Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Protecionismo: mitos e realidades; desmantelando interpretacoes erroneas da Historia
Protecionismo aumenta no mundo; relatório da OMC
Seu longo comentário, que reproduz algumas das mais comuns interpretações enviesadas da História, e que retiro do "rodapé" para comentar, é o seguinte:
"Equiano Santos deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Protecionismo aumenta no mundo; relatorio da OMC":
Mais uma vez presenciamos que as resoluções das crises financeiras dos países desenvolvidos estão diretamente ligadas às velhas práticas “mercantilistas”. Liberdade de comércio sempre soou como retórica defendida no momento que estes estiveram suficientemente preparados para uma possível livre-concorrência (que nunca existiu em sua forma plena). Protecionismo no momento de fragilidade, livre-concorrência no momento de força.
Lembremos da Inglaterra e suas Leis de Navegação em 1651, cujo protecionismo marítimo levou a uma guerra contra a Holanda, principal conrrente naval. Cabe aqui lembrar que as revoluções inglesas nada tiveram de liberais e que Adam Smith foi melhor recepcionado, à sua época e décadas após, no Brasil, por meio de pensadores como o José da Silva Lisboa do que na própria Grã-Bretanha, cuja política econômica continuara protecionista.
França, Alemanha, Japão, Estado Unidos, representam apenas “um museu de grandes novidades”. Este último, devemos lembrar, teve o seu desenvolvimento econômico fomentado pela ação direta do Estado até a segunda metade do século XIX, momento em que se tornou a 2º potência industrial do mundo. Sua política externa era altamente intervencionista e caracterizada por um isolacionismo profundo nas relações com a Europa.
Professor, a real sensação que tenho é que quanto mais pesquiso, mais chego a conclusão que a ação do Estado na economia, resguardando mercados, fomentando a indústria, redistribuindo renda é fundamental para um país, ao menos até o momento em que possuir setores competitivos o suficiente para enfrentar uma livre-concorrência. Aliás, mais uma vez me questiono: Falar em livre-comércio, ao menos em sua forma plena tal qual concebido por Smith, não é uma bonita utopia tal qual um futuro comunista da sociedade¿ Aliás, caro professor, lembro-me de um de seus artigos sobre globalização em que, na tentativa de defendê-la em sua forma plena, o que seria uma absoluta abertura de mercados entre os países, o senhor se mostrou reticente quanto à tão discutida questão das patentes. Talvez se o senhor estivesse em um debate, podeira naquele momento ter vislumbrado um intelectual que tiraria os óculos para limpar, baixaria a cabeça e diria: “ – Infelizmente isso é um mal necessário...!”. Patente em linguagem econômica, no meu entendimento, é reserva de mercado, nada mais nada menos que uma prática mercantilista disfarçada. Se é necessária como uma espécie de incentivo ao trabalho científico , deveria ser utilizada apenas pelo tempo suficiente para que empresas ou cientistas pudessem recuperar os gastos envolvidos no achamento ou desenvolvimento de algo, o que para alguns produtos não passariam de cinco anos.
Acredito na livre-concorrência, mas esta tal qual foi e é praticada pelos países desenvolvidos. Nestes países, percebemos que ela possui limites bem definidos. Assim, o desenvolvimento do Brasil estaria ligado a uma primeira fase protecionista, ao menos em setores estratégicos da economia. Não falo em estatização, nem em um retorno a Getúlio, longe disso! Devo recordá-lo, professor, que, passados quase vinte anos de abertura de mercados, embora o desenvolvimento econômico e social seja inegável, ainda somos uma república exportadora de” bananas”."
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Retomo para comentar e rebater, mas antes quero remeter a este outro post meu:
Protecionismo brasileiro: recrudescendo, cada vez mais...
que evidencia o protecionismo brasileiro, muito mais extensivo, regular, constante, crescente, do que os casos evidenciados acima.
Venho agora ao comentário de meu leitor, destacando apenas os pontos dos quais discordo absolutamente. Devo dizer que também acho que os países ricos praticam protecionismo seletivo, ou mercantilismo novo estilo, bem menos, entretanto, do que os países em desenvolvimento, que são contumazes utilizadores dos mecanismos mais nefastos do ponto de vista de seus próprios interesses de desenvolvimento.
Faço as transcrições seletivas e respondo em seguida:
1)"Protecionismo no momento de fragilidade, livre-concorrência no momento de força."
PRA: Se a história fosse simples assim, o mundo só teria duas cores: preto e branco, ou oposições do mesmo gênero. Essa visão maniqueista da História é muito disseminada em certa literatura, sobretudo a classista, mas ela não descreve a realidade muita mais complexa e mais matizada que ocorre de fato dentro dos países e nas suas relações com os demais.
