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domingo, 27 de dezembro de 2009

1625) Jornalismo brasileiro: caminhando rapidamente para a ignorancia...

A matéria abaixo me foi enviada por um amigo, que talvez desconheça direito privado e tratados internacionais, mas sabe que sou diplomata, e talvez tenha querido me provocar, não sei se ratificando a "tese" do jornalista de que o garoto americano recentemente devolvido a seu pai biológico o foi em troca de um "tratado comercial", o que apenas revela a ignorância completa do jornalista, como comento mais abaixo.
Quando jornalistas desconhecem pormenores do assunto, deveriam pesquisar, em lugar de aventar hipóteses absurdas...
Paulo Roberto de Almeida (27.12.2009)

Uma vida por um acordo comercial
Postado dia 26 de dezembro de 2009 às 13:58

A polêmica do final do ano gira em torno da entrega do menino Sean Goldman, de 9 anos, ao pai americano. As acusações são as mais diversas entre ela uma gravíssima. O Brasil trocou o menino por um acordo tarifário que significa uma economia de alguns milhões de
dólares para o governo federal.
A história, resumidamente, começa no dia em que uma mulher, que tinha um filho com um americano veio passar as férias no Brasil e não voltou. O pai, David Goldman, baseado no Tratado de Haia sobre seqüestro internacional de crianças tentou reaver o filho. Há um ano e meio a mãe, Bruna Bianchi, morreu ao dar a luz uma menina, fruto de seu segundo casamento com o advogado João Lins e Silva.
Por aqui o comentário geral é que o pai só quis o filho porque ele é herdeiro da família Bianchi Carneiro. Pode ser. A verdade é que desde os quatro anos Sean estava acostumado com a família e há quase dois tinha uma irmãzinha a quem, diz a avó materna, era muito ligado.
O ministro Marco Aurelio de Melo, do Supremo Tribunal Federal havia concedido uma liminar ao padrasto de Sean que garantia que a decisão da guarda do menino seria tomada apenas em fevereiro pelo plenário do STF, já que era um caso complexo e que merecia a participação de todos os ministros. Mas Gilmar Mendes derrubou a liminar decidindo ele, autocraticamente, que Sean deveria ser tirado da família com [a qual] convivia há cinco anos e entregue ao pai biológico.
A avó materna de Sean, Silvana Bianchi, acusa o governo brasileiro de ter usado o neto para garantir um acordo comercial e tarifário. Ninguém no governo desmentiu. A verdade é que assim que Gilmar Mendes mandou entregar Sean ao pai americano, o congresso americano aprovou o tal acordo. Também é verdade que o presidente Lula que se manifesta sobre tudo não abriu a boca sobre o caso, apesar do pedido público de Silvana Bianchi. Também é verdade que o Ministro Paulo Vanuchi, dos Direitos Humanos, não negou quando foi acusado publicamente de defender a entrega de Sean a David Goldman, para que o Brasil não continuasse a sofrer retaliações comerciais. É verdade ainda que Sean Goldman tem cidadania brasileira e não foi defendido pelo governo como deveria.
Nas rodas de bate papo aqui no Rio, ninguém entra no mérito se o menino deveria ficar com os avós maternos, com a irmãzinha e com o padrasto, que o criou a maior parte da vida ou para o pai biológico. A maioria critica a forma como foi tomada a decisão e concordam com a avó materna segundo quem a decisão de Gilmar Mendes foi uma covardia, já que ele poderia esperar o fim do recesso e discutir com os demais ministros qual deveria ser o destino de Sean.
A impressão que ficou por aqui é que temos um judiciário insensível e, pior ainda, um governo que troca vidas por acordos e que não protege seus cidadãos. Pelo menos não quando esses cidadãos possam significar problemas para seus interesses, por mais mesquinhos que sejam. E o pior: não se preocupa com idade desses cidadãos, com o estrago que possa causar na vida deles e de todos os que o cercam. Um governo para o qual alguns cifrões valem mais que qualquer coisa, inclusive mais que a vida de uma criança.

