Por generosa iniciativa do deputado Adriano Diogo, a Comissão
Estadual da Verdade realizou, em 24 de setembro, uma audiência pública
para homenagear todos os combatentes brasileiros (1) na Guerra Civil
Espanhola, em especial David Capistrano e Apolônio de Carvalho. Com
isso, estabeleceu um laço de solidariedade entre a militância dos anos
1930 e a resistência à ditadura, quarenta anos depois.
Estava presente a filha de Capistrano, Carolina, que trouxe
lembranças muito vívidas a respeito dos comentários de seu pai sobre sua
participação na guerra e também sobre como ele, apesar de ações
militares ousadas e corajosas, guardou para sempre um sentimento de
rejeição à brutalidade de qualquer guerra. Isso teria sido um dos
fatores a levá-lo a aceitar a linha chamada de “convivência pacífica”,
adotada pelos partidos comunistas depois de 1956.
Como resistência ao fascismo franquista tem tudo a ver com a
resistência à ditadura, lembrou ela a morte trágica de David Capistrano.
Enquanto militante do PCB, voltava ao Brasil em 1974 e seria recebido
pelo militante José Maçon na fronteira, em Uruguaiana. Desapareceram os
dois. Sabe-se hoje que eles foram levados para a prisão clandestina
conhecida como Casa de Petrópolis, onde tiveram o fim trágico dos
torturados até a morte e esquartejados.
Apolônio de Carvalho, que, depois de participar da Guerra Civil
Espanhola, integrou-se à Resistência francesa à ocupação dos nazistas
durante a Segunda Guerra Mundial, teve a sorte de sobreviver e deixou
suas lembranças em Vale a pena sonhar (2), um manancial de informações sobre um largo período da história do Brasil.
Como se tratava de história e de verdade, tive a oportunidade de
falar, na audiência, sobre o caso pouco conhecido de Alberto Bomilcar
Besouchet, militante comunista que lutou na Espanha, mas que foi
fuzilado pelos próprios republicanos. O que significava enveredar por
uma história não linear e maniqueísta, abordar, na luta heroica, suas
contradições e aberrações, retraçar a linha que levou do pensamento
único à repressão policial.
O deputado Adriano Diogo deu provas, nesta ocasião como em outras,
que na coordenação da Comissão Estadual da Verdade norteou sempre as
atividades com isenção da concepção de pensamento único, que seu esforço
pelo restabelecimento da verdade histórica incluiu sempre as várias
vertentes que lutaram contra o regime militar.
O cenário mundial
O objetivo deste texto é o de relatar o caso do militante Alberto
Besouchet. Ele também era comunista e também foi combater a rebelião
franquista na Espanha, em 1936. No entanto, morreu, ou melhor dito,
desapareceu, pela ação de policiais republicanos, auxiliados por agentes
do serviço secreto soviético e militantes do Partido Comunista
Espanhol. Seu desaparecimento aconteceu durante as famosas “Jornadas de
Maio” de 1937, em Barcelona, episódio que foi retratado no filme de Ken
Loach, “Terra e Liberdade”, que por sua vez está, em grande parte,
baseado nas memórias de guerra do escritor inglês George Orwell, Homenagem à Catalunha (3).
Para entender como isto foi possível é preciso inserir a Guerra Civil
Espanhola no contexto mundial daquela época. É preciso entender como,
dentro da guerra civil entre oficiais do Exército rebelados sob o
comando do fascista Franco e as forças defensoras da República
espanhola, houve outra guerra, movida por Stalin e seus agentes, contra
toda e qualquer esquerda anti-stalinista. Na Espanha estas forças eram
representadas pelos anarquistas da CNT-FAI (Confederación Nacional del
Trabajo – Federación Anarquista Ibérica) e pelos poumistas, isto é,
militantes do POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista),
genericamente chamados de “trotskistas”.
