Foi meu ex-orientando no Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco. Passou anos, na Embaixada em Beijing, estudando chines. Recomendo, portanto.
Paulo Roberto de Almeida
O Pensador da China
Gilberto Scofield
O Globo, Magazine Literario, sábado, 12/01/2013
Edição comentada da principal obra do filósofo, ‘Os analectos’, é caminho para se compreender as contradições do país hoje.
A emergência econômica da China nas últimas décadas tirou o pensamento do filósofo chinês Confúcio (551-479 a.C.) das compilações de frases feitas com propósitos de autoajuda e o inseriu na arena de debates intelectuais ocidentais sérios. Afinal, trata-se de um dos mais importantes filósofos do país, um sábio em torno do qual foi criada uma escola de pensamento que diz muito sobre o que é a China hoje. Quer entender porque a China avança tanto nos rankings das maiores economias do planeta quanto nas listas de países onde os abusos trabalhistas são uma constrangedora rotina? Mergulhe em Confúcio.
Até agora, tudo o que se publicou no Brasil a respeito de Confúcio são coletâneas de frases pinçadas de sua principal obra, “Os analectos” (ou mesmo traduções para o português de edições publicadas em outras línguas), o que resulta em um livro bastante sem sentido para qualquer um que busque entender o confucionismo sem pistas sobre a China de 2,5 mil anos atrás. Mas essa falha foi corrigida em alto estilo com a publicação, pela editora Unesp em parceria com o Instituto Confúcio, de “Os analectos” numa edição comentada e traduzida para o português diretamente do chinês pelo diplomata Giorgio Sinedino, que há sete anos dedica-se a estudar tanto a língua quanto a obra.
Contexto feudal
O esforço da Unesp resultou numa vigorosa obra — são 608 páginas — que faz juz ao desafio que é destrinchar o pensamento confucionista, um exercício ao qual se debruçam os chineses até hoje. Lá, “Os analectos” são publicados em edições comentadas, sendo a mais importante e influente delas a do também filósofo Zhu Xi (1130 a 1200 d.C.), justamente a usada por Sinedino como base para a tradução do livro editado pela Unesp. As dificuldades foram grandes, como o chinês arcaico dos textos, extremamente sintético. Como estudioso da cultura chinesa, o diplomata teve que contextualizar o pensamento chinês diante da realidade feudal da época em que o confucionismo começou a tomar forma. A tarefa levou três anos de pesquisa e um ano de tradução propriamente dita.
— A maior dificuldade na tradução de um texto em chinês arcaico está em administrar diferenças sintáticas com o português. Além disso, por ser uma língua muito sintética, o chinês arcaico deixa subentendidas coisas que para um estrangeiro teriam de ser comunicadas. Sendo assim, as traduções em geral têm que complementar o original com uma série de informações omitidas no original e aí está uma fonte de erros e manipulações do texto. Eu traduzi as citações literalmente, mostrando ao leitor aquilo que acrescentei por meio de colchetes. Esses acréscimos nada mais são do que ajustes sintáticos e semânticos, para que o texto não fique incompreensível em português. Nos comentários eu apresento aquilo que possivelmente ficou suprimido no texto principal e debato as diversas interpretações das passagens — diz Sinedino.
Só quem alguma vez teve contato com a língua chinesa pode dimensionar o grau de complexidade da tarefa. O chinês clássico do pensamento confucionista, do século IV a.C., é “radicalmente telegráfico e sintético, com muitas janelas de interpretação e dubiedades”, nas palavras do próprio Sinedino. O chinês dos comentários de Zhu Xi, por sua vez, é do século XI, conhecido como vernacular antigo. Entre este e o chinês moderno correm dez séculos de civilização.
— O papel dos comentários está em restringir as diversas leituras possíveis do original a um tipo particular de interpretação, no caso, a de Zhu Xi, que se tornou o comentário padrão de “Os analectos”. O comentário de Zhu foi o texto base para exames de acesso à carreira burocrática na China do século XIII até o começo do século XX. Hoje em dia é a interpretação padrão das ideias confucianas. Como há muitos manuscritos com pequenas divergências, adotei a edição consolidada e revista da conceituada editora Zhonghua Shuju, de 1982. Esse volume é a edição padrão usada para pesquisas confucianas nas pós-graduações chinesas, sendo também referência mundial — afirma o diplomata.
Editor-executivo da Editora Unesp, Jézio Hernane Bonfim Gutierre explica que a publicação faz parte da parceria entre a universidade paulista e o Instituto Confúcio, que busca traduzir diretamente do chinês para o português livros fundamentais da cultura chinesa.
— Gerações inteiras até hoje são influenciadas pelo pensamento confucionista, de modo que achamos fundamental apresentar esse livro devidamente comentado, como fazem os chineses. Acreditamos que a compreensão da obra extrapola a questão filosófica pura e simples. Para quem quer entender hoje a lógica do pensamento do governo comunista, e seus apelos sobre sociedade harmoniosa, não pode ignorar a lógica confucionista.
O pensamento confucionista nasceu quando a China era uma fração do gigante atual, um apanhado de reinos conhecido como Período da Primavera e Outono (770-476 a.C.). O sistema feudal já contava com uma estrutura de governo que buscava uma lógica administrativa infalível. Acreditava-se que o reino mais bem administrado seria, necessariamente, o mais poderoso.
Assim como na história da filosofia grega, o que existe até hoje do pensamento confucionista são interpretações e comentários de discípulos de Confúcio que foram transmitindo o pensamento do mestre por gerações. O próprio Confúcio fazia questão de dizer que sua sabedoria vinha de uma tradição anterior, revelando uma importante característica dos pensadores chineses, explicada no livro: os filósofos se definem apenas como divulgadores de tradições, não como criadores de pensamento propriamente dito.
Ensinamentos morais
Zhu Xi foi um dos mais importantes estudiosos do confucionismo, que ele sistematizou como corrente de pensamento em quatro livros de interpretações: “O grande aprendizado”, “Os analectos”, “Mêncio” e “A doutrina do meio”, considerados a leitura imprescindível para quem quisesse tornar-se um sábio preparado para governar. O conjunto de ensinamentos morais de “Os analectos” — impregnados de conceitos como a virtude de se praticar o bem, o respeito às hierarquias e à família, a submissão resignada dos populares e das mulheres, a predestinação, entre outros conceitos — é ensinado nos bancos escolares e universitários, transmitidos pelas famílias por meio de ditados populares, adaptado em livros para executivos associados a técnicas de gerência e administração e amplamente manipulado pelo governo de Pequim para tentar doutrinar a população chinesa. Presta-se a vários fins e faz parte do sistema cultural do país. A explicação é do próprio Sinedino:
“Se compararmos as escolas de pensamento gregas com as escolas chinesas, veremos que há uma importância menor do pensamento e da criatividade individuais no lado chinês. O pensamento na China é mais uma circunstância do convívio e da luta pelo reconhecimento da sociedade por uma escola de pensamento. Portanto, quando falamos em Confúcio devemos ter em mente não apenas o trabalho intelectual realizado pelos discípulos, mas também todo o trabalho político de busca de patrocínio político para a escola. Isso é regra para qualquer pensamento na China. Temos que ver o confucionismo não exclusivamente como obra de Confúcio, mas como um complexo de relações entre pensamento, o tipo de trabalho político que foi realizado com base nesse pensamento e o tipo de recepção que tal trabalho recebeu das elites e do governo”.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 27 de janeiro de 2013
Criminosos nazistas impunes na America do Sul - Der Spiegel
Governo brasileiro acobertou nazistas para evitar julgamento de crimes da ditadura
Felix Bohr
Der Spiegel
(FSP, 27/01/2013)
Na Segunda Guerra Mundial, dezenas de criminosos nazistas foram se esconder na América do Sul. Um novo estudo revela como uma "coalizão relutante" dos dois lados do Atlântico conseguiu por décadas atrapalhar os esforços para caçar e levar à justiça esses criminosos.
Foi preciso apenas um número trocado -1974 em vez de 1947- para Gustav Wagner ter permissão para permanecer no Brasil. Foi um mero lapso do homem que traduziu o documento do alemão para o português que levou a Suprema Corte do Brasil a negar o pedido da Alemanha Ocidental para extraditar o antigo oficial da SS. E ainda assim, Wagner era acusado de cumplicidade no assassinato de 152 mil judeus no campo de exterminação Sobibor, na Polônia ocupada pelos alemães.
