O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

terça-feira, 26 de março de 2024

Opções ainda abertas a um angustiado indiciado…

 Dúvidas quanto a uma nova estada longe dos longos braços da Justiça? 

Quais opções de asilo diplomático para o Bozo escapar do Xandão em alguma embaixada de Brasília? 

A Hungria já está "queimada", e o embaixador tomou um sabão do Itamaraty. 

A embaixada da Rússia seria, obviamente a ideal, pois o Bozo já se declarou "solidário" ao Putin e o tirano de Moscou deve ter apreciado o gesto. Em contrapartida, o Lula também é amigo do Putin.

A embaixada da Bielorússia é obviamente mais discreta, mas deve ser menos confortável. 

Mas tem também a sede do "novo" Partido NOVO, ultra-bolsonarista, até mais do que os próprios.

Por fim, cabe não esquecer os escritórios do New York Times no Rio de Janeiro: os jornalistas adorariam esconder o Bozo por algum tempo, enquanto o Heleno consegue falsificar algum passaporte, de Tuvalu por exemplo.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasilia, 26/03/2024

Acabou o “milagre” chinês? Assim é, se lhe parece… - Carlos Góes (O Globo)

 Não há “milagre” que dure para sempre; ou melhor, o ritmo do crescimento econômico é sempre mais alto em economias que saem de muito baixo (mas com politicas corretas); depois fica mais difícil. Mas tem muito país pobre que permanece estagnado na pobreza, alguns até recuam, pois são ditaduras predatórias. Acontece até com quem era rico. Venezuela, por exemplo!

Carlos Góes - O fim do milagre chinês?

O Globo, 23/03/2024

Talvez você tenha lido alguma notícia sobre a crise migratória na fronteira dos Estados Unidos com o México. Mas eu duvido que o leitor consiga adivinhar a nacionalidade que teve mais crescimento no número de detenções migratórias: os chineses.

Ao fim de 2023, o número de imigrantes chineses detidos na fronteira era quase 600% maior do que no mesmo período do ano anterior. Mas como há um crescimento percentual tão forte no número de pessoas que estão saindo de um país que está a 11 mil quilômetros para imigrar por terra? Eu, que moro nesta fronteira, também me fiz essa pergunta.

Quase todos eles, ao cruzar, pedem asilo político — e vão ter seu caso julgado pelas autoridades migratórias. Mas os chineses, vindo de uma ditadura, têm uma probabilidade muito maior de sucesso em seus casos. Em 2021, 17% dos pedidos de asilo de mexicanos foram aceitos. Entre os salvadorenhos, o percentual sobe para 28%. Entre chineses a taxa foi de 81%.

A probabilidade de sucesso torna a arriscada viagem um pouco mais atrativa. Para muitos deles, ela começa no Equador (país que não exige visto para chineses) e segue por terra cruzando Colômbia, América Central, até a fronteira Norte do México.

Existem fatores políticos e tecnológicos que podem ajudar a explicar esse incremento no fluxo.

Há um aumento na repressão política. Políticas recentes incluem interferências sem precedentes em universidades, prisão de advogados de defesa e repressão a protestos em províncias como Hong Kong. Ao mesmo tempo, à medida que as tensões entre EUA e China têm aumentado nos últimos anos, o acesso a vistos de turismo para chineses tem se tornado mais limitado.

Na esfera tecnológica, a conhecida censura do governo hoje tem implementação mais difícil. Com o uso de softwares de redirecionamento de rede, muitos chineses têm acesso à mídia social ocidental. Entre aqueles que chegaram nos Estados Unidos, muitos relataram ter aprendido sobre o trajeto da viagem no Instagram e no TikTok (ou seus equivalentes chineses).

Igualmente importante, há muitos fatores econômicos que ajudam a explicar esse tipo de fluxo migratório. Durante décadas, nos acostumamos a ver a economia chinesa crescendo a 10%. Mas a partir da década passada, a trajetória começou a arrefecer, com taxas rondando os 6%. Recentemente, o crescimento chegou a ficar abaixo dos 3% e o FMI prevê que nos próximos anos deve ficar entre 3-4%.

Como consequência, as projeções futuras de quando a economia chinesa ultrapassará a americana têm sido revisadas para o futuro. Por exemplo, em 2021 o FMI previa que a economia chinesa seria, no ano passado, 76% do tamanho da economia americana. Na verdade, com o crescimento mais baixo, ela chegou em 2023 com 65% da economia americana.

A previsão mais recente é que nem mesmo em 2028 vá se alcançar os 72% citados anteriormente. Alguns institutos privados já preveem que a economia chinesa nunca vá alcançar o tamanho da economia americana!

Em parte, a explicação é demográfica. A população americana continua expandindo, por causa do fluxo constante de imigrantes. Já a população chinesa tem envelhecido e estagnado em tamanho, muito em função da política de filho único ali existente.

Mas também há uma desaceleração no crescimento da produtividade do trabalho na China.

Isso não deveria ser uma surpresa tão grande. Um dos mais influentes economistas do século passado, Robert Solow, ganhou o Nobel principalmente por uma teoria do crescimento que previa que países mais pobres (com menos capital acumulado) tenderiam a crescer mais rápido do que aqueles com muito capital.

