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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Guerra comercial EUA-China: hangout do Instituto Millenium - Marcos Troyjo, Paulo Roberto de Almeida

Participei, em 26 de abril de 2018, de um hangout com meu amigo Marcos Troyjo, animado por Sérvulo Dias, jornalista, organizado pelo Instituto Millenium, sobre a propalada "guerra comercial" entre os EUA e a China (que não vai ocorrer, a despeito das escaramuças). Foi bastante animado, e sobretudo sem controvérsias, pois ambos aprofundamos os argumentos um do outro.
Não vou dizer o que eu teria dito em particular sobre o iniciador dessa guerra comercial, mais retórica do que efetiva, pois em público não caberia expressar certas ideias "íntimas", digamos assim...
Abaixo, o excelente roteiro preparado pelo Sérvulo Dias para ordenar as questões entre nós, mas, dada a limitação de tempo, não foi possível abordar todas os temas em profundidade.
Em breve postarei o link da conversa a três.
Paulo Roberto de Almeida

Addendum com os links anunciados, mas não deixem de ler a matéria do jornalista abaixo.

Site do Instituto Millenium com a matéria sobre a "guerra comercial" (neste link: https://www.institutomillenium.org.br/recentes/imil-promove-hangout-incerteza-global-nesta-quinta/), aqui para o vídeo gravado (link: https://youtu.be/wuQZokgpOV4).

Hangout do Instituto Millenium: "Incerteza global: Como uma guerra comercial entre EUA e China pode afetar a economia do Brasil e do mundo?"

Orientações gerais para o hangout:
- O evento será aberto ao público e transmitido ao vivo através de nosso canal no Youtube, Facebook, site e redes sociais; 

Biografia dos participantes:
Marcos Troyjo
É graduado em ciência política e economia pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em sociologia das relações internacionais pela USP e diplomata. É integrante do Conselho Consultivo do Fórum Econômico Mundial, diretor do BRICLab da Universidade Columbia, pesquisador do Centre d´Études sur l´Actuel et le Quotidien (CEAQ) da Universidade Paris-Descartes (Sorbonne), fundador do Centro de Diplomacia Empresarial e conselheiro do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). É colunista do jornal "Folha de S.Paulo".

Paulo Roberto de Almeida
É doutor em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles), mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia), licenciado em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles) e diplomata. Serviu em diversos postos no exterior e exerceu funções na Secretaria de Estado, geralmente nas áreas de comércio, integração, finanças e investimentos. Foi professor de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília (1986-87) e atualmente leciona no Centro Universitário de Brasília (Uniceub). 

Sérvulo Dias
E economista formado pela FEA/USP, administrador de empresas e especialista em marketing de serviços pela FIA. Ocupou posições executivas na área comercial e de desenvolvimento de novos negócios em empresas nacionais e multinacionais de grande porte. Atuou em projetos de inovação e redefinição de modelos de negócio na indústria química, embalagens, papel e celulose e fotografia/varejo. 

Alguns pontos no hangout:

1) Nessa retórica protecionista do presidente Trump, que tem alicerce num conjunto de políticas agrupadas sob o mantra "America First", quem são os perdedores e ganhadores de uma eventual guerra comercial?

2) O presidente Trump tem capital político para de fato executar essa política comercial protecionista, dado que parte do seu eleitorado poderia ser altamente prejudicado caso a China decida retaliar, notadamente os grandes exportadores de grãos do "yellow belt" americano?

3) E no caso brasileiro, quais são as oportunidades e ameaças numa iminente guerra comercial?

4) Essa guerra comercial seria majoritariamente uma guerra bilateral entre China e EUA ou a tendência é que se espalhe por todos os continentes?

5) Na semana passada o presidente anunciou sua "disposição" em rever o tema da saída dos EUA da aliança Tratado Transpacífico, numa clara tentativa de "negociar" termos mais favoráveis mas não deixar de vez o tratado. Não seria mais uma vez o estilo de Trump, que sempre "marca" posições radicais e extremas no início das negociações e depois abranda o diálogo para posições mais moderadas? 

6) O primeiro-ministro chinês agora passa a ter mandato vitalício, o que parece indicar total respaldo do Partido Comunista para poder retaliar os EUA à altura. Esse poder ampliado não configura um elemento adicional de preocupação?

