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sábado, 12 de agosto de 2006

610) Mais receitas de crescimento para o Brasil: desta vez por sete premios Nobel de economia

Veja, edição 1969, 16 de agosto de 2006

Economia
Por que o Brasil não cresce como a China e a Índia?


Sete ganhadores do Prêmio Nobel de Economia dizem, em entrevistas exclusivas a VEJA, quais são as amarras que impedem o país de crescer como os gigantes asiáticos

A pergunta do título acima resume o tema mais instigante do debate econômico brasileiro atual. Até 1980, o Brasil ponteava entre as nações que mais cresciam no planeta. O país chegou a exibir taxas de crescimento anuais superiores a 10% – em 1973, bateu em 14%. Hoje os brasileiros amargam um dos piores desempenhos comparativos. De 1996 a 2005, China e Índia avançaram a um ritmo anual de 9% e 6%, respectivamente. No mesmo período, a média brasileira foi pouco superior a 2%, enquanto a renda per capita nacional, um dos principais indicadores do padrão de vida de uma sociedade, permanecia estagnada.

Em sua última edição, VEJA esquadrinhou, em uma reportagem especial, o espetacular momento atual da China. Em junho passado, outra reportagem de capa mostrou o despertar da Índia. Nas páginas que se seguem, sete ganhadores do Prêmio Nobel de Economia refletem, a pedido de VEJA, sobre as razões que fizeram a economia brasileira descarrilar tirando o Brasil das primeiras posições hoje ocupadas por China e Índia. Os economistas ouvidos pela revista – Paul Samuelson, James Heckman, Robert Mundell, Douglass North, Robert Solow, Gary Becker e Edward Prescott – formam o time de pensadores que colocou de pé os fundamentos da moderna ciência econômica do pós-guerra. São observadores agudos, com graus diferentes de interesse na realidade brasileira mas com a mesma curiosidade e honestidade intelectual.

Com certa razão, opiniões vindas de fora costumam ser rechaçadas sob o argumento de que quem as profere vai estar longe, protegido, portanto, dos efeitos das receitas que prescreve para os países emergentes. Não é, em absoluto, o caso aqui. Os entrevistados não oferecem receitas prontas para o Brasil. Em seus depoimentos eles se limitam a apontar as medidas, atitudes e reformas que ajudaram outros países em estágio de desenvolvimento semelhante ao brasileiro a acelerar a modernização de sua economia e aumentar dramaticamente o padrão de bem-estar de seus habitantes. Em comum, os depoimentos têm a ênfase em apontar o custo econômico do populismo assistencialista e os prejuízos causados pelo que um deles define como "capitalismo de compadrio". Essa distorção protege grupos econômicos ineficientes e impede a abertura e o florescimento de forças inovadoras na economia. Como era de esperar, o tamanho do Estado e o excesso de burocracia e de regulamentação também foram apontados como entraves graves ao desenvolvimento. Curiosamente, nenhum deles apontou os juros elevados ou a infra-estrutura precária (diagnósticos mais freqüentes no debate nacional) como causas basais do baixo crescimento do país. Como disse, em um de seus parcos acertos, o economista alemão Karl Marx (1818-1883), os países – e também as pessoas – não são aquilo que pensam, mas, sim, como eles são observados. Os depoimentos dos economistas ouvidos para esta reportagem têm o valor intrínseco de ser fruto da observação de mentes poderosas e carregam ainda o valor de terem largo poder de influência sobre os investidores e agentes de mercado.

GARY BECKER
Nacionalidade: americana
Idade: 76 anos
Universidade de Chicago
Nobel de 1992
Feito: deu nobreza à análise econômica dos fenômenos do comportamento humano

Capitalismo de compadrio

• "É mais fácil entender por que a China e a Índia estão crescendo rapidamente do que compreender o que se passa na América Latina e no Brasil. Dos anos 1940 até meados dos anos 1980, os chineses e os indianos praticamente não progrediram. Sob o peso de economias centralizadas e estatais – comunismo na China e um socialismo inespecífico na Índia –, chineses e indianos viram seus países estagnar. Os dois governos detinham controle total sobre os investimentos. A China começou a reformar o setor agrícola no fim dos anos 1970, ao permitir que os camponeses ficassem com parte daquilo que produziam. Gradualmente, o mesmo começou a ser feito com a indústria. Hoje o setor privado é predominante. A tributação é baixa, há menos burocracia e regulamentação. Em vez de fugirem para Taiwan ou Hong Kong, agora os talentos chineses podem ficar no país.