2) "Estados Unidos (...) devemos lembrar, teve [sic; tiveram] o seu desenvolvimento econômico fomentado pela ação direta do Estado até a segunda metade do século XIX, momento em que se tornou [sic] a 2º potência industrial do mundo. Sua política externa era altamente intervencionista e caracterizada por um isolacionismo profundo nas relações com a Europa."
PRA: Aqui é o samba do historiador doido, sem dúvida nenhuma com a ajuda de historiadores suspeitos como Eric Hobsbawm (que faz muito sucesso no Brasil, mas que nos demais países não é considerado um grande historiador, por sua visão, justamente, enviesada do mundo) e daquela versão vulgar do marxismo pasteurizado pela finada Academia de Ciências da URSS, que fazia uma história vagabunda do mundo, sempre ao estilo simplista do Manifesto.
Sinto decepcionar nosso aprendiz de historiador, mas os EUA não tiveram seu desenvolvimento fomentado pelo Estado, como ele escreve. Este era extremamente fraco, pelo menos até o final da Guerra de Secessão, quando os EUA já tinham consolidado seu processo de desenvolvimento. Este, devemos lembrar, começou prtaicamente ao mesmo tempo que a revolução industrial britânica, com desenvolvimentos comparáveis na Nova Inglaterra, ainda que o Sul tenha permanecido agrário e tradicional.
Os EUA se tornam a primeira potência industrial no mundo já ao final do século 19, mas isso se deve menos à política protecionista, como muitos acreditam, e mais às condições favoráveis no plano da capacitação tecnológica e produtividade do trabalho no país. Os EUA tinham um enorme mercado interno e eram grandes exportadores agrícolas (o que eles continuaram a ser mesmo depois de se converterem na primeira potência industrial. O comércio exterior era uma parte pequena da economia americana, como ainda continua. Não se pode ter o rabo comercial abanando o cachorro do desenvolvimento. Os historiadores lidos por esse comentarista não conhecem a história econômica dos EUA.
Nada a acrescentar sobre essa tremenda contradição entre ter uma política externa intervencionista e ao mesmo tempo isolacionista. Sei do que ele pretende falar: intervenção no Caribe e América Central (até nas Filipinas), isolacionismo em relação à Europa. Mas isso continua no simplismo. Recomendo que ele leia mais livros de qualidade, como Neill Ferguson, Paul Johnson, em lugar do seu Hobsbawm habitual.
3) "...quanto mais pesquiso, mais chego a conclusão que a ação do Estado na economia, resguardando mercados, fomentando a indústria, redistribuindo renda é fundamental para um país, ao menos até o momento em que possuir setores competitivos o suficiente para enfrentar uma livre-concorrência."
PRA: Esta visão da história e do desenvolvimento econômico é construída para provar exatamente o que pretende provar. Ha-Joon Chang é o seu usuário mais recente e mais conhecido. Trata-se de uma leitura seletiva da história. Já tratei desse tipo de deformação neste meu artigo de uma série:
Falácias acadêmicas, 5: o mito do complô dos países ricos contra o desenvolvimento dos países pobres, Brasília, 21 janeiro 2009, 11 p. Continuação da série, tratando desta vez das teses do economista Ha-Joon Chang. Espaço Acadêmico (n. 93, fevereiro 2009; arquivo em pdf). Reproduzido, sob o título de Sobre o complô dos ricos contra os pobres, no site Dom Total (16.04.2009). Originais n. 1976.
4) "Patente em linguagem econômica, no meu entendimento, é reserva de mercado, nada mais nada menos que uma prática mercantilista disfarçada. Se é necessária como uma espécie de incentivo ao trabalho científico , deveria ser utilizada apenas pelo tempo suficiente para que empresas ou cientistas pudessem recuperar os gastos envolvidos no achamento ou desenvolvimento de algo, o que para alguns produtos não passariam de cinco anos."
PRA: De fato, é o que ocorre na prática. Dificilmente uma patente industrial é utilizada por toda a sua vida útil de 20 anos. As patentes de medicamentos sim, na medida em que sua proteção efetiva é menor, já que os procedimentos para venda ao público costumam ser demorados. Como desconfia nosso comentarista, se trata de um mal necessário. Como disse Churchill da democracia, se trata do pior sistema existente, ou possível, à exceção de todos os demais...
5) "...o desenvolvimento do Brasil estaria ligado a uma primeira fase protecionista, ao menos em setores estratégicos da economia. Não falo em estatização, nem em um retorno a Getúlio, longe disso! Devo recordá-lo, professor, que, passados quase vinte anos de abertura de mercados, embora o desenvolvimento econômico e social seja inegável, ainda somos uma república exportadora de” bananas”."
