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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quinta-feira, 7 de abril de 2016

Esquerda e direita são as duas únicas realidades do jogo político? Um artigo importante

Um artigo importante, mas com problemas.
O principal -- OK, tem mais, mas vou ficar com este -- problema neste artigo, de resto bem escrito, e bem informado é este: acreditar que os embates políticos, ou a vida política no país, se resume a um enfrentamento entre esquerda e direita.
 Achar que o jogo político se define em função desses dois polos de aglutinação é, com todo respeito pelos autores, de um simplismo atroz. Nem a esquerda, simbolizada aqui pelo PT, fez tudo isso que sabemos que fez apenas por ser de esquerda, e sim por ser dirigida por personalidades criminosas, algumas até psicopatas, nem a direita, ou seja, tudo que está entre os tucanos e o DEM, é tão ineficiente e talvez corruptamente igualmente, por ser de "direita".
 Esses rótulos são enganadores. Ambos grupos fazem parte daquilo que Raymundo Faoro chamou de estamento burocrático, que no caso do PT virou um estamento gangsterista.
Paulo Roberto de Almeida 

Imobilismo de ideias, imobilismo de atitudes

O momento político põe em cena uma esquerda incapaz de fazer autocrítica e uma direita sectária, que se apega a um falso moralismo. “É preciso pensar em mudar, é preciso pensar para mudar”, dizem autores.

Congresso em Foco, 7/04/2016

Ricardo de João Braga e João Aurélio Mendes Braga de Sousa *

Fracasso, essa a inescapável conclusão sobre a situação brasileira atual. Será possível aceitar passivamente o retrocesso econômico e social, a total falta de exemplo moral, ético e de responsabilidade vinda da maioria das autoridades? Pode-se ter esperança no futuro quando a política é feita da forma baixa, interesseira e alienada como agora, quando a coisa pública é pilhada sem escrúpulos? Do mapa desse fracasso vale a pena apresentar seus picos e vales.

A inflação em 2015 ignorou a meta do governo de 6,5% e atingiu 10,67%. Maior inflação desde 2002. E segue ruim, pois para 2016 prevê-se novo estouro da meta. A taxa de desemprego para as regiões metropolitanas (PME-IBGE) está dando saltos, passando de 7,6% em janeiro para 8,2% em fevereiro – números muito altos e crescentes. Segundo estimativas, 1,5 milhão de postos de trabalho sumiram no ano passado, totalizando 9,1 milhões de desempregados. Nunca houve tanto desempregado no Brasil.

A atividade econômica brasileira encolheu 3,71% no último ano e a produção industrial diminuiu 7,8% só em 2015, um cenário de catástrofe. Nosso desempenho entre 2015 e 2016, a se concretizarem as previsões, será o péssimo inédito, nunca antes tão ruim. Em dois anos o nosso Produto Interno Bruto (PIB) per capita deverá cair algo próximo a 10%.

Ao mesmo tempo, o Brasil segue ostentando a maior taxa real de juros do planeta. A taxa básica de juros, a Selic, seguirá ao redor dos atuais 14,25%. E os bancos seguem batendo recordes de lucratividade. Itaú-Unibanco, Bradesco e Santander lucraram R$ 47,8 bilhões no ano passado, um crescimento médio de 15% ante 2014, cobrando juros ao redor de 270% ao ano no cheque especial e 430% no cartão de crédito.

Junto com isso, sofremos o maior desastre ambiental de nossa história. O rompimento da barragem de rejeitos de minério da mineradora Samarco, controlada pela Vale do Rio Doce (Vale) e pela BHP Billiton, disparou um tsunami de 55 milhões de metros cúbicos de lama tóxica sobre o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, região central de Minas Gerais. A lama formou um rio de 700 km de dejetos. Foi o maior desastre do gênero da história mundial nos últimos 100 anos, segundo estudo da Bowker Associates. A Vale do Rio Doce conseguiu matar o Rio Doce. A presidente Dilma sobrevoou as áreas atingidas apenas sete dias depois do desastre. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) aponta que há mais 24 barragens de alto risco no país.

Quando a natureza age, o Brasil não tem condições de lhe fazer frente. Em 2015, o Ministério da Saúde registrou recorde de casos de dengue no Brasil, mais de 1,6 milhão. Agora têm-se três doenças em um só vetor, pois não conseguimos lidar com ele desde sempre. Aumentam as mortes e as sequelas na população.

No plano político, o partido no poder, o Partido dos Trabalhadores, se desfaz em praça pública. Dois ex-presidentes nacionais presos, dois ex-tesoureiros presos, dois marqueteiros confessaram ter recebido dinheiro ilegal (caixa dois) para tocar campanhas eleitorais, o ex-líder do governo no Senado estava preso até recentemente e o ex-líder do governo na Câmara é alvo de inquérito aberto pela Polícia Federal. E ainda dois ex-membros da Mesa da Câmara encontram-se presos. Dia 17 de março, foi instalada na Câmara de Deputados a comissão especial responsável por analisar o pedido de impeachment da presidente Dilma.

“O PT não tem mais discurso”

O PT foi eleito para acabar com o jogo sujo da política brasileira, mas replicou o que atacava. Depois de uma década no poder, surgem diariamente notícias de corrupção praticadas para enriquecimento pessoal. Os fatos não permitem a antiga escusa de que “foi pelo projeto”. Não há como apelar a “contradições” necessárias a viabilizar as reformas de base, a indulgente justificativa que só cabe na régua frouxa do pragmatismo da realpolitik. Trata-se de enriquecer, e ponto. O PT tem razão em se dizer igual aos outros, mas só ele jogou fora uma oportunidade construída com décadas de militância e esperança.

Uma vez no poder, o partido jamais mostrou disposição para avançar em reformas capazes de sanear nosso sistema político-eleitoral. Neste momento, a militância minguante está ao desabrigo de qualquer proposta transformadora capaz de encorajar utopias, não dispõe de pauta econômico-social apta a enfeixar as forças produtivas num pacto de desenvolvimento nacional. E o pior: o partido no poder só pode debater ética se valendo de cegueira seletiva e contorcionismo verbal. O PT não tem mais discurso.

A conclusão que se sucede é de que fomos traídos, de que o PT conquistou nossa esperança para apenas ter a sua vez no jogo sujo. A frustração represada é tamanha que vulnera a sensatez nacional. Para agir como aldeões com tochas, basta a nação se enlutar pela perda de um herói. O desembarque da tempestade só precisa de um disparo, de um grito, de um estopim, para nos engolfar em mórbido carnaval de ira. Em raros momentos a pátria dependeu tanto dos fiadores últimos da nossa paz, cabe a eles o dever de garantir que esse funesto disparo jamais ocorra.