A Guerra Civil Espanhola marcou profundamente a história dos
soviéticos e do movimento comunista internacional. A Espanha foi o
cenário em que os comunistas aplicaram a nova linha da Internacional
Comunista, decidida pelo 7º Congresso, em 1935, a da Frente Popular. No
período anterior, entre 1928 e 1934, os comunistas tinham sido guiados
por uma outra linha (6º Congresso), completamente diferente, que
determinava que o inimigo principal a combater eram os socialdemocratas,
isto é, os partidos socialistas europeus, considerados “traidores da
classe operária”. Os documentos e os líderes comunistas internacionais
e, sobretudo, alemães, já que nesse período a Alemanha era o palco
central da luta, diziam que Hitler não era importante, que o nazismo era
um fenômeno passageiro que iria se exaurir com as primeiras vitórias. A
aproximação da militância comunista às milícias nazistas em construção
foi uma realidade, sempre aprovada pela direção comunista internacional e
acompanhada de perto pela política exterior da União Soviética.
O ponto culminante dessa frente informal, que escandalizou comunistas
e progressistas de outros países, foi a posição assumida pelos
comunistas alemães em 1931, em um momento de ascensão dos nazistas nas
eleições, no caso do referendo da Prússia. Os socialdemocratas alemães
dirigiam esta que era a maior e mais importante província da Alemanha
desde o início da República de Weimar. Sentindo-se fortes, os nazistas
propuseram uma votação pedindo a dissolução do Parlamento prussiano. Por
ordem da Internacional Comunista, os comunistas alemães declararam o
voto com os nazistas (4).
A calamidade desta política sectária, que tem enorme responsabilidade
pela ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, levou a uma
mudança radical de linha, no 7º Congresso, em 1935. De repente, na
França, em maio 1934, o Humanité, jornal comunista, publicou um artigo retirado do Pravda
que dizia com todas as letras ser admissível propor a unidade de ação
aos dirigentes socialistas (5). Estava dado o sinal para a mudança
radical de linha. Agora, com a Frente Popular, era preciso fazer frente
não apenas com os partidos socialistas, mas também com os partidos
burgueses radicais e republicanos. E foi o que aconteceu na Espanha (6).
Mas ao mesmo tempo em que se abria à direita, a Internacional
Comunista enviesava seu sectarismo contra todos os grupos à sua
esquerda. Agora o inimigo principal a combater eram os esquerdistas e,
principalmente, os “trotskistas”, isto é, os militantes do movimento
trotskista e todos os que fizessem críticas à União Soviética e à “linha
do partido”. A luta interna dentro do partido comunista soviético
transplantou-se para o movimento comunista internacional e para a Guerra
Civil da Espanha.
Acontecimentos dramáticos permearam esta transplantação. Em dezembro
de 1934, um alto dirigente do partido soviético, Kirov, foi
misteriosamente assassinado. Este crime nunca foi completamente
elucidado, embora o Relatório Kruschev, de 1956, fale insistentemente na
responsabilidade do Estado (7). Mas foi o fator determinante para
desencadear um expurgo generalizado dentro do partido soviético, com
prisões, torturas, fuzilamentos com ou sem processo, condenações a
trabalhos forçados e a exílio na Sibéria. Esse processo chega a seu
ápice exatamente nos anos da Guerra Civil Espanhola.
Em uma atmosfera de medo e terror, na qual a delação de companheiros e
colegas de trabalho, nas famosas sessões de autocrítica, aparecia como
uma prova de fidelidade ao regime, realizaram-se os chamados “Processos
de Moscou”, nos quais foi exterminada a “velha guarda bolchevique”. O
primeiro em agosto de 1936, o segundo em janeiro de 1937 e o terceiro em
março de 1938, condenaram ao fuzilamento imediato, entre outros,
Zinoviev, Kamenev, Piatakov, Bukharin e Rikov, tendo como acusado máximo
Trotsky e seu filho Lev Sedov, que estavam fora da União Soviética.
Foram vergonhosas paródias de justiça, processos-espetáculo, em que os
condenados se acusaram de complôs impossíveis e inverossímeis,
previamente escritos pelos agentes do NKVD, a polícia secreta soviética.
