O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

A Nação israelense: itinerário histórico - Airton Dirceu Lemmertz

 Trailer (da série documental sobre a realidade social de Israel): 

https://www.youtube.com/watch?v=6MvRa1yPGrshttps://www.youtube.com/watch?v=XfJ_gTGhl2E 

SINOPSE: 
"Uma Nação que sobrevive no deserto” revela as complexidades da vida cotidiana em Israel, um país marcado pela diversidade cultural e pela convivência de diferentes religiões e etnias. Indo além das paisagens do deserto, o documentário se aprofunda nas histórias pessoais de homens e mulheres que vivem em um lugar onde a modernidade encontra tradições milenares, e onde a constante ameaça de conflito faz parte do cotidiano.

Gravado em Jerusalém e Tel Aviv, entre os dias 23 de julho e 10 de setembro de 2024.
Episódio 1. O DIREITO DE EXISTIR (26MIN): Partindo do massacre do dia 7 de outubro, os entrevistados fazem suas reflexões sobre a história de Israel e a situação política atual.

Episódio 2. PERSEVERAR (23MIN): A experiência do Shalva, entidade que cuida de crianças com deficiência em Jerusalém, retratada poeticamente como a perseverança de se viver num país em Guerra, com todas as limitações e superações.

Episódio 3. JUNTOS NA DIVERSIDADE (25MIN): O que é ser israelense, considerando a dinâmica de um país multicultural e religiosamente variado? Neste episódio, buscamos saber como tantas diferenças podem moldar um instinto de nacionalidade.

Episódio 4. OS VALORES DO PROGRESSO (25MIN): Queremos entender o papel da cultura judaica no desenvolvimento econômico de Israel. O que explica o paradoxo de um povo milenar estar sempre na vanguarda científica e tecnológica?

Gaza: o genocído continua - Paulo Roberto de Almeida

Três meses atrás, eu postava o que escrevi abaixo, sobre o genocídio israelense na Faixa de Gaza. Desde então, a situação só se agravou, pois o governo extremista de Netanyahu está matando os palestinos de fome, e os soldados israelense estão simplesmente matando os palestinos a tiros.
Algum amigo (ou inimigo) judeu, sionista ou antissionista, vai dizer que estou eerrado?

domingo, 23 de março de 2025
Uma constatação necessária: um genocídio "desnecessário"
Paulo Roberto de Almeida

Alguns dos meus amigos judeus, ou israelenses (não é a mesma coisa), vão reclamar desta minha postagem, mas vou explicitar a acusação, não ao Estado de Israel ou a seu povo (árabes e israelenses), mas ao seu atual governo FASCISTA, de claro e direto GENOCÍDIO contra o povo palestino, a pretexto de eliminar os terroristas que se imiscuíram na população dos territórios ILEGALMENTE ocupados por Israel (sim, eu sei, ao cabo de guerras deslanchadas contra o Estado judeu décadas atrás).
O povo palestino não pode levar a culpa por alguns atentados bárbaros que algumas lideranças TERRORISTAS impuseram sobre todo o povo israelense e sobre o povo palestino.
O povo israelense, judeus e não judeus, não pode levar a culpa pelos CRIMES CONTRA A HUMANIDADE sendo perpetrados por um CRIMINOSO DE GUERRA, que merece um julgamento ao estilo de Nuremberg, ao lado de Putin e outros assassinos.
A humanidade não merece o que vem sendo imposto a ela por ditadores, criminosos de guerra ou por simples IMBECIS, um deles nem preciso nomear.
O atual governo israelense está criando (pelo menos) uma geração de terroristas, mas a ONU e o sistema multilateral não conseguem fazer nada, sequer contra a maciça destruição imposta ao povo ucraniano, sequer EXPELIR os Estados terroristas da organição.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 23/03/2025 


Amado Luís Cervo e O Espírito das Relações Internacionais; Sobre o livro de Amado Cervo para seminário em sua homenagem - Paulo Roberto de Almeida

 

Amado Luís Cervo e O Espírito das Relações Internacionais

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Sobre o livro de Amado Cervo para seminário em sua homenagem

Amado Luiz Cervo:
O Espírito das Relações Internacionais [online]
Brasília: Editora da UnB, 2022