É possível aceitar passivamente o fracasso coletivo que o Brasil experimenta? Pessoas normais vão dizer que não (normais aqui define os não-sociopatas, em oposição a todos aqueles que tem enriquecido pilhando a sociedade brasileira). Então, por que tanto imobilismo? Por que se aceita passivamente o retrocesso das condições sociais e políticas? Aqui nos deteremos em apenas uma razão: faltam-nos ideias porque o debate intelectual carece de coragem e de atitude.

Como já apontado por Nelson Rodrigues, a elite intelectual brasileira majoritariamente afirma que é esquerda. Notem bem, a elite intelectual é. “É” expressa mais do que uma convicção profunda; “é” identifica, define, fala do ser. Isso diz muito.

Quando as identidades pessoais decorrem de uma ideologia, as opiniões se tornam invulneráveis à razão. O conhecido grito de apoio ao governo chileno de Salvador Allende, “Este es un gobierno de mierda, pero es mi gobierno. Viva el gobierno”, segue há quarenta anos revelando como o sentimento de pertencimento encobre a capacidade de raciocinar. É a alienação dos politizados. E quando sair dessa identidade de carteirinha tem o custo pessoal de abandonar a própria individualidade, quando exige a coragem de repudiar compromisso de alma, de vivenciar a dor de sofrer um naufrágio de si mesmo, então, pensar pode ser um gesto difícil e doloroso como um parto. O problema é que esse parto é necessário para o nascimento da vida intelectual.

A liberdade intelectual, melhor, a liberdade da vida interior, mereceu de Tocqueville uma análise pela perspectiva maior da sacralidade:

“Quanto a mim, duvido que o homem possa suportar ao mesmo tempo uma completa independência religiosa e uma inteira liberdade política: e sou levado a pensar que, se ele não tem fé, tem de servir e, se for livre, tem de crer” (Democracia na América, Vol. 2, Primeira Parte, Cap. 5)

Tocqueville refere-se, ao nosso ver, a valores superiores, que podem ser humanísticos, não necessariamente à fé religiosa em sentido usual. Substituir essa referência superior pela fé em um partido, em um movimento político organizado, subordina a referências limitadas e restritas. Confundir estratégia e tática políticas com visão de mundo e valores é um erro – este é o erro de uma consciência que se subordina a um partido. Ser de esquerda, quando esquerda quer dizer um partido ou um movimento político apenas, é subordinar seus valores mais profundos a movimentos, posições, atitudes e declarações circunstanciais. Não há coerência que resista ou boa-fé que sobreviva. A própria atividade intelectual é ferida de morte nessa subordinação, porque não há liberdade nem amplitude para a crítica e nem oportunidade para o novo.

O que Tocqueville percebeu foi que a fome de absoluto não pode ser saciada no pragmatismo da arena pública, sob pena de multiplicarmos os devotos na política. O devoto político é alguém que tomou o pó rasteiro como sublime altíssimo e a isso se dedica em profissão de fé de uma religião civil. Quanto mais perde o rumo, mais dobra o passo, correndo sempre atrás de um caminhão de mudanças, do qual caiu e que não existe mais. Sofre de uma cegueira auto-imposta pela luz ideológica que assume como credo. Dispara ecos de certezas alheias por falta de coragem de pensar. Devotos políticos são genuinamente perigosos e, genuinamente, nada mais.

Os devotos servem como peles de cordeiros para os lobos de suas convicções políticas. Não se dão conta de que a esperteza dos que enriquecem a olhos vistos se legitima na ingenuidade dos que acreditam cegamente. E não poderão perceber essa relação de machado e sândalo enquanto permanecerem nas fases iniciais do luto (modelo psicológico de Kübler-Ross).

Esclarece-se assim também o segundo sentido da frase “a elite intelectual é de esquerda”. Esquerda aqui são o PT e os partidos satélites do mesmo campo ideológico. A esquerda identificada com as opções políticas da intelectualidade é o movimento imediato, pragmático, que se apresenta no Legislativo e no Executivo na quadra de 2003 até hoje. Nos termos da reflexão de Tocqueville, a esquerda identificada pelos intelectuais está postada no alto de um prédio de três andares, quando deveria ser um balão a flutuar na estratosfera. O partido, ao se legitimar com a secularização da adoração teológica, trocando glória por sucesso, depauperou não só a democracia, mas apequenou o humano dentro daqueles que lhe servem.

Como a política é um fazer no mundo, em que há incerteza sobre causas, modos e razões, o mais adequado para uma atividade intelectual digna do nome – isto é, livre e crítica – deveria ser aferrar-se menos a rótulos e procurar desvendar as substâncias. Um olhar menos sectário sobre a história humana mostra que avanços sociais e culturais não emanam exclusivamente de ideias e ações de esquerda ou de direita. A vida é mais complexa do que os rótulos.

“Se o projeto de esquerda findou, o da direita não surgiu”

Abandonar o PT, para essa maioria intelectual, traz consigo inescapavelmente a entrega do país aos inimigos atávicos, à direita travestida falsamente de social-democrata e aos patrimonialistas fisiológicos. Veja que a grande maioria dessa esquerda sempre demonstrou desconforto com as alianças do PT com o PMDB, este último servindo como o culpado universal para o amontoado de ilusões perdidas e traídas pelo presidente Lula e sua sucessora.

Assim, impedidos de abandonar o PT, a história e a identidade que construíram para si mesmos no debate, sobra-nos o imobilismo daqueles que não querem, aliás, não podem admitir o fracasso do projeto de esquerda (se é que a esquerda merece ser associada de forma tão direta ao PT e seu governo). Seguem apenas marchando pelo itinerário psicológico do luto.

Diante da falta de autocrítica da esquerda e de sua alienação da realidade, a direita apenas se postou no papel reativo de moralista, de defensora dos valores tradicionais da sociedade. Se o projeto de esquerda findou, o da direita não surgiu. Enquanto um teima em não enterrar os mortos, e seguir para novas ações, o outro apenas aguarda como um urubu.

Nossa direita tem a estatura de um sectário ignorante. Reflexões presas ao imediato, conservadores sem visão de tradição, partidos sem nexo programático, políticos sem organização. São humanistas contra o amor, cristãos que criminalizam crianças. Advogam liberdades individuais cultuando caciques; são liberais viciados em benesses estatais, bancam a pauta pseudo-moral com dinheiro cuja origem é exatamente aquela que pensamos que seja. Ridículos aquém do humor.

Nossa direita discute direitos humanos sem compreender as ideias de liberdade e liberalismo. Por isso, é uma direita de “casa grande e senzala”, não uma direita moderna. Não discute programas sociais que gerem autonomia (que são antes de mais nada bom ensino fundamental, médio e superior), não tem coragem de enfrentar a reforma da Previdência, porque no fundo quer defender seus privilégios. Critica programas como o Bolsa Família como se fosse possível não perceber a nossa absurda dívida social. Nossa direita oferece respostas ilusoriamente simples para problemas realmente complexos.