É dentro deste contexto que aconteceu também o processo secreto
contra oito grandes generais do Exército Vermelho, entre eles
Toukachevtsky e Yakir, fuzilados em junho de 1937, ao qual se seguiu um
expurgo e consequente repressão aos quadros do Exército, muitos dos
quais tinham estado na Espanha.
Mas essa repressão não se limitou aos membros do partido soviético,
atingindo também massas de cidadãos. Segundo o historiador Nicolas
Werth, “de agosto de 1937 a novembro de 1938, cerca de 760 mil cidadãos
soviéticos foram executados depois de terem sido condenados à morte por
um tribunal de exceção, ao cabo de uma paródia de julgamento. (...) Ao
mesmo tempo, mais de 800 mil soviéticos eram condenados a penas de dez
anos de trabalhos forçados e enviados ao Goulag” (8).
O cenário mundial dentro da guerra da Espanha
Agora o inimigo principal era a esquerda: os esquerdistas e os
trotskistas. Mas não era mais uma perseguição apenas política e a
Espanha foi um laboratório de extermínio da esquerda. Muitos chamados
esquerdistas foram assassinados pelos serviços secretos soviéticos e
desapareceram, como, por exemplo, o alemão Erwin Wolf, ex-secretário de
Trotsky, Camillo Beneri e Fracesco Barbieri, anarquistas italianos, Marc
Rein, jornalista socialdemocrata, e o austríaco Kurt Landau, do POUM,
para só citar alguns. No início da guerra, o grande anarquista
Buenaventura Durruti havia sido morto por uma bala perdida, em Madri, em
20 de novembro de 1936, bala que muitos atribuem aos comunistas.
Mas a repressão também atingiu muitos stalinistas que voltaram da
Espanha e foram em seguida presos e fuzilados. Por exemplo, o general
Berzine, o general Goriev, o jornalista do Pravda, Koltsov, personagem do livro de Hemingway, Por quem os sinos dobram,
e Antonov-Ovsenko, herói da revolução, que havia comandado a tomada do
Palácio de Inverno em 1917, cônsul geral soviético em Barcelona, e que
tanto trabalhou na Espanha pela repressão à esquerda.
Os voluntários das Brigadas Internacionais, sob o clima de medo e
delação reinante na URSS, também sofreram censuras, expurgos, castigos
sob a forma de tarefas militares praticamente impossíveis, levando à
morte, e execuções sumárias, que aparecem em muitos relatos. O comunista
francês André Marty ficou com a fama de ser um dos mais brutais. Ele é
descrito no romance já citado de Hemingway como “el carnicero de
Albacete”, cidade sede das Brigadas. No entanto, outras narrativas, mais
detalhadas, evocam o regime de terror implantado pelo “General Gómez”,
na verdade Wilhelm Zaisser, ex-membro do serviço secreto do Partido
Comunista Alemão e que depois da guerra dirigiu a “Stasi”, polícia
política da RDA (República Democrática Alemã - 9).
Esse clima transparece até em algumas frases dos brigadistas
brasileiros que voltaram. Quando entrevistados pelo pesquisador
brasileiro Paulo Roberto de Almeida sobre o destino de Alberto
Besouchet, Gay da Cunha declarou que ele teria sido fuzilado por André
Marty, enquanto para explicar um fuzilamento conduzido pelos
republicanos José Homem Correia de Sá disse: “Havia muita incompreensão e
ser fuzilado não denigre ninguém” (10).
As “jornadas de maio” e a morte de Andrés Nin
A operação que deu lugar ao episódio das “Jornadas de maio” na
Catalunha foi concebida dentro da ideia de liquidar a esquerda - os
“trotskistas” e os “incontroláveis” isto é, os anarquistas. O Pravda já anunciara, em dezembro de 1936, essa liquidação (11).
Era nessa província que os andaimes de uma estrutura socialista
tinham avançado mais. Os líderes do movimento sindical e operário eram
os anarquistas da CNT-FAI e o POUM. O prédio da Central Telefônica, em
Barcelona, estava ocupado pelos sindicatos UGT (socialistas) e CNT,
desde o início da guerra, juntamente a uma delegação do governo da
Catalunha, a Generalitat.