Links Relacionados:




CONSIDERAÇÕES INICIAIS DO JORNALISTA SÉRVULO DIAS

O Presidente Trump começou sua retórica polêmica antes mesmo de ser eleito presidente dos Estados Unidos. Já na campanha eleitoral, o então candidato republicano lançou o slogan “America First”, que indicava um conjunto de medidas que sempre colocaria os interesses dos Estados Unidos à frente de qualquer outro interesse. 

No primeiro ano de governo, muitos foram os assuntos polêmicos nos quais o presidente Trump se envolveu, sendo os principais:
·      a demissão de James Comey, então diretor do FBI, sob a alegação de que houve mal condução no caso da investigação sobre o uso de um servidor pessoal por parte da ex-candidata democrata Hillary Clinton
·      o apoio declarado aos supremacistas brancos depois dos enfrentamentos violentos em Charlottesville (Virginia), evento no qual foram mortos 3 manifestantes e outros 34 foram feridos 
·      em Setembro de 2017, o insulto aos atletas da NFL (Liga Nacional de Futebol Americano) que se recusavam a permanecer de pé durante a execução do hino nacional em uma forma de protesto às políticas racistas de Washington
·      todo o imbróglio que rodeia o caso da interferência russa nas eleições americanas, o possível conflito de interesses entre Trump e seus aliados em negócios escusos com oligarcas russos, o que gerou a investigação independente coordenada pelo então nomeado conselheiro especial Robert Mueller, que pode ter um desfecho inesperado para o presidente Trump
·      além de todos os escândalos sexuais envolvendo o presidente Trump, desde as acusações de assédio até os casos mais graves que envolvem a atriz pornô Stormy Daniels e a ex-modelo da Playboy Karen McDougal

Do lado das relações internacionais, podemos citar:
·      a promessa de construção de um muro que separaria o México dos Estados Unidos
·      a rejeição ao tema do aquecimento global e o descaso total com o Acordo de Paris
·      os temas ligados às leis anti-imigração americanas, com uma crescente tendência ao fechamento e o desejo de abortar programas tradicionais, como é o caso do DACA
·      todo o tema da troca de ameaças contra a Coréia do Norte e o líder Kim Jong-um, o qual Trump chegou a chamar de “homem-foguete” pelo Twitter
·      o desejo de alterar o Acordo Nuclear com o Irã, firmado ainda no governo de Barak Obama
·      a questão da participação americana na guerra civil da Síria e o potencial escalonamento do conflito, já que adiciona elementos à já complicada geopolítica do Oriente Médio

Especificamente do lado do comércio internacional, podemos citar:
·      a exigência pela renegociação dos termos do NAFTA, o qual o presidente Trump classificou como uma “catástrofe”
·       assinou o decreto que retira os Estados Unidos da Parceria Transpacífica (TPP)
·      por fim, e o que mais nos interessa para a discussão de hoje, a declaração aberta de uma guerra comercial contra a China, com o anúncio de medidas protecionistas que geram uma sobretaxa de US$ 153 bilhões a uma lista de 1.300 produtos chineses, dentre os quais ferro, alumínio e bens de capital
·      do lado Chinês, já foi anunciado um pacote retaliatório que impactaria as exportações americanas no montante de US$ 50 bilhões, sendo que a sobretaxa impacta 234 produtos americanos exportados aos chineses (soja, algodão, carne bovina e alguns ícones americanos tais como as motocicletas da marca Harley Davidson) 

Nesse contexto, gostaria então de dar início ao debate com a primeira pergunta, que dirijo ao nosso convidado Marcos Troyjo:

1) Nessa retórica protecionista do presidente Trump, que tem alicerce num conjunto de políticas agrupadas sob o slogan "America First", quem são os perdedores e ganhadores de uma eventual guerra comercial com a China?

Passemos então para a segunda pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Paulo Roberto de Almeida:

2) Essa guerra comercial seria majoritariamente uma guerra bilateral entre China e EUA ou a tendência é que se espalhe por todos os continentes? Quais as consequências?