Apesar de grandes nomes individuais, como José Guilherme Merquior, o pensamento de direita não tem sede prática no Brasil. Há poucos porta-vozes na arena pública, nas discussões a céu aberto. Na política formal, não há propostas. Faz-se só atacar o PT com um discurso ralo de moralidade, o que é hipócrita e promete apenas um vazio.

Sinal claro dessa incipiência intelectual, da ausência de um debate rico entre esquerda e direita é a longevidade de barreiras ao crescimento do Brasil, que provavelmente é o país com mais oportunidades de investimento no mundo. Não há um projeto de liberalismo econômico, com manejo realista das contas públicas, implicado na liberação da atividade empresarial com quebra de monopólios, concessões de serviços públicos e criação de incentivos à inovação e ao empreendedorismo. Sequer se consegue explicitar que um projeto econômico assentado nos marcos do capitalismo pode sim ser vetor de desenvolvimento inclusivo, ambientalmente sustentável e plenamente forjado no reconhecimento do papel estratégico do Estado na coordenação econômica vocacionada à efetivação do interesse nacional. Exemplos disso não faltam no mundo, mas nós teimamos em ignorá-los.

Nossa direita sequer enxerga essa discussão. Talvez não enxergue também as forças políticas que apoia e as que combate.

O imobilismo é o ensurdecimento do debate, impossibilita a qualquer dos lados evoluir. Isso se deve a uma esquerda que vela um corpo em putrefação a céu aberto e a uma direita que espera que também aquele que vela morra e lhe entregue o espólio do Estado.

Ambos os lados parecem presos a rótulos e incapazes de notar que a real separação brasileira é entre os que estão e os que não estão sujeitos às leis. E nisso reside o mérito histórico da Operação Lava Jato, de levar viço aos alicerces da democracia e finalmente nos igualar perante as leis. E com isso descortinar um futuro pronto a radicalizar a democracia. Radicalizar a democracia num Brasil a ser unido numa esperança que não é espera, mas é combustível da vida. Radicalizar a democracia atentos ao que as ruas afirmam – a esperança não é ninguém; a esperança é todo mundo.

Enquanto não houver coragem para abandonar um projeto fracassado e atitude para criar novas ideias, o Brasil permanecerá no imobilismo, pois a raiz de toda ação de sucesso são ideias adequadas. É preciso pensar em mudar. É preciso pensar para mudar.

 

Ricardo de João Braga é doutor em Ciência Política e servidor público. Engenheiro civil e bacharel em Direito, João Aurélio Mendes Braga de Sousa  joao.aurelio@gmail.com presidiu a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp).

 

Veja também:

Uma reflexão sobre a farsa política brasileira

Mais sobre a crise política

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Os pikettyanos não descansam: acham que vão melhorar o mundo via Estado...

Um amigo meu, desses que acreditam nas bondades estatais, me envia a seguinte notícia:

Ele me escreve o seguinte:

"Vc diz que "vamos criar riqueza ao invés de tributar", ok, a tarefa do Estado é direcionar investimentos , o que o que o Estado tem que fazer (e o Governo, especialmente) é tornar o investimento produtivo mais atraente do que as rendas financeiras, senão ocorre isto aí. E evidentemente, isto ocorre porque também o tributo financeiro é baixo e o investimento produtivo não é atraente...."

Não me lembro de ter dito algo parecido, mas eis o que argumentei com ele:

Vc está tendo um ataque de pikettysmo virulento. Isso não tem nenhuma Importância para fins de crescimento e desenvolvimento. 
Teria se os 10% só conseguem acumular os 52% da renda roubando dos outros 90%,
Vc tem essa informação? 
Sabe se os caras ficaram ricos roubando dos mais pobres? 
Por que essa obsessão?
Vc acha que se o governo pegar uma boa parcela dos 52% ele vai investir corretamente? 
Como pode ter certeza?
E a riqueza criada pelas mãos (e pés) do governo seria a mesma, em magnitude e dinâmica?
Como pode ter certeza?
=============
Paulo Roberto de Almeida

Ah, essas notícias escandalosas...
Desigualdade10% dos brasileiros concentram 52% da renda no país.

A barbárie nazista na matança de judeus: poema (Yevgeny Yevtushenko) e história (Martin Gilbert)

De um grande poeta russo : " Babii Yar " ( de Yevgeny Yevtushenko)

Um brado em contra da intolerância

"Sinto-me como Dreyfus. 
O filisteu é simultaneamente o denunciante 
e o juiz. 

Sou prisioneiro. 
Estou cercado. 
Perseguido, cuspido e difamado. 

Grito, enquanto deliciosas senhoras decoradas 
com os seus laços de Bruxelas 
furam-me o rosto com os seus guarda-chuvas."
 
Parece tão longínquo, mas é tão atual... Esta é a capacidade mágica dos poetas, sabem antecipar o que vai acontecer... 
 

BABII YAR 

Nenhum monumento supera o Babii Yar. 

A pedra sepulcural é uma pura lágrima. 

Eu estou com medo. 

Eu sou hoje tão remoto 

como todo o povo judeu. 

Agora vejo-me 

como um judeu. 

Aqui arrasto-me através do Egipto Antigo. 

Aqui eu morro, crucificado, na cruz, 

carregando as cicatrizes deixadas pelos pregos. 

Sinto-me como 

Dreyfus. 

O filisteu é simultaneamente o denunciante 

e o juiz. 

Sou prisioneiro. 

Estou cercado. 

Perseguido, cuspido e difamado. 

Grito, 

enquanto deliciosas senhoras decoradas 

com os seus laços de Bruxelas 

furam-me o rosto com os seus guarda-chuvas. 

Vejo-me então 

como uma criança novinha em Bialystok. 

O sangue escorre, derramado pelos soalhos. 

No salão do bar a multidão desperta 

para uma medida de vodka e cebola. 

Desamparado,levo com uma bota 

um pontapé no traseiro. 

Em vão suplico por piedade 

aos meus carniceiros. 

Enquanto isso troçam e disparam, 

"Derrotem os judeus. Salvem a Rússia!" 

e um caceteiro bate na minha mãe. 

Ó meus povos russos! 

Eu sei, 

vocês são 

internacionalistas. 

Mas aqueles que têm as mãos sujas 

em vão vos retiraram 

a pureza do vosso nome. 

Eu conheço a bondade da minha terra. 

Mas os anti-semitas são vis 

e não caem em delíquo. 

Intitulam-se orgulhosamente 

de "A União dos Povos Russos!" 



