Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
1593) Preparando o balanco de final de ano (mas esperem um pouco)
Mas, já estou preparando o meu balanço, passavelmente crítico, sobretudo lamentando o fato de não ter podido terminar o livro que eu me tinha prometido escrever neste ano: um segundo volume à minha história da diplomacia econômica no Brasil (e que muitos colegas e pesquisadores já me vêm cobrando há alguns anos; calma, calma, ça viendra).
No momento preciso apenas colocar meus papéis em ordem (uma tarefa interminável), arrumar os livros que começam a cair nas três mesas do escritório (e que segundo Carmen Lícia estão atraindo traças, mas não sei se isso é verdade, ou se ela apenas diz para me aterrorizar), compatibilizar meus dois ou três computadores (vai lá saber quantos são), para colocar em ordem e organizar os arquivos eletrônicos, e, finalmente (aí sim), sentar e fazer o balanço de final de ano.
Como não sei exatamente onde vou estar no dia 31 de dezembro, e se vou ter, ou não, acesso a internet, já vou preparar este texto antecipadamente, para só numerá-lo, comme il faut, como o último do ano e fechar a lista dos trabalhos de 2009.
Por enquanto, curioso para saber o que eu escrevi nessa categoria um ano antes, fui buscar meu balanço de final de ano, e encontrei, claro, em dois blogs em posts de 31.12.2008. Para refrescar a memória (e também escrever algo de diferente) resolvi transcrever aqui meu balanço de um ano atrás.
OK, segue o texto de 31.12.2008, prometendo fazer melhor desta vez (promessas quase nunca são cumpridas, mas a gente pelo menos tenta, se não nada acontece, a não ser a compulsão moral). O objetivo de repostá-lo (ugh) é apenas para me lembrar de escrever um outro quando chegar a hora...
Paulo Roberto de Almeida (21.12.2009)
Quarta-feira, Dezembro 31, 2008
Blog DiplomataZ
11) Um balanço de final de ano, com alguma explicação para tal...
Pouco tenho freqüentado este blog, sei disso, que foi foi feito, digamos assim, para reflexões pessoais, algo que ocorre quando temos tempo e lazer de sentar e pensar no que foi feito e no que ainda resta a fazer.
Como tenho estado envolvido, talvez demais, com trabalhos "práticos", acabo deixando esse tipo de atividade intelectual de lado.
Bem, fim de ano é o tempo dos balanços e das reflexões. Portanto, cabe agora este trabalho que segue abaixo.
Um balanço de final de ano, com alguma explicação para tal...
Paulo Roberto de Almeida
Em 31 de dezembro de 2008
A cada final, ou começo, de ano, somos todos tentados a empreender uma espécie de balanço do ano que se passou e a estabelecer algum tipo de planejamento, ou agenda de trabalho, para o ano que se inicia. Isto é próprio desta época, pois a maior parte das pessoas e empresas segue o calendário anual, gregoriano no caso de nossas sociedades ocidentais, para fins de balanço periódico, para contabilidade (e eventual distribuição de lucros), para estoque patrimonial, levantamento de ativos em caixa, ou seja lá o que for.
No que me concerne, não tenho dividendos a distribuir, nem saldos a contabilizar, ou dívidas a pagar – a não ser a rotação normal dos cartões de crédito – e muito menos teria contas a prestar a alguém, a não ser à minha família e minha própria consciência. Sou um ser livre, tanto quanto permitido pela minha condição de funcionário público, de professor universitário e de colaborador voluntário, regular ou ocasional, para uns tantos pasquins eletrônicos que insistem em me ter como escritor anarco-literário. Mas, essa “prestação de contas” eu posso fazer se desejar, pois ninguém irá me cobrar nada se não o fizer. Esta condição que exibimos, de pessoas livres em sociedades livres, é algo relativamente novo na história da humanidade, tendo se consolidado apenas a partir do Iluminismo europeu e do constitucionalismo contemporâneo, sendo ainda desconhecida em determinadas sociedades (felizmente, cada vez em menor número).