Passemos então para a terceira pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Marcos Troyjo:

3) O presidente Trump tem capital político para de fato executar essa política comercial protecionista, dado que parte do seu eleitorado poderia ser altamente prejudicado caso a China decida retaliar, notadamente os grandes exportadores de grãos do "yellow belt" americano assim como os grandes produtores e exportadores de proteína animal? A título de curiosidade, a China compra dos Estados Unidos aproximadamente ¼ da safra de grãos de soja. Vale lembrar também que as medidas anti-imigratórias anunciadas por Donald Trump no início do seu mandato irritaram o setor agrícola americano, ainda dependente da mão-de-obra de imigrantes para o plantio e colheita de algumas culturas. Os críticos afirmavam que as medidas causariam uma redução na oferta de mão-de-obra e o consequente aumento dos salários médios no setor agrícola. O presidente Trump inclusive já foi advertido das consequências políticas que podem resultar das suas medidas protecionistas: a retaliação chinesa sobretaxando as importações de soja provenientes dos Estados Unidos afetaria fortemente a economia de estados tais como Iowa, Kansas, Missouri, Minnesota, Indiana e Dakota do Norte, estados nos quais haverá uma corrida eleitoral altamente competitiva entre Republicanos e Democratas para as cadeiras no Senado. Sendo assim, você acredita que o presidente Donald Trump vai manter a retórica da guerra comercial com a China e assim arriscar apoio político doméstico?  

Passemos então para a quarta pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Paulo Roberto de Almeida:

4) O parlamento chinês aprovou em Março uma emenda constitucional que elimina os limites do mandato presidencial, permitindo que o presidente Xi Jinping permaneça no cargo por tempo indefinido, num modelo de mandato vitalício. Tal ampliação no poder do presidente parece indicar total respaldo do Partido Comunista para poder retaliar comercialmente os Estados Unidos à altura. Esse poder ampliado do lado chinês não configura um elemento adicional de preocupação? A China estaria disposta a levar a retaliação comercial às últimas consequências?

Passemos então para a quinta pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Marcos Troyjo:

5) E no caso brasileiro, quais são as oportunidades e ameaças numa iminente guerra comercial entre Estados Unidos e China? Seria essa uma oportunidade de maior aproximação com o bloco comercial da União Européia, por exemplo? Seria também uma chance de estreitar ainda mais as relações comerciais com a China?
Passemos então para a sexta pergunta, a qual dirijo para o nosso convidado Paulo Roberto de Almeida:

6) No dia 16 de Abril, nosso colega Júlio Netto do Instituto Millenium escreveu um artigo muito interessante com o título “Guerra Comercial ou Jogo de Cena?”. No artigo, Júlio Netto relembra dois fatos recentes interessantes sobre a postura do presidente americano Donald Trump sobre o tema da Guerra Comercial. No primeiro desses fatos, datado de 23 de Março, o presidente americano Donald Trump colocou o mundo em suspense ao anunciar a sobretaxação de 25% para as importações de aço e 10% para as de alumínio. Muitos foram os protestos, com os países mais afetados ameaçando com represálias ou mesmo apelando à OMC. Passados alguns dias, Trump foi “amaciando” seu discurso e anunciou que países como os da União Europeia, México, Canadá, Japão e inclusive o Brasil estariam isentos desta taxação, pelo menos temporariamente. Depois disso, em outra evidência de “amaciamento” no seu discurso, o presidente Trump anunciou, no início de Abril, sua "disposição" em rever o tema da saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica, numa clara tentativa de "negociar" termos mais favoráveis mas não deixar de vez o tratado. Não seria mais uma vez o estilo de Trump, que sempre "marca" posições radicais e extremas no início das negociações e depois abranda o diálogo para posições mais moderadas?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É sempre bom retomar a história e aprender com os erros e acertos do passado. Entre Republicanos e Democratas dos estados que compõem o cinturão agrícola americano, há um consenso de que a política comercial de Trump vai ser um replay do fracassado embargo à União Soviética imposto pelo presidente Jimmy Carter em 1980, como retaliação pela invasão dos russos no Afeganistão. Na ocasião, o então presidente americano Jimmy Carter limitou as exportações de grãos para a União Soviética e conclamou que outros países tomassem as mesmas medidas. Na época, o então candidato à presidência da Casa Branca, o republicano Ronald Reagan, criticou severamente o embargo com base no argumento de que o mesmo fazia com que os agricultores americanos arcassem injustamente com o fardo da política externa dos Estados Unidos. Vale lembrar que os Democratas sofreram perdas massivas nas eleições daquele ano. Trump parece agora correr o mesmo risco, quase quarenta anos depois. Para piorar a situação, tudo isso acontece no mesmo ano em que o presidente Trump aprovou cortes profundos no orçamento do Departamento de Agricultura, aguçando ainda mais o sentimento de que as medidas de Trump contra os chineses tem o potencial de causar fortes impactos econômicos em sua própria base política.