        O livro-síntese de Amado Luiz Cervo representa um condensado reflexivo sobre o conjunto de sua obra acumulada em praticamente meio século de intensos e extensos esforços em torno das relações internacionais em geral, sobre a história diplomática e das relações exteriores do Brasil, assim como em torno das pontes construídas com países vizinhos nos mesmos terrenos, em especial a Argentina e o Mercosul. Ele representa a confluência de suas análises e indagações entre a história e a teoria das relações internacionais, iniciada décadas atrás com alguns fundamentos da escola francesa nessas áreas, mas logo tornada original com base em suas próprias pesquisas documentais e arquivísticas, assim como apoiada em vasta literatura especializada, tanto a claramente factualista, événementielle, como a propriamente analítica e interpretativa. Amado foi um construtor de conceitos e paradigmas, e eles estão reproduzidos em cada um dos conceitos que são os títulos aos onze capítulos desta obra.
        Ao percorrer cada um dos capítulos pude perceber a maestria com a qual ele se refere tanto às obras de outros historiadores, brasileiros e estrangeiros, quanto aos trabalhos de cientistas políticos, sociólogos, economistas, ou seja, uma pletora de analistas das relações internacionais em geral, assim com às políticas exteriores dos principais Estados presentes. Impossível não ficar impressionado com a vastidão de seus argumentos sobre cada um dos principais conceitos ali trabalhados: valores, segurança, defesa, interesses, sobrevivência, convivência e guerra, entre os que estão diretamente nos fundamentos das relações exteriores dos Estados, seguidos por outros conceitos ou temáticas que terminam por circunscreve sua análise teórico-pedagógica: teorias, experiências concretas de países e suas diplomacias, e os itinerários seguidos por alguns deles. A bibliografia é seletiva, mas conta com nada menos do que 138 títulos, entre obras completas, ensaios e publicações diversas.
        O prefácio a cargo do grande historiador diplomático chileno, Raúl Bernal-Meza – autor de uma monumental Historia de las Relaciones Internacionales de Chile, 1810-2020 (Santiago: RIL Editores; Universidade Arturo Prat, 2020) –, enfatiza as principais contribuições de Amado Cervo para o engrandecimento do campo no Brasil e nos países vizinhos: formou discípulos e pesquisadores, se exerceu em todos os níveis da formação universitária e em redes acadêmicas desse campo, produziu novos caminhos no estudo dos processos históricos dos países do Cone Sul e ofereceu interpretações coerentes sobre as políticas públicas em todas as frentes das posturas internacionais desses países, inclusive integrando-as no contexto mundial mais amplo, e isso durante mais de meio século.
        Como enfatizou Bernal-Meza, o estudo da história das relações internacionais deve “apoiar-se em uma base empírica e não em uma abstração. Descobrir o espírito das relações internacionais e dar inteligibilidade aos acontecimentos constitui a chave que unifica toda a obra de nosso historiador e pensador” (Prefácio). Ele complementa suas observações sobre o sentido profundamente inovador do trabalho de Amado Cervo desta maneira:
        A contribuição de Amado Luiz Cervo para as relações internacionais pode ser percebida em três grandes linhas: história da política exterior do Brasil; história das relações internacionais da América Latina; e elaboração de conceitos e categorias analíticas para o estudo das relações internacionais. Para identificar tipos ideias de Estado, a partir da evolução política e social do Brasil, o professor Cervo elevou-se ao nível de abstração, da qual derivam interpretações sobre práxis da política exterior, bem como sobre diplomacia de cada modelo, em perspectiva histórica que se articula com os estudos das tendências da história da política exterior e das relações internacionais. Amado Cervo construiu e compartilhou com outros intelectuais latino-americanos os argumentos críticos que refutam a validade das teorias de relações internacionais anglo-saxônicas para interpretar a história e a realidade das relações internacionais em nossa região, bem como sua inserção global. Por meio de suas obras, Cervo fundamenta a elaboração e a reelaboração de conceitos propriamente latino-americanos; ou seja, produzidos pela inteligência de nossa região, com o fim de explicar seus próprios acontecimentos. (...) Com sua reflexão, convocou colegas e discípulos a trocar as teorias estrangeiras por conceitos próprios que expressam e que tenham sido extraídos da realidade própria de nossos países. (Prefácio)

