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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
1585) Politica externa brasileira: uma materia a favor
Sergio Leo
Valor Econômico, Segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
São tantos e tão violentos os ataques à política externa do governo que vale a pena buscar um meio termo entre os louvores que a diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva recebe no exterior e a litania dos que, oscilando do terror ao deboche, atribuem todas as ações do governo a um psicótico antiamericanismo entranhado nos assessores do presidente da República. Assentada em bases reais, a crítica à política externa corre, porém, risco de desmoralizar-se pelo exagero: recentemente, um conceituado articulista criticou o aumento do preço do gás da Bolívia, argumentando que a decisão era uma rendição do governo brasileiro a... Hugo Chávez, presidente da Venezuela.
Explica-se a lembrança disparatada do venezuelano, embora Chávez, personagem singular, tenha visto reduzir sua influência na América Latina. O governo brasileiro optou por não só manter boas relações com o venezuelano, como o incentiva com elogios frequentes, lembrando sempre que ele é resultado da falência - real - das elites políticas da Venezuela.
E essa política até dá bons resultados; a voz do bolivariano, ainda que frequente, tem sido ouvida com menos ênfase nos conflitos sul-americanos que envolvem o Brasil. Após bravatas iniciais, saiu do palco durante a crise de Honduras e hoje, quando até conservadores entre os presidentes eleitos no continente declaram ter Lula como paradigma, soa exótico lembrar que há pouco se especulava sobre uma perda de liderança regional para eloquente venezuelano. Aumentam exponencialmente as oportunidades de negócios para empresários brasileiros, que ocupam espaços tomados da Colômbia, antigo provedor preferencial dos venezuelanos.
Se, por um lado, os críticos da política externa não conseguem compreender como o Brasil tem se beneficiado do personalismo do chefe de Estado venezuelano, a visão política de Chávez, que imagina estar à frente de uma revolução de alcance continental - se não mundial - tem traços autoritários e centralizadores que ainda não receberam uma resposta adequada.
Curiosamente, aqueles que criticaram, na semana passada, a entrada da Venezuela no Mercosul, deixaram passar em branco um atentado à democracia cometido naquela mesma semana, quando Chávez ameaçou, em cadeia de TV, e a polícia venezuelana prendeu, uma juíza, Maria Lourdes Afiúni. O crime: ela, exercendo suas atribuições no Judiciário, deu habeas corpus a um empresário desafeto de Chávez, acusado de corrupção, preso preventivamente há quase três anos, sem julgamento. O Itamaraty tem evitado pronunciar-se sobre o caso, que é preocupante, e constrange os aliados de Chávez no Brasil.
A discussão sobre a política externa é capturada pelo debate político interno, no qual interessa aos opositores de Lula caracterizar o governo atual como nefasto aos verdadeiros interesses do país e ideologicamente atado aos projetos messiânicos de poder de governantes vizinhos. É uma descrição equivocada. Há simpatia evidente nos palácios do Planalto e do Itamaraty por governantes como Chávez, o boliviano Evo Morales, o paraguaio Fernando Lugo, e até os autoritários peronistas da linha Kirchner na Argentina. Mas a história da relação com esses governantes mostra que a retórica idealista do governo costuma dar lugar à atuação realista - no sentido que realismo tem nas relações internacionais, de uso dos recursos do poder do país para assegurar a posição crescentemente hegemônica no continente.
Descartada a guerra ou a pressão militar, que não fazem parte do leque de opções brasileiro desde a Guerra do Paraguai, o pragmatismo e a diplomacia têm sido usados quando estão em jogo interesses brasileiros na região. Quando os bolivianos nacionalizaram o gás, ameaçando o abastecimento de São Paulo, Brasília comandou negociações que incluíram ameaças (concretizadas) de corte de investimentos da Petrobras, e asseguraram o fornecimento, com preços bem abaixo dos patamares internacionais para o consumidor brasileiro. Quando o Equador, com quem o Brasil tem escassas relações econômicas, ameaçou calote em linhas do BNDES, o Brasil anunciou represálias e suspendeu todos os programas de cooperação e investimentos programados para país, deixando o presidente Rafael Correa explicar-se com os equatorianos - enquanto continua a pagar as dívidas ao Brasil.