Na Índia a história é parecida. Houve uma abertura no fim dos anos 80 e início dos 90. Atividades foram transferidas à iniciativa privada, a tributação caiu e a burocracia diminuiu. Mas é lógico que ambos os países asiáticos começaram a crescer a partir de um nível muito baixo e, ainda hoje, apesar do salto produtivo, são bastante pobres – especialmente a Índia, cuja renda per capita, de 3 000 dólares por ano, é metade da chinesa. Caso mantenham as reformas de orientação capitalista, esses países têm potencial para avançar rapidamente ao longo das próximas décadas. O Japão cresceu muito durante quarenta anos. Taiwan fez o mesmo ao longo de trinta.

Já a América Latina é um mistério. Há o caso de sucesso do Chile, cujo modelo é similar (até mais extremo) ao chinês e ao indiano – abertura da economia, redução do estatismo e da burocracia, mercado de trabalho mais flexível. Graças a esse modelo, o Chile vem tendo sucesso nos últimos 25 anos. Por que o resto da América Latina não produz os mesmos resultados? A minha opinião é que o Brasil ainda resiste a fazer as reformas executadas pelo Chile. O México, depois dos últimos ajustes, avançou bastante. Sobrou ainda muita burocracia e regulamentação, em especial no mercado de trabalho. Há ainda o que eu chamaria de "capitalismo de compadres" – algumas famílias ou setores privilegiados conseguem favores e empréstimos do governo. No caso mexicano, no setor televisivo e nas telecomunicações. Suspeito que isso também seja verdadeiro em outros países da América Latina, como o Brasil. Eu diria que esse compadrio é uma das principais causas do atraso econômico da região."

JAMES HECKMAN
Nacionalidade: americana
Idade: 62 anos
Universidade de Chicago
Nobel de 2000
Feito: criou métodos precisos de avaliação do sucesso de programas sociais, de educação e de leis trabalhistas

O peso da burocracia e da educação ineficiente

• "O maior obstáculo ao crescimento brasileiro é o excesso de burocracia e regulamentações. Qualquer observador externo percebe isso. Essa característica representa um custo enorme para quem queira fazer negócios. Faltam incentivos para que as pessoas possam ser mais competitivas. É o que a China e a Índia estão fazendo. No Brasil esses estímulos são muito tímidos, predomina um pensamento que lembra o mercantilismo, de viver em um mundo de castas e protegê-lo do jeito que ele é. Não há uma economia competitiva e flexível, na qual as pessoas abram empresas, fechem empresas, contratem bons funcionários, demitam maus funcionários, contratem bons professores, demitam os professores ruins. É uma influência negativa que o país teve dos europeus, de todas aquelas velhas instituições de Portugal e da Espanha. A América Latina tem mais regulamentações do que a Europa. O custo de contratar um funcionário é muito elevado no Brasil, e isso desacelera a economia. Se você tentar evitar que o desemprego aumente nos períodos ruins, o emprego também não vai melhorar muito quando as coisas forem bem. Essa inflexibilidade amarra a economia.

A questão política também afeta o avanço brasileiro. As reformas chilenas demoraram quase dez anos para dar resultados. A existência de um governo autoritário tornou relativamente fácil sustentá-las. Em alguns países, como Nova Zelândia e Inglaterra, as reformas foram feitas em ambiente democrático. A situação era tão difícil que as pessoas perceberam que as coisas não poderiam permanecer daquele jeito. As greves fizeram a população se virar contra os sindicatos. Surgiu um novo sindicalismo, muito mais responsável. O legado de Margaret Thatcher talvez seja um pouco mais de desigualdade social, mas um crescimento econômico muito maior. Tony Blair manteve as mesmas políticas. Não houve reestatização, não apareceram novas estatais. As pessoas perceberam que o modelo estatista, sucesso do pós-guerra, já não funcionava. Isso soa como pregar ao vento na América Latina, se olharmos para o que está acontecendo na Bolívia ou na Venezuela. Há uma onda contrária às reformas na região. As boas lições nunca foram aprendidas de verdade.