*Maurelio Menezes, jornalista, Mestre em Ciencias da Comunicação pela ECA/

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Meu comentário (Paulo Roberto de Almeida):

NÃO, a matéria está profundamente errada.
O Brasil, seja governo ou qualquer outra entidade, nao trocou o garoto por um acordo comercial e o jornalista ignora os fatos e distorce a realidade.
O SGP, uma concessao comercial, depende inteiramente do Congresso americano, nao estando no poder do Brasil negociar o que quer que seja, pois se trata de uma concessao unilateral, que pode ou nao ser renovada, modificada, retirada, anulada, ampliada, dependendo unica e exclusivamente do Congresso americano (com acao eventual do Executivo, indicando os paises que ele quer premiar ou punir).
O garoto seria necessariamente devolvido, com SGP ou sem SGP, pois se trata de tratado internacional, a Convencao da Haia que regula esse aspecto do direito privado, da qual Brasil e EUA sao signitarios. O Brasil apenas podia devolver o garoto nao aos EUA, mas ao seu pai, que poderia ser europeu, australiano, africano, nao importa. Nao tem absolutamente nada a ver com a nacionalidade do pai ou da crianca, apenas com a relacao biologica de paternidade.
Apenas acontenceu que um senador populista achou de fazer demagogia em cima do caso, bloqueando a aprovacao para o Brasil até a decisao do STF. O SGP poderia ter sido bloqueado por outros motivos mesmo na inexistencia desse caso de direito privado.
O jornalista é um ignorante e nao deveria escrever sobre o que nao sabe.
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Paulo Roberto de Almeida
(27.12.2009)

3 comentários:

Glauciane Carvalho disse...

A imprensa tem um sério problema quando veicula seus artigos em jornais, revistas, rádio e TV: que é a informação leiga passada para seus interlocutores, sem embasamento jurídico.
A Convenção de Haia tem como ponto forte o direito das crianças. O Brasil é signatário desta convenção, aliás, de duas (1980 e 1993), inclusive, a de 80 fala exatamente do seqüestro internacional de crianças. Através do instituto da cooperação internacional busca-se um procedimento “rápido” para restituição do menor ao país de origem. Neste sentido busca-se dirimir o conflito através da conciliação e entrega voluntária da criança, quando possível. Busca-se também, o mínimo possível de situações que possam prejudicar a criança. Independente, de qualquer situação que estivesse ocorrendo no Congresso americano, esta criança teria que ser devolvida para respeitar a Convenção de Haia. Lembro ainda, que o STF não julga “causas particulares”, mas sim àquelas que versem sobre a constitucionalidade ou não, de uma decisão. O que ele avalia é se aquela decisão fere ou não a nossa constituição e os tratados internacionais, que o Brasil é signatário.
Não sou “positivista”, contudo, acredito que as leis existem para serem seguidas. Se não vira anarquia. E apesar das críticas que costumo tecer sobre o STF, a decisão foi totalmente correta. É doloroso ver o que a família brasileira está passando, principalmente, a avó (que perdeu uma filha ano passado). Mas, o erro quem cometeu foi a mãe da criança, que não permitiu que a mesma pudesse crescer próximo ao pai.
O Direito de Família, diferente das outras especialidades dentro das Ciências Jurídicas, trabalha com o que existe de mais importante no seio de uma sociedade, que são os laços de família. Assim como, a avó está sofrendo, uma família americana também sofreu. Um avô americano também sofreu.
Lembro ainda, que o processo não está encerrado, pelo contrário, agora é que realmente ele se iniciará, tendo em vista, que a competência para julgar a guarda definitiva ficará a cargo da justiça americana, que é o correto. Pois se a justiça brasileira, decidisse o mérito, correria sério risco de ter a decisão anulada por incompetência de juízo. ( É como se um novo processo começasse do zero.)
Ainda é possível, que o magistrado da corte americana possa dar a guarda definitiva para a avó do menino, pois sua análise tem lastro em laudo psicológico e sócio-econômico (ou seja, um psicólogo (a) e um(a) assistente social irão conversar com a criança). Se mesmo assim, o juiz não formar seu convencimento na íntegra, ele poderá ouvir também a criança (isto é facultativo ao juiz). E, sendo assim, deverá julgar o mérito, sempre em prol daquilo que é mais favorável ao bem estar da criança. Portanto, o que foi julgado pelo STF foi a competência e o retorno desta criança de seu lugar de origem, ou seja, onde morava o casal antes do seqüestro e não o mérito (a quem cabe o direito)
O David Goldman ainda não tem a guarda definitiva.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Grato por estes importantes esclarecimentos Glauciane. Nada como uma especialista na materia para corrigir minha total incompetencia em direito...

Flavio Roas disse...

Paulo,

Que bom ver que ainda há vida inteligente na diplomacia brasileira.
Quanto ao jornalismo verde-amarelo... Cada vez pior, cada vez mais infantilmente ideológico, tacanho, vil e ignorante. Hoje só leio um jornal estrangeiro que presta e que preza pela inteligência do leitor: El País