Josef Mengele, o notório médico do campo de concentração de Auschwitz, também se beneficiou de erros e atrasos porque os policiais franceses da Interpol, a força policial internacional com sede em Paris, recusou-se a conduzir buscas internacionais de criminosos de guerra nazistas. Já no caso do coronel da SS Walther Rauff, que ajudou a desenvolver as câmaras de gás portáteis usadas para matar judeus, foi um membro do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha que sabotou o pedido de extradição de seu próprio governo para o Chile por 14 meses.
Como resultado dessas falhas, esses três brutamontes nazistas nunca foram julgados pelas cortes alemãs depois da guerra. Wagner, a "besta" de Sobibor, morreu em São Paulo; Mengele afogou-se no Brasil e Rauff morreu de ataque cardíaco no Chile. Das centenas de oficiais nazistas e assassinos em massa que fugiram para a América do Sul após a rendição da Alemanha nazista, apenas meia dúzia deles jamais foram julgados.
Como tantos criminosos conseguiram sair sem punição, apesar de serem claramente culpados? Esta é uma questão que deixa os acadêmicos abismados até hoje. Seria pela falta de cooperação das autoridades da Alemanha Ocidental? A falta de interesse por parte dos regimes da América do Sul? Havia laços secretos e colaboração entre nazistas dos dois lados do Atlântico?
O historiador Daniel Stahl conduziu uma pesquisa nos arquivos europeus e sul-americanos para escrever seu novo livro, chamado "Nazi Hunt: South America's Dictatorships and the Avenging of Nazi Crimes" (em tradução livre: "Caça aos nazistas: as ditaduras sul-americanas e a compensação pelos crimes de guerra"). O trabalho oferece uma resposta certeira e terrível ao que há muito se suspeita: que havia uma ampla coalizão de pessoas –nos diferentes continentes, na justiça, nos corpos policiais e governos- que não se dispunham a agir ou até prejudicavam a perseguição dos criminosos nazistas por décadas.
Embargado por antigos nazistas
Stahl acredita que os motivos que levaram cada um a participar do que ele chama de "coalizão relutante" variou muito. Os diplomatas da Alemanha Ocidental sabotavam a caça aos nazistas por solidariedade. Já os investigadores franceses temiam que uma cooperação pudesse expor seus próprios passados como colaboradores nazistas. E os ditadores da América do Sul se recusavam a extraditar antigos nazistas por preocupação que os julgamentos de criminosos de guerra pudesse chamar atenção internacional aos crimes que seus próprios governos estavam cometendo na época.
Não era difícil para essa coalizão torpedear a caça aos nazistas. Inúmeros agentes –na polícia, na justiça, no governo- tinham que trabalhar juntos para organizar e realizar os julgamentos por crime. De fato, um pequeno erro ou uma irregularidade processual menor era suficiente para atrapalhar a prisão dos criminosos.
Stahl não deixa dúvidas que o judiciário da Alemanha Ocidental foi especialmente culpado de sérios lapsos. Suas descobertas confirmam que a instituição foi negligente em sua capacidade de processar os assassinos nazistas por décadas.
Walther Rauff, por exemplo, viajou entre a América do Sul e Alemanha depois da guerra como representante de várias empresas e nunca encontrou dificuldades, porque seu nome não aparecia em nenhuma das listas de criminosos procurados. Apenas em 1961, os promotores públicos da cidade de Hanover, no norte da Alemanha, emitiram um mandado para a prisão de Rauff por quase 100 mil acusações de assassinato.
Encontrar o endereço de Rauff no Chile não foi problema, e o Ministério de Relações Exteriores da Alemanha instruiu o embaixador Hans Strack, em Santiago, a solicitar a extradição do criminoso nazista. Mas Strack, que também tinha trabalhado no Ministério de Relações Exteriores antes de 1945, ignorou as instruções do ministério em Bonn e permitiu que o caso se arrastasse por 14 meses.
Apenas quando os membros da justiça em Hanover notificaram os colegas federais que estavam "extremamente desconcertados" com o fato de a embaixada estar tratando o caso "com tanta hesitação" que o governo disciplinou o embaixador recalcitrante. Strack, conhecido oponente das reparações pelos crimes da Alemanha nazista, finalmente pediu a extradição de Rauff, que levou à sua prisão no final de 1962.
Mas então, era tarde demais para punir Rauff, porque o homicídio prescrevia na maior parte dos países sul-americanos na época. A Suprema Corte do Chile negou o pedido da Alemanha para extraditar o ex-coronel da SS. Apesar dos protestos internacionais, Rauff continuou vivendo como homem livre no Chile por décadas.
Em outros casos, uma falta de cooperação da Interpol prejudicou a busca de nazistas. Stahl recuperou um documento particularmente revelador, as minutas de um encontro do comitê executivo da Interpol de maio de 1962. Pouco tempo antes, o Congresso Judeu Mundial tinha pedido à Interpol que participasse da busca mundial por criminosos nazistas. O então secretário-geral da Interpol, Marcel Sicot, respondeu com revolta. Por que os criminosos de guerra devem ser julgados, teria dito o francês segundo as minutas, "quando o vitorioso sempre impõe suas leis, de qualquer forma? Nenhuma entidade internacional define o termo ‘criminoso de guerra’". De fato, Sicot via a perseguição criminal de crimes nazistas como "a justiça do vitorioso".
Em 1960, houve rumores que Josef Mengele, o médico do campo de concentração conhecido como "Anjo da Morte", estava escondido no Brasil ou no Chile. O Ministro da Justiça Alemão aconselhou o Escritório da Polícia Criminal Federal a conduzir uma caçada –mas sem envolver a Interpol. As autoridades em Bonn aparentemente estavam tentando evitar incomodar os investigadores internacionais com o caso, mas o esconderijo de Mengele nunca foi encontrado.
Stahl atribuiu o fracasso da Interpol em prender nazistas e seus colaboradores ao passado de muitos policiais franceses. "Como homens do regime de Vichy, (eles) colaboraram com os nazistas até 1944", escreve Stahl. "Eles se opunham ao julgamento de crimes nazistas".
Stahl também observa que um dos principais obstáculos para a caçada de criminosos nazistas de fato era que os ditadores sul-americanos queriam cobrir seus próprios crimes. No dia 22 de junho e 1979, o embaixador alemão em Brasília escreveu que a extradição de alguém que tinha cometido crimes de guerra quase 40 anos antes ia "reforçar os pedidos dos que insistem que todos os crimes devem ser julgados, inclusive os cometidos pelos militares e policiais". Um pouco antes, o governo do então chanceler Helmut Schmidt tinha pedido a extradição de Wagner, subcomandante de Sobibor, um pedido que os juízes da Suprema Corte do Brasil negaram.
Na Alemanha, uma nova geração tinha entrado na burocracia do governo –e não tinha medo de usar meios não convencionais para colocar os criminosos nazistas atrás das grades. Em 1982, a Promotoria Pública de Munique iniciou procedimentos para pedir a extradição de Klaus Barbie, ex-diretor da Gestapo em Lyon, França. Temendo que Barbie pudesse ser absolvido na Alemanha por falta de evidências, os funcionários do Ministério da Justiça pediram aos seus colegas das Relações Exteriores que sugerissem aos aliados franceses que "eles também deveriam pedir a deportação de Barbie, especificamente da Bolívia para a França".
Quando Paris concordou, o Ministério de Relações Exteriores instruiu a embaixada alemã em La Paz, capital da Bolívia, que "encorajasse tal procedimento com os meios apropriados".
No início de 1983, Barbie foi deportado para a França. O famoso "Açougueiro de Lyon" morreu em um hospital naquela cidade em 1991.
Traduzido do alemão por Christoph Sultan.
Felix Bohr
Der Spiegel
(FSP, 27/01/2013)
Na Segunda Guerra Mundial, dezenas de criminosos nazistas foram se esconder na América do Sul. Um novo estudo revela como uma "coalizão relutante" dos dois lados do Atlântico conseguiu por décadas atrapalhar os esforços para caçar e levar à justiça esses criminosos.
Foi preciso apenas um número trocado -1974 em vez de 1947- para Gustav Wagner ter permissão para permanecer no Brasil. Foi um mero lapso do homem que traduziu o documento do alemão para o português que levou a Suprema Corte do Brasil a negar o pedido da Alemanha Ocidental para extraditar o antigo oficial da SS. E ainda assim, Wagner era acusado de cumplicidade no assassinato de 152 mil judeus no campo de exterminação Sobibor, na Polônia ocupada pelos alemães.