PRA: As pessoas acreditam que sem Getúlio, sem protecionismo, sem estatização, o Brasil nunca teria se desenvolvido, ou pelo menos se industrializado. É o tal princípio que diz que foi assim, então, só poderia ser assim, ou não poderia ter sido de outra forma. Trata-se de outra leitura enviesada da história. O Brasil poderia ter se desenvolvido talvez mais, e melhor, nos quadros de um sistema internacional aberto. Não foi fácil desenvolver o Brasil num mundo sem mercados, sem créditos, com todos os tipos de restrições. A leitura que se faz é simplesmente deformada pelo que ocorreu efetivamente, como se só pudesse ter ocorrido daquela forma e não de outras, sempre abertas.
Por outro lado, NÃO É VERDADE que continuamos exportador de bananas. A soja tem anos e anos de pesquisa e desenvolvimento e concentra o que de melhor o Brasil tem de INDÚSTRIA e de SERVIÇOS, ademais da melhor agricultura em zona tropical do mundo.
Já escrevi sobre nossa exportação de commodities também, para voltar ao mesmo assunto. Quem estiver interessado, pode buscar sob essa rubrica neste blog.
Paulo Roberto de Almeida
3 comentários:
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.
NÃO PRECISA PUBLICAR - APENAS RETIFICAR
ResponderExcluirPrezado professor,
Solicito-lhe a fineza de corrigir a "correção" que o senhor fez ao comentário de Equiano Santos na transcrição de número 2. Nela, o senhor "corrige" a concordância verbal de "Estados Unidos" com o verbo "ter" mas, infelizmente, a sua "correção" está errada. Para que o verbo se flexione no plural, é necessário que apareça o artigo "os", que o senhor utilizou corretamente em seu comentário: "Os Estados Unidos tiveram..." ; contudo, quando esse artigo estiver ausente, a concordância é feita com a ideia de nação, daí ser CORRETO escrever: "Estados Unidos teve..." Equiano Santos fez a concordância correta nos dois casos em que ele foi erroneamente "corrigido" pelo senhor. Quaisquer dúvidas, consulte em gramáticas ou na Internet:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/redacao/concordancia-verbal.php
Cordialmente,
José Marcos
Existem pessoas contrarianistas que se dedicam à susbtância dos temas. Existem outras que se prendem a formalismos, apenas pelo gosto, ou desejo, de contrariar.
ResponderExcluirComentários, em geral, deveriam atuar sobre a substância.
Mas, enfim, sempre tem gente que tem tempo a perder com coisas absolutamente secundárias.
Como seu comentário anterior não se dedicou absolutamente ao tema do post, não pretendo publicar mais nada nesta linha formalista.
Meus leitores certamente tem outra coisa a fazer do que ficar corrigindo plural de palavras.
Paulo Roberto de Almeida
SIC
ResponderExcluirCaro professor,
O senhor escreveu:"Estados Unidos (...) devemos lembrar, teve [sic; tiveram] o seu desenvolvimento econômico fomentado pela ação direta do Estado até a segunda metade do século XIX, momento em que se tornou [sic] a 2º potência industrial do mundo.
"Sic" é uma palavra de origem latina que serve para evidenciar o uso incorreto ou incomum de pontuação, ortografia ou forma de escrita presente em uma citação que se deve ao autor original. Ao lado do primeiro "sic" o senhor acrescentou "tiveram". Como os "sic" não estavam presentes no texto original de Equiano Santos, deduzi que eles foram, portanto, acrescentados pelo senhor e, desse modo, inferi que o senhor estaria "corrigindo" o que o senhor supusera ser "erros de português". A vontade de reparar uma "injustiça gramatical" feita ao Equiano Santos foi o que me motivou a escrever o primeiro comentário. Pessoalmente, não gosto de ficar corrigindo erros de português de ninguém - bastam os meus próprios, que são muitos.
Caro professor, tomei uma decisão. Doravante, só participarei com comentários no seu blogue quando o post fizer referência à... culinária! Ausentar-me-ei dessas nossas discussões indigestas. Nas voltas que o mundo dá, quem sabe se não teremos a oportunidade de compartilhar uma boa iguaria regado a uma deliciosa bebida no futuro? Devo confessar que a receita de seu bacalhau feito nos Estados Unidos deu-me água na boca quando o senhor o publicou no blogue. Deixo-lhe, aqui, um grande abraço virtual. Continuo leitor, mas agora totalmente invisível. Au revoir.
José Marcos