O liberalismo e
a pobreza
ROBERTO CAMPOS
FSP, São Paulo,
domingo, 1 de dezembro de 1996
"Esperemos
que os socialistas, que no passado adoraram o Deus da História, aprenderão suas
lições. Dar-se-ão conta, afinal, que não apenas a economia de comando
fracassou, mas também que o Estado social democrático assistencialista é um
Deus que falhou"
Deepak Lal
As esquerdas
brasileiras (ou será que só restam canhotos?), mesmo após a derrota mundial do
socialismo, que elas consideram apenas um sucesso mal explicado, se atribuem
duas superioridades: maior decência ética e maior ternura pelos pobres. Na
realidade, sucumbem a interesses do corporativismo burocrático, em detrimento
das massas, e reduzem a velocidade do crescimento econômico. E este é o único
remédio efetivo para a pobreza.
Um esplêndido
livro recente "The political economy of poverty, equity and growth"
(Clarendon Oxford Press, 1996), de autoria de dois economistas asiáticos -um
indiano, Deepak Lal, e outro birmanês, H. Myint-, ambos testemunhas da
ineficácia do socialismo dirigista em seus respectivos países, desmistifica
ilusões sobre o socialismo e sobre seu filho dileto, o "welfare
state". É uma análise filosófica, política e econômica dos sucessos e
insucessos da luta contra a pobreza em 21 países (inclusive o Brasil), entre
1950 e 1985.
As conclusões
são interessantes:
. O crescimento
rápido sempre alivia a pobreza, independentemente dos esforços da burocracia
assistencialista;
. Não há um
efeito claro e certo do crescimento sobre a disparidade nos níveis de renda,
podendo esta aumentar ou diminuir durante o processo de rápido crescimento. Mas
a experiência dos tigres asiáticos desmente o fatalismo da chamada "Lei de
Kuznets", segundo a qual a distribuição de renda pioraria inicialmente no
desenvolvimento capitalista, para só melhorar depois;
. O instrumento
mais eficaz para a correção da pobreza absoluta não é o Estado Interventor,
fantasiado de engenheiro social benevolente, e sim o Estado Liberal (ou seja, o
Estado Jardineiro).
Este libera as
energias produtivas do mercado, tributa pouco e procura assistir os pobres e
desvalidos por benefícios específicos para eles direcionados, preferencialmente
através de entidades privadas, e não por esquemas globais de seguridade social,
administrados por políticos e burocratas.
A pobreza pode
assumir vários aspectos: a pobreza "estrutural", ou de massa, que até
a revolução industrial parecia uma fatalidade humana; a pobreza
"conjuntural", que tradicionalmente advinha de desastres climáticos
ou de guerras e conflitos políticos, mas que, na civilização moderna, provém
também de ciclos econômicos que provocam desemprego e recessão; e o
"desvalimento", ou seja, a situação dos que não têm capacidade de
trabalho por deficiências físicas ou mentais.
No tocante à
questão global da pobreza, há um conflito histórico entre duas visões do mundo
que se apresentam em várias formas e graus: o liberalismo e o dirigismo.
Os liberais
insistem em separar duas questões que são habitualmente confundidas no debate
corrente: a cura da pobreza e o igualitarismo. A extinção da pobreza absoluta é
realizável e deve ser um objetivo social. O igualitarismo é utópico, e todas as
tentativas de alcançá-lo geraram ineficiência ou despotismo.
Os liberais
certamente lutarão pelo alívio da pobreza; mas rejeitam o igualitarismo
socialista. Em outras palavras, consideram a "equidade" desejável e a
"igualdade" impossível.
São várias as
razões por que é fútil pretender-se, através do intervencionismo governamental,
alcançar uma distribuição igualitária das rendas: 1) Deus não é socialista e
distribuiu com profunda injustiça os dotes de inteligência, criatividade e
diligência; 2) inexistindo normas objetivas de justiça, ou justiciadores sábios
e benevolentes, torna-se perigoso tentar corrigir as injustiças divinas pela
"justiça social" ditada pelo ideólogo, burocrata ou político de
plantão; 3) fazer justiça social pela abolição da propriedade (solução
comunista) ou pela tributação distributivista (solução socialista) redunda em
tirania política e expurgos em massa, ou então, em perda de eficiência
econômica (a supertributação desincentiva a criatividade e o esforço).
Donde ser
melhor, como propõem os liberais, que o Estado seja mais modesto: deve buscar a
extinção da pobreza absoluta sem tentar implantar o igualitarismo. Por isso os
liberais não falam em "seguridade social universal" e não simpatizam
com a "previdência pública compulsória". Preferem falar em
"redes de segurança para os desvalidos" ou em "garantia de renda
mínima" para os realmente pobres. No Brasil, a coisa é ainda mais
rudimentar: a cura da inflação é prefácio e precondição da cura da pobreza.
Uma das
deformações dos sistemas assistenciais desenvolvidos nas sociais democracias é
aquilo que George Stigler chama de "privilégios dos diretores", isto
é, a captura de benefícios pela classe média. Esta, nas sociedades
industrializadas, é politicamente muito mais numerosa que os ricos e muito mais
articulada que os pobres.
Cria-se assim o
"Transfer State", isto é, o Estado Transferidor, de que o nosso INSS
é modelo exemplar. O "Transfer State" morde os ricos pela tributação
e pune os pobres com aposentadorias ridículas, desviando recursos para o
bem-estar da classe média -professores, jornalistas, magistrados, militares,
congressistas e burocratas, que gozam de aposentadorias precoces,
desproporcionais às contribuições. São os chamados "intitulamentos
políticos".
A única maneira
de se evitar que o poder político da classe média puna a produtividade dos mais
eficientes e explore a passividade dos pobres é substituir o sistema de
previdência pública compulsória pela capitalização individual.
É o sistema de
cadernetas de poupança previdenciária, onde cada cidadão depositaria sua
contribuição, sabendo que os benefícios futuros disso dependem. É o sistema
chileno, no qual a contribuição compulsória, anteriormente paga ao governo, é
aplicada em fundos de pensão privada, não havendo assim transferências
imerecidas de renda.
O governo não
intervém para redistribuir rendas, limitando-se a fiscalizar o sistema e a
complementar a renda daqueles que, ao fim de sua vida laboral, não recebam um
mínimo vital para sua sobrevivência. O curioso é que o tão vilipendiado general
Pinochet, sem alardear superioridade ética ou sensibilidade social, intuiu duas
coisas fundamentais para a diminuição da pobreza -o crescimento sustentado e a
correção dos abusos do "Transfer State".
Lal e Myint
demonstram a precariedade das tentativas de distributivismo social em países de
baixa taxa de crescimento. Durante algum tempo, Costa Rica, Sri Lanka e Uruguai
foram exibidos como exemplos de países bem-sucedidos nessa conciliação. Isso
durou pouco porque esses países entraram em crises fiscais, ou estagnação
econômica, tendo o Uruguai tido que rever seu pesado Estado Providência a fim
de absorver ideias do modelo chileno.
A cura da pobreza
não depende da decadência do político, da boa vontade do burocrata ou da
piedade do clérigo. Depende do crescimento econômico. E as molas clássicas do
crescimento continuam sendo a poupança, a produtividade e o espírito
empresarial. Priorizar a realidade humilde, em vez de entronizar a utopia
fugaz, é a grande virtude do liberalismo.
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