quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

1635) “Todo ano ele faz tudo sempre igual…”

Pequeno balanço de 2009 e projetos para 2010 (para variar)
Paulo Roberto de Almeida

OK, ok, como naquela canção muito conhecida, eu sei que todo final de ano é sempre a mesma coisa, mas tampouco tenho culpa se o calendário tem sempre a mesma forma e se os rituais humanos e sociais se repetem com inevitável constância e regularidade (aliás esperadas). Não tem jeito de escapar: chega dezembro e as festinhas de confraternização se multiplicam nos ambientes de trabalho (cada vez mais cedo, diga-se de passagem), todas com a inevitável troca de presentes a preço reduzido do sistema de amigo secreto, os cartões despachados às pressas (alguns amigos esquecidos), providências de última hora para as festas de fim de ano, shoppings e parkings lotados de gente e de carros, todo mundo fazendo tudo sempre igual, exatamente aquilo que você mesmo está fazendo, comprando os últimos presentes de última hora e prometendo a si mesmo que daqui para a frente tudo será diferente, que no próximo final de ano você não deixará tudo para a última hora...
Ufa! Felizmente já passaram todas essa festas, e aqui estamos fazendo a mesma coisa que no ano passado, talvez com um pouco mais de cansaço e um pouco mais de cintura: barriga cheia (com a minha bacalhoada), espírito ‘arejado’ pelo vinho ou pela cerveja, cabe agora recapitular tudo o que se fez em 2009 e pensar em tudo o que se pretende fazer em 2010. Vejamos, portanto, o que eu teria a dizer sobre 2009 e o que eu teria a dizer sobre 2010 (que já não tenha sido dito pelos videntes profissionais ). Bem, como este texto é narcisisticamente voltado para a minha própria produção, cabe antes de mais nada retomar o balanço que eu já havia feito um ano atrás, mais precisamente num dos últimos posts de 2008, em dois de meus blogs (ver: “Um balanço de final de ano, com alguma explicação para tal”, 31.12.2008; (1) Diplomatizzando; (2) DiplomataZ).

À diferença de 2008, quando eu estava dubitativo sobre meus projetos profissionais e acadêmicos – não exatamente por falta de emprego ou por falta do que fazer, ao contrário –, tenho agora o ano todo de 2010 repleto de tarefas e programações. Pretendo passar boa parte do ano conhecendo a China e partes da Ásia oriental; talvez eu até mesmo escreva um livro sobre essas paragens que hoje são para mim relativamente desconhecidas (mas já venho estudando sobre elas desde agora e até comecei um novo blog). Com efeito, se não acontecerem novas surpresas – na minha profissão, e nas atuais circunstâncias políticas, tudo é possível – devo partir para Shanghai em março de 2010, atuando durante seis meses como diretor do pavilhão do Brasil na Exposição Universal que se realiza na grande metrópole chinesa de maio a outubro.
Não posso reclamar: a China é ‘o’ país, ou talvez, ‘o’ continente, e é lá que as ‘coisas’ estão acontecendo (pelo menos no terreno econômico, já que no domínio político a velocidade é outra, bem mais lenta). Uma vez na China, contudo, o problema, justamente, vai ser manter o blog atualizado, tendo em vista a nova “muralha da China” erguida pela grande autocracia asiática em torno da internet, sem mencionar o bloqueio praticamente intransponível que se abateu sobre os blogs, em particular (não consegui acessar nenhum dos meus, enquanto lá estive recentemente); não tenho certeza de que com o uso de proxys ou de servidores virtuais conseguirei contornar as barreiras e os filtros que o Big Brother mandarim instalou em todo e qualquer sistema de acesso à rede mundial de computadores a partir do país.

Antes de tratar do futuro, contudo, cabe registrar antes de mais nada o que foi realizado em 2009. No terreno ‘volumétrico’ da produção acadêmica não posso reclamar: comecei o ano pelo trabalho n. 1970 (uma coleção de ensaios sobre a globalização e a antiglobalização, a que dei o título de Globalizando) e estou terminando 2009 com este aqui, que leva o n. 2078. Foram, portanto, mais de cem trabalhos completos, dos quais a metade publicados (em diversos meios, mas nem todos os que foram publicados tinham sido escritos neste ano, como foi o caso de diversos capítulos de livros, alguns redigidos em 2008). Em termos de produtividade média, são cerca de 9 trabalhos por mês, ou dois por semana. Não vou contar agora o número de páginas totais por pura preguiça, mas deve se aproximar de 860 páginas (ou perto de 70 páginas por mês, ou mais de duas páginas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados).
Não deveria ser de todo mau, para um trabalhador compulsivo como eu, mas tenho de confessar uma grande frustração: eu pretendia terminar, neste ano, o segundo volume de uma história da diplomacia econômica no Brasil e não consegui chegar nem perto da metade, talvez menos de um terço do planejado. A razão? Desviei-me, simplesmente, do assunto, para atender outras demandas, responder a pedidos externos, dispersei-me em trabalhos secundários (alguns sem a menor importância), respondi a consultas de alunos, pedidos de ajuda em trabalhos escolares, respondi a questões de jornalistas, perguntas de candidatos à carreira diplomática, de blogueiros, de listeiros, de curiosos, de passantes, enfim, muitos interlocutores agradáveis e até alguns bastante desagradáveis. Basta com dizer que foi distração o bastante para me deixar inclusive com tempo exíguo de leitura, que é o que mais gosto de fazer nas horas vagas (na verdade, em todas as horas, mesmo as não vagas).