Em 3 de maio de 1937, esse prédio foi atacado por guardas de assalto
chefiados por Rodrigues Sala, que era Comissário da Ordem Pública e
comunista. Houve resistência e um pequeno tiroteio. Em seguida,
espontaneamente, em cerca de poucas horas, a região em torno, em um
círculo que atravessava a cidade, foi tomada por operários e milicianos
ligados aos anarquistas e aos poumistas. A população trabalhadora
mobilizada queria resistir e conservar a posse do prédio. Começaram as
escaramuças, narradas no filme de Ken Loach, e depois o combate
violento. O serviço secreto russo, o NKVD, junto com comunistas
espanhóis, organizava o ataque. Depois de tentar uma reconciliação entre
as duas partes, as forças políticas do governo central, chefiadas pelo
socialista Largo Caballero e com ministros comunistas, enviaram tropas e
a repressão começou. Cerca de 1.000 pessoas foram feridas e 500 foram
mortas. Além disso, houve muitos presos. A Telefônica foi desocupada
(12).
Começou então a perseguição direta aos militantes do POUM e, em
especial, a seu dirigente mais importante, Andrés NIn. Os soviéticos o
conheciam bem. Em 1921, ele tinha sido eleito delegado da CNT para
assistir ao 3º Congresso da Internacional Comunista e ao congresso de
fundação da PROFINTER (Internacional Sindical Vermelha) em Moscou.
Permaneceu nesse país trabalhando nesses organismos. Em 1926, aderiu à
“Oposição de Esquerda” dentro do partido soviético, liderada por
Trotsky. Só deixou o país para voltar à Espanha com a proclamação da
República, em 1930.
A perseguição stalinista aos poumistas e a Nin foi estruturada pelo
NKVD. Um dos seus principais agentes na Espanha, Orlov, conforme
documentos já decifrados nos arquivos russos sobre a “Operação Nikolai”,
confeccionou um documento falso que provaria que Nin agia em conluio
com os franquistas (13). A ideia era fazer um “processo de Moscou” na
Espanha contra um “complô POUM-franquistas”. Andrés Nin foi preso em
junho e depois sequestrado da prisão oficial de Alcalá de Henares, perto
de Madri. Foi levado para uma das prisões clandestinas dos agentes
soviéticos, chamadas “tchecas”. Torturado para confessar o script
do documento falso, não confessou. Não se sabe como foi a tortura que
levou à sua morte, mas o relatório de Orlov a Moscou, decifrado pelo
filme já citado, encomendado pela Generalitat da Catalunha à Televisão
Espanhola, indica os autores da operação e da morte: três espanhóis
cujos nomes estão riscados, Orlov e dois outros agentes soviéticos sobre
cuja identidade verdadeira se discute ainda. Cobrados publica e até
internacionalmente, os comunistas alegaram que ele teria sido
sequestrado de Alcalá por franquistas, seus aliados. Coube ao jornalista
do Pravda, Koltsov, depois fuzilado, redigir esta explicação (14).
Desaparecimento e morte de Alberto Besouchet
A morte do brasileiro Alberto Besouchet se encaixa neste cenário. As
referências à sua história são ainda hoje poucas e esparsas. Há o artigo
do diplomata Paulo Roberto de Almeida (15), publicado em 1999, e que
foi a base da audiência pública a que me referi no início. Trabalho de
historiador, dedicado a retraçar a trajetória de todos os voluntários
brasileiros na Guerra Civil Espanhola, ele constitui em si mesmo um
capítulo sobre a censura na ditadura brasileira, já que sua primeira
versão, concluída em 1979, teve de ser publicada sob o pseudônimo de
Pedro Rodrigues, pois o tema era perigoso no Itamaraty. Paulo Roberto de
Almeida pôde entrevistar vários combatentes ainda vivos e o irmão de
Alberto Besouchet, Augusto. Referindo-se no início do artigo ao caso do
seu desaparecimento como “o mistério dos mistérios”, ele retoma tudo que
conseguiu averiguar entre as testemunhas que puderam contar alguma
coisa (16).