A série de barreiras comerciais anunciadas pelo presidente americano Donald Trump têm o potencial de causar grandes danos à economia americana e mundial. Em cadeias produtivas globalizadas e interconectadas ao extremo, especialmente no caso dos países desenvolvidos, barreiras comerciais costumam traduzir-se em custos mais elevados para as empresas domésticas, gerando ainda mais pressão inflacionária (de custos). Pior do que isso, a guerra comercial iniciada por Trump tem o potencial de criar um clima de total incerteza nos mercados. Robert Shiller, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 2013, advertiu em Março que a guerra comercial em curso pode criar uma atitude de “esperar pra ver” nos agentes econômicos. Tal atitude pode ser potencialmente ainda mais danosa do que as próprias tarifas comerciais, pois impactaria a confiança para a tomada das decisões de investimento, acentuando ainda mais a recessão.

LINKS PARA O PROGRAMA: 

Site do Instituto Millenium com a matéria sobre a "guerra comercial" (neste link: https://www.institutomillenium.org.br/recentes/imil-promove-hangout-incerteza-global-nesta-quinta/), aqui para o vídeo gravado (link: https://youtu.be/wuQZokgpOV4).

Trump em 100 tweets - Boucq &Duhamel

David Fleischer me enviou a referência bibliográfica:

French Newspaper Le Monde made a series of cartoons based on the Mr. T's tweets.
Take a look if you have some time:http://www.lemonde.fr/ameriques/visuel/2018/03/01/trump-des-tweets-et-des-dessins_5264348_3222.html


Utilisateur compulsif de Twitter, Donald Trump est aussi une cible de choix pour les dessinateurs de presse de tout pays qui ne se privent pas de rire (tragiquement) de ses messages en 140 signes. A la manière d’un cartooniste, l’auteur de bande dessinée François Boucq (Grand prix d’Angoulême 1998) s’est amusé à « illustrer » certaines de ses déclarations les plus fracassantes, mais aussi d’autres, totalement fictives ou fabriquées à partir de citations parues dans la presse, détournées par la scénariste Vanessa Duhamel. Leur album, Trump en 100 tweets (Editions i) sort le 7 mars en librairie. La sélection ci-dessous est composée de messages réellement envoyés par Donald Trump, dont certains avant qu’il ne devienne le 45e président des Etats-Unis. François Boucq – qui présente par ailleurs une soixantaine de planches emblématiques de son œuvre (Bouche du diable, Bouncer, Little Tulip…) à la galerie parisienne Huberty & Paris jusqu’au 31 mars – a prévu d’envoyer un exemplaire dédicacé de son album à la Maison blanche.
En savoir plus sur http://www.lemonde.fr/ameriques/visuel/2018/03/01/trump-des-tweets-et-des-dessins_5264348_3222.html#D5l4uJ0ZsYvxFYEH.99





A Moeda e a Lei, de Gustavo Franco - resenha de Vinícius Muller

 Gustavo Franco para crianças 
Em 'A Moeda e a Lei', o economista Gustavo Franco revela como a tragédia da inflação foi sendo construída no Brasil por diversos interesses. Confira a análise de Vinícius Müller, do Insper.
Estado da Arte
O Estado de S. Paulo, 23 Abril 2018 
por Vinícius Müller


O economista Gustavo Franco. Foto: Fabio Motta/Estadão.

