O mesmo jornal trazia a foto de um secretário fazendo a “visita” de postos de gasolina: o governo pretende que os distribuidores “retornem”, voluntariamente se entende, aos preços de outubro último, quando eles atualmente já estão 15 ou 20% mais altos.
Tenho a leve impressão de que vou novamente ficar sem gasolina para viajar, assim como os consumidores de eletricidade e de gás já começam a ficar sem o seu abastecimento habitual. A um calor de 40 graus, normal que alguns queiram ligar seus ventiladores ou o ar condicionado, o que provavelmente não será fácil. O inverno de 2007 em Bariloche foi, literalmente, sob a neve, na temperatura pertinente...
Acho que estamos, de novo, assistindo a um tango na política econômica, com a desvantagem dele ser bem menos vistoso do que aquele a que assisti esta noite, no chamado Boedo. Não posso reclamar das qualidades dos cantores e dos dançarinos, que eram realmente excelente, mas tudo me pareceu tradicional demais, como se a Argentina tivesse parado no tempo. As moças com seus reluzentes vestidos de paetês, com algo mais a mostra do que no passado, talvez, mas os rapazes com aquele ar de filme preto e branco, cabelos gomalinados, bigodinhos finos recortados, sapatos de verniz e ternos ridiculamente antiquados...
O poeta-escritor inspirador do local onde fui ver ao show, Homero Manzi, é homenageado por uma bela frase sob sua foto, na parede: “Tuve que eligir entre ser hombre de letras y escribir letras para los hombres”. Ele escolheu bem, pois deixou tangos inesquecíveis.
Meu problema atual é que não posso escolher deixar de comer carne – que está aquém da qualidade dos tempos de Manzi – para me abastecer de gasolina: uma e outra estão submetidas à tradicional política econômica esquizofrênica de um governo que se pretende reformista e nacionalista.
Acho que minhas férias vão continuar kirkegaardianas, isto é, angustiantes. Por falar nisso, o sucesso do momento nas livrarias locais é o “repeteco” de um exercício de psicanálise dos argentinos, por Marcos Aguinis: El atroz encanto de ser argentinos, 2 (acho que vamos ter muitos volumes mais...)
Buenos Aires, 9-10 de janeiro de 2008
2) Contrapunteo argentino del tango y de la carne...”
Paulo Roberto de Almeida
Buenos Aires, 9 de janeiro de 2008
Desfrutando de quatro dias em Buenos Aires, onde consegui chegar malgrado temores quanto à falta de gasolina – mas carecemos de banheiros limpos e de paradas decentes – dediquei-me a freqüentar as duas melhores coisas que esta capital federal (ooops) tem a oferecer: restaurantes e, sobretudo, livrarias. Volto ao turismo livresco-gastronômico depois, agora tenho de explicar a razão do meu ooops.
A expressão se aplica porque, segundo aprendi lendo o livro de Felix Luna – Breve Historia de los Argentinos – a Argentina padece de uma fatalidade geográfica que a condena ao centralismo de sua capital, porta obrigatória de entrada e de saída de praticamente tudo, o que pode ser uma maldição para o resto do país. Quem controla Buenos Aires, controla o país, e isso pode não ser bom para as províncias e seus caudilhos locais. O tirano Rosas, a despeito de teoricamente federalista e em luta contra os salvajes unitarios, acabou se rendendo às facilidades do centralismo de Buenos Aires e terminou escorraçado da capital federal pelas tropas do caudilho concorrente Urquiza, with a little help from his Brazilian friends. Felix Luna lamenta que a tentativa de se levar a capital federal para outro local, novo ou existente, tenha sido tão mal conduzida pelo presidente da redemocratização, Raul Alfonsin. Não sei se teria sido uma boa solução: eu estive lá alguns anos atrás e o local escolhido, Viedma (uns 400kms ao sul, na costa), não era nenhuma “Brasilia”: um frio de gelar os ossos, o vento cortante do mar penetrando até a alma. Teria sido uma Vladivostock sem qualquer charme...
Minhas incursões em livrarias tem sido moderadamente frustrantes. Num sebo velhíssimo no centro da cidade – La Libreria de Avila, calle Alsina y Bolivar, casa fundada em 1830, diz a propaganda – não encontrei quase nada de interesse para mim (história econômica, economia internacional, história regional etc.). Nas lojas modernas tampouco fiz a festa: comprei dois livros de história econômica mundial e a edição espanhola de Colossus, um ensaio histórico sobre o império americano, do historiador britânico Neill Ferguson (de quem já estou lendo, simultaneamente, Empire, sobre o império britânico, e The War of the World, sobre as mortandades do século XX). O Colosso também o era no preço: 89 pesos, ou seja, em torno de 25 dólares, quando eu o poderia ter comprado por apenas 4 ou 5 no maior sebo eletrônico do mundo (www.abebooks.com) e mesmo acrescentado 10 ou 12 de frete, ainda sairia mais barato.