Eu vi, como 

Anne Frank, 

os límpidos ramos da Primavera. 

E eu amo. 

Não preciso de frases vazias. 

Necessito apenas 

do que descobrimos dentro de nós. 

O que mal se pode ver 

ou cheirar! 

Não nos deixam partir 

e é-nos negado o céu! 

Contudo podemos abraçar-nos 

ternamente 

na escuridão de um quarto. 

Eles estão chegando? 

Não tenham medo. 

É o retinir suave 

da própria Primavera - 

a Primavera já vem a caminho. 

Chegando até mim. 

Despeçam-se depressa. 

Estão quebrando algo debaixo da porta? 

Não, é o gelo que se parte... 

A erva selvagem murmura sobre Babii Yar. 

As árvores olham agourentas 

como os verdugos. 

Aqui todas as coisas gritam em silêncio, 

e, dentro da minha cabeça, 

lentamente, sinto-me 

transformado em cinza. 

E sou eu mesmo 

a soltar um berro tronitruante 

pelos muitos milhares aqui enterrados. 

Eu sou 

cada velhinho 

aqui abatido a tiro. 

Eu sou cada criança 

aqui abatida a tiro. 

Nada será esquecido 

dentro de mim. 

Deixem a "Internationale" 

trovejar 

quando o último anti-semita na terra 

for enterrado para sempre. 

Não tenho um pingo de sangue judeu. 

Mas, na sua raiva insensível 

todos os anti-semitas 

devem odiar-me agora 

como se eu fosse um judeu. 

Mas até por essa razão 

Eu sou um verdadeiro russo! 


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O massacre de Babi Yar

Em setembro de 1941, Babi Yar, ravina existente em Kiev, capital da Ucrânia, foi o local de um dos maiores massacres de judeus em um único lugar, durante a 2ª Guerra Mundial. Em dois dias apenas, 34 mil judeus, homens, mulheres, crianças e velhos, foram mortos a tiros. Babi Yar se tornou símbolo do cruel assassinato de judeus perpetrado pelos Einsatzgruppen e do persistente não reconhecimento da memória judaica.

Em 1961, o poeta russo Yevgeny Yevtushenko, em seu poema “Babi Yar”, fez um apelo para que os terríveis acontecimentos não fossem relegados ao esquecimento.

“(..) A erva selvagem murmura sobre Babi Yar. As árvores olham agourentas como os verdugos. 

Aqui tudo grita em silêncio, e, tirando meu boné, sinto-me grisalho, lentamente. E eu, também, tornei-me um berro tonitruante, sem som, pelos muitos milhares aqui enterrados. Eu sou cada velhinho aqui abatido a tiros. Eu sou cada criança aqui abatida a tiros. Nada será esquecido, dentro de mim...”

Holocausto na Ucrânia 

A Operação Barbarossa, invasão da antiga União Soviética por Hitler, lançada em 22 de junho de 1941, foi decisiva no Holocausto, pois deu início ao genocídio de judeus. A matança sistemática de judeus no leste da Europa começou no primeiro dia da invasão alemã.

As forças nazistas rapidamente ocuparam a Ucrânia, o leste da Polônia, a Letônia, Estônia e Lituânia, a Bielorrússia e o oeste da República Russa. Assim que o exército alemão ocupava alguma área da ex-União Soviética, os Einsatzgruppen (Esquadrões da morte móveis das SS) entravam em ação, fuzilando os judeus. Estima-se que mais de 1,5 milhão foram executados dessa forma. Uma das “tarefas” dos Einsatzgruppen era organizar, entre a população local, indivíduos dispostos a perpetrar ou a participar do assassinatos em massa de judeus. Na Ucrânia não foi difícil; centenas de milhares colaboraram entusiasticamente com os nazistas. Sem tal participação, teria sido impossível que as matanças atingissem a escala que de fato tiveram.

Antes mesmo de os nazistas ir em frente com a “solução radical do problema judaico através da execução a tiros de todos os judeus”, milhares de ucranianos foram os responsáveis por sangrentos pogroms. Outros milhares tornaram-se guardas nos campos de extermínio. A ajuda da polícia ucraniana permitiu aos nazistas rapidamente identificar e reunir os judeus que, a seguir, eram conduzidos para locais ermos onde, um a um, família após família – homens e mulheres, velhos e crianças – eram brutalmente assassinados a tiros.

Kiev 

A cidade de Kiev acabou caindo em mãos alemãs após 45 dias de batalha, em 19 de setembro de 1941. Acredita-se que cerca de 70% dos 225 mil judeus (20 % da população da cidade) que viviam em Kiev conseguiram deixar a cidade a tempo. A maioria dos que ficaram eram os que não tinham condição de fugir: mulheres, crianças, velhos e doentes.

Desde o primeiro dia da ocupação, os judeus perceberam as “faces radiantes” de muitos ucranianos, como recordou mais tarde uma testemunha ocular, Konstantin Miroshnik1, então com 16 anos. Um dos vizinhos ucranianos dissera a seu avô, “Leib, seu poder judaico chegou ao fim, uma nova ordem começará agora, portanto tenha em mente, você terá contas a acertar...”.
No segundo dia da ocupação, policiais ucranianos apareceram nas ruas portando braçadeiras e anunciando que faziam parte da “Organização de Nacionalistas Ucranianos” (OUN), organização liderada por Stepan Bandera.

Por alguns dias os judeus não foram molestados. Em 21 de setembro, após ter sido submetido a humilhações públicas, foi assassinado Shlomo Glozman, um dos líderes comunitários de Kiev, junto com nove outros dos mais respeitáveis membros da comunidade.

Durante os primeiros dias da ocupação alemã, duas grandes explosões, aparentemente desencadeadas por engenheiros militares soviéticos, destruíram o prédio onde havia se instalado o quartel-general alemão e parte do centro da cidade. Os alemães usaram esses atos de sabotagem como pretexto para dar início à matança dos judeus de Kiev.

Em 27 e 28 de setembro, os nazistas colocaram cartazes em russo e ucraniano por toda a cidade, convocando os judeus para o “reassentamento”.  “Ordena-se a todos os judeus residentes de Kiev e suas vizinhanças que compareçam à esquina das ruas Melnyk e Dokterivsky, às 8 horas da manhã de 2ª feira, 29 de setembro de 1941, portando documentos, dinheiro, roupas de baixo, etc. Aqueles que não comparecerem serão fuzilados. Aqueles que entrarem nas casas evacuadas por judeus e roubarem pertences destas casas serão fuzilados”. Mais de 30 mil se apresentaram.