Fiz muitas anotações de leitura, dezenas em pequenos cadernos de notas, várias formalizadas como mini-resenhas – 16 no total, talvez um pouco mais – mas poucas grandes resenhas, ao estilo dos review-articles do New York Review of Books, como gosto habitualmente de fazer (uma delas de um livro de depoimentos sobre o Mercosul, um de meus focos permanentes de interesse). Quase não vejo televisão e muito pouco cinema, assim que passo o tempo lendo jornais, revistas e livros, o que também representou um pouco de distração da “grande obra” acadêmica que pretendia realizar. Em vez disso, acabei realizando uma “pequena obra” acadêmica, muitos artigos opinativos (ou dissertativos) e alguns ensaios de pesquisa mais alentada, que é o que eu deveria estar normalmente fazendo, se é que me entendem. Um ponto negativo, portanto, para este balanço da produção em 2009, mas eu pretenderia me corrigir em 2010 (alguém acredita nisso?).

Bem, retirando todos os trabalhos menores, os redundantes, aqueles feitos para atender alguma demanda externa, quais seriam, finalmente, os trabalhos merecedores de serem citados em qualquer lista acadêmica digna desse nome? Começo com a minha compilação de trabalhos sobre a globalização, na verdade uma coleção de réplicas às posições e argumentos canhestros dos antiglobalizadores, pessoas que considero singularmente despreparadas para interpretar o mundo contemporâneo, e menos ainda para propor qualquer coisa de pertinente ou adequado para encaminhar os problemas mais urgentes deste nosso planeta que se recusa a ser o “outro mundo possível” pelo qual eles imploram aborrecidamente a cada reunião internacional. Nunca me eximi de debater propostas concretas, mas jamais consegui ler algo de relevante que alterasse o meu julgamento negativo sobre a inconsistência ‘estrutural’ das posições dos chamados altermundialistas (mas que não conseguem sê-lo); os que desejam conferir o estado da arte nesse debate unilateral, podem consultar alguns dos meus ensaios polêmicos, muitos já publicados, que resumem minha abordagem dos problemas da globalização.
Destaco em segundo lugar a continuidade de meus artigos sobre as “falácias acadêmicas” mais comuns: elas são tantas que eu ainda tenho uma lista enorme aguardando conclusão – e material para pelo menos dois livros – mesmo depois de ter completado, em 2009, nove ensaios da série (e já ter mais dois ou três no pipeline). Ao preparar esses textos, ou seja, ao coletar o material de base para escrever cada um deles, surpreendi-me com o volume de bullshit que é possível recolher a partir de trabalhos publicados por pretensos acadêmicos. Acredito ter desmantelado alguns dos mitos mais renitentes que freqüentam os cenáculos universitários, mas para cada um deles existem três outros à espreita, aguardando alguma pluma desmistificadora.

Escrevi dois trabalhos sobre a mal concebida – desculpem pelo julgamento maldoso – Estratégia Nacional de Defesa, um no começo do ano, outro ao final, e em ambos minha avaliação foi igualmente destrutiva: não se trata de uma estratégia, nem se refere exatamente à defesa do Brasil, ela é apenas prosaicamente nacional (mas seus redatores, e talvez os militares, não me perdoarão por este tipo de argumento). Escrevi vários outros trabalhos sobre a crise financeira, tentando demonstrar – contra gregos e goianos que acreditam realmente que ela foi causada pelas “forças cegas do mercado”, enfim, por aqueles “loiros de olhos azuis” que vivem especulando em Wall Street – que suas causas reais estão na manipulação governamental da taxa de juros e na permissividade fiscal que muitos desses governos praticam. Não creio ter revertido a crença dos já convencidos dos malefícios do capitalismo desenfreado, mas me diverti um bocado no exercício. Vou referenciar os trabalhos mais importantes nessa área para apresentá-los de maneira agrupada no meu blog. Também poderia fazer o mesmo com alguns trabalhos sobre o Mercosul e a integração, mas o panorama nessa área é tão desolador que sinceramente não sei se valeria a pena (embora muitos estudantes me procurem justamente por causa dessa causa outrora promissora).

Meu trabalho mais importante – parte de minha pesquisa para o ensaio sobre diplomacia econômica – foi uma síntese histórica sobre a política comercial brasileira desde o final do século 19 a meados do século 20, no contexto internacional. Deve fazer parte do livro prometido, mas por enquanto permanece solitariamente acabado, esperando a conclusão das demais partes. Outros trabalhos importantes – exigindo certa pesquisa e reflexões mais elaboradas, quero dizer – foram feitos em torno da derrubada (que prefiro à queda) do muro de Berlim e o novo cenário das relações internacionais desde então, bem como um estudo comparativo entre os processos de desenvolvimento do Brasil e dos Estados Unidos com base num ensaio conceitual sobre a ‘civilização americana’ feito por Joaquim Nabuco, elaborado exatamente cem anos atrás (e apresentei-o exatamente na universidade, a de Wisconsin em Madison, na qual Nabuco deveria ter pronunciado sua commencement lecture).