O Brasil também passou por seu milagre do crescimento. Hoje a China tem uma renda per capita próxima ao brasileiro. A dúvida que fica é se, como nós, eles também vão cair na “armadilha da renda média” — quando um país sai da pobreza e em seguida para de crescer. Num país em que tem taxas de poupança muito altas, infraestrutura bem melhor que a nossa e excesso de estoque de imóveis, é difícil pensar em avenidas tradicionais para estimular o crescimento.

E isso se reflete do outro lado do mundo. Muitos dos jovens chineses que cruzaram a fronteira falaram a repórteres que saíram da China porque hoje está muito mais difícil encontrar emprego. Para eles, chegou ao fim o milagre chinês. A pergunta mais importante é: e para os chineses, muito mais numerosos, que ficaram em casa? O que o futuro reserva?

segunda-feira, 25 de março de 2024

Book: Power and Progress: Our Thousand-Year Struggle Over Technology and Prosperity - Daron Acemoglu, Simon Johnson (2024)

Power and Progress: Our Thousand-Year Struggle Over Technology and Prosperity

Author: Daron Acemoglu Simon Johnson 

Published by PublicAffairs, Hachette Book Group

Year: 2024

 

A thousand years of history and contemporary evidence make one thing clear: progress depends on the choices we make about technology. New ways of organizing production and communication can either ser
ve the narrow interests of an elite or become the foundation for widespread prosperity.

The wealth generated by technological improvements in agriculture during the European Middle Ages was captured by the nobility and used to build grand cathedrals, while peasants remained on the edge of starvation. The first hundred years of industrialization in England delivered stagnant incomes for working people. And throughout the world today, digital technologies and artificial intelligence undermine jobs and democracy through excessive automation, massive data collection, and intrusive surveillance.

It doesn’t have to be this way. Power and Progress demonstrates the path of technology was once—and may again—be brought under control. Cutting-edge technological advances can become empowering and democratizing tools, but not if all major decisions remain in the hands of a few hubristic tech leaders.

With their bold reinterpretation of economics and history, Daron Acemoglu and Simon Johnson fundamentally change how we see the world, providing the vision needed to redirect innovation so it again benefits most people.


Seven Crashes: The Economic Crises That Shaped Globalization - Harold James (2024)

 

Seven Crashes: The Economic Crises That Shaped Globalization

Author: Harold James

Published by Yale University Press

Year: 2024

 

The eminent economic historian Harold James presents a new perspective on financial crises, dividing them into “good” crises, which ultimately expand markets and globalization, and “bad” crises, which result in a smaller, less prosperous world. Examining seven turning points in financial history—from the depression of the 1840s through the Great Depression of the 1930s to the Covid-19 crisis—James shows how crashes prompted by a lack of supply, like the oil shortages of the 1970s, lead to greater globalization as markets expand and producers innovate to increase supply. By contrast, crises triggered by a lack of demand—such as the Global Financial Crisis of 2007–2008—result in less globalization as markets contract, austerity measures are imposed, and skepticism of government grows.

By considering not only the times but also the observers who shaped our understanding of each crisis—from Karl Marx to John Maynard Keynes to Larry Summers—James shows how the uneven course of globalization has led to new economic thinking, and how understanding this history can help us better prepare for the future.


O Brasil voltou? - Livro de Daniel Buarque e Rubens Barbosa: lançamento em Webinar do IRICE


 

WEBINAR

26 de março

(terça feira) às 11 hs

O Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior-IRICE e o portal Interesse Nacional têm a satisfação de convidar paro o lançamento do livro “O Brasil voltou? -  O interesse nacional e o lugar do país no mundo"

Participantes


Com organização de Daniel Buarque, jornalista e doutor em relações internacionais, e do embaixador Rubens Barbosa, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), a obra aborda as iniciativas do atual governo, os desafios da diplomacia brasileira em meio à geopolítica global e as políticas socioeconômicas e ambientais por meio de análises de pesquisadores, diplomatas e cientistas políticos.


O evento é gratuito e a transmissão será pelo canal do

YouTube IRICE/Interesse Nacional 


Ideologia do PT tem se sobreposto à política externa do Estado, critica presidente de comissão de relações exteriores da CD - Entrevista a Roseann Kennedy O Estado de S. Paulo

Ideologia do PT tem se sobreposto à política externa do Estado, critica presidente de comissão

Roseann Kennedy

O Estado de S. Paulo, 25/03/2024

https://www.estadao.com.br/politica/coluna-do-estadao/politica-do-pt-se-sobrepoe-a-do-brasil-critica-novo-presidente-da-comissao-de-relacoes-exteriores/

 

Recém empossado presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara (CREDN), o deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) avalia que o pensamento do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se sobreposto à política externa de Estado. Ele reclama que a ideologia petista inviabiliza o reposicionamento do Brasil como mediador de conflitos internacionais e cobra mudanças. O parlamentar critica as “declarações desastradas” de Lula sobre Israel e o flerte com o regime autoritário de Nicolás Maduro, na Venezuela.

“Nos preocupa que, muitas vezes, a política externa de um partido se sobreponha à política externa do País. Se o Brasil quiser realmente sentar-se à mesa das grandes decisões mundiais e cobrar as reformas que se fazem necessárias há alguns anos, como do Conselho de Segurança da ONU, a nossa política externa terá de ser ajustada”, afirmou Lucas Redecker, em entrevista à Coluna do Estadão.