Nos dias 29 e 30, véspera de Yom Kipur, os judeus foram levados a Babi Yar, uma ravina nos arredores da cidade. Acreditavam que seriam embarcados em trens para um reassentamento. A multidão de homens, mulheres e crianças era grande o bastante para que ninguém se desse conta do que estava para acontecer, a não ser tarde demais. Um dos comandantes do Einsatzkommando chegou a se gabar, dias mais tarde, que, por causa de “nosso talento especial para a organização, os judeus acreditaram, até o momento de serem executados, que estavam realmente sendo enviados para um reassentamento”.

O massacre foi realizado em dois dias, pela unidade C do Einsatzgruppen, apoiada por membros de um batalhão das Waffen-SS. Unidades da polícia ucraniana foram usadas para agrupar e conduzir os judeus até o local de fuzilamento.

Logo após a guerra, um cidadão não judeu, o vigia do velho cemitério judaico próximo a Babi Yar, contou que testemunhara “cenas horríveis de dor e desespero”. Ao relatar os fatídicos acontecimentos contou: “Eu vi policiais ucranianos formarem um corredor e levar os judeus apavorados para a enorme clareira, onde, com bastões, aos gritos e utilizando cães que arrancavam pedaços dos corpos das pessoas, os judeus eram forçados a se despirem totalmente, a formar filas e, então, dirigir-se em colunas de dois para a boca da ravina. Ao escutarem o barulho das metralhadoras que estavam abatendo os judeus do grupo logo à frente, percebiam o que os esperava, mas não tinham mais como escapar. Ao chegar à boca da ravina, encontravam-se na beira do precipício, a 20, 25 metros de altura, e do outro lado havia metralhadoras alemãs disparando. (...). Então os próximos 100 eram trazidos, e tudo se repetia. Os policiais pegaram as crianças pelas pernas e as jogaram vivas dentro do Yar. Naquela noite, os alemães fizeram desmoronar as paredes da ravina e enterraram as pessoas sob uma espessa camada de terra. Mas a terra moveu-se ainda por muito tempo, porque judeus feridos e ainda vivos se moviam, desesperados”.

Dina Pronicheva foi uma dentre os poucos judeus a escapar com vida. Assim como centenas dos que foram alvejados, não morreu. Mas diferentemente da maioria dos que caíram vivos na vala, ela conseguiu evitar ser sufocada e escapou. Após a guerra, Dina contou os horrores de Babi Yar ao escritor russo Anatoli Kuznetsov, que publicou a história, primeiro na Rússia, em 1966, e na Inglaterra em 1970, sob o pseudônimo de A. Anatoli. Dina contou que enquanto estava ainda soterrada ouvia por todo lado e por baixo ela, sons abafados, gemidos, pessoas se sufocando e chorando. A massa de corpos movia-se ligeiramente conforme se acomodava e se espremia, através do movimento dos que ainda viviam. Lembrou como os soldados iam até a borda e iluminavam os corpos com suas lanternas, atirando com seus revólveres sobre os que ainda pareciam vivos.

Ao se referir ao massacre, Elie Wiesel escreveu que “testemunhas oculares disseram que, por meses após as mortes, o solo de Babi Yar continuava a esguichar guêiseres de sangue”. Após dois dias de assassinatos, a unidade do Einsatzkommando mandou para Berlim um relatório sobre a ação: em dois dias, 33.771 judeus haviam sido exterminados em Babi Yar e os “operadores” das metralhadoras haviam sido auxiliados pelos milicianos ucranianos. 

Nos meses seguintes, os nazistas utilizaram Babi Yar como um local de execução para prisioneiros de guerra soviéticos e para “ciganos”. O número de executados talvez jamais seja conhecido.

Destruindo provas 

Em março de 1944, a ex-URSS inicia a ofensiva na Bielorrússia. À medida que os exércitos alemães iam batendo em retirada frente ao inexorável avanço russo, eram instruídos a destruir as evidências dos assassinatos em massa.

Um comando especial foi incumbido de ir aos locais dos massacres realizados pelos Einsatzgruppen. Teriam que exumar e queimar cadáveres e ossos e espalhar as cinzas. Na maioria dos locais foram construídas piras maciças. Cada pira podia consumir 3.500 corpos e ardia até dez dias. Mas a quantidade de mortos enterrados na ravina de Babi Yar não permitia esse “modus operandi”. Lembrou posteriormente o comandante da operação: “A terra sobre a imensa cova comum foi removida; os corpos foram cobertos com material inflamável e incendiados. Demorou cerca de dois dias para que a tumba ardesse até o fundo”.

A terrível tarefa foi realizada por mais de 400 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos. Eles sabiam que assim que o trabalho se encerrasse todos seriam mortos, sabiam que os nazistas não iriam deixar testemunhas de seus crimes. As mortes já vinham ocorrendo; no primeiro mês, 70 dos prisioneiros foram mortos em execuções realizadas toda a noite pelos guardas, para se divertirem.

Os prisioneiros famintos e doentes trabalhavam com grilhões nos tornozelos, guardados por SS armados com submetralhadoras e acompanhados por cães treinados para matar. Os guardas dirigiam-se aos judeus chamando-os de “Leichen”, cadáveres. Mas, como escreveu o historiador Reuben Ainsztein, um dos principais autores ingleses sobre o tema do Holocausto, “naqueles homens seminus impregnados de carne putrefata, cujos corpos estavam comidos por sarna e cobertos com uma camada de lama e fuligem, e nos quais restava tão pouca força física, sobrevivia um espírito que desafiava tudo o que os nazistas tinham feito ou poderiam fazer-lhes.  Nos homens em quem as SS viam apenas cadáveres andantes, maturava uma determinação de que ao menos um deles precisava sobreviver para contar ao mundo o que haviam visto em Babi Yar”.

Eles traçaram planos. Entre os idealizadores, havia um soldado judeu do Exército Vermelho, Vladimir Davydov, que acabou testemunhando em Nuremberg. A escala de represália eliminava fugas individuais. Após a fuga de um soldado não judeu do Exército Vermelho, Fyodor Zavertanny, os alemães fuzilaram 12 dos prisioneiros e o SS encarregado dos guardas, que tinha supervisionado o grupo de Zavertanny.  Uma fuga em massa era a única esperança. Mas os prisioneiros precisariam de um milagre, pois para poder fugir teriam que encontrar uma chave que pudesse abrir o cadeado do bunker onde eram trancafiados a noite. Eles passaram a procurar por quaisquer chaves que tivessem sobrado dentre os milhares de cadáveres apodrecendo e suas roupas em decomposição. Em 20 de setembro, o milagre aconteceu: um dos prisioneiros encontrou uma chave que servia no cadeado.

Nove dias depois, no 3º aniversário do massacre, 325 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos fugiram. Desses, 311 foram fuzilados durante a fuga e apenas 14 alcançaram esconderijos, quatro ficaram por 20 dias em uma chaminé de uma fábrica desativada e dois foram escondidos sob o galinheiro por duas ucranianas, Natalya e Antonina Petrenko.

