Tendo elaborado uma
análise crítica do “relatório de conjuntura n. 1”, da Secretaria Especial de
Assuntos Estratégicos, da Secretaria Geral da Presidência da República,
intitulado “Brasil: um país em busca de uma grande estratégia”, da autoria do
Secretário Especial e de seu Adjunto, respectivamente Hussein Kalout e Marcos
Degaut, enviada com a mensagem transcrito in fine a determinados colegas e amigos, tenho recebido alguns comentários dos que tiveram acesso a essa minha
análise, questionando qual seria, finalmente, uma estratégia adequada para o
Brasil superar seus problemas atuais e projetar-se no cenário internacional com
base nos recursos e ativos que legitimamente possui. Tenho respondido topicamente,
mas talvez fosse útil explicar de maneira mais clara meu posicionamento em
relação a esse tipo de exercício intelectual, que considero, de toda forma, uma
colaboração importante à abertura de um debate bem informado sobre as grandes
opções da nacionalidade.
O trabalho é este aqui:
Explico desde já o que
me distancia da visão exibida nesse documento. Minha diferença fundamental, filosófica
talvez, em relação aos autores do documento da SAE, é a de que eles estão
interessados em construir um Estado grande e forte, capaz de projetar
internacionalmente o Brasil, que nunca deixará de ser uma potência média, o que
quer que façamos. O Brasil só seria um país medíocre, e decadente (como tantos
outros na história), se não fizermos nada, ou melhor, deixar que elites
predatórias se apossem do Estado, como estão fazendo com sanha de sanguessugas
e ratazanas com redobrado vigor, desde a redemocratização. Não creio que os
militares construíram um Estado impoluto, mas o patrimonialismo rentista era
certamente menor no regime militar.
Na redemocratização, nos tornamos presas
de uma casta de políticos rentistas e assaltantes dos recursos públicos, o que
foi exacerbado no regime companheiro. Não creio que o reforço da fiscalização
do Estado resolva esse problema de apropriação de bens públicos. Só a redução
do Estado o fará. À diferença da visão grandiosa do documento da SAE, não creio
que tal tipo de projeto estatal transforme significativamente o Brasil.
Pessoalmente, estou interessado em construir uma nação próspera, e isso não
passa pelo Estado, mas por uma sociedade livre.
Na verdade, eu não estou interessado em
construir potência nenhuma, de qualquer tipo. Estou apenas interessado em que o
Brasil seja uma sociedade integrada, desenvolvida, capaz de prover uma vida
decente à maioria dos seus cidadãos, sem qualquer espírito igualitário, baseado
na competição e na maior oportunidade de chances a todos. Sei que mesmo numa
perspectiva smithiana, a defesa, a segurança, as relações exteriores passam
inevitavelmente pelo Estado, e por isso concedo em que esses aspectos sejam fortalecidos
no âmbito do Estado, mas sempre na perspectiva de que uma sociedade livre e
competitiva fará isso melhor que exércitos de burocratas e tecnocratas
estatais, que se transformam facilmente numa corporação que vive do Estado,
para o Estado, no Estado, e para si e em si, o que vale também para os
diplomatas.
Eu acho esse debate sobre uma grande
estratégia um desvio de objetivos. Em lugar de focalizar o macro, como feito em
tantos documentos de tecnocratas — inclusive o recente “Brasil 2035” do Ipea —,
eu focaria o micro, para construir um ambiente de negócios condizente com os
requerimentos de desenvolvimento do país. Em uma palavra, acho que os
tecnocratas impedem o Brasil de se desenvolver. Por isso sou por “pequenas
estratégias” focadas no ambiente de negócios para construir riquezas via
mercado, não pela mão torta do Estado.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília,
17 de junho de 2017
Mensagem que acompanhou a remessa do documento:
Tenho por hábito acadêmico ler cuidadosamente, anotar, eventualmente discorrer sobre livros, artigos, textos que julgo relevantes para um debate bem informado sobre questões de políticas públicas do Brasil e do mundo.
Tenho também por hábito (mas pouco diplomático) dizer rigorosamente o que penso, registrar o que digo, e divulgar o que escrevo, sempre que possível, pelos meios apropriados.
Não por outras razões, dediquei-me, nos últimos dias, a ler o importante documento liberado (desajeitadamente) pela SAE-SG/PR, não porque acredite que ele vai transformar imediatamente certas políticas públicas, nas áreas da diplomacia, da inteligência, da governança em geral. Mas acredito que ele oferece uma boa introdução a um debate de alto nível sobre a política externa e a diplomacia brasileira, ainda que não concorde com muitos dos argumentos ali contidos.
Se não o julgasse importante não teria dedicado quase igual volume de páginas a analisar e criticar esse documento, que reputo de boa qualidade redacional, ainda que carente de uma distinção clara entre as peculiaridades das políticas exteriores das últimas duas décadas, e sobretudo deixando de registrar a grande ruptura representada pelo lulopetismo em diversos capítulos da vida nacional, inclusive na política externa e na diplomacia.
Meu texto foi elaborado ao correr da pena, isto é, a partir de uma leitura linear do documento, com observações feitas de maneira tópica, ainda sem grandes desenvolvimentos conceituais, o que provavelmente ocorrerá no decorrer do debate (se houver, o que me parece necessário).
Quero cumprimentar os autores pela coragem de divulgar um documento que poderia ser interno, sem eludir, porém, meu profundo questionamento sobre vários de seus argumentos. Também convido os recipiendários desta análise a formularem suas observações sobre o documento em questão.
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Quando o documento foi publicado, eu o registrei nesta postagem de meu blog, informado por uma nota de jornal:
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/06/sae-critica-politica-externa-documento.html
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