Josef Mengele, o notório médico do campo de concentração de Auschwitz, também se beneficiou de erros e atrasos porque os policiais franceses da Interpol, a força policial internacional com sede em Paris, recusou-se a conduzir buscas internacionais de criminosos de guerra nazistas. Já no caso do coronel da SS Walther Rauff, que ajudou a desenvolver as câmaras de gás portáteis usadas para matar judeus, foi um membro do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha que sabotou o pedido de extradição de seu próprio governo para o Chile por 14 meses.
Como resultado dessas falhas, esses três brutamontes nazistas nunca foram julgados pelas cortes alemãs depois da guerra. Wagner, a "besta" de Sobibor, morreu em São Paulo; Mengele afogou-se no Brasil e Rauff morreu de ataque cardíaco no Chile. Das centenas de oficiais nazistas e assassinos em massa que fugiram para a América do Sul após a rendição da Alemanha nazista, apenas meia dúzia deles jamais foram julgados.
Como tantos criminosos conseguiram sair sem punição, apesar de serem claramente culpados? Esta é uma questão que deixa os acadêmicos abismados até hoje. Seria pela falta de cooperação das autoridades da Alemanha Ocidental? A falta de interesse por parte dos regimes da América do Sul? Havia laços secretos e colaboração entre nazistas dos dois lados do Atlântico?
O historiador Daniel Stahl conduziu uma pesquisa nos arquivos europeus e sul-americanos para escrever seu novo livro, chamado "Nazi Hunt: South America's Dictatorships and the Avenging of Nazi Crimes" (em tradução livre: "Caça aos nazistas: as ditaduras sul-americanas e a compensação pelos crimes de guerra"). O trabalho oferece uma resposta certeira e terrível ao que há muito se suspeita: que havia uma ampla coalizão de pessoas –nos diferentes continentes, na justiça, nos corpos policiais e governos- que não se dispunham a agir ou até prejudicavam a perseguição dos criminosos nazistas por décadas.
Embargado por antigos nazistas
Stahl acredita que os motivos que levaram cada um a participar do que ele chama de "coalizão relutante" variou muito. Os diplomatas da Alemanha Ocidental sabotavam a caça aos nazistas por solidariedade. Já os investigadores franceses temiam que uma cooperação pudesse expor seus próprios passados como colaboradores nazistas. E os ditadores da América do Sul se recusavam a extraditar antigos nazistas por preocupação que os julgamentos de criminosos de guerra pudesse chamar atenção internacional aos crimes que seus próprios governos estavam cometendo na época.
Não era difícil para essa coalizão torpedear a caça aos nazistas. Inúmeros agentes –na polícia, na justiça, no governo- tinham que trabalhar juntos para organizar e realizar os julgamentos por crime. De fato, um pequeno erro ou uma irregularidade processual menor era suficiente para atrapalhar a prisão dos criminosos.
Stahl não deixa dúvidas que o judiciário da Alemanha Ocidental foi especialmente culpado de sérios lapsos. Suas descobertas confirmam que a instituição foi negligente em sua capacidade de processar os assassinos nazistas por décadas.
Walther Rauff, por exemplo, viajou entre a América do Sul e Alemanha depois da guerra como representante de várias empresas e nunca encontrou dificuldades, porque seu nome não aparecia em nenhuma das listas de criminosos procurados. Apenas em 1961, os promotores públicos da cidade de Hanover, no norte da Alemanha, emitiram um mandado para a prisão de Rauff por quase 100 mil acusações de assassinato.
Encontrar o endereço de Rauff no Chile não foi problema, e o Ministério de Relações Exteriores da Alemanha instruiu o embaixador Hans Strack, em Santiago, a solicitar a extradição do criminoso nazista. Mas Strack, que também tinha trabalhado no Ministério de Relações Exteriores antes de 1945, ignorou as instruções do ministério em Bonn e permitiu que o caso se arrastasse por 14 meses.
Apenas quando os membros da justiça em Hanover notificaram os colegas federais que estavam "extremamente desconcertados" com o fato de a embaixada estar tratando o caso "com tanta hesitação" que o governo disciplinou o embaixador recalcitrante. Strack, conhecido oponente das reparações pelos crimes da Alemanha nazista, finalmente pediu a extradição de Rauff, que levou à sua prisão no final de 1962.
Mas então, era tarde demais para punir Rauff, porque o homicídio prescrevia na maior parte dos países sul-americanos na época. A Suprema Corte do Chile negou o pedido da Alemanha para extraditar o ex-coronel da SS. Apesar dos protestos internacionais, Rauff continuou vivendo como homem livre no Chile por décadas.
Em outros casos, uma falta de cooperação da Interpol prejudicou a busca de nazistas. Stahl recuperou um documento particularmente revelador, as minutas de um encontro do comitê executivo da Interpol de maio de 1962. Pouco tempo antes, o Congresso Judeu Mundial tinha pedido à Interpol que participasse da busca mundial por criminosos nazistas. O então secretário-geral da Interpol, Marcel Sicot, respondeu com revolta. Por que os criminosos de guerra devem ser julgados, teria dito o francês segundo as minutas, "quando o vitorioso sempre impõe suas leis, de qualquer forma? Nenhuma entidade internacional define o termo ‘criminoso de guerra’". De fato, Sicot via a perseguição criminal de crimes nazistas como "a justiça do vitorioso".
Em 1960, houve rumores que Josef Mengele, o médico do campo de concentração conhecido como "Anjo da Morte", estava escondido no Brasil ou no Chile. O Ministro da Justiça Alemão aconselhou o Escritório da Polícia Criminal Federal a conduzir uma caçada –mas sem envolver a Interpol. As autoridades em Bonn aparentemente estavam tentando evitar incomodar os investigadores internacionais com o caso, mas o esconderijo de Mengele nunca foi encontrado.
Stahl atribuiu o fracasso da Interpol em prender nazistas e seus colaboradores ao passado de muitos policiais franceses. "Como homens do regime de Vichy, (eles) colaboraram com os nazistas até 1944", escreve Stahl. "Eles se opunham ao julgamento de crimes nazistas".
Stahl também observa que um dos principais obstáculos para a caçada de criminosos nazistas de fato era que os ditadores sul-americanos queriam cobrir seus próprios crimes. No dia 22 de junho e 1979, o embaixador alemão em Brasília escreveu que a extradição de alguém que tinha cometido crimes de guerra quase 40 anos antes ia "reforçar os pedidos dos que insistem que todos os crimes devem ser julgados, inclusive os cometidos pelos militares e policiais". Um pouco antes, o governo do então chanceler Helmut Schmidt tinha pedido a extradição de Wagner, subcomandante de Sobibor, um pedido que os juízes da Suprema Corte do Brasil negaram.
Na Alemanha, uma nova geração tinha entrado na burocracia do governo –e não tinha medo de usar meios não convencionais para colocar os criminosos nazistas atrás das grades. Em 1982, a Promotoria Pública de Munique iniciou procedimentos para pedir a extradição de Klaus Barbie, ex-diretor da Gestapo em Lyon, França. Temendo que Barbie pudesse ser absolvido na Alemanha por falta de evidências, os funcionários do Ministério da Justiça pediram aos seus colegas das Relações Exteriores que sugerissem aos aliados franceses que "eles também deveriam pedir a deportação de Barbie, especificamente da Bolívia para a França".
Quando Paris concordou, o Ministério de Relações Exteriores instruiu a embaixada alemã em La Paz, capital da Bolívia, que "encorajasse tal procedimento com os meios apropriados".
No início de 1983, Barbie foi deportado para a França. O famoso "Açougueiro de Lyon" morreu em um hospital naquela cidade em 1991.
Traduzido do alemão por Christoph Sultan.
From Davos to... what, exactly?
The world economy
Semi-rational exuberance
The world economy is improving. But not as much as some investors seem to think
A VIRUS is spreading through financial markets—and it isn’t the flu. Investors around the world have been struck by a bout of optimism. As stockmarkets from New York to Tokyo hit multi-year highs, the VIX, a gauge of investors’ fear, fell to its lowest since 2007.
Mario, The Superhero - Business Week
The Stitch-Up Artist
Business Week
January 27, 2013
Experts were skeptical last summer when Mario Draghi gave the speech that saved Europe. Draghi, the president of the European Central Bank, told a London audience that the ECB would do “whatever it takes” to save the euro. At the time, the bespectacled, 64-year-old central banker had nothing to back up his promise. Economists quickly noticed his bravado was out of the fake-it-’til-you-make-it school. “Draghi is damned if he does and damned if he doesn’t,” Carsten Brzeski, senior economist at ING Group (ING) in Brussels, told Bloomberg News. “He maneuvered himself into an extremely difficult situation. Expectations are very high.”