Em 6 de novembro, cinco semanas após a fuga, os 14 sobreviventes estavam entre os que recepcionaram o vitorioso Exército Vermelho que entrava em Kiev. Todos eles se juntaram às fileiras. Quatro deles, todos judeus, foram posteriormente mortos em ação contra os alemães, e dez sobreviveram à guerra. Dois judeus, Vladimir Davydov e David Budnik, prestariam depoimento, em 1946, no Tribunal de Nuremberg, sobre o massacre de Babi Yar.

Atitude soviética 

Na Kiev libertada, judeus sobreviventes e familiares dos judeus massacrados foram até a ravina, no local da execução. Lembra uma testemunha: “Descemos até o fundo. Ficamos parados, chorando. Juntamos os ossos queimados de braços, pernas”. Após o Exército Vermelho retomar o controle de Kiev, Babi Yar foi transformado num local de internamento de prisioneiros alemães e operou até 1946, quando foi totalmente demolido.

Nos anos seguintes ao término da 2ª Guerra, os judeus que retornaram a Kiev, assim como os demais na antiga União Soviética, quiseram erguer um memorial em homenagem aos judeus assassinados em Babi Yar, mas essas tentativas foram sistematicamente rechaçadas pelas autoridades soviéticas.

Desde a retomada da cidade, o governo desestimulou qualquer ênfase ao massacre de Babi Yar como sendo uma barbárie direcionada apenas aos judeus – queriam que a tragédia fosse lembrada como um crime cometido contra a população de Kiev e o povo soviético todo.

A primeira versão do texto sobre o terrível massacre ocorrido em Kiev mencionava os judeus. “Os bandidos hitleristas cometeram assassinato em massa da população judaica. Eles o anunciaram em 29 de setembro de 1941, dizendo que todos os judeus deveriam estar na esquina das ruas Melnikov e Dokterev portando seus documentos, dinheiros e valores. Os carniceiros os conduziram a pé para Babi Yar, apossaram-se de seus pertences e lá os abateram a tiros”. Mas ao ser oficialmente publicado, os judeus não eram mais mencionados: “Os bandidos hitleristas trouxeram milhares de civis à esquina das ruas Melnikov e Dokterev”.

Diversas tentativas de se erguer um memorial judaico no local dos massacres foram adiadas. Em outubro de 1959, o escritor Viktor Nekrasov publicou um artigo protestando contra a intenção de erguer um parque com um estádio de futebol em Babi Yar e construir uma represa na outra ponta da ravina. Nos anos após o término da guerra, Babi Yar enchera-se de entulho, lama e água, formando, na descrição de uma testemunha, “um lago profundo imóvel... De longe, parecia esverdeado, como se as lágrimas das pessoas que lá tinham sido mortas houvessem brotado do solo”.

As autoridades municipais de Kiev concordaram, a princípio, em erguer um monumento, mas insistiam em que fosse dedicado aos cidadãos soviéticos, sem mencionar o fato de serem judeus. No final, até mesmo essa decisão não foi levada adiante e as obras da represa foram iniciadas.

Uma noite, em 1961, a represa construída pela prefeitura ruiu e torrentes de água, argila líquida e lama, misturadas com restos de ossos humanos, jorraram nas ruas de Kiev abaixo.  A enxurrada provocou vários incêndios, destruiu uma garagem e, ao atingir a estação de bondes, virou os bondes, enterrando vivos todos os que estavam na estação e a bordo dos bondes. Nessa noite, enquanto os soldados estavam ocupados escavando em busca dos mortos e procurando sobreviventes na lama, uma segunda onda de argila líquida irrompeu de Yar, causando mais estrago e morte. Nos dois desastres, 24 pessoas foram mortas. Alguns dias depois, quando um bonde passou pelo local do desastre, uma velha ucraniana começou repentinamente a gritar: “Foram os judeus que fizeram isso. Estão se vingando de nós”.

À medida que as décadas passaram, muitos sobreviventes e os parentes dos sobreviventes procuraram retornar aos cenários de seu próprio sofrimento ou de sua família. Para os judeus da antiga União Soviética, Babi Yar, assim como outros locais de assassinato em massa de judeus, tornaram-se lugares de peregrinação solene. Visitar locais como Babi Yar, em Kiev, Rumbuli, perto de Riga, Ponar, fora de Vilnius, ou a cova da Rua Ratomskaya, em Minsk, tornou-se um meio de renovar e afirmar seu sentido de identidade judaica.

Em setembro de 1966, decorridos 25 anos do massacre, Babi Yar se tornou ponto de encontro para os ativistas judeus. Nos anos seguintes, os ativistas de várias partes do país vinham participar do evento em memória dos judeus assassinados, atendendo às convocações, a despeito do empenho das autoridades em evitar qualquer manifestação. Em 1971, no mínimo 1.000 pessoas participaram da cerimônia de recordação.

O interesse em Babi Yar atingiu seu ponto alto em 1961, no 20o aniversário do massacre, quando o poeta russo Yevgeny Yevtushenko publicou seu poema “Babi Yar” na Literaturnaia Gazeta. O poema se identificava com o sofrimento judeu, particularmente com as vítimas judias do nazismo, insistindo que enquanto existisse antissemitismo na ex-URSS sua sociedade não poderia ser genuinamente internacionalista. O trabalho evocou um amplo protesto, inclusive uma censura do Premier Nikita Khrushchev.  A intelligentsia liberal, no entanto, recebeu-o com aplausos, e o compositor Dimitri Shostakovich musicou-o em sua 13a Sinfonia, que logo foi banida pelas autoridades.

Somente em 1976, ergueu-se um monumento, mesmo assim, sem fazer qualquer menção específica às vítimas judias, referindo-se apenas “aos cidadãos de Kiev e prisioneiros de guerra”. Apenas após o advento da Perestroika, a política soviética mudou. No final da década de 1980, colocou-se uma placa em iídiche, sem, no entanto, haver menção especial aos judeus. Em 1988, o aniversário da aktion de setembro de 1941 foi relembrado em grande escala em uma manifestação em Moscou e outra em Babi Yar.

Em setembro de 1991, grupos ucranianos e judaicos, patrocinados pelo governo da Ucrânia, organizaram em Kiev um evento de grande porte em memória dos judeus assassinados em Babi Yar. Nas principais ruas foram colocadas fotos dos judeus mortos, houve vários dias de conferências, encontros, exposições, concertos e discursos, além da publicação de um livro-memorial. No dia 29 foi inaugurado um monumento em feitio de menorá.

