Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
1224) Diploma de jornalista: um debate sobre uma excrescencia
Transcrevo primeiro o referido artigo e depois formulo alguns comentários.
Requiem por um diploma
Zélia Leal Adghirni * (30/06/2009)
Como professora de jornalismo na Universidade de Brasília há mais de 15 anos e como jornalista que fui durante duas décadas, no Brasil e no exterior, senti-me indignada com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de extinguir a obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional do jornalismo. Considero o voto dos ministros do STF uma afronta aos jornalistas e uma ofensa à sociedade. Basta ouvir os argumentos dos magistrados para perceber o total desconhecimento desta área. Eles acreditam ainda que o jornalismo é “uma arte” (comparada a uma arte gastronômica, segundo o ministro Gilmar Mendes) e “uma vocação”. Em tempos de jornalismo digital, quando as tecnologias de comunicação colocam novos e inquietantes desafios para os profissionais, oito ministros do STF recuaram dois séculos para decretar o fim de uma profissão historicamente construída, com seus valores éticos, sua ciência e suas técnicas. Nos séculos XVIII e XIX escritores renomados como José de Alencar e Machado de Assis
publicavam artigos na imprensa. Mas não por isso se consideravam jornalistas. Foi preciso que surgisse João do Rio, o primeiro repórter brasileiro, para mostrar que a reportagem de rua era mais importante para a sociedade do que a crônica literária de autor.
Afirmar que a exigência do diploma é um entulho do regime militar é um falso argumento. A luta começou bem antes do golpe militar de 1964. Que a profissão tenha sido regulamentada em 1969 é uma mera coincidência. A primeira tentativa de regulamentação da profissão de jornalista foi um decreto do então presidente Jânio Quadros, em 1961. O decreto se referia a uma regulamentação explícita de 1938 (Getúlio
Vargas) que determinava a criação de escolas de preparação ao jornalismo, destinadas à formação de profissionais de imprensa. A Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, foi o primeiro jornal a contestar a medida. Não faltaram juristas para refutar a decisão e o
argumento usado para a inconstitucionalidade foi a falta de tramitação no Congresso. Um Congresso que agora, com raras vozes de exceção, calou-se diante do STF. A sociedade também não foi ouvida, não houve audiência pública. A decisão dos ministros, quase por unanimidade, foi autoritária e retrógrada.
O Brasil tinha uma das legislações mais justas em relação ao acesso profissional, firmada no ensino universitário e abalizada pelos órgãos da categoria. O recém-formado entrava no mercado com um preparo básico que seria aperfeiçoado nas rotinas produtivas do ofício, como os médicos e os advogados.
Todas as profissões se institucionalizaram através das práticas e do acúmulo de saber que proporcionam a pesquisa contínua e a permanente recriação de instrumentos de trabalho. Se as demais profissões exigem formação especializada, por que o jornalista nasceria pronto, com talento inato? Já dizia Jospeh Pulitzer, o “pai” do jornalismo
moderno, que “a única posição que um homem pode triunfalmente atingir pelo simples fato de ter nascido, é a de idiota”. Para qualquer outra, “some training is required”. O argumento de que em outros países não há necessidade do diploma demonstra total ignorância do tema. Os meios de acesso ao profissionalismo são extremamente filtrados e obedecem a critérios muito mais complexos que os nossos. Na França, por exemplo,
o interessado deve provar diante de uma comissão de especialistas que o jornalismo é sua principal fonte de renda.
Se, a partir de agora, o registro de jornalista no Ministério do Trabalho "perdeu o sentido", assim como todos os outros aspectos que regulamentavam a profissão, é preciso definir os critérios para a contratação de profissionais. As empresas dizem que será dada preferência a quem tiver passado por uma boa escola de jornalismo.
Serão estabelecidos critérios para as 400 escolas de jornalismo do país para saber quais são as boas?
Outra falácia é confundir liberdade de expressão com liberdade de profissão. A figura do colaborador já existia na antiga legislação. São especialistas convidados pelas mídias, que publicam artigos e comentários nos espaços de Opinião, remunerados ou não. Assim, podemos ler artigos do ex-ministro Jarbas Passarinho, da socióloga Barbara
Freitag, do médico Dráuzio Varela nas páginas mais nobres da imprensa, dentro dos gêneros opinativos (os acadêmicos trabalham com a tradição dos gêneros opinativos e gêneros informativos, conceitos elaborados pelo professor Jose Marques de Melo (Cátedra Unesco de Jornalismo) em sua extensa obra universitária.