Against long odds, Draghi’s bluff worked. Bond markets rallied on the belief that the ECB would deliver on its promise. The market’s surge fed on itself, adding to Draghi’s credibility. Then he recruited German Chancellor Angela Merkel to his side, splitting her off from Jens Weidmann, the hawkish head of Germany’s central bank, the Deutsche Bundesbank. On Sept. 6, the ECB Governing Council put money where Draghi’s mouth was, committing to buy unlimited quantities of sovereign debt if the issuing nations agreed to strict conditions aimed at getting their finances back in order. (Only Weidmann dissented.) Spain and Italy were the main intended beneficiaries.
Amazingly, the ECB has not had to follow through and buy a single euro’s worth of Spanish or Italian bonds. The open-ended commitment to do so was enough to get private investors to buy. Borrowing costs in the two countries are affordable once again. As the global elite convenes in the Alpine resort of Davos, Switzerland, for the World Economic Forum on Jan. 23-27, the European economy looks a good deal less scary than it did a year ago. For that, Europeans can thank the unassuming moneyman they call Super Mario. Even Germans are impressed. “I was way more critical—I have to admit that—in September than I am today,” Nikolaus von Bomhard, chairman and chief executive officer of reinsurer Munich Re, said in a Jan. 15 interview.
What Draghi grasped last summer in London was the importance of “multiple equilibria,” the idea that an economy can operate persistently on either a full-employment track (good) or a low-employment track (bad). Government, Draghi realized, can flip an economy from a bad equilibrium to a good one. Others are following his lead. In Japan, newly seated Prime Minister Shinzo Abe is trying to work a similar flip by urging the Bank of Japan to break the nation’s deflationary spiral. In the U.S., in contrast, the sickening standoff over the debt ceiling threatens to execute a back-flip to a low-growth equilibrium.
Draghi’s training prepared him to be bold. He earned his doctorate in economics in the 1970s from a school that emphasized activism over faith in markets: Massachusetts Institute of Technology. Ben Bernanke was a fellow student. Later, Draghi got a feel for the instability of financial markets during a stint at Goldman Sachs (GS). Recall that former Treasury Secretary Henry Paulson, who had been CEO of Goldman, pulled a Draghi-like move in the summer of 2008 when he promised support for Fannie Mae (FNMA) and Freddie Mac (FMCC), saying, “If you have a bazooka in your pocket and people know it, you probably won’t have to use it.” (Alas, Paulson did have to use his bazooka—and it wasn’t enough to prevent a financial meltdown.)
The key insight of the “multiple equilibria” theory is that the demand curve can develop an ugly kink during a crisis. A falling price, rather than attracting buyers, can scare them off. No one wants to catch a falling knife. The real economy is quickly affected by the market plunge. When governments’ borrowing costs go up, they compensate by raising taxes or cutting spending. Businesses’ borrowing costs rise, too, so they cut investment. Low prices on bond portfolios leave households feeling poorer, so they try to save instead of spend. The economy gets stuck in neutral, if not reverse.
But just as pessimism can become a self-fulfilling prophecy, so can optimism. By getting investors to believe that better times were ahead, Draghi made bond prices rise and yields fall, which aided the real economy and produced the (somewhat) better times that investors were betting on. Says David Kelly, chief global strategist for J.P. Morgan Funds (JPM): “This is something Europeans could have saved themselves a great deal of pain by recognizing from the start.” Euro optimists got another boost in November when the European Parliament approved plans for the ECB to take on bank oversight duties.
All that said, Europe isn’t out of the woods by any means. Output in the 17-nation euro zone has been flat to sinking since late 2011. Unemployment is 16 percent in Portugal and 27 percent in Spain. (To sense Spaniards’ pain, check out the poignant YouTube (GOOG) video of musicians playing Here Comes the Sun in a Madrid employment office.) Output is likely to keep shrinking through the first half of 2013, according to economists surveyed by Bloomberg News.
Political splits within Europe are complicating recovery. “The pro-reform coalition in Athens is fragile,” economists at Berenberg Bank wrote in a Jan. 11 research note. They warned that Italy’s elections next month might derail reform and said, “France still shirks the serious reforms it needs to arrest its long-term decline.”
But the strongest headwind for Europe is deficit-cutting—even by countries such as Germany that face no market pressure to balance budgets. Here, Draghi isn’t doing himself or Europe any favors. He supports harsh austerity measures, even though the International Monetary Fund has begun to warn that they cause “significantly” more unemployment than forecasters once estimated. There’s only so much the ECB can do on the monetary side to offset tightening on the fiscal side. Another interest-rate cut could force the deposit rate into negative territory, which might hurt lending between banks and money-market funds. Brzeski, the economist who warned last summer that Draghi had maneuvered himself into a difficult position, remains worried. “The ECB will secretly keep its fingers crossed, hoping that better financial market conditions and structural reforms eventually really lead to an economic recovery,” he says now. The good news: “The crisis has delivered a surprising degree of wage flexibility and labour mobility,” Charles Wyplosz, an economist at the Graduate Institute in Geneva, wrote in an article for the VoxEU website on Jan. 4.
Draghi permitted himself a bit of self-congratulation in a news conference in Frankfurt on Jan. 10. “We are now back in a normal situation from a financial viewpoint,” he told reporters. “We spoke a lot about contagion when things go poorly, but I believe there is a positive contagion when things go well.” Take a bow, Super Mario. With Carol Matlack, Jana Randow
Business Week
January 27, 2013
Experts were skeptical last summer when Mario Draghi gave the speech that saved Europe. Draghi, the president of the European Central Bank, told a London audience that the ECB would do “whatever it takes” to save the euro. At the time, the bespectacled, 64-year-old central banker had nothing to back up his promise. Economists quickly noticed his bravado was out of the fake-it-’til-you-make-it school. “Draghi is damned if he does and damned if he doesn’t,” Carsten Brzeski, senior economist at ING Group (ING) in Brussels, told Bloomberg News. “He maneuvered himself into an extremely difficult situation. Expectations are very high.”
Against long odds, Draghi’s bluff worked. Bond markets rallied on the belief that the ECB would deliver on its promise. The market’s surge fed on itself, adding to Draghi’s credibility. Then he recruited German Chancellor Angela Merkel to his side, splitting her off from Jens Weidmann, the hawkish head of Germany’s central bank, the Deutsche Bundesbank. On Sept. 6, the ECB Governing Council put money where Draghi’s mouth was, committing to buy unlimited quantities of sovereign debt if the issuing nations agreed to strict conditions aimed at getting their finances back in order. (Only Weidmann dissented.) Spain and Italy were the main intended beneficiaries.
Amazingly, the ECB has not had to follow through and buy a single euro’s worth of Spanish or Italian bonds. The open-ended commitment to do so was enough to get private investors to buy. Borrowing costs in the two countries are affordable once again. As the global elite convenes in the Alpine resort of Davos, Switzerland, for the World Economic Forum on Jan. 23-27, the European economy looks a good deal less scary than it did a year ago. For that, Europeans can thank the unassuming moneyman they call Super Mario. Even Germans are impressed. “I was way more critical—I have to admit that—in September than I am today,” Nikolaus von Bomhard, chairman and chief executive officer of reinsurer Munich Re, said in a Jan. 15 interview.
What Draghi grasped last summer in London was the importance of “multiple equilibria,” the idea that an economy can operate persistently on either a full-employment track (good) or a low-employment track (bad). Government, Draghi realized, can flip an economy from a bad equilibrium to a good one. Others are following his lead. In Japan, newly seated Prime Minister Shinzo Abe is trying to work a similar flip by urging the Bank of Japan to break the nation’s deflationary spiral. In the U.S., in contrast, the sickening standoff over the debt ceiling threatens to execute a back-flip to a low-growth equilibrium.
Draghi’s training prepared him to be bold. He earned his doctorate in economics in the 1970s from a school that emphasized activism over faith in markets: Massachusetts Institute of Technology. Ben Bernanke was a fellow student. Later, Draghi got a feel for the instability of financial markets during a stint at Goldman Sachs (GS). Recall that former Treasury Secretary Henry Paulson, who had been CEO of Goldman, pulled a Draghi-like move in the summer of 2008 when he promised support for Fannie Mae (FNMA) and Freddie Mac (FMCC), saying, “If you have a bazooka in your pocket and people know it, you probably won’t have to use it.” (Alas, Paulson did have to use his bazooka—and it wasn’t enough to prevent a financial meltdown.)