Para Redecker, o Mercosul sofre um dos reflexos dessa interferência. “Nós observamos uma grande movimentação em termos de política externa, com uma agenda internacional intensa, muitos eventos e a presidência do Brasil no G20. No entanto, precisamos nos deter nos resultados objetivos. O acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo, parece ter sido sepultado de vez”, observou.

O deputado gaúcho defende a prerrogativa do Parlamento de fiscalizar as ações do Poder Executivo, incluindo a política externa. Seu tom deixa claro que o perfil oposicionista da Comissão de Relações Exteriores continua. Apesar do embate ideológico, ele diz que seu objetivo é votar todas as matérias sobre acordos internacionais no colegiado.


Onde o governo Lula acertou em questões de política externa?

Nós observamos uma grande movimentação em termos de política externa, com uma agenda internacional intensa, muitos eventos e a presidência do Brasil no G20. No entanto, precisamos nos deter nos resultados objetivos. O acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo, parece ter sido sepultado de vez.

No âmbito regional, o ressurgimento da Unasul e da Celac, enfraquecem o Mercosul que cobra modernização e profundidade. Nos preocupa que, muitas vezes, a política externa de um partido se sobreponha à política externa do País. Se o Brasil quiser realmente sentar-se à mesa das grandes decisões mundiais e cobrar as reformas que se fazem necessárias há alguns anos, como do Conselho de Segurança da ONU, a nossa Política Externa terá de ser ajustada.


A comissão continua sob comando do PSDB. Qual deve ser o papel do colegiado?

O PSDB sempre teve compromisso com uma Política Externa equilibrada, baseada nas melhores tradições da nossa diplomacia, na solução pacífica dos conflitos e sustentada no diálogo franco e aberto. Fui indicado pelo meu partido para contribuir com o fortalecimento dessa política. Além disso, é prerrogativa do Parlamento, fiscalizar todas as ações do Poder Executivo, incluindo a Política Externa que implementa.

Como ressaltei em minha posse, a forma como o Brasil se insere no mundo, as parcerias que firma e os alinhamentos que adota no tabuleiro geopolítico produz consequências políticas e econômico-comerciais para o nosso País. É, portanto, nossa obrigação, trabalhar em sintonia com os interesses nacionais e os impactos que as nossas escolhas venham a produzir no cenário internacional. Procuraremos sempre, de forma transparente, construir as melhores pautas para o Brasil.


Como o senhor encara as declarações do presidente Lula sobre Israel, lembrando o episódio do Holocausto?

Foram declarações desastradas que em nada contribuem com a busca de uma solução para o conflito. A forma como o presidente se expressou afasta o Brasil do centro de gravidade das grandes decisões mundiais, além de nos inviabilizar como ator capaz de promover e mediar uma paz duradoura naquela região.

O Hamas é uma organização terrorista que invadiu um país soberano para cometer crimes horrendos contra uma população civil inocente e desarmada. Lamentavelmente, o Brasil não respondeu à altura e o atual governo tem sido frequentemente elogiado pela organização palestina.

 

Nos preocupa que declarações como estas possam, no médio e longo prazos, provocar prejuízos ao nosso País, sejam políticos ou econômicos. Obviamente, todos devemos exigir que a resposta de Israel, esteja dentro da legalidade, poupe civis e minimize ao máximo a tragédia humanitária. Esta é uma guerra de Israel contra uma organização terrorista, não contra os palestinos.


O presidente Lula recentemente deu novas declarações em apoio a Nicolás Maduro na Venezuela, minimizando a perseguição à oposição. O posicionamento é correto?

De forma alguma. O Brasil, no caso específico da Venezuela, flerta com um regime autoritário que persegue, prende, tortura e assassina, opositores. A crise venezuelana transbordou as fronteiras do país convertendo-se em uma séria ameaça à segurança regional. Lamentavelmente, o Brasil mostra-se alinhado com esse regime, incapaz de exercer pressão para que se respeitem os direitos humanos (eleições livres) na Venezuela. Observamos o Brasil assistir, inerte à sucessão de violações cometidas naquele país.


Quais projetos o senhor avalia que são imprescindíveis para a comissão analisar neste ano?

A nossa meta é discutirmos e votarmos todos os acordos internacionais que se encontram tramitando e aqueles que ainda devem ser enviados para a comissão. Por exemplo, temos vários acordos para pôr fim à dupla tributação com diferentes países, instrumento que produz impacto direto nas nossas relações econômicas e comerciais. Além disso, temos vários acordos de cooperação em matéria de Defesa, Serviços Aéreos, Ciência e Tecnologia e Facilitação de Comércio, que iremos pautar logo que possível. O meu objetivo principal é fazer a pauta andar para termos produtividade.


Como o senhor avalia o desempenho do ministro da Defesa, José Múcio?

