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quarta-feira, 13 de abril de 2011
O papel da Oposicao - Fernando Henrique Cardoso (revista Interesse Nacional)
Não vou comentar o meu próprio artigo, objeto de dois posts abaixo, pois seria muita arrogância e pretensão, mas vou transcrever o artigo do ex-presidente, que como presidente de honra da "oposição" -- continuo colocando esse nome entre aspas, pois ela não merece o título, pelo menos por enquanto -- elabora uma argumentação positiva e propositiva sobre a dita cuja.
Meu próprio artigo é muito mais corrosivo e negativo -- a começar pelo título: "Miséria da Oposição" -- pois acredito que ela merece uma sacudida, para ver se cria vergonha e se transforma em verdadeira oposição, não essa "oposição" de araque que é hoje.
Dito isto, deixo vocês com o artigo do ex-presidente.
Comentarei num post ulterior.
Paulo Roberto de Almeida
O papel da oposição
Por Fernando Henrique Cardoso
Revista Interesse Nacional, n. 13, abril-junho 2011
Há muitos anos, na década de 1970, escrevi um artigo com o título acima no jornal Opinião, que pertencia à chamada imprensa “nanica”, mas era influente. Referia-me ao papel do MDB e das oposições não institucionais. Na época, me parecia ser necessário reforçar a frente única antiautoritária e eu conclamava as esquerdas não armadas, sobretudo as universitárias, a se unirem com um objetivo claro: apoiar a luta do MDB no Congresso e mobilizar a sociedade pela democracia.
Só dez anos depois a sociedade passou a atuar mais diretamente em favor dos objetivos pregados pela oposição, aos quais se somaram também palavras de ordem econômicas, como o fim do “arrocho” salarial.
No entretempo, vivia-se no embalo do crescimento econômico e da aceitação popular dos generais presidentes, sendo que o mais criticado pelas oposições, em função do aumento de práticas repressivas, o general Médici, foi o mais popular: 75% de aprovação.
Não obstante, não desanimávamos. Graças à persistência de algumas vozes, como a de Ulisses Guimarães, às inquietações sociais manifestadas pelas greves do final da década e ao aproveitamento pelos opositores de toda brecha que os atropelos do exercício do governo, ou as dificuldades da economia proporcionaram (como as crises do petróleo, o aumento da dívida externa e a inflação), as oposições não calavam. Em 1974, o MDB até alcançou expressiva vitória eleitoral em pleno regime autoritário.
Por que escrevo isso novamente, 35 anos depois?
Para recordar que cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo. Todas as vozes se confundem e não faltará quem diga - pois dizem mesmo sem ser certo - que todos, governo e oposição, são farinhas do mesmo saco, no fundo “políticos”. E o que se pode esperar dos políticos, pensa o povo, senão a busca de vantagens pessoais, quando não clientelismo e corrupção?
Diante do autoritarismo era mais fácil fincar estacas em um terreno político e alvejar o outro lado. Na situação presente, as dificuldades são maiores. Isso graças à convergência entre dois processos não totalmente independentes: o “triunfo do capitalismo” entre nós (sob sua forma global, diga-se) e a adesão progressiva - no começo envergonhada e por fim mais deslavada - do petismo lulista à nova ordem e a suas ideologias.
Se a estes processos somarmos o efeito dissolvente que o carisma de Lula produziu nas instituições, as oposições têm de se situar politicamente em um quadro complexo.
Complexidade crescente a partir dos primeiros passos do governo Dilma que, com estilo até agora contrastante com o do antecessor, pode envolver parte das classes médias. Estas, a despeito dos êxitos econômicos e da publicidade desbragada do governo anterior, mantiveram certa reserva diante de Lula. Esta reserva pode diminuir com relação ao governo atual se ele, seja por que razão for, comportar-se de maneira distinta do governo anterior.
É cedo para avaliar a consistência de mudanças no estilo de governar da presidente Dilma. Estamos no início do mandato e os sinais de novos rumos dados até agora são insuficientes para avaliar o percurso futuro.
É preciso refazer caminhos
Antes de especificar estes argumentos, esclareço que a maior complexidade para as oposições se firmarem no quadro atual - comparando com o que ocorreu no regime autoritário, e mesmo com o petismo durante meu governo, pois o PT mantinha uma retórica semianticapitalista - não diminui a importância de fincar a oposição no terreno político e dos valores, para que não se perca no oportunismo nem perca eficácia e sentido, aumentando o desânimo que leva à inação.
É preciso, portanto, refazer caminhos, a começar pelo reconhecimento da derrota: uma oposição que perde três disputas presidenciais não pode se acomodar com a falta de autocrítica e insistir em escusas que jogam a responsabilidade pelos fracassos no terreno “do outro”. Não estou, portanto, utilizando o que disse acima para justificar certa perplexidade das oposições, mas para situar melhor o campo no qual se devem mover.