Alguns críticos da política externa parecem não se dar conta do gigantesco peso do Brasil para as economias vizinhas, e a ameaça que o país representa na competição regional por investimentos externos, com seu populoso mercado consumidor, estabilidade jurídica e diversificada estrutura financeira e industrial. O Brasil não precisa gritar que o país merece respeito; isso é evidente, e é exatamente o que motiva um calado ressentimento contra a potência brasileira, em alguns palácios governamentais da América hispânica.
Foi o governo Fernando Henrique Cardoso, não o de Lula, quem tornou o Brasil dependente do gás da Bolívia, movido pela convicção de que é do interesse brasileiro viabilizar economicamente os países vizinhos. Após a nacionalização, o governo buscou alternativas e reduziu o consumo do gás boliviano, que, prevê a Petrobras, terá menos da metade da importância que tem hoje, daqui a três anos.
Estranhamente, nos balanços sobre os resultados da política externa que têm surgido ultimamente, sumiu o Paraguai. O ano de 2009 começou sob forte pressão paraguaia para uma renegociação do tratado de Itaipu, promessa de campanha do presidente Fernando Lugo e demanda estridente de forças políticas locais. O Itamaraty fez uma negociação que abre caminho suave para um futuro inevitável de menor dependência da energia de Itaipu - e menor vulnerabilidade aos apagões na usina, como o que escureceu o Brasil em novembro - e satisfez os paraguaios com promessas de maior flexibilidade e um reajuste que tem peso quase desprezível sobre a economia brasileira.
Foi tão bem sucedida a negociação que Paraguai e Itaipu, pelo menos por enquanto, saíram do radar dos especialistas em política externa. Voltaremos ao tema após o recesso de Natal.
4 comentários:
Paulo,
Sergio Leo está obviamente enganado. Leo é assim mesmo. É possível encontrar textos dele elogiando a política externa de Lula porque o nosso presidente aparece em foto sentado ao lado da Rainha da Inglaterra (Havia um sem número de líderes mundiais e o protocolo colocou Lula ao lado da Rainha - Leo ficou com a impressão de que isso representa a grande estima que a realeza de repente passou a nutrir pelo chefe do país do futebol...para Leo, o charme de Lula não tem limites. Esse negócio de protocolo é uma bobagem...não existe no dicionário do petismo).
Leo está errado na interpretação dos fatos. Ele inverte a equação para dar a resposta que ele quer. Chavez é um tiranete maluco? É. Isso ele percebeu. Mas é isso que colocou o Brasil numa situação privilegiada no cenário internacional do ponto de vista de um possível contrapeso ao chavismo (mal sabem eles...). E se o governo tivesse uma política de relações exteriores decente, aproveitaria a chance para tornar de fato o país num candidato razoável ao Conselho de Segurança. Mas o que se vê? Um país que faz da própria embaixada em Honduras uma bagunça, e se lambuza com os planos malucos de Chavez...Isso agora é habilidade diplomática? Que tipo de protagonismo buscamos? Devemos ter cautela pois temos uma dívida com nossos irmãos latinoamericanos? Devemos ser menos imperialistas? Pois o governo Lula interviu em processos eleitorais de outros países, participando de campanhas de candidatos, pronunciando-se abertamente a favor deste ou daquele candidato. Evo foi um deles. Lula subiu no palanque dele enquanto ele já anunciava a nacionalização dos ativos da Petrobrás no país. Quer mais maluquice do que isto???? Torço para que essa insanidade acabe ano que vem, e que o petê na área federal seja a mesma varíola que dá em alguns estados. Uma vez é suficiente. Leo que me desculpe, mas vai ter que melhorar o texto muito pra fazer urubu parecer pavão.