Em junho de 2013, o Fórum Mundial de Judeus de Língua Russa anunciou que um novo complexo memorial será erguido no local do massacre de Babi Yar. Além de um centro judaico e de uma sinagoga, haverá uma exposição de material histórico com roupas e pertences dos judeus assassinados, documentos dos arquivos nazistas e entrevistas com sobreviventes.

1 Os testemunhos estão documentados na obra de Martin Gilbert, “Holocausto, História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial”.

BIBLIOGRAFIA 
Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy The Shoah in Ukraine: History, Testimony, Memorialization , Indiana University Press 

Gilbert, Martin “Holocausto, História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial”, Editora Hucitec 

Como e por que a Europa conquistou o mundo - Book Review

Published by EH.Net (April 2016)

Philip T. Hoffman, Why Did Europe Conquer the World? Princeton: Princeton University Press, 2015. vii + 272 pp. $30 (cloth), ISBN: 978-0-691-13970-8.

Reviewed for EH.Net by Jari Eloranta, Department of History, Appalachian State University.

Philip Hoffman, Professor of History and Business Economics at California Tech and recent president of the Economic History Association, is a prolific scholar, whose work has primarily focused on early modern Europe, especially French economic history and financial markets. Hoffman’s new book focuses on a pivotal issue in world history, namely how Europe came to rule the world. This is, needless to say, a hugely ambitious book and one that no scholar analyzing transitions in global history can overlook. It is a daunting task to attempt such an endeavor, let alone succeed as Hoffman has. This book will change interpretations of European warfare, the financing of conflicts, transitions in other regions of the world, the causes of the Industrial Revolution, and the Great Divergence — topics that are at the forefront of history, economics, and political science today.

Hoffman takes on big theories of history and development in this book, similar to other grand theorists like Jared Diamond (1999), Charles Tilly (1992), David Landes (1998), Joel Mokyr (1992), and Daron Acemoglu and James Robinson (2005). The pivotal question for all social scientists remains: Why are some so rich and some so poor? Whereas explanations for the different development paths have ranged from biological (Diamond) to geographical and cultural (Landes) and institutional (see e.g. North 1990), Hoffman follows a similar path as Tilly, Larry Neal (2000), and Niall Ferguson (2001), who argue that understanding the costs and impacts of warfare is the key to this puzzle. Tilly (1992) pointed out that capital and coercion are pivotal components in the rise of Europe over the last thousand years and that the constant need to fund warfare led to the creation of public debt and sharing of power between sovereigns and merchants. And, as Ferguson (2001) argues, military spending was the crucial component in this transition, since it led to other financial, fiscal, and institutional innovations. Hoffman is able to go a step beyond these somewhat blunt insights to provide a theoretical and (partially) empirical foundation that fills in many of the gaps and challenges the other “big” historical frameworks.

Hoffman poses a question for a potential time traveler similar to the one asked by Landes: How did Europe go from a patchwork of small and seemingly powerless communities one thousand years ago to a position of military and political dominance by the end of the millennium? Why did the world not become dominated by the Chinese or some of the other worthy contender? He answers the question by turning to a model of tournaments — the “tournament” for domination in Europe in conjunction with other cultural and historical developments explains Europe’s global success. Ultimately, the key to Hoffman’s explanation is warfare. As he correctly points out, Europeans have been almost constantly at war. Historically, most of their sovereigns’ spending went toward military purposes, and even lavish palaces like Versailles represented only a minuscule part of the state budget. His model links the high probability that European rulers would go to war to the high value of the victor’s prize, and similarity of resources, military technology, and ability to mobilize those resources (absence of a hegemon is crucial). Moreover, the political cost of attempting to win the prize must have been fairly low, and rulers were willing and able to learn from these conflicts. Thus, Hoffman’s four conditions for Europeans’ path toward global dominance include frequent war, high (and consistent) military spending, adoption and advancement of gunpowder technology, and relative lack of obstacles to military innovations. Europeans enjoyed low fixed costs for going to war, distances were small, variable costs for mobilization were low, and there was a merchant base that helped with the financing of conflicts.

One of the key elements in Hoffman’s explanatory framework is the ability of rulers to extract revenue from the society. His comparative data — which are by necessity a bit sporadic for China and other states around the globe — prove that European rulers collected, in per capita terms, much higher revenues and invested them into warfare. He also shows, based on his research into early modern European revenue systems and military producers, that the high military spending in Europe also translated into sustained productivity growth in the military sector. He even goes further to suggest that this was linked to the eventual Industrial Revolution, which is a bit harder to verify. Positive technological externalities may arise from military technologies, but significant crowding out effects cannot be ignored.

This book is particularly interesting when Hoffman engages in comparative research to examine various empires and regimes around the world in this period. While specialists in the histories of these polities may find details that they disagree with, the overall argument about China’s stagnation from the fifteenth century onward (or later, depending on whether one ascribes to the views of Pomeranz (2000) or Broadberry and Gupta (2006)) is quite convincing. Eschewing some of the more traditional explanations, for example China’s turn inwards in the fifteenth century, Hoffman makes a case for the tournament model here as well. He shows that Chinese tax collection rates were low, and that the focus on defending against nomads meant lower military spending on navies. Also, the investment in gunpowder technology was not consistently high, and thus the Chinese eventually fell behind the Europeans, which was displayed amply in the Opium Wars of the nineteenth century. Similar arguments can be made as to why Japan and India also stagnated, although some of the reasons differed. Interestingly enough, Hoffman also assigns a large role in Europe’s bellicosity to Christianity; rather than pulling European nations together, Christianity became a source of almost constant conflict, starting with the Crusades, divisions within the Catholic Church, and then the wars of religion in the sixteenth and seventeenth centuries.

In general, Hoffman’s model and the empirical support presented in the book are impressive and persuasive. One could, of course, offer some counterarguments. For example, Hoffman’s model is probably not as all-encompassing as he suggests; in many ways his framework complements the broader models about the role played by geography, nature, climate, and human interactions. Moreover, he inordinately downplays the role played by the modes of financing wars — why it may make a difference whether tax revenue or loans were used to extend conflicts. Ultimately the European (or originally Dutch/British) model of financing wars with the support of domestic merchants and markets with low interest rate loans was a huge advantage when Europe entered the age of total wars at the end of the eighteenth century. Finally, it is hard to discount the role raw materials and other natural resources played in assigning winners and losers in these tournaments. The classic argument by Pomeranz (2000) about the lack of coal near developing urban centers in China as a major hindrance to its industrialization is a good example of this line of thinking. Regardless of these small reservations, this book is a classic of economic history, which should be required reading by scholars everywhere, and will be a starting point for many debates about the role conflicts and military spending have played in historical processes.

References:

Acemoglu, D. and J.A. Robinson (2005) Economic Origins of Dictatorship and Democracy, Cambridge University Press.