        Os onze capítulos da obra de Amado Cervo tratam dos onze impulsos que ele detectou nesta síntese abrangente dos fatores que correspondem a comandos superiores das políticas exteriores dos Estados membros da comunidade política internacional, e que orientam os seus agentes no trabalho de representação e de ação no plano externo de cada um deles. São eles os seguintes:
1. Valores: é o substrato cultural que influencia os padrões de conduta dos Estados no plano externo;
2. Segurança: trata-se da proteção do território, a defesa nacional e a dissuasão contra possíveis ameaças;
3. Defesa: percepções sobre vulnerabilidade guiam a ação do Estado, individualmente ou em coalização com parceiros externos;
4. Interesses: estão conectados às assimetrias entre Estados, como a dominação colonial, mas também guiam ações de cooperação entre eles;
5. Sobrevivência: o princípio básico de indivíduos e Estados;
6. Convivência: possui vínculo com a sobrevivência, mas pode resultar em blocos do países possuindo interesses similares’
7. Guerra: Resulta de líderes desequilibrados, autoritários, mas também pode ocorrer pelo instinto de sobrevivência, no caso da defesa nacional;
8. Teorias: elas espelham interesses, valores e padrões de conduta; podem ser ilusórias;
9. Conceitos: conferem explicações sistêmicas para orientar a conduta dos agentes; eles são vários: potência, ingerência, intervenção, neutralidade, responsabilidade de proteger, ordem ou desordem internacional, historicidade e outros;
10. Pedaços: são países, regiões, blocos, que podem ser agressivos, ou pacifistas, de forma amplamente diversa;
11. Itinerários: são o reflexo das grandes orientações de cada Estado, algumas com mais autonomia do que outras, segundo as capabilidades de cada um.

        Todos esses comandos operam como instrumentos de atuação dos agentes estatais ou servem de suporte intelectual para a ação dos Estados, num contexto bastante complexo e multifacetado, que é o das relações internacionais contemporâneas, quer elas se exerçam num ambiente multilateral, por meio das organizações intergovernamentais existentes, quer mediante canais bilaterais ou plurilaterais (entre grupos ou blocos de países). A interação entre essas diferentes esferas de intervenção guia a conduta dos agentes envolvidos na trama, ou no “espírito”, das relações internacionais. Aqui se situa a contribuição epistemológica central desta obra-síntese, um livro que exibe um título quase hegeliano, combinando, como era o caso do filósofo prussiano, teoria e história, ou teoria da história e o desenvolvimento concreto do Estado racional e de suas políticas públicas, entre elas a externa.
        Amado Cervo talvez não seja um hegeliano de formação, sequer um marxista juvenil, mas ele é um teorizador experimentado das relações internacionais dos países em geral, não apenas as do Brasil. Sua obra reflete o esforço de sistematização dos grandes vetores que atuam sobre a conduta dos Estados e de seus agentes, os componentes básicos das interações entre eles. Esses vetores influenciam ou até determinam a política externa e a diplomacia dos Estados, conduzida pela tecnocracia diplomática e orientada pela clarividência, se for o caso, de seus dirigentes, entre eles estadistas, mas também alguns líderes autoritários, que soem ser os condutores das guerras interestatais.
        Seu capítulo sobre a guerra, justamente, é um dos mais extensos e bibliograficamente mais bem argumentados de toda a obra, combinando referências exaustivas aos principais autores de estudos sobre esse aspecto fundamental das relações entre Estados, assim como, no terreno empírico dos fatos militares mais relevantes da era contemporânea, remetendo aos conflitos mais emblemáticos e representativos da geopolítica do último século e meio. Em resumo, a obra-síntese de Amado Cervo pode ser considerado uma leitura essencial para estudiosos teóricos e condutores práticos das relações internacionais contemporâneas.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4968, 30 junho 2025, 3 p.



domingo, 29 de junho de 2025

O Governo dos Idiotas” na destruição do império Americano - Chris Hedges, transcrito por Carlos Russo

 O Governo dos Idiotas” na destruição do império Americano

Chris Hedges

 (Carlos Russo Jr)

Uma análise extremamente interessante é a base deste artigo. O norte-americano Chris Hedges, escritor e jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer, correspondente internacional do The New York Times durante quinze anos, descreveu com perfeição o significado, o “ideário”, a essência do governo Trump, um caminho que a direita fascista busca imitar e reproduzir por todos os cantos da Terra.

O Espaço Literário não poderia deixar de reproduzi-lo, praticamente em sua íntegra.

Chris Hedges:

A estupidez é a “perda da realidade”, já disse um filósofo. Na promessa de recuperarem a glória e poder perdidos, líderes de impérios moribundos nada criam – apenas aceleram o colapso. Trump, o piromaníaco, entretém a sociedade enquanto a conduz ao abismo

Os últimos dias de impérios moribundos são dominados por idiotas. As dinastias romanas, maia, francesa, Habsburgo, otomana, Romanoff, iraniana ruíram sob a estupidez de seus governantes decadentes, que se ausentaram da realidade, saquearam suas nações e se refugiaram em câmaras de eco onde fato e ficção eram indistinguíveis.