O artigo do historiador Dainis Karepovs (17), escrito em 2006, pôde
avançar mais na medida em que inseriu o desaparecimento de Alberto
Besouchet no clima de medo e delação que cercou os anos 1936, 1937 e
1938 na URSS e na campanha dos agentes do NKVD pela liquidação do POUM.
Utilizando documentos do agrupamento trotskista Liga Comunista
Internacionalista, pôde entrar melhor na alma da luta que se travava.
É baseado nestes dois autores, principalmente no segundo, e também em
algumas referências feitas por Apolônio de Carvalho em suas memórias
(18), que consegui recuperar os elementos básicos da trajetória de
Alberto Besouchet. Ele era filho de militar e optou pela carreira do
pai. Era também militante do Partido Comunista Brasileiro, como seus
irmãos, Augusto, Lídia e Marino. Como tenente, participou do levante
comunista de 1935, em Recife e, embora ferido, não foi preso.
Voltou ao Rio de Janeiro e contatou seus irmãos que, entretanto,
tinham sido expulsos do Partido por terem criticado a forma com que foi
feito o levante de 1935, julgando-a irresponsável. Posteriormente haviam
entrado em contato com a Liga Comunista Internacionalista. Eles
tentaram ganhar o irmão para suas novas posições, mas não conseguiram.
Em vez disso, Alberto Besouchet decidiu partir para a Espanha para
colocar a serviço do povo espanhol seus conhecimentos militares. E não
saiu do Partido.
No entanto, antes de viajar, escreveu uma carta aberta aos
companheiros, entregando-a à direção, pedindo que a divulgasse, na qual
conclamava todos, inclusive os presos, a persistirem na luta por “um
regime mais justo e humano”. A carta não foi divulgada, mas, sim,
respondida com termos grosseiros. Ele havia usado as expressões “Espanha
soviética”, “Revolução proletária mundial” e “burguesia internacional”,
que a direção considerou “esquerdistas”. Além do mais, já tinha os
irmãos fora do Partido (19).
As fontes concordam em que ele foi o primeiro brasileiro a chegar à
Espanha para lutar. Teve contatos com comunistas brasileiros na França,
caminho para chegar ao território espanhol, onde entrou em fevereiro de
1937. As fontes dizem também que levava uma carta de Mário Pedrosa para
Andrés Nin. Não está claro se integrou as Brigadas ou as milícias do
POUM. Foi ferido em Guadalajara, quando já tinha o posto de coronel.
Sobre o seu desaparecimento e morte as informações são esparsas. Na
documentação sobre os brasileiros na Espanha, contida nos arquivos
russos da Internacional Comunista, há apenas, em um relatório assinado
por um nome não identificado, a reprodução de uma informação do major
Costa Leite, comunista e militar mais graduado a ir para a Espanha, de
que Besouchet, além de ter tido relações com os trotskistas, teria sido
morto nos acontecimentos de maio de 1937, na Espanha. Mas a família
Besouchet recebeu a informação de que ele teria sido fuzilado durante a
retirada final das Brigadas Internacionais, de Barcelona, em 1938,
juntamente com anarquistas e trotskistas ali presos (20).
Estes retalhos de narrativas se encaixam com as breves palavras de
Apolônio de Carvalho: “O tenente Alberto Besouchet, que eu conhecia de
Realengo, foi o primeiro de nós a chegar à Espanha, ainda mal curado dos
ferimentos infligidos em Recife, quando do levante de novembro. (...)
Ascende a coronel em maio de 1937, momento de crise aguda no seio das
esquerdas, e logo depois é preso como militante do partido de Andrés
Nin. Fins de 1938, com os franquistas às portas de Barcelona, Besouchet é
assassinado covardemente. Nada poderá apagar, contudo, a imagem desse
comunista culto, modesto e bravo como poucos” (21).
É assassinado covardemente por quem? Obviamente por aqueles que
detinham os presos do POUM. Lembrando que a queda da Central Telefônica
durante as “jornadas de maio” de 1937 e a repressão que se seguiu a ela
levaram à prisão muitos militantes do POUM, é forçoso deduzir que foi
nesta situação que a morte o colheu. Lembrando ainda que Julián Gorkin, o
segundo mais importante dirigente do POUM, relata que foi preso nessa
época e, com outros poumistas, carregado de “tcheca” em “tcheca” durante
18 meses, até que, com a queda de Barcelona nas mãos dos franquistas,
conseguiu fugir (22).