A rigor, só posso empreender um balanço de meus trabalhos escritos, pois esta é, talvez, a parte mais visível de minha atividade pessoal, a que mais me engaja, me cativa e me atrai, em sua simplicidade aparente. Toda a minha vida consciente – não sei bem quando começou – tenho sido um observador da realidade, como qualquer outro ser humano, aliás. Toda a minha vida “literária” – que começa na tardia idade de sete anos – tenho sido um leitor compulsivo, um devorador de todo e qualquer papel manuscrito ou impresso, de todo e qualquer livro ou periódico, assim como um espectador menos fiel dos meios de comunicação audiovisuais. Toda a minha vida de “escrevinhador” – creio que a condição se aplica, mas não sei bem quando ela começou – tenho sido um gastador intensivo de lápis, caneta, papel e, desde alguns anos, um produtor compulsivo de bits and bytes, que é como todo mundo, agora – com exceção dos “conservadores” – se manifesta e se expressa para o mundo e para si mesmo.
Pois bem, e o que diria este balanço da minha produção intelectual em 2008? OK, vejamos as contas, agora. Estou fechando este ano de 2008 justamente com este texto, que leva o número 1969. Constatando que comecei este ano que agora termina com o trabalho 1848, isto perfaz, segundo uma aritmética elementar, exatamente 121 trabalhos – em todas as categorias, isto é, ensaios, resenhas, capítulos de livros, ou livros inteiros – o que pode ser visto de diversas formas. Isto representa um trabalho a cada três dias, aproximadamente, não considerando o volume, ou seja, o número de páginas de cada um dos textos (pode ser uma única página, para algum esquema de trabalho, a várias dezenas, ou mesmo mais de uma centena, para outros trabalhos) e o total. Esse tipo de contabilidade “produtivista” eu posso fazer depois, quando tiver tempo e disposição para tanto. Por enquanto, fiquemos num balanço qualitativo, ou em uma explicação.
O que importa mais, neste momento, seria a questão de saber para que serve tudo isto, ou seja, qual o sentido da minha produção aparentemente exagerada? Não sei dizer, sinceramente, apenas confirmo que tenho especial prazer em ler e escrever. Ainda hoje terminei a leitura de um livro – A Splendid Exchange: How Trade Shaped the World, de William J. Bernstein – e, por essas maravilhas dos meios de comunicação modernos, troquei quatro ou cinco mensagens eletrônicas com o autor, um financial theorist and historian (segundo a informação da orelha), que vive em North Bend, estado do Oregon (USA). Escrevi-lhe a propósito de uma simples nota de rodapé que me pareceu bizarra, e daí tive que buscar o meu Marx na prateleira para confirmar aquilo que eu imaginava: a citação do Miséria da Filosofia só se aplicava por causa de uma exigência de Engels para a edição alemã do livro, sendo que a referência original era um simples discurso de Marx na Associação Democrática de Bruxelas, em janeiro de 1848 (acho que o meu marxismo ainda anda afiado, se me permitem os saudosistas...).
Sim, mas qual é o sentido de tudo isto, volto a questionar? Continuo sem saber responder adequadamente, apenas sugerindo que se trata de uma “segunda natureza”, um vício incurável – mas não transmissível, imagino – que me leva a passar a maior parte do meu tempo livre – variável segundo as circunstâncias e obrigações outras – nos atos da leitura, da reflexão e da escrita. And what for?, para qual objetivo, pergunto?