The key insight of the “multiple equilibria” theory is that the demand curve can develop an ugly kink during a crisis. A falling price, rather than attracting buyers, can scare them off. No one wants to catch a falling knife. The real economy is quickly affected by the market plunge. When governments’ borrowing costs go up, they compensate by raising taxes or cutting spending. Businesses’ borrowing costs rise, too, so they cut investment. Low prices on bond portfolios leave households feeling poorer, so they try to save instead of spend. The economy gets stuck in neutral, if not reverse.
But just as pessimism can become a self-fulfilling prophecy, so can optimism. By getting investors to believe that better times were ahead, Draghi made bond prices rise and yields fall, which aided the real economy and produced the (somewhat) better times that investors were betting on. Says David Kelly, chief global strategist for J.P. Morgan Funds (JPM): “This is something Europeans could have saved themselves a great deal of pain by recognizing from the start.” Euro optimists got another boost in November when the European Parliament approved plans for the ECB to take on bank oversight duties.
All that said, Europe isn’t out of the woods by any means. Output in the 17-nation euro zone has been flat to sinking since late 2011. Unemployment is 16 percent in Portugal and 27 percent in Spain. (To sense Spaniards’ pain, check out the poignant YouTube (GOOG) video of musicians playing Here Comes the Sun in a Madrid employment office.) Output is likely to keep shrinking through the first half of 2013, according to economists surveyed by Bloomberg News.
Political splits within Europe are complicating recovery. “The pro-reform coalition in Athens is fragile,” economists at Berenberg Bank wrote in a Jan. 11 research note. They warned that Italy’s elections next month might derail reform and said, “France still shirks the serious reforms it needs to arrest its long-term decline.”
But the strongest headwind for Europe is deficit-cutting—even by countries such as Germany that face no market pressure to balance budgets. Here, Draghi isn’t doing himself or Europe any favors. He supports harsh austerity measures, even though the International Monetary Fund has begun to warn that they cause “significantly” more unemployment than forecasters once estimated. There’s only so much the ECB can do on the monetary side to offset tightening on the fiscal side. Another interest-rate cut could force the deposit rate into negative territory, which might hurt lending between banks and money-market funds. Brzeski, the economist who warned last summer that Draghi had maneuvered himself into a difficult position, remains worried. “The ECB will secretly keep its fingers crossed, hoping that better financial market conditions and structural reforms eventually really lead to an economic recovery,” he says now. The good news: “The crisis has delivered a surprising degree of wage flexibility and labour mobility,” Charles Wyplosz, an economist at the Graduate Institute in Geneva, wrote in an article for the VoxEU website on Jan. 4.
Draghi permitted himself a bit of self-congratulation in a news conference in Frankfurt on Jan. 10. “We are now back in a normal situation from a financial viewpoint,” he told reporters. “We spoke a lot about contagion when things go poorly, but I believe there is a positive contagion when things go well.” Take a bow, Super Mario. With Carol Matlack, Jana Randow
James Buchanan, o economista realpolitik - The Economist
Free exchange
The voice of public choice
James Buchanan, who died on January 9th, illuminated political decision-making
Jan 19th 2013 |From the print edition
A LIST of things that Americans judge more favourably than Congress, according to Public Policy Polling, a survey firm, includes colonoscopies, root canals, lice and France. America seems to have stumbled from economic crisis to political paralysis. That would have come as little surprise to James Buchanan, a Nobel prize-winning economist and the architect of “public-choice theory”, who died on January 9th, aged 93.
Mr Buchanan was an outlier in his field. He eschewed the profession’s embrace of complex models and maths in favour of serious reflection on political philosophy (leading some to dismiss him, wrongly, as a lightweight). A Tennessean by birth, he mistrusted north-eastern elites and spent most of his career at universities in Virginia. He challenged his profession’s casual treatment of variables such as economic cost, which he considered to be a deeply subjective matter. He adopted heterodoxies such as a 100% inheritance tax, on egalitarian grounds. Yet his greatest contribution was in the realm of political economy.
His interest in the workings of the state reflected its growing importance. From having only a minimal role in pre-industrial days, Leviathan came to control swathes of economic activity as the 20th century progressed. National-security demands were partly responsible. Government responses to market failures, from unscrupulous business practices to the trauma of the Depression, also played their part. As demands on the state grew, so too did the need to understand its behaviour.
Mr Buchanan was one of a small group of economists wondering whether the state was up to the task. Untrammelled markets may fail—by producing more pollution than society as a whole would prefer, for example. That creates the potential for welfare-improving government intervention, such as a tax on pollution. Yet there is no guarantee a state will get it right. Whether interventions are justified, Buchanan pointed out, depends on whether government officials are motivated by self-interest as well as a sense of public duty. Weighing up the pros and cons of policy choices requires an unsentimental view of government actions, a position he called “politics without romance”. In exploring this he helped create public-choice theory.
Public-choice economics assumes that government figures are merely human. They should be expected to look out for themselves rather than to act as saintly public stewards. It is a cynical (and, some might say, obvious) approach but a useful one. John Maynard Keynes may have been spot-on in concluding that big government deficits could boost a sagging economy. But Mr Buchanan reckoned such arguments led to a slow erosion of the “old-time fiscal religion” that taxes should be raised to meet government obligations. This made spending less politically costly, because politicians no longer felt under pressure to pair new spending with higher taxes. That, he rightly predicted, would lead to an era of persistent, big fiscal deficits and growing debt.
Public-choice analysis quickly provided the lens through which government action is now viewed. Legislators may “logroll”, for instance, striking deals with colleagues to pass measures that benefit small groups but are of dubious value to the general public. Governments are racked by “rent-seeking”, whereby firms aim to capture financial returns through special government privileges or monopoly rights. A construction company may spend its time lobbying for government contracts rather than courting private business, for example. That absorbs not only the resources of the firm eventually granted the privilege but also those of other firms competing for the same entitlement. As opportunities for rent-seeking expand, they siphon off resources from productive activities in the private sector and towards competition for government largesse. Public-choice theory counsels caution and care in expanding the role of the state.
It also hints at ways to resist political machinations. Take pollution. Robert Stavins of Harvard University argues in favour of a cap-and-trade policy to limit carbon emissions over the simple carbon tax many economists prefer. His reasoning is that legislators will inevitably give sops to industry. Under a cap-and-trade system they do so by freely granting, rather than auctioning off, carbon permits to certain interests. But that does not alter the law’s emissions-reducing power. Granting exemptions on carbon taxes, by contrast, would weaken its environmental benefits.
Even America’s brinkmanship over the “fiscal cliff” and the debt ceiling may be understood as an application of public-choice theory. When rational self-interest leads politicians into endless gridlock, hard choices are more likely to be made when policymakers have no alternative but to confront them. The parade of policy expirations and deadlines is part of the effort in Washington, DC, to channel self-interest into policy action.
Strong constitution
Such episodes do little for politicians’ standing, but they reflect the trade-off that exists in democracies between effective decision-making and the need to govern consensually. In Mr Buchanan’s landmark work, “The Calculus of Consent”, co-written with Gordon Tullock, the authors split political decision-making into two stages: an initial rule-setting, or “constitutional”, stage; and a subsequent politics-as-usual stage. A democratic system can maintain legitimacy despite rancorous politics if broad agreement exists on the fairness of the underlying rules. Mr Buchanan distinguished between American and European attitudes in this regard, noting that “in a constitutional democracy, persons owe loyalty to the constitution rather than to the government.” America’s politics are a mess but its institutions are to be treasured.
Sources
"Public choice: politics without romance", by James Buchanan, Policy, Spring 2003
"The constitution of economic policy", by James Buchanan, Nobel Prize lecture, 1986
"The Calculus of Consent", by James Buchanan and Gordon Tullock, 1965
Economist.com/blogs/freexchange
From the print edition: Finance and economics
The voice of public choice
James Buchanan, who died on January 9th, illuminated political decision-making
Jan 19th 2013 |From the print edition
A LIST of things that Americans judge more favourably than Congress, according to Public Policy Polling, a survey firm, includes colonoscopies, root canals, lice and France. America seems to have stumbled from economic crisis to political paralysis. That would have come as little surprise to James Buchanan, a Nobel prize-winning economist and the architect of “public-choice theory”, who died on January 9th, aged 93.