Claro, também fiz alguns trabalhos sobre a diplomacia brasileira, sempre com o pé atrás e a pluma contida, posto que, sendo diplomata da ativa, não posso sair por aí dizendo tudo o que penso de nossa hiperativa política externa, ainda que por vezes eu sinta que ela exibe mais transpiração do que propriamente inspiração. Alguns textos nessa área foram feitos em resposta a consultas de pesquisadores, diplomatas estrangeiros ou jornalistas, e nem tudo foi publicado (eu até diria que quase nada foi publicado, et pour cause). Mas, um artigo bastante crítico sobre a OEA foi, sim, publicado, infelizmente pouco antes de assistirmos à patética e surpreendente comédia de erros cometidos em torno do caso hondurenho, no qual todos os personagens – sem excluir nenhum – se comportaram como naquele horrível filme do início de carreira do Woody Allen (Bananas, para quem ainda não viu) ou como personagens de algum sketch do Casseta e Planeta: foi realmente impagável; aliás, ainda está sendo...
Fui muito solicitado para seminários, palestras, entrevistas, colaborações a livros ou a simpósios, inclusive no exterior, tendo escrito alguns textos em francês e em inglês (vários, entre eles um sobre o Brasil e a não-intervenção, ainda inédito), e creio mesmo que em espanhol (atendendo a jornalistas da região). Alguns serão publicados, outros talvez não, o que depende de minha disponibilidade de adaptá-los às normas sempre diferentes dessas revistas acadêmicas (nunca soube porque elas não adotam um padrão uniforme, o que nos facilitaria muito a vida, nós os colaboradores reincidentes, como eu mesmo). Dialoguei unilateralmente com pessoas das mais variadas orientações políticas, e devo ter criado algumas inimizades, pelo meu jeito acerbo de retrucar argumentos que considero especiosos ou equivocados. Nada me deixa mais indignado do que argumentos de má-fé, ou desonestidade intelectual deliberada, e tenho encontrado muito de ambos, por vezes em instituições das mais respeitáveis (mas os homens são o que são, cegos pela fé verdadeira e convictos de suas causas, sobretudo quando eles aderem a algum partido).
No meio do ano mandei Tocqueville de novo em missão, desta vez para examinar, a pedido do Banco Mundial, o estado da democracia no Brasil; só publiquei o trabalho no final do ano, tendo constatado um cenário deveras lamentável de corrupção política e irracionalidades econômicas de todo gênero, o que também deixou Tocqueville bastante frustrado; na verdade, ele só escreveu, com a minha ajuda, um sumário executivo de um relatório mais amplo, que pretendo terminar um dia, para incluí-lo na série dos “clássicos revisitados”. Sim, devo dizer que, depois do Manifesto Comunista – adaptado aos nossos tempos globalizados e pós-socialistas – perpetrei um Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado), que acaba de ser publicado em formato eletrônico (tenho outros clássicos em preparação, mas não vou dizer quais são). Bem, posso confessar que comecei a escrever, numa dessas noites de insônia, minhas “Memórias Intelectuais”, que pretende ser, não uma história pessoal, mas uma biografia das ideias que permearam a minha vida (elas foram, e são, muitas); não sei quando vou continuar ou sequer terminar, mas as primeiras reflexões já estão feitas (não aguardem nada, porém, antes de o Brasil ganhar mais uma Copa).

Terminei o ano com um balanço da década e uma antevisão de quão ruim pode ser a próxima, se não fizermos nada em termos de luta contra a corrupção, contra o avanço do Estado em nossas vidas (e em nossos salários e rendimentos), para corrigir todas as coisas deficientes que encontramos no Brasil, sobretudo no plano educacional e de políticas públicas mal concebidas (como a tentativa de implantar o Apartheid no país, por meio de medidas de caráter racialista que de fato são racistas). Também completei a minha produção de maior quilate (não sei se o termo se aplica) com uma análise dos Brics em perspectiva histórica e com reflexões e argumentos em torno de suas implicações diplomáticas e de inserção internacional: se não objetarem ao que escrevi, será publicado em 2009 (mas ainda resta conferir, pois desconfio que sofrerá objeções de um guru da área que encomendou).

Enfim, devo dizer – inclusive para satisfazer a curiosidade dos particularmente inquisidores – que todos os meus trabalhos estão perfeitamente relacionados em meu site (ainda que nem todos estejam imediatamente disponíveis), e muitos daqueles que posso considerar secundários são postados diretamente num dos blogs que mantenho.
Voilà, tendo exagerado da paciência dos leitores concluo estas notas muito desordenadas com uma profissão de fé – eu, que sou um completo irreligioso – já que todo mundo tem o seu pequeno conjunto de princípios: acredito no aperfeiçoamento intelectual do ser humano, embora metade da humanidade seja constituída de perfeitos idiotas que passam o seu tempo na frente da televisão assistindo bobagens, em lugar de ler um bom livro (hélas, é o darwinismo ao contrário). Acredito, também, como tenho repetidamente manifestado, na responsabilidade dos acadêmicos e na honestidade intelectual, de quem quer que seja: pessoas que não passam por esses critérios – que considero absolutos – entram numa categoria pela qual tenho pouco respeito, equivalente à dos fraudadores de moedas (não me refiro aos ladrões, e sim aos que arruínam o País com políticas equivocadas) e os ‘corruptos oficiais’. Não vou acusar ninguém agora, pois este não é o instrumento nem a ocasião, mas vou reservar alguns neurônios para esse tipo de combate, em qualquer tempo e lugar.

