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domingo, 20 de dezembro de 2009
1582) Relacoes Brasil-EUA: artigo de Paulo Sotero
Paulo Sotero*
O Estado de São Paulo, Domingo, 20 de Dezembro de 2009
Irã, Honduras e uma duvidosa aposta diplomática
Um sentimento negativo está rapidamente tomando o lugar da disposição favorável ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva e à crescente presença international do Brasil que prevaleceu em Washington até poucos meses atrás. Críticas aos EUA e ao próprio presidente Barack Obama feitas publicamente por altos funcionários brasileiros indicam que a recíproca é verdadeira. Platitudes sobre o caráter normal de diferenças na relação madura que supostamente existe entre os dois países, repetidas na semana passada por funcionários de ambos os governos - após uma rápida viagem inaugural a Brasília do novo secretário de Estado-adjunto para as Américas, Arturo Valenzuela -, indicam que a visita não alterou as percepções.
Divergências entre Brasil e os EUA sobre Honduras e outros episódios menores certamente contribuíram para criar animosidade. Esta se alimenta principalmente, porém, da decisão de Lula de emprestar seu prestígio pessoal e a credibilidade internacional do Brasil ao líder do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, recebendo-o em Brasília, e, depois, oferecendo os serviços do Brasil como mediador freelancer do gravíssimo confronto entre Teerã e Washington e seus aliados em torno do programa nuclear iraniano - questão estratégica número um do governo Obama. A iniciativa mobilizou o influente lobby pró-Israel em Washington, que atua tanto no Executivo como no Legislativo, e pode causar danos a interesses comerciais brasileiros. Nesse ambiente, até a controvérsia em torno da custódia do menino Sean Goldman, que corria em via própria na Justiça, acabou politizada. Na quinta-feira, o senador Frank Lautenberg, democrata de New Jersey, o Estado do pai de Sean, David Goldman, bloqueou a aprovação de lei que renovaria a concessão de isenções tarifárias a certas exportações do Brasil e outros países em desenvolvimento, em reação à decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de conceder liminar à avó materna de Sean e sustar a sentença que ordenou a devolução do menino ao pai.
É um sentimento que vai da perplexidade dos diplomatas do Departamento de Estado à mal disfarçada hostilidade de altos funcionários de outras áreas do governo, incluindo a Casa Branca - setores que até recentemente aplaudiam o governo Lula e a ascensão do Brasil na cena global.
Moisés Naim, editor da revista Foreign Policy, diz hoje que "o Brasil se comporta como um país em desenvolvimento imaturo e ressentido". Críticas públicas aos EUA e a Obama feitas em semanas recentes por Lula, pelo chanceler Celso Amorim e pelo assessor internacional do Planalto, Marco Aurélio Garcia, reforçaram conclusões semelhantes no lado oficial.
Causou espanto, por exemplo, a afirmação feita por Lula sobre a falta de "autoridade moral" dos EUA para negociar questões de não proliferação nuclear, no momento em que despachava Celso Amorim ao Irã para uma improvável missão junto a Ahmadinejad, depois de Teerã ter rejeitado a proposta de acordo apresentada pela Agência Internacional de Energia Atômica, que tornaria o programa nuclear iraniano compatível com suas obrigações de signatário do Tratado de Não Proliferação. A crítica foi tomada como prova adicional da gratuidade da oferta brasileira de mediação. O ataque mereceu registro, também, porque foi o governo Obama que reintroduziu o desarmamento na política de não proliferação dos EUA, ausente no governo do ultraconservador George W. Bush, cuja política nuclear não mereceu maiores reparos de Brasília.