Mr Buchanan was an outlier in his field. He eschewed the profession’s embrace of complex models and maths in favour of serious reflection on political philosophy (leading some to dismiss him, wrongly, as a lightweight). A Tennessean by birth, he mistrusted north-eastern elites and spent most of his career at universities in Virginia. He challenged his profession’s casual treatment of variables such as economic cost, which he considered to be a deeply subjective matter. He adopted heterodoxies such as a 100% inheritance tax, on egalitarian grounds. Yet his greatest contribution was in the realm of political economy.
His interest in the workings of the state reflected its growing importance. From having only a minimal role in pre-industrial days, Leviathan came to control swathes of economic activity as the 20th century progressed. National-security demands were partly responsible. Government responses to market failures, from unscrupulous business practices to the trauma of the Depression, also played their part. As demands on the state grew, so too did the need to understand its behaviour.
Mr Buchanan was one of a small group of economists wondering whether the state was up to the task. Untrammelled markets may fail—by producing more pollution than society as a whole would prefer, for example. That creates the potential for welfare-improving government intervention, such as a tax on pollution. Yet there is no guarantee a state will get it right. Whether interventions are justified, Buchanan pointed out, depends on whether government officials are motivated by self-interest as well as a sense of public duty. Weighing up the pros and cons of policy choices requires an unsentimental view of government actions, a position he called “politics without romance”. In exploring this he helped create public-choice theory.
Public-choice economics assumes that government figures are merely human. They should be expected to look out for themselves rather than to act as saintly public stewards. It is a cynical (and, some might say, obvious) approach but a useful one. John Maynard Keynes may have been spot-on in concluding that big government deficits could boost a sagging economy. But Mr Buchanan reckoned such arguments led to a slow erosion of the “old-time fiscal religion” that taxes should be raised to meet government obligations. This made spending less politically costly, because politicians no longer felt under pressure to pair new spending with higher taxes. That, he rightly predicted, would lead to an era of persistent, big fiscal deficits and growing debt.
Public-choice analysis quickly provided the lens through which government action is now viewed. Legislators may “logroll”, for instance, striking deals with colleagues to pass measures that benefit small groups but are of dubious value to the general public. Governments are racked by “rent-seeking”, whereby firms aim to capture financial returns through special government privileges or monopoly rights. A construction company may spend its time lobbying for government contracts rather than courting private business, for example. That absorbs not only the resources of the firm eventually granted the privilege but also those of other firms competing for the same entitlement. As opportunities for rent-seeking expand, they siphon off resources from productive activities in the private sector and towards competition for government largesse. Public-choice theory counsels caution and care in expanding the role of the state.
It also hints at ways to resist political machinations. Take pollution. Robert Stavins of Harvard University argues in favour of a cap-and-trade policy to limit carbon emissions over the simple carbon tax many economists prefer. His reasoning is that legislators will inevitably give sops to industry. Under a cap-and-trade system they do so by freely granting, rather than auctioning off, carbon permits to certain interests. But that does not alter the law’s emissions-reducing power. Granting exemptions on carbon taxes, by contrast, would weaken its environmental benefits.
Even America’s brinkmanship over the “fiscal cliff” and the debt ceiling may be understood as an application of public-choice theory. When rational self-interest leads politicians into endless gridlock, hard choices are more likely to be made when policymakers have no alternative but to confront them. The parade of policy expirations and deadlines is part of the effort in Washington, DC, to channel self-interest into policy action.
Strong constitution
Such episodes do little for politicians’ standing, but they reflect the trade-off that exists in democracies between effective decision-making and the need to govern consensually. In Mr Buchanan’s landmark work, “The Calculus of Consent”, co-written with Gordon Tullock, the authors split political decision-making into two stages: an initial rule-setting, or “constitutional”, stage; and a subsequent politics-as-usual stage. A democratic system can maintain legitimacy despite rancorous politics if broad agreement exists on the fairness of the underlying rules. Mr Buchanan distinguished between American and European attitudes in this regard, noting that “in a constitutional democracy, persons owe loyalty to the constitution rather than to the government.” America’s politics are a mess but its institutions are to be treasured.
Sources
"Public choice: politics without romance", by James Buchanan, Policy, Spring 2003
"The constitution of economic policy", by James Buchanan, Nobel Prize lecture, 1986
"The Calculus of Consent", by James Buchanan and Gordon Tullock, 1965
Economist.com/blogs/freexchange
From the print edition: Finance and economics
Direito internacional comparado - Felipe Kern Moreira
Mundorama
January 23, 2013, 6:00 AM
by Equipe de Colaboradores
Direito Comparado: reflexões em torno da prática disciplinar internacionalista, por Felipe Kern Moreira
Em 2004, a Revista de Informação Legislativa dedicou um volume inteiro à memória de Anna Maria Villela, professora do Instituto Rio Branco. A coletânea conseguiu reunir internacionalistas brasileiros em torno de elegia na qual registra-se a contribuição trazida pela professora que, influenciada pelo jurista francês René David, introduziu a disciplina Direito Comparado na academia diplomática brasileira (CANDEAS, 2004, 15). A convicção de que o direito comparado importa às relações internacionais entornou da Casa de Rio Branco e a disciplina passou a ser adotada em cursos de Relações Internacionais (RI), algumas vezes sob a homonímia às reflexões seminais de René David, reunidas no livro Les Grands Systèmes de Droit Contemporains – Droit Comparé, de 1986.
Este texto procura oferecer sugestões gerais de itinerário para os estudos de direito comparado, no âmbito dos estudos de graduação em RI. Para tal, faz referência a práticas universitárias e ao avanço teórico dos estudos acerca de direito comparado.
Um breve sobrevôo sobre a prática universitária permite identificar no quanto países possuem programas disciplinares característicos. Estados Unidos, Inglaterra e Austrália abrigam dez dos melhores cursos de política internacional, segundo o sítio topuniversities.com. Nestes espaços, estudar RI, significa manter o foco na política internacional. O programa da Universidade de Birmingham é um bom exemplo: três anos de graduação e nenhuma disciplina jurídica. A escola inglesa, caracterizada pelo grocianismo, parece não ser algo para os ingleses verem. Prevalece a assepsia da diferença entre política e direito. Ainda dentro do ambiente daCommonwealth, na Australian National University, o curso também é integralizado em três anos. Das disciplinas obrigatórias, todas são da área política e, das optativas, somente uma refere-se ao campo jurídico: Human Rights in International Relations.
De toda forma, é difícil comparar os programas de bacharelado em RI dos países de língua inglesa com os do Brasil, onde a influência dos curricula da Europa continental parece ser sensivelmente maior. Na França, os estudos jurídicos são parte expressiva de programas marcadamente multidiscipinares. Nos três anos de bacharelado da Écoles des Hautes Études Internationales et Politiques, muito embora não conste direito comparado, quatro são as disciplinas jurídicas obrigatórias: Introdução, Constitucional, Internacional Público e das Organizações Internacionais. Na Suíça, o programa da Université de Genéve prevê a distribuição entre Direito, Economia, História e Ciência Política, diferindo da opção francesa no que concerne à Geografia. Na Alemanha, o sítio de referência studieren.de, indica a existência de um único curso de bacharelado, na Universidade Técnica de Dresden, na qual a grade prevê duas disciplinas de Internacionales Recht, as quais consistem em direito comparado, já que a língua alemã, conserva, com Völkerrecht, a precisão medieval de ius gentium.
Os objetivos de Direito Comparado são ambiciosos: travar conhecimento dos principais sistemas jurídicos. Frente à dificuldade em se descrever a totalidade dos sistemas jurídicos estatais, René David propõe o método de agrupamento em sistemas reunidos por características comuns. A obra de David tornou-se referência mas não resistiu ao teste do tempo. Cuida-se de obra anterior a 1989, fato esse que explica o trato detido do sistema socialista. Referências históricas à colonização africana, à origem do povo soviético e à complexidade do domínio político na Europa insular demonstram que o estudo de David ultrapassa o universo jurídico. Esforço mais atualizado é o do jurista italiano Mario Losano, da Universidade de Milão, com seu I Grandi Sistemi Giuridici, de 2000. A obra de Losano é fruto do pós- Gerra Fria. Não só contempla a transição do regime na desagregação das ex-URSS como aprofunda o conhecimento do direito em países islâmicos e da América do Sul.