Em primeiro lugar, para minha própria ilustração e satisfação intelectual, suponho, ainda que tal vício possa ser doentio, alerto os possíveis incautos. Quem possui esta gentle madness, esta loucura benigna da leitura e da escrita não pode ser totalmente normal, imagino, mas tampouco é o caso de internação e tratamento compulsório, pois se supõe que pessoas assim não venham a causar grandes males à humanidade, ao contrário. No meu caso, sou totalmente inofensivo, pois costumo ficar no meu canto, aliás vários cantos – o que compreende livrarias, bibliotecas, bares, restaurantes, carro, cama e outros ambientes –, quando estou lendo alguma coisa, o que quer dizer o tempo todo. Quando não estou lendo, estou anotando, ou escrevendo, a mão ou no computador, invariavelmente. Ou seja, trata-se de uma insanidade leve, não nociva aos demais, a não ser aos que se irritam com este meu alheamento temporário, o que pode compreender colegas de trabalho, família, cachorro e até o trânsito, circunstancialmente (sim, de vez em quando leio enquanto estou dirigindo, mas tomando o devido cuidado, claro).
Em segundo lugar, para ilustração dos outros, de colegas, amigos, alunos, curiosos e até desconhecidos, suponho, posto que meus trabalhos são todos divulgados em meios públicos (bem, nem todos). Ao lado desta loucura da leitura e da escrita, tenho o hábito reincidente de ensinar, ainda que esta não seja a minha principal condição profissional. Acontece que, voluntariamente ou expressamente a convite, tenho assumido atividades docentes, à margem ou simultaneamente à minha profissão oficial, atualmente – devo dizer, desde 30 anos – de diplomata. Assim, leio para mim e para os outros, o que quer dizer que coloco no papel o que aprendo nos livros e outros textos publicados. Mas o que explica essa mania de ler e publicar um pouco de tudo, volto a perguntar?
A razão é muito simples: venho de uma família muito modesta, de pais que sequer chegaram a terminar o ensino primário; se tratava, portanto, de um lar onde os livros não abundavam, ao contrário. Meu primeiro contato com os livros se deu numa biblioteca infantil, que por uma dessas felicidades infinitas ocorria de existir próximo à casa de minha infância. Freqüentei-a antes de aprender a ler e continuei freqüentando-a enquanto pude, até meus anos de curso médio, em São Paulo. Devo, provavelmente, a esta biblioteca – Biblioteca Pública Infantil Anne Frank, do bairro do Itaim-Bibi, que se registre – tudo o que sou atualmente, ou quase tudo. Talvez nem tanto a ela, pois outro poderia ser o instrumento desta minha loucura pela palavra impressa, mas certamente à minha própria compulsão (que não considero inata) pela leitura e pela escrita. Sou capaz de lembrar títulos e capas de vários livros que li na Anne Frank, inclusive um chamado, justamente, A Palavra Escrita, do crítico literário Wilson Martins. Tenho de passar lá um dia, para ver se consigo fazer uma lista completa de minhas leituras de infância.
Depois de adquirido esse vício incurável (pelo menos para mim), passei a ler em toda e qualquer circunstância, adquirindo também o hábito de fazer anotações dessas minhas leituras. Mais tarde, quando se fixou em mim a consciência absolutamente fiel e verdadeira de que tudo o que sou devo à leitura e à reflexão crítica – pois poucos eram os outros meios para minha elevação social, a partir do meio em que vivia – passei a ter também o desejo, não tão secreto, de interessar outros por essa mesma loucura gentil. Sempre recomendei livros e sempre presenteei pessoas com livros. Sim, me arrependo amargamente de também ter emprestado livros a quem não merecia, pois sou capaz de lembrar, ocasionalmente, de um ou outro livro perdido com esses depositários infiéis. (Curioso que, tendo feito tantos cadernos de anotações de livros, eu nunca tenha feito um para anotar meus empréstimos a terceiros, o que sempre lamento quando vou buscar um livro que não encontro em minhas estantes abarrotadas.)