Há uma cena no filme Real: o Plano por trás da História, do diretor Rodrigo Bittencourt, na qual o personagem de Gustavo Franco, interpretado pelo ator Emílio Orciollo Neto, desabafa sobre sua insatisfação em ter de corrigir provas de alunos ‘comunistas’. Gustavo Franco, sabe-se, é professor do departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro, faculdade reconhecida pela sua excelência no ensino e pesquisa e, de modo algum, caracterizada por ser defensora de teses ‘comunistas’. Pelo contrário, o departamento notabilizou-se no Brasil pela presença de professores vinculados ao mainstreamda Ciência Econômica, fortemente influenciada pelas propostas ortodoxas que, do marxismo, nada carregam. Imagina-se que o aluno que opta por cursar Economia na PUC do Rio de Janeiro conheça essa característica e, portanto, não seja propriamente alguém com tendência à economia heterodoxa ou marxista. Curioso, então, que aquele que viria a ser um dos artífices do Plano Real e presidente do Banco Central durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 1998, se mostre tão frustrado com seus alunos ‘marxistas’.
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Para além da ironia contida na cena, independentemente de ser fiel à realidade ou não, seria interessante saber o que Gustavo Franco pensaria – ou qual seria o tamanho da sua frustação – se lecionasse em escolas e cursos cujo viés é, de fato, marxista. Um curso de História de qualquer universidade brasileira, por exemplo. O economista, culto como demonstram seus estudos sobre a relação entre literatura e economia, seria desafiado a defender seu brilhante estudo recentemente publicado, A Moeda e a Lei(Ed. Zahar, 2017), para uma plateia de céticos e, quiçá, agressivos ouvintes dispostos a ofensas pessoais do mais baixo calão.
Contudo, talvez, entre eles, ao menos um estudante estivesse disposto a ouvir e a entender a complexa trama estabelecida pelo autor em seu novo livro. Trama que dialoga com três áreas fundamentais do conhecimento, a Economia, a História e o Direito, e que as apresenta de modo a não só estabelecer o diálogo, mas também a complexa relação entre elas. É assim quando, por exemplo, ao contar a trajetória da moeda e da inflação no Brasil desde 1933 (ano da criação da moeda fiduciária no país), oferece sua versão sobre como a inflação foi um subproduto de uma perversa combinação entre o mau entendimento sobre o poder simbólico da moeda, uma mentalidade tacanha que apostava no isolamento do país em relação às experiências bem sucedidas no controle inflacionário e na condução da política monetária de outros países, e do modo como esta mentalidade se transformou, em instituições formais, em leis.
Além disso, expõe a indisfarçada preguiça mental e canalhice intelectual daqueles que creditaram à inflação algo positivo ao desenvolvimento e, por tabela, negligenciaram em suas opiniões a tragédia que foi para outros países a convivência com índices de hiperinflação; ou seja, removeram de suas análises a memória sobre a hiperinflação alemã e o caos que ela promoveu. Gustavo Franco, especialista no tema, nos relembra disso.
Em nove capítulos, a obra revela como a tragédia da inflação no Brasil foi sendo cuidadosamente construída ao longo do século XX, seja pelo uso discricionário de políticas monetárias e cambiais em nome de uma modernização que, no final, privilegiava seletivamente alguns em detrimento de quase todos; seja por que tal seletividade se transformou em regra de funcionamento tanto da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito, órgão responsável pela política monetária entre 1945 e 1964) quanto do Banco Central, criado logo após o golpe de 1964 – em síntese: como a desculpa de que a moeda e o câmbio se ditados pelas regras do mercado seriam obstáculos ao desenvolvimento do país se transformou no controle monetário e cambial exercido por órgãos subordinados aos interesses políticos e de grupos organizados. O incrível é que, em nome de sua aversão ao mercado, muitos apoiaram tal controle e, de quebra, os benefícios que gerou a determinados grupos, como se fosse uma defesa da soberania nacional ante o avanço do ‘imperialismo’ estrangeiro.
Essa não só é a face mais terrível dessa história, como é também uma das causas dos fracassados planos de estabilização dos anos 80. A espúria associação entre o uso de certa ortodoxia, de um lado, e os interesses estrangeiros, de outro — o que leva muitos a relacionar a heterodoxia aos defensores do interesse nacional –, deu a sustentação ideológica e simbólica aos planos de combate à (hiper) inflação que destruíram boa parte da geração que entrou no mercado de trabalho nos anos 80. Foi preciso a superação deste grave equívoco intelectual e histórico, ao menos por alguns, para chegarmos ao Plano Real em 1994. Quantos não se voltaram contra o Plano Real, acusando-o de ser o representante do neoliberalismo que entregaria o país aos norte-americanos, entre outras insanidades semelhantes? Se, por um lado, devemos receber com uma salutar desconfiança o elogio feito por Gustavo Franco ao mais bem sucedido plano econômico de combate à inflação que já tivemos em nossa história (afinal, ele foi um dos formuladores), por outro, alguém precisava sair em defesa do evento mais importante que ocorreu na economia brasileira nos últimos trinta anos sem medo de ser perseguido pela patrulha dos que não entenderam nada. Curioso é que tal defesa seja feita por um economista, e não por um político.
O livro de Gustavo Franco é, assim, inovador em sua forma e conteúdo. Só por isso, já deveria ser adotado pelos cursos de História, de Direito e de Economia. Mas o que talvez Gustavo Franco não saiba é que ainda que seu trabalho tivesse apenas um leitor atento em nossos já mencionados cursos dominados por inclinações marxistas, esta única exceção revela mais do que a princípio parece. Entre outras coisas, revela que os espaços ocupados ao longo do tempo por grupos que foram progressivamente vencidos em tantos embates de nossa trajetória foram, em geral, justamente os espaços negligenciados pelos vencedores. Ou seja, que há uma hierarquia que se revela não só entre os projetos vencedores e perdedores, mas também nos espaços que foram ocupados a fim de promover a reprodução e/ou sobrevivência destes últimos; que o federalismo, por exemplo, quando derrotado no embate contra o projeto de centralização imperial, ajustou-se nas franjas do poder de modo que, décadas depois, renasceu com força irresistível em São Paulo; que o centralismo, mesmo derrotado em 1891, se refugiou entre militares e positivistas de modo a, na melhor oportunidade, tomar a frente do país com a ascensão de Vargas em 1930; e, por analogia, que os ‘comunistas’, que tanto irritavam Gustavo Franco, se esconderam e sorrateiramente se reproduziram nas escolas e na academia para, décadas depois, se lançarem ao poder. Cada um coloniza o espaço que lhe sobra ou lhe interessa. No caso, os ‘não comunistas’ pouco se importaram com a Educação, e assim a escola e a academia se transformaram no melhor abrigo aos tantos que, na hipotética visita aos futuros historiadores descrita acima, vaiavam o ex-presidente do Banco Central.
Por isso, o inicial estranhamento sobre a reclamação do professor da PUC do Rio de Janeiro que não queria corrigir provas de ‘comunistas’ transforma-se em revelação: os ‘comunistas’ não mais escolhem ou se incomodam em cursar Economia ou História, na PUC carioca ou nas universidades públicas. Na verdade, eles nem sabem o que é ‘comunismo’ ou que eles são ‘comunistas’, afinal toda sua vida escolar pregressa foi assim. A educação, e seu lugar de formalização – a escola – e de aprofundamento – a Universidade –, abandonadas como foram pela elite, se transformaram no refúgio e, concomitantemente, no local de sobrevivência dos ‘comunistas’ que, ao longo da nossa trajetória, perderam embates cruciais à sua perpetuação. Eles colonizaram o universo educacional e lá apresentaram a sua formação e viés como os únicos possíveis. Portanto, transformaram-na em um espaço vinculado não à educação, mas ao jogo de poder.
Por isso, a indignação do professor Gustavo Franco deve se transformar em ação: se há um livro infantil chamado O Capital para as Crianças (Liliana Fortuny, editora Boitempo, 2018), que com todo o direito inicia os pequenos à obra de Karl Marx, devemos criar uma campanha para termos “Gustavo Franco para Crianças”. Seria uma justa maneira de mostrar a relevância de seu último livro para a ascensão de um novo debate que envolva, desde o início, a formação de futuros Economistas, Historiadores e Advogados.
Vinícius Müller é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Tratado Geral da Mafia - Paulo Roberto de Almeida