Se existe uma noção clássica em direito comparado é a que distingue os sistemas romano-germânico e common law e trata do direito nos continentes africano, americano e oceânico como mera transplantação colonialista. Tipo de análise eurocêntrica, e nem poderia ser de outra forma, dado que noções cérnicas de direito aí foram gestadas. Continua-se a lecionar assim, muito embora outras sistematizações ofereçam panoramas diversos do que seja a tradição jurídica ocidental. É o caso de Law and Revolution – the Formation of the Western Legal Tradition, de 1983, de Harold Berman, professor da Harvard. Berman ensina que os direitos de todas as nações europeias derivam das mesmas fontes e que a common law é resultado do isolamento tradicional do estudo do direito inglês. Menciona as causas deste isolamento a partir de uma aula de Maitland, em 1888, na Cambridge: “uma vez que a história envolve comparação e, o jurista inglês não conhece e nem tem interesse por qualquer outro sistema que não seja o seu” (BERMAN, 2006, 30).
Berman vê mais elementos em comum do que diferenças nos sistemas de direito europeu. Os elementos em comum dizem respeito a elementos culturais matriciais do direito medievo e às fontes teológicas da tradição jurídica ocidental, tema tratado por Carl Schmitt na perspectiva do problema da forma do direito e da decisão como um problema da soberania e, por isso, a alcunha Teologia Política. A misantropia historiográfica dos anglo-saxões pode ser a armadilha historiográfica que Losano denomina de “histórias jurídicas fechadas em si mesmas” em virtude de um “tecnicismo da matéria que une-se a concepções jurídicas que isolam o direito do resto da realidade.”(LOSANO, 2007, 546).
Aos estudos de direito comparado pode ser acoplado o reconhecimento de novas unidades de poder na sociedade internacional. No terceiro capítulo, The new players, do Global Trends 2025 – a Transformed World, do National Intelligence Council, avalia-se que embora Estados não deixem de existir, atores não estatais – empresas, tribos, grupos religiosos e redes criminosas – exercerão poder relativo, na forma de uma multipolaridade sem multilateralismo (2008; 81ss). Cabe ao Direito Comparado considerar as consequências jurídicas desta multipolaridade na direção da reflexão proposta por Berman, que o direito antecipou e ultrapassará o momentum do sistema de Estados nacionais.
O reconhecimento de direitos em diferentes planos – global, internacional, nacional, regional e subnacional – é, provavelmente, o mais recente imperativo do direito comparado. Parte deste reconhecimento é trazido pela corrente do pluralismo jurídico, da qual certa tentativa de efetivação é encontrada na Constituição boliviana. Bastaria pensar em quem são os rulers da inteligência financeira, das finanças ambientais, da lex digitalis, das patentes ou do direito desportivo para entender o que é direito no plano global. Aprende-se aí que as relações (de poder) societárias em nível mundial possibilitam a superação do termo ‘internacionais’ no cenário das relações já, então, globais.
Referências:
BERMAN, Harold J.. Direito e Revolução: a formação da tradição jurídica ocidental. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.
CANDEAS, Alessandro. Direito Comparado – entre a norma e a cultura. A contribuição de Anna Maria Villela no Instituto Rio Branco. In: Revista de Informação Legislativa, nr. 162, abril/junho. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, 2004.
DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Martins Fontes, 2002.
LOSANO, Mario G..Os Grandes Sistemas Jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos europeus e extra-europeus. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
NATIONAL SECURITY COUNCIL. Global Trends 2025: a transformed world. Washington DC: US Government Printing Office, 2008.
Felipe Kern Moreira é Doutor em Relações Internacionais e professor na Universidade Federal de Roraima – UFRR (felipe.kern@gmail.com).
January 23, 2013, 6:00 AM
by Equipe de Colaboradores
Direito Comparado: reflexões em torno da prática disciplinar internacionalista, por Felipe Kern Moreira
Em 2004, a Revista de Informação Legislativa dedicou um volume inteiro à memória de Anna Maria Villela, professora do Instituto Rio Branco. A coletânea conseguiu reunir internacionalistas brasileiros em torno de elegia na qual registra-se a contribuição trazida pela professora que, influenciada pelo jurista francês René David, introduziu a disciplina Direito Comparado na academia diplomática brasileira (CANDEAS, 2004, 15). A convicção de que o direito comparado importa às relações internacionais entornou da Casa de Rio Branco e a disciplina passou a ser adotada em cursos de Relações Internacionais (RI), algumas vezes sob a homonímia às reflexões seminais de René David, reunidas no livro Les Grands Systèmes de Droit Contemporains – Droit Comparé, de 1986.
Este texto procura oferecer sugestões gerais de itinerário para os estudos de direito comparado, no âmbito dos estudos de graduação em RI. Para tal, faz referência a práticas universitárias e ao avanço teórico dos estudos acerca de direito comparado.
Um breve sobrevôo sobre a prática universitária permite identificar no quanto países possuem programas disciplinares característicos. Estados Unidos, Inglaterra e Austrália abrigam dez dos melhores cursos de política internacional, segundo o sítio topuniversities.com. Nestes espaços, estudar RI, significa manter o foco na política internacional. O programa da Universidade de Birmingham é um bom exemplo: três anos de graduação e nenhuma disciplina jurídica. A escola inglesa, caracterizada pelo grocianismo, parece não ser algo para os ingleses verem. Prevalece a assepsia da diferença entre política e direito. Ainda dentro do ambiente daCommonwealth, na Australian National University, o curso também é integralizado em três anos. Das disciplinas obrigatórias, todas são da área política e, das optativas, somente uma refere-se ao campo jurídico: Human Rights in International Relations.
De toda forma, é difícil comparar os programas de bacharelado em RI dos países de língua inglesa com os do Brasil, onde a influência dos curricula da Europa continental parece ser sensivelmente maior. Na França, os estudos jurídicos são parte expressiva de programas marcadamente multidiscipinares. Nos três anos de bacharelado da Écoles des Hautes Études Internationales et Politiques, muito embora não conste direito comparado, quatro são as disciplinas jurídicas obrigatórias: Introdução, Constitucional, Internacional Público e das Organizações Internacionais. Na Suíça, o programa da Université de Genéve prevê a distribuição entre Direito, Economia, História e Ciência Política, diferindo da opção francesa no que concerne à Geografia. Na Alemanha, o sítio de referência studieren.de, indica a existência de um único curso de bacharelado, na Universidade Técnica de Dresden, na qual a grade prevê duas disciplinas de Internacionales Recht, as quais consistem em direito comparado, já que a língua alemã, conserva, com Völkerrecht, a precisão medieval de ius gentium.
Os objetivos de Direito Comparado são ambiciosos: travar conhecimento dos principais sistemas jurídicos. Frente à dificuldade em se descrever a totalidade dos sistemas jurídicos estatais, René David propõe o método de agrupamento em sistemas reunidos por características comuns. A obra de David tornou-se referência mas não resistiu ao teste do tempo. Cuida-se de obra anterior a 1989, fato esse que explica o trato detido do sistema socialista. Referências históricas à colonização africana, à origem do povo soviético e à complexidade do domínio político na Europa insular demonstram que o estudo de David ultrapassa o universo jurídico. Esforço mais atualizado é o do jurista italiano Mario Losano, da Universidade de Milão, com seu I Grandi Sistemi Giuridici, de 2000. A obra de Losano é fruto do pós- Gerra Fria. Não só contempla a transição do regime na desagregação das ex-URSS como aprofunda o conhecimento do direito em países islâmicos e da América do Sul.
Se existe uma noção clássica em direito comparado é a que distingue os sistemas romano-germânico e common law e trata do direito nos continentes africano, americano e oceânico como mera transplantação colonialista. Tipo de análise eurocêntrica, e nem poderia ser de outra forma, dado que noções cérnicas de direito aí foram gestadas. Continua-se a lecionar assim, muito embora outras sistematizações ofereçam panoramas diversos do que seja a tradição jurídica ocidental. É o caso de Law and Revolution – the Formation of the Western Legal Tradition, de 1983, de Harold Berman, professor da Harvard. Berman ensina que os direitos de todas as nações europeias derivam das mesmas fontes e que a common law é resultado do isolamento tradicional do estudo do direito inglês. Menciona as causas deste isolamento a partir de uma aula de Maitland, em 1888, na Cambridge: “uma vez que a história envolve comparação e, o jurista inglês não conhece e nem tem interesse por qualquer outro sistema que não seja o seu” (BERMAN, 2006, 30).