Logo que assumi, apresentei requerimentos para que os ministros da Defesa e das Relações Exteriores venham à CREDN expor as prioridades de suas pastas para este ano. Pretendo, antes, conversar com ambos sobre o estado atual das nossas políticas externa e de defesa, para avaliarmos como a comissão poderá contribuir com as duas áreas. O ministro José Múcio é um ex-parlamentar com muita vivência na política, uma pessoa séria e que tem trabalhado para desenvolver as capacidades das nossas Forças Armadas.


O Brasil já viveu na MENTIRA do poder. Agora está vivendo novamente na MENTIRA do poder - Editorial Estadão

 Triste é constatar que TODAS as elites brasileiras, com muito poucas exceções, são cúmplices na mentira que beneficia o roubo, a extorsão, a corrupção e a mendacidade.

Já é assim na política externa, porque seria diferente na política interna?

Paulo Roberto de Almeida

Revisionismo sem vergonha

O Estado de S. Paulo

A volta de Lula deu ânimo adicional aos que pretendem reescrever a história da Lava Jato, como se a corrupção durante os governos do PT não tivesse existido. Mas os fatos se impõem

O programa Especial 10 Anos da Lava Jato, levado ao ar recentemente pela TV Brasil, é um documento histórico. Não por reconstituir com imparcialidade a maior ação de combate à corrupção da história do Brasil, porque isso seria impossível numa TV pública convertida em emissora oficial do PT, mas justamente porque retrata com fidelidade a desfaçatez e a mendacidade do partido de Lula da Silva, ansioso por reescrever a história do período em que as entranhas corruptas do lulopetismo ficaram expostas para todo o País. E nesse revisionismo, diga-se a bem da verdade, o PT e Lula não estão sozinhos – têm a companhia de ministros do Supremo, de empresários corruptos ansiosos para limpar o nome e de políticos interessados em desmoralizar a luta contra a roubalheira.

A volta de Lula da Silva à Presidência certamente deu ânimo adicional aos petistas para distorcer os fatos. Afinal, o chefão petista – aquele que alhures disse que “o mensalão nunca existiu” – vive a alardear que a Lava Jato não passou de uma “conspiração” dos EUA para, por meio do então juiz federal Sérgio Moro, tido por Lula como “capanga” dos norte-americanos, “destruir a indústria de óleo e gás deste país”. Nada menos.

Com uma hora e meia de duração, o tal programa da TV Brasil dedicou somente 1 minuto e 53 segundos à corrupção na Petrobras – e apenas para tratá-la como “pontual”, segundo um sindicalista entrevistado. O resto do tempo foi usado para desancar a Lava Jato, com convidados escolhidos a dedo – todos críticos virulentos da operação.

Esse é o padrão do PT. Nem Lula nem os petistas jamais admitiram a corrupção desvendada pela Lava Jato, malgrado as provas irrefutáveis dos desvios de recursos públicos por meio de contratos fraudulentos entre as maiores empreiteiras do País e a Petrobras. Convenientemente, os erros e abusos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato foram usados pelos detratores da operação para desqualificá-la como um todo, como se crimes confessos jamais tivessem sido praticados. Eis o grau da desfaçatez.

Esse discurso revisionista, mais orientado pela mudança dos ventos da política nacional do que pelo apego à verdade factual, contaminou até a atuação do Supremo – Corte que outrora chancelou não uma, mas quase todas as ações da Lava Jato que ora pretende desmoralizar, como se os erros cometidos por alguns membros da força-tarefa tivessem o condão de contaminar a operação em todas as suas dimensões, sobretudo sua dimensão fática.

Talvez se sentindo devedor de Lula, cuja prisão classificou como “um dos maiores erros judiciários da história”, o ministro Dias Toffoli também contribuiu para esse esforço revisionista. Com a volta do petista ao Palácio do Planalto, Toffoli decidiu anular as provas de corrupção e suspender o pagamento de multas impostas à Odebrecht e à J&F por considerar que essas empresas teriam sofrido, ora vejam, “coação institucional” para firmar acordos de colaboração premiada. Em audiência pública recente, no próprio Supremo, nem os prepostos dessas empresas admitiram ter sofrido tal violência estatal.

Mas os fatos insistem em se impor. Levantamento feito pelo Estadão com base em acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público mostrou que cinco ex-funcionários de alto escalão da Petrobras aceitaram devolver nada menos que R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à empresa. Dessa dinheirama, quase 90% se referem a propinas recebidas por aqueles executivos, subornados por algumas das maiores empreiteiras do Brasil interessadas em obter contratos com a Petrobras. Ao que consta, nenhum desses ex-funcionários corruptos foi coagido pela Lava Jato a confessar que havia embolsado milhões em suborno – e igualmente não há notícia de que o dinheiro que devolveram fosse de mentirinha.

É preciso recolocar as coisas nos seus devidos lugares. Quem quiser acreditar na fábula lulopetista de que o PT e seu chefão foram perseguidos por um poderoso consórcio golpista que envolveu até o FBI, que acredite, pois questões de fé não se discutem. Já quem preza a verdade factual, sem a qual não há democracia, certamente espera que a Lava Jato encontre seu melhor lugar na história

Mudam-se Os Tempos, Mudam-se as Vontades - Poema de Luís de Camões

 https://www.youtube.com/watch?v=i3y1u0fjjko&t=72s

Bem-vindos ao mundo das multicrises: trumpismo e seus efeitos na política mundial; Book-review: Chaos Reconsidered: The Liberal Order and the Future of International Politics

 

H-Diplo: New posted content

Camões, 500 anos - José Paulo Cavalcanti Filho (Revista Será?)