Se as forças governistas foram capazes de mudar camaleonicamente a ponto de reivindicarem o terem construído a estabilidade financeira e a abertura da economia, formando os “campeões nacionais” - as empresas que se globalizam - isso se deu porque as oposições minimizaram a capacidade de contorcionismo do PT, que começou com a Carta aos Brasileiros de junho de 1994 e se desnudou quando Lula foi simultaneamente ao Fórum Social de Porto Alegre e a Davos.
Era o sinal de “adeus às armas”: socialismo só para enganar trouxas, nacional–desenvolvimentismo só como “etapa”. Uma tendência, contudo, não mudou, a do hegemonismo, ainda assim, aceitando aliados de cabresto.
Segmentos numerosos das oposições de hoje, mesmo no PSDB, aceitaram a modernização representada pelo governo FHC com dor de consciência, pois sentiam bater no coração as mensagens atrasadas do esquerdismo petista ou de sua leniência com o empreguismo estatal.
Não reivindicaram com força, por isso mesmo, os feitos da modernização econômica e do fortalecimento das instituições, fato muito bem exemplificado pela displicência em defender os êxitos da privatização ou as políticas saneadoras, ou de recusar com vigor a mentira repetida de que houve compra de votos pelo governo para a aprovação da emenda da reeleição, ou de denunciar atrasos institucionais, como a perda de autonomia e importância das agências reguladoras.
Da mesma maneira, só para dar mais alguns exemplos, o Proer e o Proes, graças aos quais o sistema financeiro se tornou mais sólido, foram solenemente ignorados, quando não estigmatizados. Os efeitos positivos da quebra dos monopólios, o do petróleo mais que qualquer outro, levando a Petrobras a competir e a atuar como empresa global e não como repartição pública, não foram reivindicados como êxitos do PSDB.
O estupendo sucesso da Vale, da Embraer ou das teles e da Rede Ferroviária sucumbiu no murmúrio maledicente de “privatarias” que não existiram. A política de valorização do salário mínimo, que se iniciou no governo Itamar Franco e se firmou no do PSDB, virou glória do petismo.
As políticas compensatórias iniciadas no governo do PSDB - as bolsas - que o próprio Lula acusava de serem esmolas e quase naufragaram no natimorto Fome Zero - voltaram a brilhar na boca de Lula, pai dos pobres, diante do silêncio da oposição e deslumbramento do país e… do mundo!
Não escrevo isso como lamúria, nem com a vã pretensão de imaginar que é hora de reivindicar feitos do governo peessedebista. Inês é morta, o passado… passou. Nem seria justo dizer que não houve nas oposições quem mencionasse com coragem muito do que fizemos e criticasse o lulismo.
As vozes dos setores mais vigorosos da oposição se estiolaram, entretanto, nos muros do Congresso e este perdeu força política e capacidade de ressonância. Os partidos se transformaram em clubes congressuais, abandonando as ruas; muitos parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas: a cada nova negociação para assegurar a “governabilidade”, mais vantagens recebem os congressistas e menos força político-transformadora tem o Congresso.
Na medida em que a maioria dos partidos e dos parlamentares foi entrando no jogo de fazer emendas ao orçamento (para beneficiar suas regiões, interesses - legítimos ou não - de entidades e, por fim, sua reeleição), o Congresso foi perdendo relevância e poder.
Consequentemente, as vozes parlamentares, em especial as de oposição, que são as que mais precisam da instituição parlamentar para que seu brado seja escutado, perderam ressonância na sociedade.
Com a aceitação sem protesto do “modo lulista de governar” por meio de medidas provisórias, para que serve o Congresso senão para chancelar decisões do Executivo e receber benesses? Principalmente, quando muitos congressistas estão dispostos a fazer o papel de maioria obediente a troco da liberação pelo Executivo das verbas de suas emendas, sem esquecer que alguns oposicionistas embarcam na mesma canoa.
Ironicamente, uma importante modificação institucional, a descentralização da ação executiva federal, estabelecida na Constituição de 1988 e consubstanciada desde os governos Itamar Franco e FHC, diluiu sua efetividade técnico–administrativa em uma pletora de recursos orçamentários “carimbados”, isto é, de orientação político-clientelista definida, acarretando sujeição ao Poder Central, ou, melhor, a quem o simboliza pessoalmente e ao partido hegemônico.
Neste sentido, diminuiu o papel político dos governadores, bastião do oposicionismo em estados importantes, pois a relação entre prefeituras e governo federal saltou os governos estaduais e passou a se dar mais diretamente com a presidência da República, por meio de uma secretaria especial colada ao gabinete presidencial.
Como, por outra parte, existe - ou existiu até a pouco - certa folga fiscal e a sociedade passa por período de intensa mobilidade social movida pelo dinamismo da economia internacional e pelas políticas de expansão do mercado interno que geram emprego, o desfazimento institucional produzido pelo lulismo e a difusão de práticas clientelísticas e corruptoras foram sendo absorvidos, diante da indiferença da sociedade.