Concluo agradecendo aos que me ajudaram na consecução de tantas tarefas, meus leitores e revisores, sem esquecer aqueles que, ao me tolherem possibilidades de trabalho em certos meios me deram o lazer e o tempo livre para escrever tantos trabalhos. Seria capaz de mandar um cartão de agradecimento pessoal se certa alergia a determinados espíritos pouco afeitos ao embate de idéias e uma ojeriza recorrente ao que classifico como desonestidade intelectual não me impedissem de fazê-lo. Um dia vou colocar no papel esses episódios pouco gloriosos de nossas instituições públicas.
Por fim, quero desejar a todos, a despeito de tudo o que fiz de errado em 2009 (inclusive chateando muita gente com meus escritos impertinentes), um excelente ano de 2010, com muitas leituras, reflexões bem ordenadas, alguma produção significativa e, o que sempre espero, algum engrandecimento intelectual, pois foi para isso que fomos “feitos”. Pelo menos é o que acredito; pode ser que eu esteja enganado, mas me contento em manter, ao menos, esse tipo de credulidade. Bom ano a todos...

Brasília, 22-31 de dezembro de 2009.

1634) Dolar: rumores sobre a sua morte e desaparecimento prematuro...

...são claramente exagerados, como diria Mark Twain:

Central Banks Shift Back to Dollars, IMF Data Show
Holdings of U.S. dollars by foreign central banks bounced back to more "normal" levels in the third quarter, according to data released Wednesday by the International Monetary Fund. The IMF's Composition of Official Foreign Exchange Reserves data, known as COFER, is reported voluntarily by 140 countries. Of those who report their holdings, adjusted for currency valuation effects, the share of U.S. dollars bounced up to 62% in the third quarter after an unusual drop to 37% in the previous period, according to Barclays Capital. (December 31, 2009)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

1633) Cenarios para o Brasil nas proximas decadas


O Brasil rumo ao Primeiro Mundo
Vera Saavedra Durão
Valor Econômico, 29 de dezembrp de 2009

Cenários do Brasil para 2020 e 3030:
"salto para o primeiro mundo" ou "baleia encalhada"?
As previsões da empresa de consultoria Macroplan

Depois de enfrentar e domar a crise econômica em 2009 e estar pronto para retomar um ciclo de crescimento vigoroso em 2010, sustentado pelo investimento e pelo consumo doméstico, o Brasil tem se mostrado apto a alçar voos mais ambiciosos. O salto do país para o Primeiro Mundo não é uma miragem distante e pode ser atingido na próxima década, como projeta um estudo de cenários feito pelos economistas Cláudio Porto e Rodrigo Ventura, da consultoria Macroplan. Tudo vai depender do resultado das eleições presidenciais de 2010 e do comportamento da economia mundial no pós-crise.

Para o próximo ano, as apostas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro convergem para taxas entre 5% e 6,5% com o governo mantendo uma estratégia de combate à crise sujeita a adaptações, dependendo dos desdobramentos e duração da recessão mundial. Uma superação mais rápida da recessão, com recuperação dos principais mercados, regulação dos sistemas financeiros dos países desenvolvidos e retomada lenta da economia mundial liderado por um crescimento maior de emergentes como China, Índia e Brasil, impulsionados por seus mercados internos, pode levar o mundo a crescer até 2012 a taxas entre 1,5% a 2%, prevê a Macroplan.

Tal contexto será favorável a ajustes estruturais importantes já em curso na economia brasileira, como investimentos públicos de grande porte em infraestrutura e mobilidade urbana, forte incentivo ao investimento privado por meio de financiamentos e garantias de crédito, redução agressiva dos juros e contenção das despesas públicas de custeio e renovação da agenda ambiental.

O cenário mundial de dupla recessão, de 40% de probabilidade, desenha recuperação não sustentável dos principais mercados com surgimento de "novas bolhas" após uma primeira onda de estímulos monetários e financeiros. O agravamento dos problemas financeiros pode precipitar a economia global em novo declínio e provocar nova onda de falências, com retorno da recessão mundial e desaceleração dos emergentes, e o PIB mundial retomando taxas médias negativas de 0,5% anuais nos próximos dois anos. Nessa conjuntura, a economia brasileira tende a ampliar fortemente a presença do Estado, que se tornaria o principal motor de crescimento econômico do país.

A efetivação de um desses cenários econômicos no Brasil, tais quais são descritos pela Macroplan, vão sofrer influência dos resultados das eleições de novembro e das coalizões políticas delas resultantes, avisam Porto e Ventura. Além das candidaturas de Dilma Rousseff e José Serra, a entrada em cena de Marina Silva e Ciro Gomes indica que a economia brasileira evoluirá entre dois polos - de continuidade das reformas e/ou de ajustes eventuais - com possibilidade reduzida de o país aventurar-se numa trajetória nacional-populista semelhante à de outros países da América do Sul.

No longo prazo, porém, o estudo da Macroplan destaca que a trajetória do Brasil para o Primeiro Mundo vai depender sobretudo da disposição do Estado, da sociedade e do setor privado de enfrentar gargalos internos estruturais que se contrapõem às suas potencialidades (ver arte abaixo) e o impedem de mudar de patamar no contexto do poder global.

A continuidade de sucesso do Brasil no mundo vai depender da capacidade de seus governantes de eliminar tais entraves. Se as mudanças estruturais passarem a integrar uma agenda estratégica nacional, fruto de consenso entre os principais grupos políticos e econômicos e alvo de crescente exigência da sociedade, tornando-se um sólido valor social, está assegurado o "salto para o Primeiro Mundo". Caso contrário, o Brasil, entre 2020 e 2030, continuará um país dual. O pior cenário, porém, de "baleia encalhada", com baixa probabilidade de ocorrer, não é improvável. Nele, a falta das reformas estruturais aborta a trajetória de aceleração do crescimento. O país retoma taxas entre 1% e 3% anuais, com parque produtivo atrasado, baixo grau de inovação e inserção internacional competitiva restritiva por ausência de reformas no sistema educacional.