Reforçaram a perplexidade americana indícios de que Lula deixou-se usar pelo líder iraniano, assim como informações publicadas pela imprensa brasileira e atribuídas a fontes diplomáticas de Brasília, segundo as quais Lula teria atuado no caso do Irã com o incentivo ou o beneplácito de Washington. Segundo um alto funcionário, diplomatas brasileiros "extrapolaram" afirmações circunstanciais, do tipo "boa sorte", que ouviram de colegas americanos depois que a visita de Ahmadinejad foi confirmada. "O Irã é hoje o terceiro trilho da política externa dos EUA", disse a fonte, referindo-se ao condutor de eletricidade de alta tensão que movimenta os trens do metrô.
ADVERTÊNCIA VELADA
Se havia dúvida, a secretária de Estado tratou de elucidá-la num breve discurso sobre as relações dos EUA com a América Latina, no dia 11. "Creio que as pessoas que querem flertar com o Irã deveriam prestar atenção às consequências", disse ela. Em contraste, a liderança brasileira em temas nos quais o país é relevante e tem influência - como no caso das questões ambientais - continua aparentemente a ser vista com bons olhos pelos EUA.
Chama a atenção em Washington o que um assessor parlamentar chamou de "esquizofrenia" da diplomacia brasileira. Segundo o assessor, para um governo preocupado com "autoridade moral" na ação externa, deveria ser evidente a contradição entre a insistência do Brasil no mais estrito respeito às regras da democracia em Honduras e o endosso oficial a Ahmadinejad, que chegou ao poder após uma eleição fraudulenta. A percepção negativa sobre a política externa do final do governo Lula, que se cristaliza em Washington, é certamente influenciada pelas fortes críticas que veteranos diplomatas brasileiros como Rubens Ricupero, Rubens Barbosa e Roberto Abdenur, todos ex-embaixadores nos EUA, vêm publicando.
"É compreensível que os governos tomem decisões de política externa mirando objetivos domésticos, mas é difícil vislumbrar os dividendos políticos que o Brasil possa obter diminuindo-se à condição de coadjuvante das políticas da Venezuela e do Irã", afirmou um alta fonte do governo. O funcionário adiantou que não se devem esperar grandes gestos por parte dos EUA, como, por exemplo, uma visita de Obama ao Brasil, que já esteve mas não está mais na pauta. Realisticamente, a melhor notícia será a retomada do diálogo diplomático pleno com a chegada a Brasília no início do ano do novo embaixador americano, Thomas A. Shannon, e do novo embaixador do Brasil em Washington, Mauro Vieira.
* Paulo Sotero, jornalista, foi correspondente do "Estado" em Washington, onde hoje dirige o Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars
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E os comentários dos leitores:
Jose Affonso em 20/12/09 ás 19:59
Eu acho muito interessante este argumento de que a politica externa do PT "nao e antiamericana". Os efeitos praticos da politica externa brasileira e a retorica sao contundentes. Este argumento do Itamaraty PT nao convence nem a brasieiros, nem, como se ve pelo artigo do Paulo Sotero, a americanos. Talvez convenca o Hugo Chavez...
Neimar Oliva em 20/12/09 ás 17:07
GCesar, concordo plenamente com você. Política internacional é como um jogo de xadrez. Não se pode avaliar o resultado final apenas por um lance. E gostaria de discordar do comentário do Alberto Nunes Filho. A política externa de Lula não é antiamericana, é a favor do Brasil soberano. Isso assusta muita gente, eu sei.
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Antonio do Vale em 20/12/09 ás 16:34
O que será que o Brasil vai ganhar ao enfurecer os Estados Unidos contra ele?