Essa coisa do pelicano da edição "princeps" dos Lusíadas, se o bico estava virado para a esquerda ou para a direita, já caiu até em concurso de admissão à carreira diplomática, como se esse detalhe interessasse ao desempenho do diplomata em sua carreira. Certas coisas ridículas ainda preenchem o noticiário das inutilidades. PRA

Camões, 500 anos 

 

José Paulo Cavalcanti Filho* 


Revista Será? , 24/03/2024


Luís Vaz de Camões veio da pequena nobreza – assim se dizia, na época, dos nobres sem casas nem títulos em Portugal. Desde jovem, passava dias e noites pelas ruas entre pedintes, arruaceiros, prostitutas, desvalidos. Ou nas tabernas. E escrevendo versos, quando possível, às vezes em troca de gorjeta. Ou comida. 

Era conhecido, pelas incontáveis rixas em que se metia, como Trinca-Fortes. Em uma delas, na noite da procissão de Corpus-Christi, golpeou com espada o pescoço de Gonçalo Borges, cárrego (responsável) dos arreios do rei. Acabou preso no tronco. Libertado por Carta Régia de Perdão, em 7 de março de 1553, teve que pagar quatro mil réis para caridade e foi obrigado a ir servir na Índia. Seria mudança definitiva, em sua vida. Um destino jamais sonhado por seus pais – Simão Vaz de Camões, capitão de nau; e Ana de Sá, dos Macedo de Santarém, doméstica.

Em torno dele, quase tudo é incerto. Sabe-se, dos serviços que prestou na armada portuguesa, que nasceu em Lisboa – ou Coimbra, ou Santarém, ou Alenquer. Talvez em 1523 ou, mais provavelmente, em 1524 (havendo ainda que sugira começos de 1525). Tendo a lei portuguesa 1540, de 02/02/1924, definido que teria sido em 05.02.1524, agora completando essa data 500 anos. Estudou em Coimbra, entre 1542 e 1545, com o tio dom Bento de Camões, prior do Convento de Santa Cruz. Até que voltou para Lisboa. Mas a carreira das armas, logo percebeu, era mesmo das poucas opções que lhe restavam. 

Para cumprir aquela sentença de perdão embarcou pouco dias depois, em 24 de março, na poderosa armada do capitão-mor Fernão Álvares Cabral. Para Goa (Índia). Ali, naquele mundo para ele novo, sofreu todas as agruras. Em expedição a Ceuta, perdeu o olho direito numa batalha. Em 1558, naufragou na foz do rio Mekong – costa do Sião (hoje, Tailândia). Salvou-se despido, como todos os demais sobreviventes, tendo em uma das mãos os primeiros versos de seu Os Lusíadas. Nesse episódio teria morrido uma chinesa, a quem Camões deu o nome poético de Dinamene, e para quem depois escreveria uma série de poemas, entre eles o famoso Soneto 48:

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subsiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.

Foi Provedor dos defuntos nas partes da China, desempenhando suas funções com não muita lisura, é de justiça reconhecer. E, vez por outra, frequentaria prisões. Por dívidas. Ou rixas.  Como dizia o próprio Camões, “Erros meus, má fortuna, amor ardente/ Em minha perdição se conjuraram”. Mas, sobretudo, nunca parou de escrever.

Em 1570, afinal, estava novamente de volta a Lisboa. Com as carências financeiras de sempre. Segundo se conta, sobreviveu durante algum tempo graças ao fiel Jau, trazido das Molucas. Esse escravo esmolava, de noite, pedindo pão para seu mestre. Importante é que Os Lusíadas avançava. Sob o patrocínio de d. Manuel de Portugal, devotou-se então à sagração de seu país – naquela que é considerada, consensualmente, a mais bela epopéia do século XVI. 

A edição princeps – assim se diz das primeiras edições de um livro – foi impressa na tipografia de António Gonçalves, em Lisboa, no ano de 1572. Com privilégio real de impressão por 10 anos e publicada com um benévolo (e corajoso) parecer censório de frei Bartolomeu Ferreira, sem data. Terá tido também licença da Mesa Inquisitorial – que, todavia, não foi impressa. O aparato paratextual é simples, 8.816 versos e 1.102 estrofes divididas em 10 cantos. Utilizando a divisão da divina Comédia, de Dante – que assim tem, como cantos, seus 100 livros. Há, hoje, cerca de 25 exemplares ainda existentes, em bibliotecas ou nas mãos de colecionadores. Talvez menos que 10 completos. 

Até fins do século XIX, se acreditava ter havido duas edições princeps. Um mito devido a Manuel Faria e Souza – que (em 1639), ao comentar Os Lusíadas, confrontou dois volumes daquele mesmo ano de 1572; e verificou haver, neles, pequenas diferenças. Depois se comprovando terem sido bem mais que duas. Restando hoje assente que assim ocorreu pelo desejo de Camões, ou seu editor, em corrigir pequenas incorreções das impressões anteriores. Dando-se que, em alguns casos, foram sendo aproveitados conjuntos de páginas já impressas, antes, e não utilizadas. Fazendo-se, as correções, nas novas páginas impressas. Uma explicação que só se pode compreender pelos rudimentares sistemas de impressão daquela época.