Na época do mensalão, houve um início de desvendamento do novo Sistema (com S maiúsculo, como se escrevia para descrever o modelo político criado pelos governos militares).
Então, ainda havia indignação diante das denúncias que a mídia fazia e os partidos ecoavam no Parlamento. Pouco a pouco, embora a mídia continue a fazer denúncias, a própria opinião pública, isto é, os setores da opinião nacional que recebem informações, como que se anestesiou. Os cidadãos cansaram de ouvir tanto horror perante os céus sem que nada mude. Diante deste quadro, o que podem fazer as oposições?
Definir o público a ser alcançado
Em primeiro lugar, não manter ilusões: é pouco o que os partidos podem fazer para que a voz de seus parlamentares alcance a sociedade.
É preciso que as oposições se deem conta de que existe um público distinto do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais atingido pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e midiática em geral.
As oposições se baseiam em partidos não propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental.
Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias.
5 comentários:
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Três comentários: (1) Trata-se de documento histórico a ser lido, relido, comentado, dissecado. Verdadeiro diagnóstico do momento que vive a oposição e como se dá o jogo político no país. (2) FHC não tocou no ponto que a meu ver é o mais crítico: o que hoje ele diagnostica, só existe porque o sistema educacional do país é paupérrimo e não privilegia a formação crítica do futuro cidadão. (3) A crítica que vem sendo (mal) feita ao documento de FHC assim o é justamente em função da incapacidade de o brasileiro médio ler corretamente um texto. O que ele coloca, é que sem a participação da classe média, a oposição não alcançará a parcela do povo já cooptada pelo lulismo.
ResponderExcluirTrês comentários: (1) Trata-se de documento histórico a ser lido, relido, comentado, dissecado. Verdadeiro diagnóstico do momento que vive a oposição e como se dá o jogo político no país. (2) FHC não tocou no ponto que a meu ver é o mais crítico: o que hoje ele diagnostica, só existe porque o sistema educacional do país é paupérrimo e não privilegia a formação crítica do futuro cidadão. (3) A crítica que vem sendo (mal) feita ao documento de FHC assim o é justamente em função da incapacidade de o brasileiro médio ler corretamente um texto. O que ele coloca, é que sem a participação da classe média, a oposição não alcançará a parcela do povo já cooptada pelo lulismo.
ResponderExcluiros Universitários - não ha duvida de que o sistema educacional do país seja paupérrimo, no entanto, existe uma classe crescente no país de universitários, jovens e até adultos que enxergam de modo diferente o que Lula fez. Que tem visão crítica, são bem instruidos e discutem o que está acontecendo no mundo sem se preocupar com o valor da bolsa que vão receber, pq eles não sao beneficiados por esses programas sociais do governo. Acredito que o grande numero de votos obtidos por Marina, e que no 2º turno grande parte foram para Serra, e o grande apoio que Aecio Neves recebeu em Minas foi justamente desses Universitários. Só que o PSDB, com seus candidatos velhos e conservadores nao conseguem mais dispertar nos jovens universitários que nao sao petistas o interesse pela politica. Nós, universitários que nao somos fanaticos petistas, que so votam em candidatos desse partido, mas que estamos abertos a votar no melhor candidato que se apresentar, com a melhor proposta nos recusamos a votar em Serra, pois ele nao tinha nada de novo para oferecer. Quem sabe o PSDB na proxima eleição lance como candidato alguem que inspire renovação, modernização, adequação aos novos tempos e ai a gente nao vai precisar votar em Marina só porque ela tem conciencia ecológica. o Jovem, pelo ao menos aquele que frenquenta a Universidade, tá atento.
ResponderExcluirEnquanto o PT apreende ser a situação, é dever dos Tucanos apreenderem ser oposição. O Projeto de governo Psdbista teve pouco fôlego, creio que o PT vai mais longe. Apenas contesto que aquilo que FHC chama cooptação das massas, em verdade, é as poucas migalhas aos pobres que ele, FHC, nem isso fez pelas massas. FHC não soube governar, ele é melhor como ansião do PSDB. Ficará, agora, da janela vendo a Dilma passar.
ResponderExcluirGuilherme,
ResponderExcluirConcordo inteiramente em que a educação política da população é baixa, mas sempre foi assim, e já foi pior. Não é por isso que não temos oposição, o que a existente é medíocre e inoperante.
Se é ou não um documento histórico, cabe à História determinar, e não nós. Não acredito, pessoalmente, que fique como documento, a não ser pela sua frase infeliz que é a única coisa a ser retida por jornalistas e políticos. E o PT vai explorar essa "falha".
Não se trata de uma leitura incorreta. A frase é mal construída e dá margem a essa interpretação. Deveria ter feito uma revisão cuidadosa antes de publicar, sabendo que cada palavra dele carrega um peso especial, justamente por ser o líder (único?) da "oposição" (de araque).
Paulo R. Almeida