Que o mau presságio sirva de alerta para o futuro presidente da República! Feliz 2010 para todos!

1632) Mercosul e Brasil: acordos comerciais em separado

Em uma lista de que participo, um dos interlocutores lançou uma pergunta, que não me foi dirigida especialmente, mas que me julguei habilitado a responder.
Transcrevo sua pergunta, seguida de meus comentários, a que se seguiram nova pergunta, com novos comentários meus.
Na ordem:

Pergunta 1:
Gostaria de saber se os países do Mercosul tem obrigação de fazer acordos comerciais em bloco.

Comentários 1 PRA:
Teoricamente, os países membros do Mercosul (o que por enquanto compreende apenas e tão somente os quatro originais) devem concluir acordos comerciais envolvendo concessões comerciais apenas em bloco, pois este é um suposto da união aduaneira (UA) devidamente registrada no Gatt-OMC (ao abrigo do artigo 24 ou da Cláusula de Habilitação).
Digo teoricamente pois nem o Tratado de Assunção, nem qualquer outro instrumento vinculante de caráter jurídico obrigatório assim o determina expressamente, inclusive porque nem o TA, nem qualquer outro instrumento define o que seja uma UA, ou que o Mercosul seja uma.
Essa é uma decorrencia implícita, até lógica, e inscrita nos anais da política comercial multilateral, de que quando países conjuntamente declarararam ao Gatt (agora OMC) que possuem apenas uma única e exclusiva tarifa, apresentada e consolidada junto às demais partes contratantes, se supõe que eles só poderão negociar conjuntamente e conceder rebaixas tarifárias ou qualquer outro privilégio que seja aplicado legalmente aos quatro que substituiram suas tarifas nacionais por uma de um bloco, como pretende ser o Mercosul.
Existem, ademais, pelo menos duas outras resoluções do Conselho do Mercosul que declaram sua decisão de negociar conjuntamente acordos com terceiras partes, mas essa é uma decisão politica, que deveria ser politicamente respeitada pelos quatro (e que portanto pode ser modificada politicamente).
O fato é que a UA do MErcosul é uma colcha de retalhos, aplicada parcialmente pelos quatro, com inúmeras exceções nacionais, o que converte essa UA em algo surrealista.
O Mercosul negocia conjuntamente acesso a mercados (tarifas e regras de política comercial), mas não investimentos ou propriedade intelectual, por exemplo, pois carece de instrumentos mais abrangentes.
Ele negociou conjuntamente com Israel, o que chamam de tratado de livre-comércio (na verdade um acordo de liberalização comercial, que precisa ser registrado na OMC, depois que todos o ratificarem).
Os tratados de associação comercial no ambito latino-americano (com excecao do concluído com o Chile) sao uma caricatura, cheios de exceções bilaterais e setoriais, sem criar de verdade muito comércio.
Acredito que se houver uma resolução política concedendo aos paises membros o direito de negociar separadamente, eles o farao, e depois se encontrará uma maneira de conciliar concessões internamente ao bloco e no âmbito da OMC.
O desrespeito às normas de política comercial é imenso, dentro e fora da OMC.
Paulo Roberto de Almeida

Pergunta 2:
Ou seja, nosso futuro presidente não tem impedimentos legais para negociar um acordo em separado com os EUA por exemplo....

Comentários 2 PRA:
Eu não diria isso, pois o Brasil estaria infringindo uma resolução pela qual ele se bateu denodadamente, justamente impedindo o Uruguai de negociar um acordo em separado com os EUA, como pretendia Tabaré Vasquez e seu ministro da economia (agora vice-PR) Danilo Astori.
Creio que o futuro presidente, se não for um sucessor direto de Lula, poderia obter do Mercosul uma resolução política dando liberdade por algum momento (ou seja uma janela de oportunidade) para que os países negociem acordos de livre comércio com terceiros países, desde que respeitassem a cláusula NMF para dentro, ou seja, estendessem as mesmas vantagens aos demais parceiros do Mercosul.
Creio que a fórmula poderia ser essa, mas não deixa de ser incongruente com o espírito de uma UA (que o Mercosul pretende ser), ainda que possa nao ser contrária a alguma "lei" (pois não existe nesse caso).
No plano prático, não sei se conseguiríamos ter um acordo em separado com os EUA, pela mesma razão pela qual os EUA nao têm uma ZLC com a UE, pois são complexos os problemas, derivados de regras muito intrusivas, que independem apenas de tarifas ou simples normas ou medidas de acesso a mercados.
Os EUA costumam exigir bem mais do que simples rebaixamento tarifário, indo para propriedade intelectual, investimentos, competição, livre fluxo de capitais, etc. Muito complicado para um país protecionista como o Brasil.
Por outro lado, seria preciso ficar claro que os EUA tampouco desmantelariam o arsenal protecionista, que a despeito de ser bem menor do que o brasileiro, é especialmente incidente sobre aqueles setores nos quais temos vantagens nítidas sobre eles, ou seja, há uma infeliz coincidência entre nossos produtos competitivos e o protecionismo setorial deles (geralmente agricultura, mas alguns setores industriais tambem).
Não acredito, sinceramente, na possibilidade de um acordo comercial Brasil-EUA, apenas, talvez, um acordo de facilitação de negócios...
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Paulo Roberto de Almeida
(30/12/2009)

1631) Politica externa brasileira: editorial do jornal O Globo

Extremamente forte, a propósito da situação no Irã. Creio que não necessita nenhum comentário.