Apesar de numerosos indicativos dessa edição princeps na comparação com as demais, e curiosamente, o que a identifica é um pelicano, à primeira página, com o bico virado para a esquerda do leitor. Além do pelicano, também um detalhe no terceiro verso da primeira estrofe, que começa por “E entre”; enquanto, nas versões corrigidas, começa por “Entre”. Essas edições de 1572 tornaram-se conhecidas, por isso, como “Ee” e “E”.         

Camões tinha com ele, ao morrer, aquela que acabou tida como a primeira edição autêntica, deixada ao frei Joseph Índio, que o acompanhava num hospital de Lisboa. Esse volume é conhecido como Holland House – por ter estado em casa do general Lord Holland, em Londres, a partir de 1812 e por mais de cem anos.

Outra edição famosa, em Portugal, é a segunda  conhecida como dos piscos. Surgida em 1584, dois anos após o fim do prazo do alvará que protegia a primeira (de 1572). Impressa pela tipografia Manuel de Lira, em Lisboa, e com licença do mesmo frei Bartolomeu Ferreira – responsável pela autorização da edição princeps. O nome jocoso dado à edição vem de uma citação, nos Lusíadas (Canto III, 65), sobre a “piscosa Cizimbra”. Sezimbra é uma vila portuguesa no distrito de Setúbal. Abundante em peixes, bom lembrar. Trata-se da primeira edição comentada de Os Lusíadas. Explicando a citação, o comentador, como referência aos pássaros que ali se juntam em passagem para a África, provavelmente se referindo ao Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus Rubecula).           

Camões segue a trilha de outras epopéias do passado.  Sobretudo a Eneida, de Virgílio; o que se vê até na comparação dos versos iniciais dos poemas: Canto as armas e o varão, Virgílio; e As armas e os Barões assinalados, Camões. Também a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Bem como a divina Comédia, de Dante. Além de numerosas epopéias surgidas em Portugal, no mesmo século XVI de Os Lusíadas, mas antes dele – como as de André de Resende, Manuel da Costa ou José de Anchieta; e manuscritos que circularam, antes de 1572, como os de António Ferreira e Jerónimo Corte-Real. 

Nele temos o passado, com a exaltação das conquistas em que o povo português foi muito além do Mar Tenebroso. O presente, com o lamento pelo abandono das terras africanas por Portugal – de Safim a Azanos, de Azila a Alcácer Cequer; sem contar a ameaça turca, conjurada só na batalha naval de Lepanto, em 7 de outubro de 1571. Mas é sobretudo a antevisão de um futuro grandioso, na linha da Utopia do Quinto Império.

“Para servir-vos, braço às armas feito; Para cantar-vos, mente às Musas dada” (Os Lusíadas, Canto X, 155). Pouco antes, em Desenganos, escreveu “Nascemos para morrer/ Morremos para ter vida/ Em ti morrendo”. Assim foi. Luís Vaz de Camões morreria em 10 de junho de 1580, pouco depois do desastre de Alcácer Quibir – em que desapareceu d. Sebastião, o Desejado, e Portugal passou a ter um rei espanhol. Foi enterrado na igreja de Santa Ana e seus restos acabaram transferidos, em 1894, ao mosteiro dos Jerônimos, onde repousam num túmulo esculpido em mármore bem na entrada. Consta que disse, ao morrer, “Ao menos morro com a pátria”. 


*Consultor de UNESCO e Banco Mundial Presidente de EBN, CADE e Conselho de Comunicação Social, do Congresso Nacional. Ministro da Justiça. Membro da Comissão Nacional da Verdade. Membro da Academia Pernambucana de Letras. Membro da Academia Brasileira de Letras Membro da Academia Portuguesa de Letras (Academia de Ciências de Lisboa).


O Rio de Janeiro e o Brasil contaminados: policia, politica, criminalidade - Mauro Lopes (revista Forum)

 

Marielle: uma nota extra de crueldade, o buraco do Rio e a sombra sobre o Brasil 

Mauro Lopes

Revista Forum, 24/03/2024




Todas as forças políticas do Rio exceto, aparentemente, o PSOL, têm relações promíscuas com o clã Brazão. Todas as instituições no estado têm representantes deste e de outros clãs. E o cenário trágico do Rio alcança Brasília e se espalha país adentro.

Uma nota extra de crueldade na descoberta dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes: as famílias foram recebidas no dia seguinte à morte pelo delegado Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que cuidou de consolar as famílias e garantir que o caso era uma prioridade e seria solucionado rapidamente. Ele, que tinha planejado o crime. É simultaneamente uma nota cruel e reveladora do ponto a que chegou a degradação do Rio de Janeiro. Além dele, o deputado federal Chiquinho Brazão (UB-RJ) e o chefe do clã, Domingos Brazão, membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) foram igualmente presos. 