Broadberry, S. and B. Gupta (2006) “The Early Modern Great Divergence: Wages, Prices and Economic Development in Europe and Asia, 1500–1800,” Economic History Review, 59(1), 2-31.

Diamond, J. (1999) Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies, W.W. Norton.

Ferguson, N. (2001) The Cash Nexus: Money and Power in the Modern World, 1700-2000, Basic Books.

Landes, D. (1998) The Wealth and Poverty of Nations: Why Some Are So Rich and Some So Poor, W.W. Norton.

Mokyr, J. (1992) The Lever of Riches: Technological Creativity and Economic Progress, Oxford University Press.

Neal, L. (2000) “How It All Began: The Monetary and Financial Architecture of Europe during the First Global Capital Markets, 1648–1815,” Financial History Review, 7(2), 117-140.

North, D. C. (1990) Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge University Press.

Pomeranz, K. (2000) The Great Divergence: China, Europe, and the Making of the Modern World Economy, Princeton University Press.

Tilly, C. (1992) Coercion, Capital, and European States, AD 990-1992, Blackwell.

Jari Eloranta (elorantaj@appstate.edu) is a Professor of Comparative Economic and Business History at Appalachian State University and author of several articles on military and government spending, including (with Andreev Svetlozar and Pavel Osinsky) “Democratization and Central Government Spending, 1870–1938: Emergence of the Leviathan?” Research in Economic History (2014).

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O Mercosul em dois tempos - Renato Marques (ex-negociador pelo Brasil)

Renato Marques tem um livro sobre o Mercosul, que eu recomendo:
Duas Décadas de Mercosul (São Paulo: Aduaneiras, 2011, 368 p.; ISBN: 978-85-7129-581-0).
Fiz uma resenha desse livro, quando de sua primeira publicação, em edição do autor, na Ucrânia, e essa resenha está em meu livro "Prata da Casa", que pode ser acessado nestes links:
página do livro: https://www.academia.edu/5763121/Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas_Edicao_de_Autor_2014_; link direto para download do arquivo em pdf: https://www.academia.edu/attachments/34209509/download_file?s=work_strip&ct=MTQwNzAwODExOCwxNDA3MDExMjI5LDc4NTEwNjY; divulgado neste link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/prata-da-casa-os-livros-dos-diplomatas.html; disponível em Researchgate.net: https://www.researchgate.net/publication/269701236_Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas?ev=prf_pub. 
Paulo Roberto de Almeida  


EL MERCOSUR EN DOS TIEMPOS
Renato L. R. Marques
El Litoral (Santa Fe, Argentina), 8/04/2016

Los negociadores del Tratado de Assunción - que ha creado el Mercosur, hacen 25 años - tendrán distintos motivos para celebrar la fecha, según sus expectativas y motivaciones. Habiendo integrado ese grupo desde sus comienzos, creo no cometer equívocos al decir que todos los integrantes de los equipos técnicos – en que pesen sus diferencias puntuales - estuvieran movidos por un sentimiento de participación en un grand design, en un proyecto histórico y transcendiente, que iba más allá de la tradicional coreografia integracionista latino-americana, marcada por una retórica grandiloquente y minguados resultados. Nutrian así una firme convicción de que el proyecto deberia firmarse progresivamente, sin atropellos, vale decir, sin atender a los reclamos de los que insistian en que mimetizase el modelo europeo desde su início y adoptase inmediatamente instituciones supranacionales, como las creadas por el Tratado de Roma. De esas visiones maximalistas – típicas del character romántico de los ensayos integracionistas anteriores – surgieran las críticas iniciales a la institucionalidad en gestación.
Buscabase superar años de retraso en el aprovechamiento de las complementariedades regionales, cerceadas por viejos planes de sustitución de importaciones y rivalidades politicas. Así como promover la competencia a través de la apertura de los mercados intraregionales y de su mayor exposición al exterior. No por acaso, vários sectores de las economias de cada uno de los sócios se mobilizó, en un primer momento, contra la iniciativa.
Las mudanzas sufridas por el proyecto original son facilmente explicables por los cambios hacia la izquierda ocurridos en los gobiernos de la region. La dimensión económico y comercial del Mercosur cedió lugar a una cresciente orientación política y social, al punto del Mercosur tornarse casi un accesorio de instituciones más recientes, como la UNASUR. La vocación autárquica y proteccionista de eses régimenes accentuaron la proliferación de medidas restrictivas al comercio intra-bloco, generaron una cresciente desarmonización del Arancel Externo Comum (AEC) y no han creado mecanismos para facilitar la deseada complementariedad. El grán éxito apuntado en el comércio automotivo poco o nada debe a los gobiernos. Su intercámbio está regido por distintos Acuerdos de Complementación Económica en el ámbito de ALADI (fuera por lo tanto del Mercosur), que reflejan la estratégia de distribución espacial de la producción de las multinacionales en la región, con reglas de administración del comércio no siempre acceptadas por la OMC,  pero que operan con la misma funcionalidad verificada en los viejos Acuerdos Sectoriales de la extinta ALALC – de los cuales, el de maquinas de oficina es el gran modelo. No sorprende así que las exportaciones brasileñas para el grupo estén al nível de 2006, cuando alcanzó US$ 12 mil millones, y que el ritmo de crescimiento de nuestro comércio con la región esté muy abajo del registrado con otras partes del mundo. Como si no fuera poco, el Mercosur favoreció incursiones políticas controvertidas al suspender el Paraguay y al promover el ingreso de Venezuela con critérios de naturaleza más ideológicos que técnicos.
Todo eso parece alertar para la necesidad de rever las condiciones de funcionamiento del Mercosur, para que pueda retomar sus objetivos originales de estímulo a las actividads económicas de sus sócios y de aprovechamiento de las ventajas comparativas regionales. Para eso, el Mercosur no debe cerrarse en sí mismo y sí actuar como un instrumento para facilitar la inserción de sus integrantes en las grandes cadenas de producción globales. Esto implicará una mayor liberdad de acción para sus miembros, de modo a evitar las dificuldads de negociación impuestas por el hetereogeneo conjunto. Tratase de liberar el dinamismo de cada una de las economias ante los desafios impuestos por una coyuntura que seguramente no es propícia a todos en este momento. Para tanto el Mercosur tendrá que superar su crisis y buscar una nueva identidade, más apropriada a los nuevos tiempos. Caso contrario, el Mercosur – a pesar de todo el ruído generado – tenderá a se conformar a más un producto de esos sucesivos partos de los montes de la malograda história de la integración regional latino-americana.
                                                              
Renato L. R. Marques es Embajador retirado y negociador de los principales acuerdos constitutivos del Mercosur, desde los primórdios en 1989 hasta 1999.