A Fenaj nunca se opôs a estas colaborações muito bem vindas, mas o exercício profissional no cotidiano é o outro. Os especialistas colaboradores aceitariam ser “repórter por um dia”? É o repórter, quase sempre anônimo, que vai para a rua gastar a sola do sapato na Esplanada dos Ministérios, na Favela da Maré, na cobertura da
entrevista coletiva à imprensa, na greve dos operários, nos acidentes de trânsito e assim por diante. O jornalista sabe que neste oficio há mais transpiração que inspiração. Só o jornalista, como mediador, pode organizar o caos, selecionar e divulgar tudo aquilo que quebra a superfície lisa do cotidiano para transformar acontecimentos em notícias.O resto é amadorismo.
Que o luto de hoje se transforme em luta, é o que desejo aos alunos de jornalismo a partir de agora.
* Zélia Leal Adghirni é jornalista e professora de jornalismo na Universidade de Brasília.
=========
Meus comentários (PRA):
Os argumentos da professora padecem do defeito incuravel do jornalismocentrismo. Todo e qualquer cidadao medianamente alfabetizado pode ser um jornalista, alias ate' criancas e adolescentes podem ser, com um pouco de treinamento.
Cabe a responsaveis de meios de comunicacao contratar, ou nao, quem eles acham capazes de se desempenharem bem nas tarefas tipicas de uma entidade (qualquer uma, grande empresa ou jornal de uma pessoa so) dedicada a comunicao.
O resto e' cartorialismo, corporatismo e miopia profunda.
Nenhum dos argumentos da Zelia se sustenta com base numa analise isenta e honesta da profissao de jornalista.
Repito: qualquer pessoa medianamente alfabetizada pode se tornar um grande jornalista, e nisso nao vai nenhuma ofensa a essa professora.
Ela e' quem ofende qualquer outro universitario, ou egresso do ensino medio, ao dizer que eles nao podem ser bons jornalistas.
Retomando suas palavras, eu me sinto profundamente ofendido por suas palavras. Acredito que eu faria um bom jornalista, sem jamais ter posto os pes numa faculdade ou num curso de jornalismo (e ainda bem que nao o fiz, nao ganho certas deformacoes como essa do jornalismocentrismo).
Permito-me acrescentar: Sou contra qualquer diploma para qualquer profissao que nao "mate" ninguem, inclusive diploma de ensino superior para diplomatas.
Se dependesse de mim, nao exigiria sequer diploma de curso primario para concurso de diplomatas...
3 comentários:
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.
Como um adendo, nem o curso de preparação da Folha, nem o do Estadão, exigem diploma de jornalismo. E sei que, nesses que são os dois maiores jornais do país (talvez tristemente os dois de SP, mas isso é um problema que os outros Estados deveriam remediar...), muitos já trabalhavam sem esse fantástico diploma.
ResponderExcluirNas grandes indústrias da comunicação, portanto, o requisito já não fazia nenhuma diferença. É nos pequenos jornais de interior que a falta do cartório vai fazer diferença...
Acho, pessoalmente, que a diferença será para melhor, nos pequenos jornais do interior. Sem a obrigação de contratar um egresso de uma Faculdade Tabajara de jornalismo, o pequeno jornal do interior contratará qualquer profissional saído de qualquer Faculdade Tabajara de interior, o que implica, ipso facto, que a competição aumentará e provavelmente o selecionado será melhor, e sairá mais barato (o que é bom para o jornal) do que o jornalista tabajara. Concorrência sempre foi um poderoso indutor de qualidade, em qualquer circunstância. O que os jornalistas estavam tentando fazer era limitar a concorrência, para nosso prejuizo e dos proprietários de jornais.
ResponderExcluirEstamos muito melhor sem exigência de diploma. Falta abolir em várias outras profissões também, e vamos estar bem melhor servidos...
Corrigindo a informação postada acima pela leitora: Somente o curso de treinamento da FOLHA não exige diploma de jornalismo. O do Estado exige sim ! Caso tenha dúvidas basta consultar os sites de ambos os programas.
ResponderExcluir