Para piorar, os políticos costumam ter uma visão de curto prazo. Querem eliminar a desigualdade, e como fazem isso? Dando dinheiro para os pobres. Essa política pode até reduzir a desigualdade no curto prazo, mas investir nas crianças e na qualidade da escola criaria bases mais sólidas para o aumento na qualidade de vida. O Brasil incrementou os gastos no ensino básico nos últimos anos, mas os níveis ainda são muito baixos. Isso ajuda a perpetuar a diferença de classes, porque os ricos podem pagar por boas escolas, e solapa o potencial de crescimento. Alguns atribuem o forte crescimento da Irlanda, nos últimos vinte anos, à melhora do ensino básico. Uma nova geração, com uma educação superior à de seus pais, ingressou na economia e pôde participar do milagre irlandês. Foi um pré-requisito para o crescimento de hoje."

DOUGLASS NORTH
Nacionalidade: americana
Idade: 86 anos
Universidade Washington, em Saint Louis
Nobel de 1993
Feito: foi pioneiro no estudo do papel virtuoso das instituições na diminuição dos custos de transação que emperram o desenvolvimento

O assalto de grupos de interesses

• "Assim como na maioria dos países do Terceiro Mundo, há no Brasil uma aliança muito próxima entre interesses políticos e econômicos. Um grupo de privilegiados alimenta o outro, e vice-versa. O resultado é uma barreira para a competição e para mudanças institucionais inovadoras e criativas. A meu ver, é isso que impede o Brasil de se tornar um país de alta renda. Trata-se de uma questão de teoria política, não econômica. Sempre que um determinado grupo controla o sistema político, ele o usa para seu próprio benefício, em detrimento dos interesses da população como um todo. O Brasil é um país cheio de promessas e possibilidades, mas que foi tomado de assalto por grupos de interesse que souberam se aproveitar do Estado para seus próprios benefícios. E ainda se aproveitam. Esses grupos se protegem da competição, numa ação que tende a fechar a economia e barrar a eficiência. Justiça seja feita, esse fenômeno também existe na China. É vital notar, no entanto, que, devido ao fato de a abertura ser a pedra de toque do crescimento chinês, o país não sofre tanto com essa distorção quanto o Brasil.

Já conhecemos o potencial das economias chinesa e indiana. Vale a pena apontar as vulnerabilidades, como fiz com relação ao Brasil. A China e a Índia abraçaram os princípios da economia de mercado e começaram a crescer rapidamente. Mas há problemas à vista. No caso chinês, ainda existem muitas empresas nas mãos do governo, negócios pouco eficientes que acumulam grandes prejuízos. Só sobrevivem por causa dos subsídios. O resultado é que boa parte da poupança privada dos chineses é canalizada para negócios ineficientes. É um desequilíbrio que oferece desafios. Há outros dilemas. Os chineses não avançaram em alguns aspectos que considero pré-requisitos para o crescimento de longo prazo, como um direito de propriedade privada claramente definido, independente das vontades de burocratas. Os negócios ainda giram muito em torno de autoridades governamentais que estão sempre tentando interferir no sistema. Por isso acho que, enquanto não houver o respeito às leis e não existir um sistema bem definido de relações impessoais entre empresários e governo, não dá para ter certeza de que a China continuará crescendo tão rapidamente. Os chineses começarão a se defrontar com várias e várias fragilidades daqui para a frente. As pessoas estão se tornando mais ricas, e começam a ser criados grupos de interesse que, a exemplo do Brasil, tentam cada vez mais interferir nas decisões.

A Índia é uma história diferente, porque sempre foi um país repleto de grupos de interesse e privilégios. O que o país está tentando fazer é livrar-se gradualmente dessas limitações e tirar proveito do imenso potencial que suas enormes dimensões lhe propiciam. As perspectivas são boas, mas os indianos sempre se defrontam com seus dilemas históricos. As castas mais influentes podem tentar restabelecer privilégios e, a qualquer momento, podem sair vitoriosas."

ROBERT SOLOW
Nacionalidade: americana
Idade: 82 anos
MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)
Nobel de 1987
Feito: criou o modelo neoclássico de crescimento econômico com ênfase no progresso tecnológico

O desafio é a estabilidade

• "Não há nenhuma razão intrínseca para que o Brasil não tenha o sucesso dos asiáticos. É uma questão de seguir políticas adequadas, o que é mais difícil quando o governo não tem uma maioria estável no Congresso. Nenhum país com tradições democráticas, como o Brasil, poderia manter, como faz a China, uma enorme população rural em situação de extrema pobreza. Ser um país democrático traz certas limitações. Aqui não vai uma crítica à democracia – só um registro de que, apesar dos méritos inegáveis desse sistema, é mais difícil para o Brasil ter a estabilidade política que lhe permitiria crescer rapidamente. O país tem potencial de sobra para progredir numa velocidade maior. Não 9% ou 10%, como a China – esse é um fenômeno característico dos estágios iniciais do desenvolvimento. Mas a renda per capita brasileira poderia experimentar um salto se boas políticas fossem perseguidas. Por isso a estabilidade é tão crucial. Se os investidores suspeitarem que haverá mudanças, eles tenderão a refrear novos projetos.