Donald Trump e os bufões bajuladores de sua administração são versões atualizadas dos reinados do imperador romano Nero, que destinou vastos gastos estatais para obter poderes mágicos; do imperador chinês Qin Shi Huang, que financiou repetidas expedições a uma ilha mítica de imortais para trazer de volta uma poção que lhe daria a vida eterna ( a poção era mercúrio); e uma corte czarista irresponsável que se sentava lendo cartas de tarô e participando de sessões espíritas enquanto a Rússia era dizimada por uma guerra que consumiu mais de dois milhões de vidas ( contra o Japão) e a revolução se desenvolvia nas ruas.

Em “Hitler e os Alemães”, o filósofo político Eric Voegelin descarta a ideia de que Hitler — talentoso em oratória e oportunismo político, mas mal educado e vulgar — tenha hipnotizado e seduzido o povo alemão. Os alemães, escreve ele, apoiavam Hitler e as “figuras grotescas e marginais” que o cercavam porque ele personificava as patologias de uma sociedade doente, assolada pelo colapso econômico e pela desesperança.

Voegelin define estupidez como uma “perda da realidade”. A perda da realidade significa que uma pessoa “estúpida” não consegue “orientar corretamente suas ações no mundo em que vive”. O demagogo, que é sempre um idiota, não é uma aberração ou mutação social. O demagogo expressa o sentimento da sociedade, seu afastamento coletivo de um mundo racional de fatos verificáveis.

Esses idiotas, que prometem recapturar a glória e o poder perdidos, não criam. Eles apenas destroem. Eles aceleram o colapso.

Limitados em capacidade intelectual, desprovidos de qualquer bússola moral, grosseiramente incompetentes e cheios de raiva das elites estabelecidas que consideram tê-los menosprezado e rejeitado, eles transformam o mundo em um playground para vigaristas e megalomaníacos. Eles declaram guerra às universidades, banem a pesquisa científica, propagam teorias charlatanescas sobre vacinas como pretexto para expandir a vigilância em massa e o compartilhamento de dados, retiram os direitos dos residentes legais e empoderam exércitos de capangas, que é o que o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) se tornou, para espalhar o medo e garantir a passividade. A realidade, seja a crise climática ou a miséria da classe trabalhadora, não interfere em suas fantasias. Quanto pior fica, mais idiotas eles se tornam.

Hannah Arendt culpa uma sociedade que abraça voluntariamente o mal radical por essa “irreflexão” coletiva. Desesperada para escapar da estagnação, onde eles e seus filhos estão presos, sem esperança e em desespero, uma população traída é condicionada a explorar todos ao seu redor em uma luta desesperada para progredir. Pessoas são objetos a serem usados, espelhando a crueldade infligida pela classe dominante.

Uma sociedade convulsionada pela desordem e pelo caos, como Voegelin aponta, celebra os moralmente degenerados, aqueles que são astutos, manipuladores, enganadores e violentos. Em uma sociedade aberta e democrática, esses atributos são desprezados e criminalizados. Aqueles que os exibem são condenados como estúpidos; “um homem [ou mulher] que se comporta dessa maneira”, observa Voegelin, “será socialmente boicotado”. Mas as normas sociais, culturais e morais em uma sociedade doente são invertidas. Os atributos que sustentam uma sociedade aberta — a preocupação com o bem comum, a honestidade, a confiança e o autossacrifício — são ridicularizados. Eles são prejudiciais à existência em uma sociedade doente.

A única coisa que esses regimes moribundos fazem bem é espetáculo. Esses números de pão e circo — como o desfile de US$ 40 milhões do Exército de Trump, realizado em seu aniversário, em 14 de junho — mantêm uma população aflita entretida.

A Disneyficação da América, a terra dos pensamentos eternamente felizes e das atitudes positivas, a terra onde tudo é possível, é propagada para mascarar a crueldade da estagnação econômica e da desigualdade social. A população é condicionada pela cultura de massa, dominada pela mercantilização sexual, pelo entretenimento banal e irracional e pelas representações gráficas de violência, a se culpar pelo fracasso.