Bem, continuando nossa história de balanço. Em terceiro lugar, minhas leituras e meus escritos servem, sobretudo, a dois objetivos maiores. Por um lado, me permitem fixar uma espécie de síntese do que vou aprendendo e consolidando como conhecimento útil. Por outro, os escritos me permitem transmitir a outros aquilo que aprendi, não por exibicionismo pueril, mas por imaginar – talvez ingenuamente – que os outros também estejam interessados em se enriquecer intelectualmente e em ampliar seu domínio sobre o mundo. Sempre estou supondo que os homens (e as mulheres, obviamente) sejam seres racionais, e que eles estejam motivados em dar um significado maior a suas vidas, que não o simples ato de trabalhar, satisfazer necessidades básicas e depois se aplastar frente à TV para repousar. Provavelmente não é bem assim, mas nunca desisto de meus intentos sorrateiros de – sem qualquer pretensão megalomaníaca – contribuir para a “elevação espiritual da humanidade” (com perdão pelo chavão já gasto). Como eu me fiz dessa forma, fico imaginando que as outras pessoas também aspirem aos mesmos nobres objetivos (aqui, sem qualquer pieguice).
Em todo caso, tenho para mim que sempre devemos trabalhar para deixar um mundo melhor do que aquele que encontramos ao nascer. O mundo hoje é certamente melhor do que aquele que meus pais conheceram e o que eu mesmo encontrei em minha infância. Lamento, sinceramente, que os jovens da minha condição, atualmente, não disponham mais da mesma escola de qualidade que foi a minha, no sistema público do final dos anos 1950 e início dos 60. Com todas as suas deficiências, essa escola pública me permitiu, com o complemento de minhas leituras em biblioteca – e certamente muito esforço individual, no estudo auto-assumido –, ingressar, exclusivamente pelo mérito, em uma universidade de qualidade, o que imagino seja virtualmente impossível a um jovem de condição modesta, em nossos dias. Outro de meus objetivos, através dos meus escritos e aulas, é, portanto, tentar devolver à sociedade aquilo que dela recebi, em meu tempo, através dos meios públicos de ensino e formação literária. Tento fazer a minha parte, justamente por meio da divulgação pública de meus trabalhos e leituras.
Voilà: creio que meu balanço e a minha explicação agora estão feitos, e posso, assim, encerrar o ano com este trabalho de avaliação pessoal e de “prestação de contas”, em primeiro lugar para mim mesmo. Não precisava, mas é também uma forma de olhar para trás e constatar o muito que já foi feito, e o muito que ainda resta a fazer.
Sim, pelo lado do planejamento, vejamos o que eu poderia me fixar como agenda auto-assumida de trabalhos. Bem, no pipeline imediato de trabalhos prometidos e até agora inconclusos – e que passam, assim, para a lista de working files de 2009 – estão um ensaio sobre o regionalismo sul-americano (em francês) e algumas resenhas curtas para o boletim da Associação dos Diplomatas (onde assumi a seção “Prata da Casa”), além de uma ou outra resenha prometida a amigos e conhecidos (editores graciosos). Depois disso, vou me fechar um pouco, pois pretendo terminar o segundo volume de minha história da diplomacia econômica no e do Brasil, que deveria estar concluído há muito tempo (mas sempre vamos postergando “grandes obras”, e assumido “pequenas”, ou mais fáceis). Depois? Bem, ainda tem o terceiro volume, mas isto pode ficar para depois, bem depois (ainda planejo mais uns vinte livros nos próximos vinte anos...).
Finalmente, gostaria de agradecer, formal e expressamente, a todos os amigos, colegas de trabalho, familiares, conhecidos e correspondentes desconhecidos, com quem tenho interagido utilmente (por vezes até inutilmente) no período recente, e que me têm abastecido de livros, notícias, informações úteis ou bizarras, que me alimentam no esforço de reflexão e na preparação de meus trabalhos. Espero, da mesma forma, ter sido útil a tantos colegas e amigos, e aproveito para desejar a todos um ótimo 2009. Até o próximo encontro, neste mesmo local e momento do ano.
Felicidades a todos!
Brasília, 1969: 31 de dezembro de 2008.
Postado por Paulo R. de Almeida às Quarta-feira, Dezembro 31, 2008
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