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sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Roberto Campos: receita para desenvolver um país - Paulo Roberto de Almeida


Roberto Campos: receita para desenvolver um país

Paulo Roberto de Almeida

Roberto Campos não foi provavelmente o primeiro, ou o único, membro do Serviço Exterior brasileiro dotado de formação econômica que tivesse desempenhado funções importantes na burocracia pública, ao longo da República de 1946, e depois sob o regime militar, assim como na redemocratização. Mas foi certamente um dos poucos, senão o único, economista de formação que tenha se beneficiado de suas atividades de diplomata para moldar suas ações e decisões de cunho econômico enquanto exercia funções públicas de relevo, ao longo desses diferentes regimes políticos, que se estendem de meados dos anos 1940 até o final do século 20. Mais do que isso, ele foi um verdadeiro intelectual humanista, alguém que se poderia chamar de renascentista.
Combinando um conhecimento profundo em economia com a vasta experiência adquirida no envolvimento direto nas conferências que moldaram a ordem econômica mundial contemporânea – a de Bretton Woods e a do sistema multilateral de comércio –, ele exerceu seus talentos na burocracia pública com o brilho invulgar que sempre o caracterizou, e que o marcou como um dos homens públicos que mais influência tiveram sobre o ambiente regulatório brasileiro do pós-guerra e sobre o próprio debate público na área econômica e política do Brasil na segunda metade do século.
Roberto Campos teve a rara chance de, começando sua carreira diplomática pela embaixada em Washington e pela delegação em Nova York, integrar a delegação à conferência de Bretton Woods, em julho de 1944, e de ter assistido ao momento definidor da ordem econômica mundial do pós-guerra. Depois, ele integrou a representação brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre comércio e emprego, realizada em Havana, de novembro de 1947 a março de 1948, e que, na sequência das primeiras negociações do Gatt, em Genebra, definiu algumas das grandes linhas do sistema multilateral de comércio que ainda é o nosso. Parafraseando o ex-secretário de Estado americano Dean Acheson, em suas memórias, Roberto Campos esteve “presente na criação” das mais importantes organizações do multilateralismo contemporâneo.
Suas atividades governamentais e diplomáticas, numa primeira fase, estiveram concentradas, por um lado, no BNDE, criado em 1953 sob recomendação do relatório da Comissão Mista Brasil-EUA, e que teve papel importante na montagem do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek em meados dessa década; por outro, na de embaixador do Brasil junto aos Estados Unidos, nos governos Jânio Quadros e João Goulart, numa das conjunturas mais dramáticas da história política, e econômica, do Brasil moderno, quando processos inflacionários e estrangulamentos cambiais impactaram o ambiente político e econômico, culminando no golpe militar de 1964.
Com seu currículo teórico e um conhecimento prático da economia brasileira e mundial, foi naturalmente convidado a participar do novo governo, o que fez na condição de ministro do Planejamento, dando início, com o ministro da Fazenda, Octavio Gouvêa de Bulhões, ao mais importante ciclo de reformas econômicas jamais feitas no Brasil. Não obstante seu credo liberal e pragmático, contribuiu para reforçar o papel do Estado na vida econômica da nação, resultado que depois viria a receber sua declarada oposição, em vista das disfunções acumuladas ao longo do processo. Mais adiante, voltou a exercer uma chefia de missão diplomática, como embaixador junto ao Reino Unido, entre 1974 e 1982, ingressando logo em seguida, por 16 anos, na vida pública, no curso da qual expressou diversas vezes sua frustração com a baixa qualidade da maior parte dos integrantes da classe política e dos próprios dirigentes do país.
Com base em sua vasta obra de intelectual publicista, acumulada desde o início dos anos 1950 e exercida praticamente até os momentos finais de sua vida, a maior parte reunida em duas dezenas de livros, além das centenas, senão milhares, de artigos publicados nos mais importantes jornais do país desde o início dos anos 1960, é possível extrair um conjunto de cinco regras relevantes para a definição de um processo sustentado de crescimento econômico que, combinado a transformações de ordem estrutural no sistema produtivo e a políticas redistributivas de renda naturalmente exercidas pelo livre jogo dos mercados, bem mais do que pela ação estatal, poderia levar um país como o Brasil, dotado de vastos recursos naturais e relativamente inclinado a organizar-se enquanto democracia de mercado, a consolidar um processo inclusivo de desenvolvimento econômico e social. Estas cinco linhas de ação, não exclusivamente econômicas, poderiam ser sintetizadas por Roberto Campos nas diretivas seguintes de reformas sistêmicas e de políticas públicas transformadoras:
1) Estabilidade macroeconômica: antes de mais nada um ambiente econômico estável – ou seja, sem mudanças abruptas das principais regras do jogo pelo governo – e aberto ao empreendedorismo privado, com o Estado garantindo a manutenção de contratos e da propriedade; política monetária neutra, não expansionista, mas acompanhando naturalmente o crescimento da atividade econômica, sem concentração do crédito nas mãos do governo, ainda que este possa criar mecanismos carreadores da poupança privada para o investimento produtivo, via mercado de capitais funcionando essencialmente em bases competitivas, num país dotado de pouca propensão à poupança como é o Brasil; política cambial ligeiramente competitiva, sem indução a mecanismos automáticos de desvalorização, que podem alimentar a inflação e reduzir a indução a ganhos de produtividade por parte do setor exportador; os juros devem situar-se num patamar o mais próximo possível do equilíbrio de mercado, sem qualquer viés artificial por parte do Estado; a política fiscal deve ser obviamente equilibrada, evitando-se uma carga fiscal excessiva e uma dívida pública exagerada.
2) Competitividade microeconômica: evitar a concentração industrial, como em qualquer outro ramo econômico, combatendo carteis e monopólios, especialmente os estatais; favorecer um ambiente aberto ao ingresso da concorrência estrangeira, inclusive nos setores ditos estratégicos, como finanças, telecomunicações, produtos intermediários e bens de capital. Simplificação da regulação sobre o empreendedorismo.
3) Boa governança: Diminuir os custos de transação associados, por exemplo, ao funcionamento do Judiciário; eliminar a “justiça” trabalhista (causadora de litígios em excesso); diminuir a burocracia e reduzir o peso do aparelho estatal.
4) Alta qualidade do capital humano: concentrar recursos e ação pública na educação fundamental, compulsória, e abrir as universidades a uma gestão responsável, baseada na plena autonomia, mas com cobrança de resultados; alinhar os padrões do ensino básico do Brasil a métodos e mecanismos já testados amplamente no plano internacional; eliminar o isonomismo mediocrizante e introduzir sistemas de mérito na remuneração de um corpo professoral bem treinado, focado igualmente em metas a serem alcançadas pelo conjunto dos estudantes.
5) Abertura ao capital estrangeiro e ao comércio internacional: Não existe melhor fórmula para a modernização tecnológica e a prosperidade do que a plena inserção nos diversos tipos de intercâmbio de uma economia mundial interdependente; os investimentos diretos estrangeiros são a via mais direta para a competitividade nos mercados internacionais. O Brasil é um país notoriamente protecionista, praticamente mercantilista, em pleno século 21, e ganharia enormemente praticando um tipo de abertura unilateral, sem qualquer tipo de barganha, pois os ganhadores seremos nós.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.

Texto destinado a um livro em homenagem ao diplomata-economista, estadista brasileiro, no ano em que completaria 100 anos, em 17 de abril próximo.

Um comentário:

Anônimo disse...

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