No Rio, 1) parte da cúpula da PM e da Polícia Civil é composta por subordinados dos bicheiros e milicianos, assim como alguns policiais federais que operam no estado; 2) a Câmara e a Assembleia Legislativa têm bancadas de representantes dos dois ramos criminosos, eleitos por diversos partidos; 3) o Poder Judiciário e o MP têm prestadores de serviços aos grupos na sua cúpula;  e 4) o cenário no Poder Executivo é idêntico, com membros ou representantes dos bicheiros ou das milícias em diversas instâncias no governo do Estado e a prefeitura da capital, mas não só -inclusive no primeiro escalão. Para completar, os laços entre milícias e algumas igrejas fundamentalistas cristãs são cada dia mais profundos. 

Se a situação no Rio é por si só gravíssima, há um acento ainda mais dramático, trágico: a influência das milícias e bicheiros já se expressa em âmbito federal e começa a ser replicada em outros estados. Um cenário sombrio para o país nos próximos anos.

As prisões e outras ações da PF deste domingo desnudam as relações dos partidos e forças políticas no Rio com as milícias. Todas as forças mantêm relações de promiscuidade com o clã Brazão e, indiretamente, com as milícias. As principais são: 1) o bolsonarismo; 2) o PT; 3) o grupo liderado pelo prefeito de Belford Roxo, Waguinho, marido da ex-ministra Daniela do Waguinho; 3) Eduardo Paes e 4) Cláudio Castro.

1) BOLSONARISMO 

Os clãs Bolsonaro e Brazão mantêm há anos relações de colaboração e concorrência na zona Oeste do Rio. Um dos elos que une os dois clãs é a utilização dos serviços do Escritório do Crime, um grupo de matadores oriundos da PM que prestava e ainda presta serviços tanto para milícias e bicheiros como para políticos no Estado. Ronnie Lessa era uma das figuras de maior destaque do Escritório do Crime, um matador famoso no submundo. O asssassinato de Marielle é o mais famoso de seus crimes, mas está longe de ser o único, e suas relações com os dois clãs são agora notórias. 

Outro líder do Escritório, ainda mais famoso que Lessa, é o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega. Por anos, sua mãe e esposa foram assessoras do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Nóbrega jactava-se de ser tanto um exímio matador como um perito em tortura. Acabou morto em 2020 na Bahia numa operação típica de queima de arquivo ainda hoje não esclarecida. 

Rivaldo Barbosa foi nomeado chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro em 8 de março de 2018 e tomou posse no cargo um dia depois do assassinato de Marielle. Os responsáveis pela nomeação foram o general Braga Netto, então interventor na segurança pública no Estado, e pelo secretário de Segurança escolhido por ele, general Richard Fernandez Nunes. 

2) PT  

As relações entre o clã Brazão e o PT no Rio são antigas e não são propriamente secretas. Ainda em janeiro deste ano, quando vazaram as primeiras notícias da delação de Ronnie Lessa apontando para os Brazão, o deputado federal Washington Quaquá, vice-presidente do PT e um dos maiores caciques da legenda no Rio, saiu em defesa de Domingos Brazão. Ao fazer a defesa, reconheceu que as relações entre o partido e o clã são antigas: “Conheço o Domingos Brazão de longa data, inclusive de campanhas eleitorais nacionais onde ele esteve do nosso lado. Sinceramente, não creio que ele tenha cometido tal brutalidade”. 

A declaração de Quaquá não é um raio em céu azul. Outro cacique do PT do Rio, André Ceciliano, tem relações de intimidade com o clã. O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio é braço direito do ministro responsável pela articulação política do governo Lula, Alexandre Padilha -o gabinete de Ceciliano fica a poucos metros do de Padilha, e não muito longe do de Lula. 

Bem antes de ser eleito presidente da Alerj, Ceciliano foi articulador na Casa para a eleição de Domingos Brazão ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2015. Relator da indicação, Ceciliano ignorou a já longa ficha corrida de Domingos Brazão e referendou a indicação assegurando que tinha “reputação ilibada, conhecimentos jurídicos, contábeis e econômicos”. Anos depois, já presidente da Assembleia, nomeou Luciano Souza como  chefe da TV Alerj. Era um braço direito de Domingos Brazão, havia atuado nas campanhas de Flávio Bolsonaro, e geriu um orçamento anual superior a R$ 10 milhões. 

Além de Quaquá e Ceciliano, outros líderes do PT do Rio têm relações políticas de longa data com o clã Brazão. 

3) GRUPO DE WAGUINHO

O prefeito de Belford Roxo, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, que se aproximou do presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022, tem uma bancada própria na Câmara dos Deputados. Ele é o marido da deputada federal Daniela do Waguinho (UB-RJ), que entre janeiro e julho de 2023, como ministra do Turismo do governo Lula, assinou como Daniela Carneiro. As ligações do casal com as milícias são históricas e amplamente conhecidas, mas isso não impediu Daniela de se tornar ministra. Tudo pelas mãos de André Ceciliano, responsável pela aproximação de Lula com os Waguinho. 

A bancada de Waguinho na Câmara tem cinco parlamentares, todos eleitos pelo União Brasil no Rio:  

Chiquinho Brazão, um dos mandantes da morte de Marielle preso neste domingo. 

Juninho do Pneu, ex-vice prefeito de Nova Iguaçu, é outro nome vinculado às milícias. Foi secretário dos Transportes de Cláudio Castro, sucedido em 2022 por André Nahass. Quem indicou Nahass para o cargo? Domingos Brazão, de quem Nahass fora advogado. 