Por essa razão, o desafio do Brasil não é imitar a China, mas manter a estabilidade. Não imagino que outros países possam imitar o modelo chinês. A China possui uma enorme e disciplinada força de trabalho, e os salários são muito baixos. Além disso, dispõe de uma situação política que aparenta ser estável. Por essa razão, companhias americanas e européias sentem-se seguras para investir lá, apesar da falta de respeito a direitos autorais e de propriedade – esses problemas inibem alguns investidores, é verdade, mas os ganhos advindos do baixo custo de mão-de-obra são vantajosos e fazem os empresários assumir o risco. Somem-se a isso o fato de a China ter um grande saldo no balanço de pagamentos, algo que dissipa quaisquer dúvidas sobre a transferência dos lucros às matrizes, e o de sua moeda ter permanecido desvalorizada, o que estimula as exportações. O resultado é o despertar econômico que se vê agora. A grande incerteza é por quanto tempo os chineses conseguirão conviver com salários em níveis tão baixos. Já começa a haver alguma tendência de aumento. É um grande paradoxo. Karl Marx pregava que uma das principais fontes de lucro no capitalismo era a existência de um exército de proletários desempregados, o que mantinha os salários sempre baixos. Ironicamente, o maior exemplo jamais visto de um exército de proletários sem emprego vem da China comunista, onde centenas de milhões de pessoas estão fora das grandes cidades, à margem da economia moderna e desesperadas para sair do campo. Salários baixos significam um nível reduzido de consumo doméstico. Há novos ricos e uma classe média se formando na China, é verdade, mas milhões de trabalhadores produzem para consumidores estrangeiros, enquanto gastam muito pouco. Não sei até quando isso pode se manter.

A Índia demorou para começar a crescer, mas vejo grande potencial para o país. Lá as empresas ocidentais se sentem mais seguras do que na China na questão dos direitos de propriedade. E, assim como na China, tiram benefício do baixo custo de mão-de-obra. Além disso, os indianos falam inglês, o que lhes possibilita a inserção no mercado mundial de serviços e de produtos para a informática. Mas no caso da Índia será mais difícil, por questões políticas, evitar que os salários subam conforme o nível de emprego aumente. Ao contrário da China, é um país democrático. As dimensões obviamente não são as mesmas, mas diria que o exemplo de crescimento da Índia guarda semelhanças com o da Irlanda."

ROBERT MUNDELL
Nacionalidade: canadense
Idade: 74 anos
Universidade Colúmbia
Nobel de 1999
Feito: estudos revolucionários sobre as políticas fiscais e de câmbio em economias abertas que levaram, entre outras coisas, à criação do euro

Protecionismo sufocante

• "O Brasil abraçou uma política de desenvolvimento protecionista num momento em que o restante do mundo estava se abrindo internacionalmente. Com as inovações avançando num ritmo vertiginoso, é crucial aceitar essa interdependência mundial e desenvolver as vantagens comparativas naturais de um país. O Brasil é um dos países mais fechados do mundo, ficou em 81º lugar em um ranking de abertura econômica elaborado pela Heritage Foundation, com informações de 157 países (o mais aberto é Hong Kong). A característica comum a todos os países fechados, como o Brasil, é que eles têm baixa renda per capita. Não há como ter crescimento sem empresários, sem pessoas que iniciem novos negócios. Vários países latino-americanos colocam barreiras ao surgimento de novas empresas. Enquanto nos Estados Unidos uma companhia pode ser constituída em poucas horas, na América Latina isso pode levar meses. Países menos burocráticos, como os Estados Unidos e a China, conseguem atrair o investimento estrangeiro direto, fundamental para o crescimento porque traz consigo capital, tecnologia e mercados. O sistema tributário brasileiro também desestimula os investimentos. Outro requisito é a estabilidade macroeconômica. Sem ela, não há crescimento duradouro. Acredito que, no caso de muitos países, a melhor maneira de obter estabilidade macroeconômica é tornar-se parte de uma grande área de moeda comum. A Europa fez isso ao criar o euro, e a moeda tornou-se tão efetiva quanto o dólar. Várias outras zonas econômicas planejam a união cambial. A América Latina precisa seguir essa iniciativa. Por que lidar com quase 100 moedas na região? O Brasil deveria liderar o Mercosul na direção de uma maior, e não menor, abertura comercial. Além disso, deveria defender a existência de uma moeda única da América Latina. Fiz essa proposição pela primeira vez há quarenta anos, em 1966. Poderiam dizer que cachorro velho não aprende truques novos – mas, nesse caso, eles não precisariam. O Brasil deveria ser o centro de uma moeda sul-americana atrelada ao dólar. Logicamente seria melhor um único sistema monetário internacional, mas não dispomos dele hoje. Tivemos um depois da II Guerra Mundial, quando demos ao Fundo Monetário Internacional o papel de guardião do sistema de paridade cambial. Hoje temos de escolher sistemas monetários internacionais que se adaptem à necessidade da configuração de poder entre as nações. O sistema funciona com base nas duas principais moedas, o dólar e o euro. Talvez seja muito complicado e instável.