Como se diz nos romances envolvendo crimes especialmente escabrosos, qualquer semelhança dos treze postulados abaixo enunciados com a realidade é mera coincidência.

Paulo Roberto de Almeida

  Tratado Geral da Máfia


1. A Máfia é uma associação entre iguais, sendo que alguns desses iguais são mais iguais que os demais. 

2. Os mais iguais da Máfia são inimputáveis e, nessa condição, não reconhecem leis ou regras de não membros, ou de quaisquer outras origens, que pretendam torná-los imputáveis, o que retiraria, na visão deles, o prefixo deste último conceito. Os mais iguais ficam particularmente irritáveis com as limitações legais que os comuns tentam implementar e que possam contrariar os objetivos gerais da Máfia.

3. A Máfia é uma associação voltada exclusivamente para o seu interesse próprio. O interesse próprio da Máfia e dos mafiosos é o poder, de preferência absoluto, sua conquista e sua manutenção. Eventualmente, eles contam com aliados subordinados, contra quaisquer outras forças ou fatores que possam resistir aos seus objetivos. 

4. A defesa do interesse próprio da Máfia é o dever principal e primordial dos iguais e dos mais iguais, sobre quaisquer outros objetivos gerais ou particulares de todos e cada um. Os mais iguais é que dispõem sobre o interesse da Máfia; os demais têm o direito e o dever de segui-los, mais o segundo do que o primeiro.