Marcos Soares, filho de RR Soares, dono da  Igreja Internacional da Graça de Deus e de mais 12 empresas, várias delas de mídias, e com fortuna estimada em R$ 800 milhões. 

Dani Cunha, filha de ninguém menos que Eduardo Cunha, outro velho aliado do clã Brazão. 

Durante o período de Daniela Carneiro como ministra, assumiu o suplente Ricardo Abrão -ele é ex-presidente da Beija-Flor e sobrinho de Anísio Abraão David, patrono da escola de samba e um dos maiores líderes da cúpula do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Caso Chiquinho Brazão seja cassado, o que deve acontecer em tempo recorde para a Câmara dos Deputados, ele reassume o mandato. O nome dele é ilustrativo da convergência entre as milícias e os bicheiros. 

4) EDUARDO PAES

Em outubro de 2023, quando o envolvimento do clã Brazão com o assassinato de Marielle Franco já era amplamente conhecido, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, nomeou Chiquinho Brazão como secretário municipal de Ação Comunitária. A  nomeação tem tons inacreditáveis: o prefeito do Rio entregou para as milícias do Rio a secretaria responsável pela ação nos bairros mais pobres da cidade! No ato da nomeação, ele alegou que a nomeação fez parte de um processo de articulação política encetado pelo governo Lula. 

As relações de Paes com o clã Brazão são de intimidade. Assista ao vídeo abaixo, de agosto de 2023, menos de dois meses antes da nomeação de Chiquinho como seu secretário.  

Nele, Paes afirma que “quem mais briga pelas coisas de Jacarepaguá é a família Brazão”. No comício, ele brinca carinhosamente com Chiquinho Brandão e seu irmão Pedro Brazão (deputado estadual), este último aparentemente não envolvido com o assassinato. O líder do clã, Domingos, não estava lá, mas Paes refere-se a ele como “Dominguinho”. Mais que isso: ele lança o filho de Domingos Brazão, Kaio, como candidato a vereador nas próximas eleições. Tudo em clima de congraçamento e festa. 

Neste domingo, Paes silenciou sobre as prisões. A  Prefeitura divulgou uma nota anódina informando que Chiquinho Brandão teria sido exonerado “no início de 2024”. Ele não foi exonerado, pediu demissão quando viu o cerco fechar-se para reassumir o mandato em Brasília. 

A aliança de Paes com o clã Brazão marca outra nota de crueldade no caso: candidato apoiado por Lula e pelo PT para reeleição, o nome que chegou a ser cogitado para candidata a vice foi o da ministra Anielle Franco -a hipótese não prosperou. Abraçada pelo delegado que arquitetou a morte de Marielle, dona Marinete correu o risco de ver sua outra filha candidata ao lado de um grupo político de relações íntimas com os mandantes do crime. 

5) CLAUDIO CASTRO

Para além das relações com o universo das milícias que marcam sua trajetória e uma aproximação ainda maior depois que se tornou um importante apoiador do bolsonarismo no Rio, o governador Claudio Castro manteve, desde 2021, toda a estrutura que submeteu a segurança pública do Rio ao jogo de interesses do bicho e das milícias. Somente em novembro passado reverteu a extinção da Secretaria de Segurança, feita em 2019 por Wilson Witzel, num período de festa para bicheiros e milicianos. Seu secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, que diz ter uma relação de “respeito” com Ronnie Lessa, foi preso em setembro de 2022, por ser um representante do bicho dentro da Polícia Civil.  

Castro é mencionado no relatório da PF que embasou a ação deste domingo por sua proximidade com o clã Brazão:  “Outro fato que aproxima Brazão do Governador Claudio Castro é o aparelhamento da Fundação Leão XIII, vista em tópico específico, cuja suspeita de desvio de recursos de seus contratos é objeto de Inquérito Policial de Relatoria do e. Ministro Raul Araújo, perante o c. Superior Tribunal de Justiça”. A investigação dizia respeito a contratos fraudulentos da Fundação estadual com envolvimento e parceria entre Claudio Castro quando vereador (2017-19) e vice-governador (2019-21), em parceria com os Brazão. 

Na última quarta-feira (20), às vésperas da operação da PF, Castro manifestou seu reiterado desprezo pelo caso de Marielle Franco. Em pleno Palácio do Planalto, depois de uma reunião com Lula, o governador do Rio, quando perguntado sobre a expectativa de desfecho do caso, cuspiu: “Só o que tem até agora são fofocas jurídicas e políticas”.  

Uma crise profunda 

A situação no Rio de Janeiro é de descalabro total, com o Estado em todas as suas dimensões entregue às organizações criminosas, especialmente às milícias e ao jogo do bicho. Conversa-se em off com políticos e autoridades do Rio e todos compartilham da mesma tese: não há o que fazer, a realidade é essa. A frase fatalista, unânime: é preciso se acomodar. O Rio foi lançado num buraco sem fundo. 

O processo de degradação do Rio já lança suas sombras para Brasília. E começa a espalhar-se para outras unidades da Federação. 

O cenário à frente não comporta otimismos fáceis. 

*Este artigo não refletenecessariamenteaopinião da Revista Fórum.