Ventos de Teerã
Editorial O Globo, 29 de dezembro de 2009

Na entrevista concedida ao GLOBO e publicada na sexta-feira 25, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, aproveitou para reafirmar a defesa brasileira de seu novo aliado preferencial, o Irã de Mahmoud Ahmadinejad. Por uma dessas trapaças do destino - mas que não pode ser creditada ao azar -, logo no domingo o regime dos aiatolás protetores do radical presidente iraniano, reeleito numa eleição fraudada, começou a desfechar nova onda de repressão à oposição interna, a mais violenta desde as manifestações ocorridas depois de anunciada a vitória contestada de Mahmoud Ahmadinejad.

Como o Irã foi tomado por uma atmosfera política inflamável, qualquer fagulha ameaça deflagrar explosões incontroláveis. A nova leva de protestos começou dias antes, com a morte de um dos clérigos dissidentes, o aiatolá Hossein Ali Montazeri. E, ao manter a repressão nas ruas em um importante feriado religioso, o regime jogou mais combustível neste incêndio. Ler a entrevista do chanceler brasileiro enquanto se acompanha o noticiário de Teerã é esclarecedor, para se ter medida dos riscos que a diplomacia brasileira corre ao abrir um guarda-chuva sobre uma ditadura teocrática metida numa aventura nuclear - tudo em nome de um antiamericanismo de ocasião, provavelmente para Brasília, em período eleitoral, afagar frações aliadas mais à esquerda.

A perigosa aventura de Ahmadinejad, sob a proteção do aiatolá Ali Khamenei, é defendida por Amorim com o malandramente falso e cândido argumento de que quem tem arsenais deste teor não pode criticar o Irã (EUA, Rússia etc.). O argumento cabe no figurino ideológico bolivariano do caudilho Hugo Chávez. Uma coisa são nações que saíram da Guerra Fria com estes arsenais, mas que participam dos fóruns que tratam do assunto, e negociam acordos de redução no número de ogivas; outra, um país subjugado por uma ditadura de fanáticos religiosos, à margem de qualquer respeito à diplomacia multilateral.

Caso a situação política interna no Irã rume para a ruptura institucional, desaguando num massacre interno, o Brasil irá à ONU defender aiatolás corruptos, sanguinários, fanáticos e sua guarda pretoriana? A julgar pelo silêncio de Amorim, na entrevista ao GLOBO, quando perguntado sobre a leniência brasileira com relação a Cuba, é provável que isto ocorra, infelizmente. Aliás, é o que o Itamaraty tem feito quando se abstém de condenar nas Nações Unidas governos marginais como o do Sudão, em busca de votos para conseguir um assento no Conselho de Segurança.

Essa clivagem ideológica acentuada da diplomacia apenas sabota o projeto do próprio governo de elevar o status do país como parceiro global confiável. Os terceiro-mundistas, bolivarianos e defensores de Ahmadinejad estacionaram um poderoso carro-bomba dentro deste projeto.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

1630) BNDES: desembolsos superam 137 bilhoes em 2009

Tem quem ache uma maravilha. Seria preciso dizer (ou lembrar) a essas pessoas que o dinheiro saiu do bolso delas. Em 2009, o Tesouro repassou mais de 100 bilhões de reais ao BNDES (além do que ele já dispõe regularmente, como fundos legais, FAT, essas coisas). Ou seja, o Tesouro fez dívida pública, remunerada na média a 10%, para que o BNDES pudesse repassar a industriais amigos e à Petrobras a 6%, apenas.
Em última instância, somos nós que estamos pagando...
Paulo Roberto de Almeida (29.12.2009)

BNDES encerra 2009 com desembolso recorde
O BNDES registrou em 2009 o maior volume de desembolsos de sua história, com liberações de R$ 137,3 bilhões. O crescimento foi de 49% em relação aos desembolsos de 2008. Se incluirmos repasses para operações de giro a bancos federais, o valor ascende a R$ 139,7 bilhões.

As liberações para o setor industrial responderam pela maior parte dos desembolsos do Banco, atingindo R$ 60,1 bilhões, uma alta de 54% em relação a 2008. Os desembolsos para infraestrutura totalizaram R$ 46,5 bilhões, um aumento de 32% na comparação com o ano anterior.

Os dados divulgados nesta terça-feira, 29 de dezembro, contabilizam as liberações que serão realizadas até 30 de dezembro e ainda poderão sofrer algum tipo de revisão. De qualquer forma, ilustram o resultado excepcional obtido em um ano em que o BNDES foi um instrumento importante na estratégia do governo de combater os efeitos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira.

O Banco reduziu fortemente as taxas cobradas em seus financiamentos, estimulando especialmente os setores de bens de capital, inovação e intensificando seu apoio às micro, pequenas e médias empresas. Também ampliou sua atuação no financiamento à exportação e capital de giro, em função da retração do crédito observada a partir do quarto trimestre de 2008.

As medidas tomadas pelo BNDES, em coordenação com outros bancos públicos e demais esferas do governo federal, ajudaram o país a superar a fase mais aguda da crise e a retomar a trajetória de crescimento do PIB, do emprego e do investimento.

