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domingo, 8 de janeiro de 2017
Mario Soares; perfil de um democrata socialista - Alfredo Barroso
Breve retrato de um longo percurso político
Alfredo Barroso, 8/1/2017
Foi, sem dúvida, um político de todos os combates contra a ditadura, pela Liberdade, pela Democracia e pelos Direitos do Homem, considerado uma referência democrática em Portugal, na Europa e no Mundo
Não é fácil resumir em poucas palavras o longo percurso político de Mário Soares, que se estende por mais de sete décadas.
Foi, sem dúvida, um político de todos os combates contra a ditadura, pela Liberdade, pela Democracia e pelos Direitos do Homem, considerado uma referência democrática – não só em Portugal, como na Europa e no Mundo – tão simbolicamente como o foram, por exemplo, Winston Churchill, na Grã-Bretanha, ou o general De Gaulle, em França.
Desde muito jovem, Mário Soares foi um ativo resistente à ditadura de Salazar e Marcello Caetano. Além da sua militância política, sobretudo a partir do MUD Juvenil e da candidatura do General Norton de Matos a Presidente da República, Mário Soares defendeu, como advogado, muitos presos políticos, nos tribunais plenários criados pelo Estado Novo. Preso 12 vezes pela PIDE, foi deportado sem julgamento para a ilha de São Tomé em 1968, esteve exilado em França entre 1970 e 1974, e só pôde regressar a Portugal após o 25 de Abril.
Em poucas palavras, poderemos salientar quatro etapas fundamentais no percurso político de Mário Soares:
1. Fundador do Partido Socialista, um ano antes do 25 de Abril
Como activo resistente à ditadura de Salazar e Marcello Caetano, uma das preocupações fundamentais de Mário Soares foi a de constituir uma oposição de esquerda credível, independente e autónoma do Partido Comunista Português. Em suma: uma oposição republicana, socialista e democrática, defensora das liberdades, dos direitos humanos e de uma democracia pluripartidária, numa sociedade aberta.
Mário Soares consegue atingir esse objetivo, em várias fases:
Em 1953, funda, juntamente com Manuel Mendes, Fernando Piteira Santos, Gustavo Soromenho e Francisco Ramos da Costa, a Resistência Republicana e Socialista, grupo de reflexão que procurará construir uma nova alternativa de esquerda não comunista;
Em 1957, passa a integrar, em representação da Resistência Republicana e Socialista, o Diretório Democrato-Social, constituído, entre outros, por António Sérgio, Jaime Cortesão e Mário de Azevedo Gomes;
Em 1964, funda a Acção Socialista Portuguesa (ASP), com Francisco Ramos da Costa e Manuel Tito de Morais;
Em 1969, constitui a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), que congrega vários representantes da oposição de esquerda não comunista, para enfrentar a primeira farsa eleitoral organizada por Marcello Caetano, o qual, não por acaso, elege Mário Soares como seu adversário principal;
Finalmente, em 19 de Abril de 1973, funda, com os seus companheiros da ASP, o Partido Socialista (PS), do qual virá a ser o Secretário-Geral até 1986.
2. Símbolo da luta contra a tentação totalitária, durante o PREC
A iniciativa de propor a fundação do PS foi uma ação política notável e premonitória de Mário Soares, que veio a revelar-se fundamental logo após o 25 de Abril, sobretudo durante o PREC (o chamado “Processo Revolucionário Em Curso”) e o célebre “Verão Quente” de 1975.
Foi a existência de um Partido Socialista consolidado e forte – sob a liderança de um democrata convicto, corajoso e lúcido como Mário Soares – que permitiu impedir que a jovem democracia portuguesa sucumbisse, dilacerada pela violenta luta política entre a tentação totalitária, de sinal comunista, e a reação saudosista dos velhos adeptos da ditadura. No célebre comício da Fonte Luminosa, no “Verão Quente” de 1975, Mário Soares escreve uma página crucial da história da democracia em Portugal.
3. Pioneiro da adesão e da integração de Portugal na CEE (hoje UE)
Institucionalizado o regime democrático em 1976 — num país ainda a sarar as feridas causadas pelo PREC, pela descolonização e pela desordem económica generalizada — foi também Mário Soares, como primeiro-ministro do I Governo constitucional, que iniciou e desbravou, a partir de 1976, o caminho que conduziria à adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) e à sua posterior integração na Europa comunitária, em 1985.
Entre 1976 e 1978, primeiro, e entre 1983 e 1985, depois, enfrentando e resolvendo a gravíssima crise económica e financeira herdada dos Governos da Aliança Democrática (AD), foi Mário Soares quem abriu e encerrou o ciclo da integração europeia de Portugal, outra página crucial da história da democracia em Portugal.
4. Notável “magistratura de influência” como Presidente da República
Finalmente, em 1986 – apesar da enorme dificuldade e extrema dureza de uma campanha eleitoral em que teve de enfrentar adversários da estatura política de Freitas do Amaral, Salgado Zenha e Lourdes Pintassilgo –, Mário Soares foi o primeiro civil a ser eleito Presidente da República após o 25 de Abril. Foi o culminar feliz, justo e natural de uma carreira política excepcional e também, como vários comentadores fizeram questão de sublinhar, a consagração de um “pai fundador da democracia portuguesa”.
Colocando-se numa posição suprapartidária, Mário Soares soube ser, durante 10 anos, “o Presidente de todos os portugueses”. Logo no início do seu primeiro mandato, encetou e exerceu uma verdadeira “magistratura de influência”, assim garantindo a estabilidade política e o equilíbrio de poderes essencial ao regime democrático — tendo consolidado, porventura por várias décadas, o regime semi-presidencial sabiamente consagrado na Constituição da República aprovada em 1976.
Se muitas outras razões não bastassem — numa carreira política tão longa, tão intensa e tão brilhante — estas quatro hão de ser mais do que suficientes para reservar a Mário Soares um lugar proeminente na História de Portugal, assim como na história das transições pacíficas da ditadura para a Democracia durante o último quartel do século XX.
Alfredo Barroso / Lisboa, 8 de Janeiro de 2017
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