Essas são apenas sugestões, talvez não as melhores. O ideal é observar que, nos últimos sessenta anos, ocorreram três casos de milagre econômico: o Japão e a Alemanha no pós-II Guerra e a China, a partir de 1978 e especialmente depois de 1997. Nesses três casos, o crescimento foi liderado pelas exportações num regime de câmbio fixo. Recentemente, sob pressão do FMI, a China flexibilizou um pouco o câmbio. Mas o país não pode arruinar seu modelo permitindo grandes oscilações na cotação de sua moeda, o yuan. O sucesso chinês se deve à sua elevada taxa de poupança, ao enorme influxo de investimento estrangeiro direto, ao superávit na balança de pagamentos e à taxa de câmbio fixa e competitiva. A Índia foi na mesma direção e tira proveito da abertura comercial que fez na década passada, além de se valer do fato de seus habitantes falarem inglês, o que lhes dá vantagem na indústria tecnológica e de software."

EDWARD PRESCOTT
Nacionalidade: americana
Idade: 66 anos
Universidade do Arizona
Nobel de 2004
Feito: comprovou a eficácia de políticas econômicas coerentes a longo prazo

A chave é criar poupança

• "O Brasil conseguirá se aproximar do padrão de vida dos países desenvolvidos somente se os brasileiros estiverem convencidos de que boas políticas serão perseguidas ao longo de vários e vários anos. Não basta implementar as medidas corretas por um curto período. A única esperança que vislumbro é que o Brasil se descentralize. Tenho algumas sugestões. Livrem-se da centralização de poder em Brasília e reduzam drasticamente os impostos federais. Deixem que os estados da federação ganhem autonomia e compitam entre si por investimentos. Se algum deles quebrar, coloquem-no num programa de intervenção, como foi feito com a cidade de Nova York nos anos 70. Ainda que sensibilidades possam se ouriçar, é preciso reconhecer que regimes democráticos, como o brasileiro, não são precondições para o sucesso econômico. Pelo contrário: muitos países saíram da pobreza sob regimes autoritários. Vejam os casos de Pinochet, no Chile, Franco, na Espanha, Park, na Coréia do Sul, ou Chiang Kai-shek, em Taiwan. O Brasil teve sua ditadura, mas ela parece ter piorado as coisas e não alterou a natureza da sociedade – o país não desenvolveu um sistema democrático baseado na propriedade privada e no consumo, integrado aos países avançados. O caso mexicano é similar: a economia evoluiu muito durante o regime autoritário, mas não criou uma ampla e enraizada sociedade privada.

É fundamental que o Brasil estimule a criação de uma sociedade privada. Esse é o motor de qualquer ciclo de expansão sustentável. Já o combustível é a poupança. Nenhum país cresce sem um sistema que induza a formação de poupança. Em Cingapura, o crescimento veio após a introdução de poupanças compulsórias. É condição vital, no entanto, que os recursos sejam bem geridos. Eles não podem ser desperdiçados nas mãos de governos incompetentes. Instituam um sistema de poupança crível e, em 25 anos, o Brasil crescerá rapidamente. Há sempre o risco de o governo expropriar esses recursos, por isso é crucial dar às pessoas a chance de escolher onde pôr o seu dinheiro.