Søren Kierkegaard, em “A Era Presente”, alerta que o Estado moderno busca erradicar a consciência e moldar e manipular os indivíduos, transformando-os em um “público” maleável e doutrinado. Esse público não é real. É, como escreve Kierkegaard, uma “abstração monstruosa, algo abrangente que não é nada, uma miragem”. Em suma, nos tornamos parte de um rebanho, “indivíduos irreais que nunca estão e nunca podem estar unidos em uma situação ou organização real — e, ainda assim, se mantêm unidos como um todo”.

Aqueles que questionam o público, aqueles que denunciam a corrupção da classe dominante, são descartados como sonhadores, aberrações ou traidores. Mas somente eles, de acordo com a definição grega de pólis, podem ser considerados cidadãos.

Thomas Paine escreve que um governo despótico é um fungo que cresce a partir de uma sociedade civil corrupta. Foi o que aconteceu com as sociedades do passado. Foi o que aconteceu conosco.

É tentador personalizar a decadência, como se nos livrarmos de Trump nos trouxesse de volta à sanidade e à sobriedade. Mas a podridão e a corrupção arruinaram todas as nossas instituições democráticas, que funcionam na forma, não no conteúdo. O consentimento dos governados é uma piada cruel. O Congresso é um clube que recebe propina de bilionários e corporações. Os tribunais são apêndices das corporações e dos ricos. A imprensa é uma câmara de eco das elites, algumas das quais não gostam de Trump, mas nenhuma das quais defende as reformas sociais e políticas que poderiam nos salvar do despotismo. Trata-se de como disfarçamos o despotismo, não o despotismo em si.

O historiador Ramsay MacMullen, em “Corruption and the Decline of Rome” (Corrupção e o Declínio de Roma), escreve que o que destruiu o Império Romano foi “o desvio da força governamental, sua má orientação”. O poder passou a ser uma questão de enriquecer interesses privados. Essa má orientação torna o governo impotente, pelo menos como uma instituição que pode atender às necessidades e proteger os direitos dos cidadãos. Nosso governo, nesse sentido, é impotente. É uma ferramenta de corporações, bancos, indústria bélica e oligarcas. Canibaliza-se para canalizar riqueza para o alto.

“O declínio de Roma foi o efeito natural e inevitável da grandeza desmedida”, escreve Edward Gibbon. “A prosperidade amadureceu o princípio da decadência; a causa da destruição multiplicou-se com a extensão da conquista; e, assim que o tempo ou o acidente removeram os suportes artificiais, a estrutura estupenda cedeu à pressão do seu próprio peso. A história da ruína é simples e óbvia: e em vez de indagar por que o Império Romano foi destruído, deveríamos nos surpreender por ele ter subsistido por tanto tempo. ”

O imperador romano Cômodo, assim como Trump, era fascinado pela própria vaidade. Encomendou estátuas de si mesmo como Hércules e tinha pouco interesse em governança. Imaginava-se uma estrela da arena, organizando lutas de gladiadores nas quais era coroado vencedor e matando leões com arco e flecha. O império — que ele renomeou Roma como Colônia Commodiana (Colônia de Cômodo) — era um veículo para saciar seu narcisismo insaciável e sua sede por riqueza. Ele vendia cargos públicos da mesma forma que Trump vende perdões e favores para aqueles que investem em suas criptomoedas ou doam para seu comitê de posse ou para a biblioteca presidencial.

Finalmente, os conselheiros do imperador providenciaram que ele fosse estrangulado até a morte em seu banho por um lutador profissional, depois que ele anunciou que assumiria o consulado vestido de gladiador. Mas seu assassinato não fez nada para deter o declínio. Cômodo foi substituído pelo reformador Pertinax, assassinado três meses depois. A Guarda Pretoriana leiloou o cargo de imperador. O imperador seguinte, Dídio Juliano, durou 66 dias. Haveria cinco imperadores em 193 d.C., o ano seguinte ao assassinato de Cômodo.

Como o antigo Império Romano, nossa república está morta.

Nossos direitos constitucionais — devido processo legal, habeas corpus, privacidade, liberdade de exploração, eleições justas e dissidência — nos foram retirados por decreto judicial e legislativo. Esses direitos existem apenas nominalmente. A enorme desconexão entre os supostos valores de nossa falsa democracia e a realidade significa que nosso discurso político, as palavras que usamos para descrever a nós mesmos e nosso sistema político, são absurdas.