5. O objetivo geral da Máfia prima sobre os interesses individuais dos mafiosos, que, em nome da obediência estrita a esse objetivo primordial, a ele sacrificarão seus interesses pessoais em favor desse objetivo geral. Tal código de disciplina não é exclusivo da Máfia, sendo comum a determinadas associações corporativas, mas é nela implementado de maneira particularmente eficaz (por vezes hedionda, mas não destinada a ser do conhecimento de almas sensíveis ou de menores de idade).

6. Em contrapartida à fidelidade absoluta e obediência cega às suas principais regras, os membros da Máfia dela recebem total solidariedade, em quaisquer circunstâncias, mesmo quando temporariamente ausentes – geralmente contra a sua vontade – das atividades concebidas e implementadas em favor do objetivo geral da corporação. 

7. Os mais iguais constituem uma família original ou forjam laços similares aos de uma família, havendo solidariedade implícita entre os seus membros, que respondem pelo comportamento de qualquer um dos demais integrantes da família. Os menos iguais terão de ter seu estatuto aprovado por alguma família, antes de poderem ser reconhecidos como membros não originais da família maior, mas a ela deverão solidariedade e obediência, como igualmente exigido de qualquer membro original. Uma vez consolidado esse vínculo, ele se torna indelével e indestrutível. 

8. Como em outras corporações da espécie, os membros da Máfia devem observar as normas de silêncio obsequioso e de estrito cumprimento às ordens dos mais iguais, observadas as regras de disciplina e de hierarquia que costumam imperar nesses meios. A não observância dessas regras pode submeter o inadimplente às sanções habituais em vigor na Máfia, eventualmente de forma definitiva. 

9. A Máfia não professa qualquer religião que não a sua própria, que é estritamente confessional e baseada nas regras gerais e nos princípios da Máfia. Os mais iguais são os altos sacerdotes dessa religião laica, que não possui textos sagrados nem ritos particulares, apenas aqueles que são fixados aleatoriamente pelos mais iguais. A Máfia só deve obediência a um deus: o seu próprio interesse totalitário de manter, ampliar, preservar e eternizar o seu poder. Esse deus é particularmente vingativo.

10. A Máfia tampouco adere a um culto humano qualquer, a não ser ao da seleção determinista dos mais iguais, que devem ser preservados a despeito de quaisquer acidentes naturais e contra quaisquer imponderáveis da fortuna e da sorte. Os demais iguais, como formigas ou abelhas da comunidade, estão ali para preservar o poder dos mais iguais, e assegurar que a espécie tenha continuidade e expansão.

11. A Máfia não se vincula a qualquer ideologia política, a não ser a do seu interesse próprio, que pode conviver com diversas orientações no campo dos regimes políticos e dos sistemas econômicos. Numa analogia superficial, a Máfia se coaduna bem mais com regimes corporativos, fascistas, autoritários, ou mesmo totalitários, e menos com sistemas abertos e transparentes. A Máfia e os mais iguais não pretendem prestar contas de suas atividades e iniciativas a qualquer autoridade que não a dela.

12. Os membros da Máfia têm o dever de contribuir para o fortalecimento, sobretudo financeiro, da corporação, que assume várias formas associativas e identidades. Se algum membro da Máfia enfrentar dificuldades no mundo dos comuns, a corporação lhe presta total solidariedade em quaisquer circunstâncias, determinação ainda mais enfática no caso dos mais iguais, que podem contar com todos os recursos da Máfia. A contrapartida, seguida invariavelmente por todos os membros, é o silêncio e a proteção dos interesses da corporação, de seus negócios e de suas atividades. 

13. A Máfia sempre tem razão, e essa razão é exclusivamente aquela expressa pelos mais iguais. Eventuais opiniões em contrário devem ser confrontadas, e seus emissores devem ser convencidos de que a verdade da Máfia é sempre a melhor, independentemente de quaisquer fatos contrários ou provas circunstanciais. Na ausência de convencimento, ou de reconhecimento explícito, a corporação e seus membros têm o dever de corrigir os recalcitrantes e os obstrutores da verdade da Máfia. Perdas colaterais, por vezes até internas, são admitidas nesse processo, que é estritamente controlado pelos mais iguais. A decisão última sobre a verdade da Máfia pertence aos mais iguais, mas, em última instância, quem decide sobre a melhor verdade é o mais igual dentre os mais iguais.