A China claramente não pode continuar crescendo no atual ritmo. Muito de seu rápido avanço se deve simplesmente à transição de um setor agrário tradicional para um setor urbano moderno. Mas a nova economia do país não é tão eficiente assim. A renda per capita da China deverá se estabilizar num nível equivalente a 40% da renda dos países ricos. É minha melhor estimativa. A Índia está crescendo rapidamente porque o sistema econômico se tornou menos ruim, mas o desenvolvimento do país não continuará a não ser que o sistema fique ainda menos ruim. Os indianos provavelmente alcançarão o nível de renda da América Latina se se tornarem mais abertos."

PAUL SAMUELSON
Nacionalidade: americana
Idade: 91 anos
MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts
Nobel de 1970
Feito: lançou as bases da moderna análise econômica nas teorias de crescimento, consumo, comércio internacional e equilíbrio de preços e salários

O preço do populismo político

• "O milagre econômico da China e da Índia reproduz um ciclo historicamente conhecido, por meio do qual tecnologia, conhecimento e técnicas de engenharia e administração são disseminados de países mais ricos para os de menor renda. Isso ocorreu na Europa após a II Guerra Mundial, sobretudo na Alemanha, na Itália e na França. Esses três países se valeram da tecnologia dos Estados Unidos e sua economia começou a crescer mais rápido do que a americana, usando, para isso, a alavanca das exportações. Enquanto os Estados Unidos cresciam entre 3% e 4%, esses países avançaram entre 7% e 8%. Nesse sentido, o principal tema econômico do pós-II Guerra foi a busca desenfreada de outras nações por alcançar o nível de renda americano. Num segundo momento, esse processo também ocorreu na Ásia – inicialmente no Japão e, depois, em Taiwan, Cingapura, Hong Kong e Coréia do Sul. Surpreende que a Índia só tenha se juntado ao ciclo mais tarde. É preciso lembrar, no entanto, que o esforço dos povos mais pobres para atingir o nível de riqueza dos mais ricos antecede a II Guerra Mundial. Como dou aulas há quase setenta anos na Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos, sou testemunha de ciclos econômicos como esse dentro do próprio território americano. Primeiro, os estados do norte da costa leste perderam a indústria de calçados, que migrou para o sul, atraída pelos salários mais baixos. Depois foi a vez da indústria têxtil. Mais tarde, as indústrias que haviam migrado para o sul começaram a se transferir para Porto Rico, México e Ásia. Quando a China se livrou do maoísmo também pôde beneficiar-se desse mecanismo, que, em sua essência, é de mercado. Esse processo só está começando na China. Saindo do triângulo Xangai–Pequim–Hong Kong, ainda há vastas áreas pouco desenvolvidas, com uma grande população. Se o sistema político permanecer estável, o país continuará crescendo. Já a Índia teve um lento início porque importou políticas econômicas erradas, antimercado. A história de nosso tempo é que você pode até não gostar do mercado, mas não apareceu nenhum modelo alternativo capaz de organizar grandes populações. Por isso o processo de equalização de renda entre países ainda continuará por mais tempo. O que me surpreende é que os Estados Unidos, que lideraram esse processo, ajudando a abrir caminho para os que vieram logo em seguida, ainda não foram superados por nenhuma região, em termos de produtividade e renda per capita. Não viverei o suficiente para ver se a China será exceção. Mas acredito que os chineses poderão atingir um nível de renda equivalente ao dos países desenvolvidos.

Quanto à América Latina e ao Brasil, é surpreendente que nunca tenham se beneficiado desse processo de forma integral, apesar de surtos episódicos de crescimento. O padrão político de democracias populistas parece ter sido um fator que inibiu o desenvolvimento. Por que a Argentina e talvez até mesmo o Brasil, onde não restavam muitos nativos indígenas e havia muitos imigrantes europeus, não avançaram como os países asiáticos? Eu buscaria explicações na política. No caso brasileiro, há também questões sociológicas. Vocês herdaram do catolicismo português uma sociedade sem tradições igualitárias. Minha única viagem à América Latina foi ao Peru, em 1980. O país havia acabado de se livrar de uma ditadura, emigrantes estavam retornando e parecia que haveria progresso. Mas logo depois houve disputas internas, tensões, e as esperanças nunca se materializaram. Ciclos de esperança e decepção, como esses, tornaram-se rotina na região. O Chile talvez seja uma exceção."

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