As incursões gastronômicas tampouco representaram um prazer insuperável, se ouso arriscar o termo. Já não se fazem mais bifes de chorizo como antigamente, na Argentina, o que comprovei ainda agora à noite numa boa casa de tango tradicional (aliás, por um preço bem salgado). Fui à famosa “esquina Homero Manzi” – Av. San Juan, 3601, tel.: 4957-8488; www.esquinahomeromanzi.com.ar – do nome do famoso autor e compositor, que escreveu o belíssimo tango inspirado nesse local, chamado “Sur” (fui ouvindo no meu iPod, a caminho do local, na bela voz de Nelly Omar, que capturei na trilogia em CDs, The Complete Anthology of the Tango). Bem, o show era bonito, mas o meu bife de chorizo não valia, realmente, nem 10% dos 260 pesos pagos, individualmente, pelo espetáculo.
Lendo o La Nación do mesmo dia pode-se descobrir porque. O governo está empenhado em restringir as exportações de carne, para atender ao mercado local, que continua com preços controlados, ou pelo menos vigiados. “Doloroso adiós a las vacas” trazia a chamada de primeira página do jornal, com direito a matéria principal no caderno de economia. Segundo a matéria, “la crisis de la ganaderia por la intervención del gobierno y el boom de la soja siguen impulsando a los productores a cambiar de rubro. En Buchardo (sur de Cordoba), Benito Sánchez, que en 2003 ganó el Premio La Nación al Mejor Invernador, dejará de producir casi 2000 novillos por ano. Su campo será 100% soja y otros cultivos”.
De fato, a intervenção do governo, aqui na Argentina, como na Venezuela, está expulsando os produtores de suas atividades tradicionais, e eles simplesmente se refugiam em atividades (ainda) não controladas, ou se tornam rentistas, como acontece nesses países que praticam mais a cultura do déficit público do que a dos alimentos. A Argentina que já a maior exportadora mundial de carne e de processados de carne, nesse ritmo deve começar a importar carne do Brasil: a situação dos dois países nos mercados de processados conheceu uma exata inversão nos último anos, de 70 a 20% das exportações mundiais, num sentido e noutro. O mesmo pode estar se passando com outros setores, segundo leio.
Aliás, a inflação oficial, fechada em 8%, parece ser menos da metade da taxa real, segundo economistas. Não sei se foi por causa desse anúncio que encontrei hoje, ao ir a uma livraria, um pelotão de policiais em frente ao Instituto Nacional de Estadísticas y Censo, que parece ter sido obrigado a maquiar alguns de seus índices. O mesmo tipo de prática que parece estar vitimando o setor da carne se estende em outras áreas. O governo diz que não controla preços, apenas faz o seu seguimento. O mesmo jornal trazia a foto de um secretário fazendo a “visita” de postos de gasolina: o governo pretende que os distribuidores “retornem”, voluntariamente se entende, aos preços de outubro último, quando eles atualmente já estão 15 ou 20% mais altos.
Tenho a leve impressão de que vou novamente ficar sem gasolina para viajar, assim como os consumidores de eletricidade e de gás já começam a ficar sem o seu abastecimento habitual. A um calor de 40 graus, normal que alguns queiram ligar seus ventiladores ou o ar condicionado, o que provavelmente não será fácil. O inverno de 2007 em Bariloche foi, literalmente, sob a neve, na temperatura pertinente...
Acho que estamos, de novo, assistindo a um tango na política econômica, com a desvantagem dele ser bem menos vistoso do que aquele a que assisti esta noite, no chamado Boedo. Não posso reclamar das qualidades dos cantores e dos dançarinos, que eram realmente excelente, mas tudo me pareceu tradicional demais, como se a Argentina tivesse parado no tempo. As moças com seus reluzentes vestidos de paetês, com algo mais a mostra do que no passado, talvez, mas os rapazes com aquele ar de filme preto e branco, cabelos gomalinados, bigodinhos finos recortados, sapatos de verniz e ternos ridiculamente antiquados...
O poeta-escritor inspirador do local onde fui ver ao show, Homero Manzi, é homenageado por uma bela frase sob sua foto, na parede: “Tuve que eligir entre ser hombre de letras y escribir letras para los hombres”. Ele escolheu bem, pois deixou tangos inesquecíveis.
Meu problema atual é que não posso escolher deixar de comer carne – que está aquém da qualidade dos tempos de Manzi – para me abastecer de gasolina: uma e outra estão submetidas à tradicional política econômica esquizofrênica de um governo que se pretende reformista e nacionalista.
Acho que minhas férias vão continuar kirkegaardianas, isto é, angustiantes. Por falar nisso, o sucesso do momento nas livrarias locais é o “repeteco” de um exercício de psicanálise dos argentinos, por Marcos Aguinis: El atroz encanto de ser argentinos, 2 (acho que vamos ter muitos volumes mais...)
Buenos Aires, 9-10 de janeiro de 2008
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