Notas:
(1) No folder distribuído com informações históricas está a lista de
seus nomes: Alberto Bomilcar Besouchet, David Capistrano, Apolônio de
Carvalho, Joaquim Silveira dos Santos, José Homem Correia de Sá, Eneas
Jorge de Andrade, Nelson de Souza Alves, Roberto Morena, Dinarco Reis,
Delcy Silveira, Eny Antonio Silveira, Nemo Canabarro Lucas, José Gay da
Cunha, Hermenegildo de Assis Brasil, Carlos da Costa Leite, Homero de
Castro Jobim.
(2) Apolônio de Carvalho, Vale a pena sonhar. Rio de Janeiro, Rocco, 1997.
(3) George Orwell, Lutando na Espanha – Homenagem à Catalunha. São Paulo, Ed. Globo, 2006
(4) Angela Mendes de Almeida, A República de Weimar e a ascensão do nazismo. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 108.
(5) Fernando Claudín, La crisis del movimiento comunista – De la Komintern al Kominform. Francia, Ruedo Iberico, 1970, p. 137.
(6) Angela Mendes de Almeida, Revolução e guerra civil na Espanha. São Paulo, Brasiliense, 1981.
(7) A. Rossi, Autopsie du stalinisme – Avec le texte intégral du Rapport Khrouchtchev. Paris, Ed. Pierre Horay, 1957.
(8) Nicolas Werth, L’ivrogne e la marchande de fleurs – Autopsie d’um meurtre de masse – 1937-1938, p. 16.
(9) Sigmunt Stein, Ma guerre d’Espagne. Paris, Seuil, 2012, pp. 209 e ss.; e Pierre Broué, Staline et la révolution – Le cas espagnol. Paris, Fayard, 1993, p. 359.
(10) Cf. Paulo Roberto de Almeida, “Brasileiros na guerra civil espanhola”, Revista Sociologia e Política, nº 12, jun. 1999, p. 50. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n12/n12a03
(11) Julián Gorkin, Las jornadas de mayo en Barcelona, http://www.fundanin.org/gorkin8.htm;
(12) Julián Gorkin, ibid.
(13) Filme de Llibert Ferri e Dolores Genovés, Operación Nikolai – http://www.youtube.com/watch?v=zLAfmtlCgTU; e Pavel Sudoplatov et Anatoli Sudoplatov, Missions Speciales – Mémoires du maître-espion soviétique Pavel Sudoplatov.
Paris, Seuil, 1994, p. 76. Ao final da guerra, Orlov foi convocado para
voltar a Espanha e, temendo ser fuzilado, desertou, fugindo para os
Estados Unidos. Escreveu diretamente a Stalin, prometendo que nada
falaria se não tocassem em sua velha mãe. E assim fez, só escrevendo
memórias depois da morte do ditador.
(14) Julián Gorkin, já citado; Pierre Broué, Staline et la révolution – Le cas espagnol. Paris, Fayard, 1993, p. 183.
(15) Paulo Roberto de Almeida, op. cit.
(16) Op. cit., pp. 37-38 e 49-50.
(17) Dainis Karepovs, “O caso Besouchet, ou o lado brasileiro dos processos de Moscou pelo mundo”, Olho da História, 8/12/2006 - http://oolhodahistoria.org/artigos/ESPANHA-o%20caso%20besouchet-dainis%20karepov.pdf
(18) Apolônio de Carvalho, op. cit.
(19)Todas estas informações estão em D. Karepovs, op. cit.
(20) Cf. D. Karepovs, op. cit.
(21) Apolônio de Carvalho, op. cit., p. 125.
(22) Julián Gorkin, L’assassinat de Trotsky. Paris, Julliard, 1970, p.8.
Angela Mendes de Almeida é historiadora e coordenadora do site Observatório das Violências Policiais.
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