Horácio
Sergio Leo faz a linha auxiliar. Isso existe: jornalistas que precisam de fontes, de um bom acesso a autoridades, acabam se rendendo aos poderosos do momento (e depois ainda querem conservar credibilidade).
Caro Horácio, deve ter notado que o post com a rainha era num blogue de tom humorístico; e essa história de protocolo qualquer diplomata sabe que não valeria se, em lugar de Lula fosse, por exemplo, um Chávez, ou um Ahmadiejahd. Mudaria pa tradição rapidinho.
Eu poderia, se quisesse, descrever episódios para demonstrar que o que se chama de fracassada política externa não encontra correspondência na imagem que ela tem lá fora. Mas é uma discussão tomada pelo partidarismo como noto pelo tom dos comentários aqui ao meu artigo (petista nunca fui nem serei, e coleciono queixas do petismo contra meus escritos também).
Partidarismo tal que um diplomata que respeito classifica meu trabalho como "linha auxiliar" e atribui o que considera ser meu ímpeto áulico a uma ânsia de preservar fontes.
Não, caro embaixador, nunca precisei lamber bota de autoridade para ter minhas fontes (pelo contr´rio, aprendi em Brasília que o acesso é mais fácil quando se bate nelas). É fácil comprovar o que digo, consultando gente que respeito e com quem tive e tenho excelentes relações, basedas no respeito a meu trabalho, como José Serra, Pedro Malan, Winston Fritsch, Celso Amorim,o pessoal da embaixada americana em Brasília, Vinod Thomas, do Bird, Murilo Portugal, do FMI...
Mas, infelzimente, a crítica à política externa vem caindo tão baixo que me sinto na obrigação de dar um contraponto. Cito exemplos no artigo. Poderia citar outros; dia desses botaram até o caso do menino sean como exemplo do antiamericanismo do Itamaraty. Como a Justiça entregou o garoto, agora espalham que o governo Lula o trocou por vantagens comerciais. Isso não é honesto.
Pena que o debate sobre teams tão interessantes não consiga escapar da desqualificação do interlocutor.
(espero que, ao menos, as argumentações da"linha auxiliar" sejam publciadas. Só para não perder de todo a credibilidade).
Meu caro Sergio Leo,
Eu me redimo quanto ao "linha auxiliar". De fato, nao é uma opinião que se expresse publicamente, ainda que se pense em privado. Mil desculpas pelo comentário indevido, e certamente indecoroso do seu ponto de vista.
Normalmente, diplomatas normais são exageradamente discretos, ao ponto da inação do pensamento e da completa ausência de posições próprias.
Meu problema é que eu não seja um diplomata normal, talvez sequer um bom diplomata, posto que ouso expressar meu pensamento, o que certamente é uma coisa horrível do ponto de vista daqueles que deixam o cérebro na portaria ao ingressar no trabalho. Não é o meu caso, como você já percebeu, às vezes até de forma imprópria ou indevida, como neste exato caso.
Eu devia estar pensando no mérito, e não na forma, o que os diplomatas tampouco fazem.
Mas, eu aprendo muito com as suas matérias, de uma forma ou de outra.
Interessante que a crítica à diplomacia do governo Lula tem se intensificado, como você notou, talvez porque mais diplomatas se tenham tornado mais e mais impacientes e intolerantes, a ponto de descerem baixo, como você registrou, o que certamente é pouco diplomático.
Deve ser uma deterioraçåo geral dos costumes no presente governo, aliás com exemplos que vêm de cima...
Acho que diplomatas e jornalistas devem preservar sua total independencia e integridade intelectual, sem se deixarem levar por nenhum interesse particular, partidario, setorial.
Eu, por exemplo, só me submeto à força do argumento, à racionalidade e à logica formal, sempre com honestidade intelectual.
Por isso perco um pouco a reserva quando vejo certas coisas; tenho certa alergia a coisas que contrariem esses principios e normas de comportamento.
Deve ser um defeito meu, por isso mesmo sou um péssimo diplomata.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeida
(Pirenopolis, 29.12.2009)
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