Assessoria de comunicação do BNDES

1629) Livro Relacoes Brasil-Europa 2010-2020


Participei com um capitulo sobre as bases conceituais de uma (qualquer uma) política externa nacional. Para os bons entendedores...

Livro – Brasil – União Europeia – América do Sul (Anos 2010-2020)
Boletim Mundorama, 29 de Dezembro de 2009

Brasil – União Europeia – América do Sul (Anos 2010-2020)
Estevão C. de Rezende Martins e Miriam Gomes Saraiva (organizadores) 

Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2009

Esta publicação contém as comunicações apresentadas durante o Colóquio Internacional “Brasil – União Europeia – América do Sul, anos 2010-2020″ realizado em outubro de 2008 no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Sumário


Introdução: Brasil, União Europeia e América do Sul, por 
Estevão C. de Rezende Martins e Miriam Gomes Saraiva (organizadores) 



Primeira parte: O Brasil entre a União Europeia e a América do Sul


Bridge over trouble waters: Brasil, Mercosul e União Europeia (1980–2008), por 
Marcelo de Almeida Medeiros Natália Leitão

La Unión Europea y Brasil: entre el birregionalismo y el bilateralismo, por 
Susanne Gratius

EU-Mercosur Relations after the EU-Brazilian Strategic Partnership, por 
Andrea Ribeiro Hoffmann

As relações entre a União Europeia e a América Latina – o Mercosul neste enquadramento, por 
Raquel Patrício

O Brasil entre a União Europeia e a América do Sul entre continuidades e mudanças nos governos de Cardoso e Lula: limites para uma relação triangular, por 
Miriam Gomes Saraiva

No canteiro das ideias: uma reflexão sobre o conceito de parceria estratégica na ação internacional do Brasil à luz das suas relações com a União Europeia, por 
Antônio Carlos Lessa 



Segunda parte: Através do Atlântico: convergências ou rivalidades?


Estados Unidos, UE, OTAN e Rússia: unidade e divisão estratégica, por 
Cristina Soreanu Pecequilo

Leadership without Followers: The Contested Case for Brazilian Power Status, por 
Andrés Malamud

O desenvolvimento da cooperação parlamentar após a Guerra Fria, por 
Maria Sofia Corciulo

O déficit democrático e as instituições parlamentares internacionais, por 
Maria Claudia Drummond

Representação, legitimidade, cultura e identidade: Estados, governos e sociedades nos processos de parceria entre blocos, por 
Estevão C. de Rezende Martins 



Terceira parte: Simetrias e assimetrias institucionais


De Monarquías transoceánicas a “Estado-nación” y al Estado plurinacional post-soberano en la Unión Europea: Governance multinivel y paradiplomacia (1776-2008), por 
Joseba Agirreazkuenaga

Bases conceituais de uma política externa nacional, por 
Paulo Roberto de Almeida

Estado e condicionantes constitucionais nos processos de integração regional, por 
Patrícia Luíza Kegel
Introdução

Durante 2007, o Brasil celebrou seu primeiro encontro de cúpula com os países da União Europeia onde foi assinada uma “parceria estratégica” entre ambos. O encontro ocorreu ao mesmo tempo em que as negociações políticas de formação de uma associação inter-regional entre a UE e o Mercosul estão paralisadas (na prática, desde 2004). A cúpula e a “parceria estratégica” com apenas um dos membros do Mercosul (o maior deles) chamou a atenção dos analistas. Muitas razões explicam o encontro: o Brasil vem demonstrando um comportamento pró-ativo em assuntos internacionais, especialmente em relação às negociações da OMC e agora no Grupo dos 20 formado para enfrentar a situação de crise econômica que abalou o mundo em 2008; Portugal ocupava a presidência da UE nesse momento (e mantém laços históricos com o Brasil); a UE vem estabelecendo parcerias com outros system-affecting states ou potências emergentes, como a China e a Índia (embora estes países não tenham outro fórum de diálogo político com a UE). Não obstante, é possível identificar um outro fator explicativo para a cúpula: o papel diferenciado que o Brasil pode vir a desempenhar na América do Sul.

Desde o princípio da presidência de Lula da Silva, a diplomacia brasileira vem adotando uma estratégia de construção de uma liderança na América do Sul, buscando vínculos mais fortes com os Estados vizinhos, assim como uma integração em termos econômicos, de infraestrutura e de defesa de regimes democráticos. As iniciativas de cooperação Sul-Sul foram intensificadas com a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), assim como as ações do Brasil como mediador de situações de crise tomaram maior volume. A ascensão de governos não-liberais, especialmente na Venezuela com Chávez, mas também na Bolívia e no Equador, foi motivo de preocupação para a União Europeia e seus Estados-membros. Em relação ao Mercosul, a participação do presidente Chávez em seus fóruns políticos contribui para levantar indagações sobre o desdobramento do diálogo com a UE.

Com vistas a responder estas questões, em outubro de 2008 o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília organizou, nos marcos do Projeto Renato Archer “Parcerias Estratégicas do Brasil: a construção do conceito e as experiências em curso”, o Colóquio Internacional “Brasil – União Europeia – América do Sul, anos 2010-2020”. O seminário contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais e da Fundação Konrad Adenauer no Brasil.

