Roberto Campos: receita para desenvolver um país
Paulo
Roberto de Almeida
Roberto Campos não foi
provavelmente o primeiro, ou o único, membro do Serviço Exterior brasileiro
dotado de formação econômica que tivesse desempenhado funções importantes na
burocracia pública, ao longo da República de 1946, e depois sob o regime militar,
assim como na redemocratização. Mas foi certamente um dos poucos, senão o único,
economista de formação que tenha se beneficiado de suas atividades de diplomata
para moldar suas ações e decisões de cunho econômico enquanto exercia funções
públicas de relevo, ao longo desses diferentes regimes políticos, que se
estendem de meados dos anos 1940 até o final do século 20. Mais do que isso,
ele foi um verdadeiro intelectual humanista, alguém que se poderia chamar de
renascentista.
Combinando
um conhecimento profundo em economia com a vasta experiência adquirida no
envolvimento direto nas conferências que moldaram a ordem econômica mundial
contemporânea – a de Bretton Woods e a do sistema multilateral de comércio –, ele
exerceu seus talentos na burocracia pública com o brilho invulgar que sempre o
caracterizou, e que o marcou como um dos homens públicos que mais influência tiveram
sobre o ambiente regulatório brasileiro do pós-guerra e sobre o próprio debate
público na área econômica e política do Brasil na segunda metade do século.
Roberto
Campos teve a rara chance de, começando sua carreira diplomática pela embaixada
em Washington e pela delegação em Nova York, integrar a delegação à conferência
de Bretton Woods, em julho de 1944, e de ter assistido ao momento definidor da
ordem econômica mundial do pós-guerra. Depois, ele integrou a representação
brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre comércio e emprego, realizada
em Havana, de novembro de 1947 a março de 1948, e que, na sequência das
primeiras negociações do Gatt, em Genebra, definiu algumas das grandes linhas
do sistema multilateral de comércio que ainda é o nosso. Parafraseando o ex-secretário
de Estado americano Dean Acheson, em suas memórias, Roberto Campos esteve
“presente na criação” das mais importantes organizações do multilateralismo contemporâneo.
Suas
atividades governamentais e diplomáticas, numa primeira fase, estiveram
concentradas, por um lado, no BNDE, criado em 1953 sob recomendação do
relatório da Comissão Mista Brasil-EUA, e que teve papel importante na montagem
do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek em meados dessa década; por outro, na
de embaixador do Brasil junto aos Estados Unidos, nos governos Jânio Quadros e
João Goulart, numa das conjunturas mais dramáticas da história política, e
econômica, do Brasil moderno, quando processos inflacionários e estrangulamentos
cambiais impactaram o ambiente político e econômico, culminando no golpe
militar de 1964.
Com
seu currículo teórico e um conhecimento prático da economia brasileira e mundial,
foi naturalmente convidado a participar do novo governo, o que fez na condição
de ministro do Planejamento, dando início, com o ministro da Fazenda, Octavio Gouvêa
de Bulhões, ao mais importante ciclo de reformas econômicas jamais feitas no
Brasil. Não obstante seu credo liberal e pragmático, contribuiu para reforçar o
papel do Estado na vida econômica da nação, resultado que depois viria a
receber sua declarada oposição, em vista das disfunções acumuladas ao longo do
processo. Mais adiante, voltou a exercer uma chefia de missão diplomática, como
embaixador junto ao Reino Unido, entre 1974 e 1982, ingressando logo em
seguida, por 16 anos, na vida pública, no curso da qual expressou diversas
vezes sua frustração com a baixa qualidade da maior parte dos integrantes da
classe política e dos próprios dirigentes do país.
Com
base em sua vasta obra de intelectual publicista, acumulada desde o início dos
anos 1950 e exercida praticamente até os momentos finais de sua vida, a maior
parte reunida em duas dezenas de livros, além das centenas, senão milhares, de
artigos publicados nos mais importantes jornais do país desde o início dos anos
1960, é possível extrair um conjunto de cinco regras relevantes para a
definição de um processo sustentado de crescimento econômico que, combinado a
transformações de ordem estrutural no sistema produtivo e a políticas
redistributivas de renda naturalmente exercidas pelo livre jogo dos mercados,
bem mais do que pela ação estatal, poderia levar um país como o Brasil, dotado
de vastos recursos naturais e relativamente inclinado a organizar-se enquanto
democracia de mercado, a consolidar um processo inclusivo de desenvolvimento
econômico e social. Estas cinco linhas de ação, não exclusivamente econômicas,
poderiam ser sintetizadas por Roberto Campos nas diretivas seguintes de
reformas sistêmicas e de políticas públicas transformadoras:
1)
Estabilidade macroeconômica: antes de
mais nada um ambiente econômico estável – ou seja, sem mudanças abruptas das
principais regras do jogo pelo governo – e aberto ao empreendedorismo privado,
com o Estado garantindo a manutenção de contratos e da propriedade; política
monetária neutra, não expansionista, mas acompanhando naturalmente o
crescimento da atividade econômica, sem concentração do crédito nas mãos do
governo, ainda que este possa criar mecanismos carreadores da poupança privada
para o investimento produtivo, via mercado de capitais funcionando
essencialmente em bases competitivas, num país dotado de pouca propensão à
poupança como é o Brasil; política cambial ligeiramente competitiva, sem indução
a mecanismos automáticos de desvalorização, que podem alimentar a inflação e
reduzir a indução a ganhos de produtividade por parte do setor exportador; os
juros devem situar-se num patamar o mais próximo possível do equilíbrio de
mercado, sem qualquer viés artificial por parte do Estado; a política fiscal deve
ser obviamente equilibrada, evitando-se uma carga fiscal excessiva e uma dívida
pública exagerada.
2)
Competitividade microeconômica:
evitar a concentração industrial, como em qualquer outro ramo econômico,
combatendo carteis e monopólios, especialmente os estatais; favorecer um
ambiente aberto ao ingresso da concorrência estrangeira, inclusive nos setores
ditos estratégicos, como finanças, telecomunicações, produtos intermediários e
bens de capital. Simplificação da regulação sobre o empreendedorismo.
3)
Boa governança: Diminuir os custos de
transação associados, por exemplo, ao funcionamento do Judiciário; eliminar a
“justiça” trabalhista (causadora de litígios em excesso); diminuir a burocracia
e reduzir o peso do aparelho estatal.
4)
Alta qualidade do capital humano:
concentrar recursos e ação pública na educação fundamental, compulsória, e
abrir as universidades a uma gestão responsável, baseada na plena autonomia,
mas com cobrança de resultados; alinhar os padrões do ensino básico do Brasil a
métodos e mecanismos já testados amplamente no plano internacional; eliminar o
isonomismo mediocrizante e introduzir sistemas de mérito na remuneração de um
corpo professoral bem treinado, focado igualmente em metas a serem alcançadas
pelo conjunto dos estudantes.
5)
Abertura ao capital estrangeiro e ao
comércio internacional: Não existe melhor fórmula para a modernização
tecnológica e a prosperidade do que a plena inserção nos diversos tipos de
intercâmbio de uma economia mundial interdependente; os investimentos diretos
estrangeiros são a via mais direta para a competitividade nos mercados
internacionais. O Brasil é um país notoriamente protecionista, praticamente
mercantilista, em pleno século 21, e ganharia enormemente praticando um tipo de
abertura unilateral, sem qualquer tipo de barganha, pois os ganhadores seremos
nós.
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e diretor
do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
Texto destinado a um livro em homenagem ao diplomata-economista, estadista brasileiro, no ano em que completaria 100 anos, em 17 de abril próximo.
Um comentário:
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