O BRASIL EM UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 24/01/2017
O sistema internacional - político econômico e comercial - está em acelerada transformação como consequência das mudanças que ocorreram desde o desaparecimento da União Soviética em 1989 e o fim do mundo bipolar existente durante a Guerra Fria.
A ordem global tradicional foi construída a partir do Tratado de Westfalia em 1648 (Estado/Nação) e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção e das prerrogativas dos Estados. Mais tarde, depois da Segunda Grande Guerra a criação das instituições multilaterais (ONU, Banco Mundial e FMI), serviu para garantir a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira mundial. Decisões dos países desenvolvidos impuseram suas visões geopolíticas e os conceitos de soberania, equilíbrio de poder, áreas de influência, lógica territorial, Ocidente, Guerra Fria, bipolaridade, unipolaridade, multipolaridade, hiperpotência, liderança norte-americana, rogue States, perigo amarelo, conflito de civilizações, protecionismo, entre outros.
Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização, com a revolução tecnológica e nas comunicações, com o fim do mundo bipolar e agora com o terrorismo estão afetando o processo decisório interno nos países e estão obrigando os governos a repensar a maneira como os desafios externos devem ser encarados. Essa nova atitude forçará uma ampla coordenação que deverá levar em conta os interesses de todos os países.
A defesa do interesse nacional - político, econômico e social - está levando ao reexame desses conceitos, a superação das obcessões geopolíticas e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos de modo a refletir as necessidades e demandas que surgiram com a nova realidade global. O discurso nacionalista e populista de Trump na posse, anunciando que "os interesses dos EUA estarão acima de tudo" deixa para trás uma época em que os EUA "defenderam outras nações" e "subsidiaram seus exércitos" e indica a aceleração do fim da atual ordem global criada por Washington.
Essa ordem em formação está adaptando conceitos vigentes até aqui às realidades de um mundo interconectado e às novas ameaças e desafios representados, em especial, pelo aumento da desigualdade, pelo regionalismo, drogas, violência, guerras localizadas, segurança, ataques cibernéticos, não proliferação e mudança de clima. E também pelas terrorismo, pelo nacionalismo xenófobo e pelas questões de imigração e dos refugiados. A soberania não é mais um conceito absoluto, as organizações internacionais, em crise, deverão ser reformuladas. E todos os países, e não apenas um grupo reduzido de países desenvolvidos, passarão a ter participação mais intensa nos problemas que afetam o sistema internacional.
No Brasil, ainda estamos presos a conceitos e percepções superadas. Não houve até aqui renovação do pensamento estratégico no âmbito de grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica. Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor. Pouco se discute sobre isso.
Como pano de fundo, deve-se reconhecer que nossa região (América do Sul) está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, que está longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Asia) e que, até agora, não está contaminada pela ameaça terrorista e por grandes crises sociais (Europa e Oriente Médio). Em compensação, está mas perto dos EUA, principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política, agora com enormes incertezas (Donald Trump) nos próximos anos.
Para o Brasil, enfrentar o desafio de encontrar seu lugar no mundo, compatível com o papel que deve desempenhar uma das dez maiores economias globais, não pode ser mais adiado. Urge a definição de nossos reais interesses. O que queremos do novo sistema internacional? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os BRICS?
Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de examinar, em especial, como:
- integrar o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia global e de comércio exterior (o que significa discutir o grau de abertura da economia e sua competitividade);
- assumir a efetiva liderança na América do Sul, segundo os interesses brasileiros, tendo presente que liderança não é dominação, nem hegemonia (o que significa discutir o papel do Mercosul);
- ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais de paz e segurança, comércio, mudança de clima, não proliferação, direitos humanos, terrorismo, segurança cibernéticas e refugiados, entre outros (o que implica fortalecer a coordenação interna pelo Itamaraty);
- colocar fim ao isolamento do Brasil nos entendimentos comerciais com a ampliação das negociações bilaterais e com acordos com megablocos, como a União Europeia e mesmo com a Asia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Trans-Pacífica (com o reforço do papel da CAMEX);
- aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo BRICS para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros do grupo;
O atual governo, com o Ministro Jose Serra à frente do Itamaraty, começou esse processo de correção de rumos e de redefinição do papel do Brasil no mundo. Essa ação deveria ser aprofundada nos próximos meses e anos na medida em que a economia voltar a se expandir e crescer. Assim como ocorre com política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018 com os candidatos comprometidos com sua implementação a partir do próximo governo.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior
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