O objetivo das diversas mesas redondas que tiveram lugar no colóquio foi debater os diferentes papéis que o Brasil e os demais atores vinculados às relações tanto UE-América do Sul quanto, mais especificamente, UE-Mercosul possam ter desempenhado, desempenham ou possam vir a desempenhar, no plano de suas respectivas políticas externas, neste triângulo, dentro de um cenário de crise financeira iniciada em fins de 2007 e cujos desdobramentos, em 2009, se agravam. Os debates trataram de temas como o papel do Brasil como liderança em sua região; a importância e o possível impacto da parceria estratégica entre a UE e o Brasil nas relações birregionais. Debruçaram-se também sobre outras formas não-estatais de cooperação entre as duas regiões, sobre experiências europeias e a superação do atlantismo político tradicional. Questões conceituais como o Estado, a política externa e o impacto constitucional de um processo de integração estiveram igualmente na ordem do dia.

Como um bom exemplo de parceria intelectual, a colaboração entre a Universidade de Brasília, o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, que comemora quarenta anos de suas atividades no Brasil em 2009, permitiu-nos reunir no presente livro uma série de contribuições produzidas para o colóquio. Diversos pontos são tocados nos

textos aqui apresentados ao público: Há ainda sentido em falar de parcerias estratégicas bilaterais entre países-membros de organizações regionais? Em que dimensão pode se dar uma parceria estratégica entre um Estado e uma organização regional: no plano dos Estados nacionais ou no patamar coletivo das instituições supranacionais? Há requisitos de nível de integração prévia entre Brasil e a UE para se estabelecerem padrões de uma parceria estratégica nos campos político e econômico? Que outros campos de integração se fazem necessários, como ações de política pública para incrementar esta parceria? A questão de eventuais “relações em eixo” viria a ser decisiva para os impulsos internos aos processos de integração e igualmente para os externos, chamados de “negociações entre blocos”? Buscou-se examinar nos artigos que compõem esta obra se, para a consolidação e/ou a expansão dos laços inter-regionais entre América do Sul e a UE, se requer o protagonismo moderador de determinado(s) país(es).

Reiteradas afirmações de dirigentes, tanto americanos quanto europeus, destacam a necessidade de se estabelecerem relações privilegiadas entre dois parceiros específicos. O próprio conceito de “parceria estratégica” busca sua melhor definição. Prevalece o campo da economia e do comércio com bases na intocabilidade do pragmatismo? perspectiva histórica dos respectivos protagonismos, nos planos político, econômico, jurídico, comercial, cultural, esteve no foco de abordagem dos artigos que se seguem, destacando-se o papel regional dos Estados, multiplicidade, superposição, concorrência entre organismos multilaterais, papel dos parlamentos regionais, a dimensão da justiça, as sociedades civis, a cultura.

Com vistas a responder a tantas indagações, o livro é dividido em três partes. A primeira concentra-se mais propriamente no papel do Brasil entre a UE e América do Sul, desde a perspectiva dos Estados, e na União Europeia como organização regional composta por Estados-membros. Seus artigos analisam as tensões e possibilidades existentes neste triângulo. Marcelo Almeida Medeiros em parceria com Natália Leitão e Andrea Ribeiro Hoffmann examinam o papel do Brasil nos marcos das relações da UE-Mercosul. Susanne Gratius analisa a tensão entre o bilateralismo e o birregionalismo nas relações Brasil-UE. Raquel Patrício situa o Mercosul dentro das relações UE-América Latina. Miriam Saraiva Antonio Lessa examinam as continuidades e as mudanças no comportamento brasileiro frente a UE e a América do Sul nos governos de Cardoso e Lula e o comportamento brasileiro no cenário internacional nos marcos da parceria estratégica com a UE.

A segunda parte orienta-se para questionamentos sobre as rivalidades e convergências que podem estruturar-se através do Atlântico. Cristina Pecequilo analisa as relações dos Estados Unidos com a UE, nos marcos da Otan, e com a Rússia. Andrés Malamud desenvolve reflexões acerca das possibilidades e limites do desempenho do Brasil como liderança regional. Maria Sofia Corciulo e Maria Cláudia Drummond concentram-se nos Parlamentos, examinando traços da cooperação interparlamentar entre as duas regiões e apresentando as características e os vínculos entre as instituições parlamentares internacionais e o déficit democrático presente nas organizações regionais. Estevão Rezende Martins trabalha com temas de representação, cultura e identidades entre diferentes atores dos processos de interação birregionais.

A terceira parte busca explicar importantes traços institucionais que marcam as duas regiões, tomando em conta tanto suas simetrias quanto suas assimetrias, assim como oferece ao leitor conceitos explicativos do comportamento externo dos Estados. Joseba Aguirreazkuenaga analisa as diferentes feições do Estado e de atores supra e sub-nacionais. Paulo Roberto de Almeida desenvolve reflexões sobre conceitos orientadores de uma política externa como interesse nacional, representação de interesses sociais e ação diplomática. E Patrícia Kegel examina as condicionantes constitucionais que operam sobre os processos de integração regional.

Por fim, os organizadores deste volume expressam seus agradecimentos ao Ministério da Ciência e Tecnologia que, mediante o CNPq, apoia financeiramente este projeto acadêmico. Agradece também à Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC), de Brasília, que ofereceu suas instalações e apoio para a realização do colóquio. E um agradecimento especial é aqui dirigido à Fundação Konrad Adenauer, cuja profícua parceria permite a presente publicação.

Boletim Mundorama, 2. Biblioteca, Livros

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