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Alberto Nunes Filho em 20/12/09 ás 11:42
Todos nós sabemos que a política externa do governo petista é antiamericana. Desde muito antes de assumir o poder o PT já rosnava contra os EUA. Vemos, agora, os enlaces com governos sul americanos que desrespeitam a democracia; isto, nada mais é que o desejo de provocar a nação americana. Estão sempre com Castro, Evo, e outros, com acordos em bilhões não publicados, e cada vez distantes da América do Norte. Ora, não precisamos de bola de cristal para perceber isso. Ao mesmo tempo, vemos internamente nossas instituições compradas pelo PT, instituições que acham que as eleições serão favoráveis ao governo Lula, entregam-se a um governo e cumprem as ordens por aquele ordenadas. Entretanto, o rombo nos cofres públicos, e o crescimento zero do país continuará, porque a cesta básica, o bolsa família engana o povo humilde, o povo que sofre já não sonha com emprego; para esse povo o governo foi enviado por Deus... No entanto, emprego e desenvolvimento são apenas promessas de grandes projetos os quais ainda não vimos, o que se vê são viagens, grandes comitivas como essa de Conpenhagen (800 pessoas), todos à custa do contribuinte. Qual o tamanho do ROMBO?
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Jose Affonso em 20/12/09 ás 11:00
Brilhante artigo! O Brasil tem todo o direito soberano de “contrapor-se” – sabe-se la a titulo de que – aos E.U.A., especialmente apoiando regimes “democraticos” como os instaurados no Ira, Coreia do Norte, Sudao, Venezuela e demais “bolivarianos”. Agora, a reciproca tambem e verdadeira e os E.U.A. tambem tem todo o direito de “contrapor-se” a politica externa brasileira. A maxima: “voces vao ter que me engolir” so vale mesmo dentro do Brasil.
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Sergio de Souza Lavinas em 20/12/09 ás 10:43
Querer não é poder, não senhor!
Lula e MAG pensam que a politica exterior é feita, como no Brasil, por bravatas e publicidade de baixa qualidade.
O Itamaraty devia intervir e não permitir que MAG mandasse e desmandasse no Lula.
O Brasil vai continuar, o Itamaraty também, não vale a pena, portanto, o Itamaraty ficar fazendo o gosto do Senhor Lula e do Sr. MAG que é somente um filósofo que jamais conseguiu usar a Razão Pura.
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Antonio Carlos Cavalli em 20/12/09 ás 10:00
De fato, a Diplomacia é uma arte e, como tal, precisa ser exercida com prudência e respeito. Lembbrar o velho ditado: "falar é prata, calar é ouro". Não tenho dúvidas que e expressão "não ter autoridade moral" é algo forte e até ofensivo. Poderia ter sido evitada naquele contexto.
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Mario Jorge em 20/12/09 ás 08:52
Como pode "eles" fazer julgamento "deles" mesmos e se condenarem?
O povo precisa aprender a votar e tirar essa corja do poder.
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Mario Jorge em 20/12/09 ás 08:44
Todos se comportam como se o USA fossem do dono do mundo, e todos devem pedir autorização para eles para quaisquer relacionamento com outros países. Bem eu acho que o Brasil deveria ficar quieto e crescermos silenciosamente, e tentarmos sair dessa verdadeira babilônia comercial praticamente imposta pelos USA.
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GCesar Santos em 20/12/09 ás 06:57
Relações internacionais: muito é comentado de falhas quanto a isso e aquilo. Pessoas há que fritam a quaze assar; posições estratégicas do Departamento de Relações Institucionais do Brasil. As Relações Internacionais são qual um tabuleiro de xadres onde as pedras tem que serem manipuladas com maestria. Cada País tem o seu código de ética e relacionamento nas Relaçôes Internacionais das diversas matizes. E muitos aspectos devem ser tratados com a prudência almejada. As vezes o que parece errado é certo. O Brasil é uma Nação soberana e pode sim; assumir posições que nem sempre são compreendidas. Vamos procurar conhecer o fio da meada; se não não há linha para as costuras.
Um comentário:
Creio ser este um texto com elementos contundentes contra a atual política externa. Esta, que se fia demasiado em sua "envergadura moral", creio voar sem alcançar nenhum ou pouco chão e ainda adentra áreas de turbulência desnecessariamente. A que nível de análise empírica e objetiva se caiu? Por acaso os demiurgos da política externa atual não percebem tais fatos? Tonterias!
Abç.
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