Berman vê mais elementos em comum do que diferenças nos sistemas de direito europeu. Os elementos em comum dizem respeito a elementos culturais matriciais do direito medievo e às fontes teológicas da tradição jurídica ocidental, tema tratado por Carl Schmitt na perspectiva do problema da forma do direito e da decisão como um problema da soberania e, por isso, a alcunha Teologia Política. A misantropia historiográfica dos anglo-saxões pode ser a armadilha historiográfica que Losano denomina de “histórias jurídicas fechadas em si mesmas” em virtude de um “tecnicismo da matéria que une-se a concepções jurídicas que isolam o direito do resto da realidade.”(LOSANO, 2007, 546).
Aos estudos de direito comparado pode ser acoplado o reconhecimento de novas unidades de poder na sociedade internacional. No terceiro capítulo, The new players, do Global Trends 2025 – a Transformed World, do National Intelligence Council, avalia-se que embora Estados não deixem de existir, atores não estatais – empresas, tribos, grupos religiosos e redes criminosas – exercerão poder relativo, na forma de uma multipolaridade sem multilateralismo (2008; 81ss). Cabe ao Direito Comparado considerar as consequências jurídicas desta multipolaridade na direção da reflexão proposta por Berman, que o direito antecipou e ultrapassará o momentum do sistema de Estados nacionais.
O reconhecimento de direitos em diferentes planos – global, internacional, nacional, regional e subnacional – é, provavelmente, o mais recente imperativo do direito comparado. Parte deste reconhecimento é trazido pela corrente do pluralismo jurídico, da qual certa tentativa de efetivação é encontrada na Constituição boliviana. Bastaria pensar em quem são os rulers da inteligência financeira, das finanças ambientais, da lex digitalis, das patentes ou do direito desportivo para entender o que é direito no plano global. Aprende-se aí que as relações (de poder) societárias em nível mundial possibilitam a superação do termo ‘internacionais’ no cenário das relações já, então, globais.
Referências:
BERMAN, Harold J.. Direito e Revolução: a formação da tradição jurídica ocidental. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.
CANDEAS, Alessandro. Direito Comparado – entre a norma e a cultura. A contribuição de Anna Maria Villela no Instituto Rio Branco. In: Revista de Informação Legislativa, nr. 162, abril/junho. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, 2004.
DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Martins Fontes, 2002.
LOSANO, Mario G..Os Grandes Sistemas Jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos europeus e extra-europeus. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
NATIONAL SECURITY COUNCIL. Global Trends 2025: a transformed world. Washington DC: US Government Printing Office, 2008.
Felipe Kern Moreira é Doutor em Relações Internacionais e professor na Universidade Federal de Roraima – UFRR (felipe.kern@gmail.com).
Contas externas em perigo - Editorial Estadao
Cenário incerto para o balanço de pagamentos
Editorial O Estado de S.Paulo
Domingo, 26 de Janeiro de 2013
Entre 2011 e 2012, o déficit em contas correntes passou de US$ 52,4 bilhões para US$ 54,2 bilhões (de 2,12% para 2,40% do PIB) e o resultado global do balanço de pagamentos caiu de US$ 58,6 bilhões para US$ 18,9 bilhões. Em dezembro, o déficit corrente alcançou US$ 8,4 bilhões, acima das projeções privadas, de US$ 6,3 bilhões. Apesar da deterioração, não há ameaças de curto prazo às contas cambiais, a menos que não se confirmem as projeções do Banco Central (BC) para o ano.
O Brasil depende em grau elevado do investimento estrangeiro direto (IED), que atingiu US$ 66,6 bilhões, em 2011, e US$ 65,2 bilhões, em 2012 - e o BC prevê a repetição desse montante neste ano (US$ 65 bilhões).
Ao mesmo tempo, está em queda o superávit da balança comercial (diferença entre as exportações e as importações), de US$ 29,7 bilhões, em 2011, para US$ 19,4 bilhões, em 2012, e é estimado em apenas US$ 17 bilhões neste ano. Como proporção do PIB, o superávit diminuiu de 1,2% para 0,9% e cairá mais. Falta conhecer o impacto das importações de petróleo e derivados, inclusive gás natural, que, segundo o noticiário, não foi totalmente contabilizado em 2012.
A piora da balança comercial deve-se apenas em parte à perda de dinamismo global, pois falta competitividade aos produtos brasileiros, em especial aos manufaturados. É incerto o efeito das desonerações fiscais sobre a folha de pagamentos e da redução do custo da energia sobre as exportações. Neste mês, até o dia 18, houve déficit comercial de US$ 2,7 bilhões - valor alarmante, embora ainda não caracterize uma tendência.
O BC acredita que a situação das contas externas pouco mudará neste ano, mas as importações devem crescer mais do que as exportações (US$ 28 bilhões e US$ 25,5 bilhões, respectivamente). O déficit recorde na conta de viagens internacionais, de US$ 15,6 bilhões, em 2012, é projetado em US$ 16,3 bilhões, neste ano. A desvalorização do real ante o dólar pouco influenciou a disposição dos brasileiros de viajar para o exterior.
Entre os aspectos positivos de 2012, houve diminuição da remessa de lucros e dividendos e o ingresso de recursos em Bolsa atingiu US$ 3,3 bilhões em dezembro. As reservas internacionais cresceram de US$ 26,6 bilhões, em relação a 2011, alcançando US$ 378,6 bilhões. E o BC prevê mais US$ 5 bilhões neste ano.
As contas cambiais serão beneficiadas se a economia mundial se recuperar, mas, para financiar o déficit crescente em contas correntes, nada substitui a confiança do investidor na condução da política econômica.
Editorial O Estado de S.Paulo
Domingo, 26 de Janeiro de 2013
Entre 2011 e 2012, o déficit em contas correntes passou de US$ 52,4 bilhões para US$ 54,2 bilhões (de 2,12% para 2,40% do PIB) e o resultado global do balanço de pagamentos caiu de US$ 58,6 bilhões para US$ 18,9 bilhões. Em dezembro, o déficit corrente alcançou US$ 8,4 bilhões, acima das projeções privadas, de US$ 6,3 bilhões. Apesar da deterioração, não há ameaças de curto prazo às contas cambiais, a menos que não se confirmem as projeções do Banco Central (BC) para o ano.
O Brasil depende em grau elevado do investimento estrangeiro direto (IED), que atingiu US$ 66,6 bilhões, em 2011, e US$ 65,2 bilhões, em 2012 - e o BC prevê a repetição desse montante neste ano (US$ 65 bilhões).
Ao mesmo tempo, está em queda o superávit da balança comercial (diferença entre as exportações e as importações), de US$ 29,7 bilhões, em 2011, para US$ 19,4 bilhões, em 2012, e é estimado em apenas US$ 17 bilhões neste ano. Como proporção do PIB, o superávit diminuiu de 1,2% para 0,9% e cairá mais. Falta conhecer o impacto das importações de petróleo e derivados, inclusive gás natural, que, segundo o noticiário, não foi totalmente contabilizado em 2012.
A piora da balança comercial deve-se apenas em parte à perda de dinamismo global, pois falta competitividade aos produtos brasileiros, em especial aos manufaturados. É incerto o efeito das desonerações fiscais sobre a folha de pagamentos e da redução do custo da energia sobre as exportações. Neste mês, até o dia 18, houve déficit comercial de US$ 2,7 bilhões - valor alarmante, embora ainda não caracterize uma tendência.
O BC acredita que a situação das contas externas pouco mudará neste ano, mas as importações devem crescer mais do que as exportações (US$ 28 bilhões e US$ 25,5 bilhões, respectivamente). O déficit recorde na conta de viagens internacionais, de US$ 15,6 bilhões, em 2012, é projetado em US$ 16,3 bilhões, neste ano. A desvalorização do real ante o dólar pouco influenciou a disposição dos brasileiros de viajar para o exterior.
Entre os aspectos positivos de 2012, houve diminuição da remessa de lucros e dividendos e o ingresso de recursos em Bolsa atingiu US$ 3,3 bilhões em dezembro. As reservas internacionais cresceram de US$ 26,6 bilhões, em relação a 2011, alcançando US$ 378,6 bilhões. E o BC prevê mais US$ 5 bilhões neste ano.
As contas cambiais serão beneficiadas se a economia mundial se recuperar, mas, para financiar o déficit crescente em contas correntes, nada substitui a confiança do investidor na condução da política econômica.
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