Walter Benjamin escreveu em 1940, em meio à ascensão do fascismo europeu e à iminente guerra mundial:

“Uma pintura de Klee intitulada Angelus Novus mostra um anjo com a aparência de quem está prestes a se afastar de algo que contempla fixamente. Seus olhos estão fixos, sua boca está aberta, suas asas estão abertas. É assim que se imagina o anjo da história. Seu rosto está voltado para o passado. Onde percebemos uma cadeia de eventos, ele vê uma única catástrofe, que continua a empilhar destroços sobre destroços e os arremessa aos seus pés. O anjo gostaria de ficar, despertar os mortos e restaurar o que foi destruído. Mas uma tempestade sopra do Paraíso; ela se prendeu em suas asas com tanta violência que o anjo não consegue mais fechá-las. A tempestade o impulsiona irresistivelmente para o futuro, para o qual ele está de costas, enquanto a pilha de destroços à sua frente cresce em direção ao céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso”.

Nossa decadência, nosso analfabetismo e nosso afastamento coletivo da realidade já vinham se formando há muito tempo. A erosão constante dos nossos direitos, especialmente dos nossos direitos como eleitores, a transformação dos órgãos do Estado em ferramentas de exploração, a miséria dos trabalhadores pobres e da classe média, as mentiras que saturam as nossas ondas de rádio, a degradação da educação pública, as guerras intermináveis ​​e fúteis, a dívida pública alarmante, o colapso da nossa infraestrutura física refletem os últimos dias de todos os impérios.

“Trump, o piromaníaco, entretém-nos enquanto descemos”.

Congresso Nacional: da constituição cidadã à degradação republicana - Paulo Baía

Recomendo ler, com atenção. O que eu fiz e não hesitei em encontrar ou inventar um novo título ou qualificação para este diagnóstico cruel de uma realidade com a qual os brasileiros nos defrontamos:

Brasil: uma cleptocracia pouco republicana, aberta aos oportunistas espertos e às oligarquias predatórias

Paulo Roberto de Almeida 


Congresso Nacional: da constituição cidadã à degradação republicana

             * Paulo Baía 

Era uma vez um país que ousou sonhar com uma república viva. Ouvia-se, nos corredores de seu Parlamento, os ecos de um tempo fundante, tempo de reescrita, tempo de refundação. O ano era 1987. O povo ainda fermentava nas ruas, ainda sangrava de uma ditadura que não havia sido completamente sepultada, ainda desejava dizer: agora somos nós. Dali emergiu a Constituição de 1988, chamada com reverência de Constituição Cidadã, como se nela pulsassem os corações silenciados por duas décadas de chumbo. O Congresso Nacional era então um lugar de possibilidades, de fricções criativas, de esperanças germinando entre artigos e incisos. Havia contradições, havia limites, havia vícios. Mas havia também coragem. Havia decência institucional. Havia desejo de país.

O que se vê hoje, no entanto, é um outro cenário. É a lenta, ruidosa e devastadora degradação republicana. A casa que um dia aspirou representar a pluralidade do Brasil se converteu numa cidadela fechada. A arquitetura monumental que abriga os plenários virou teatro de um drama infame, onde cada cena é encenada não para o bem comum, mas para a manutenção de privilégios. O Congresso abandonou seu papel de representação popular e federativa, entregou-se ao patrimonialismo sem disfarces, ao clientelismo blindado por mecanismos técnicos de difícil decifração, ao poder quase litúrgico das emendas parlamentares, que são hoje a moeda com que se compram silêncios e se vendem consciências.

O país que ergueu sua Constituição com a promessa de um federalismo cooperativo assiste agora à sua própria fragmentação. A república foi desfigurada pelo avanço de quatro forças que ocupam o centro da cena legislativa: a bancada da bala, a do boi, a dos bancos e a bancada teocrática. Essas forças não apenas impõem sua agenda. Elas dominam o cotidiano do Parlamento. Ditam as pautas. Vetam o dissenso. Subjugam as demais bancadas como senhores de um latifúndio simbólico. A política brasileira, sob seu domínio, deixou de ser campo de disputa democrática para se tornar trincheira de exclusão, zona franca de interesses elitistas, lugar onde o povo só entra como espectro, como ausência, como retórica vazia.

Os teocratas atuais que se alastram pelo Parlamento, com suas indumentárias cívicas e dogmas disfarçados de moral pública, desempenham papéis com tal desenvoltura que fariam inveja aos aiatolás. Suas performances são meticulosamente teatrais, envoltas em uma retórica de salvação nacional, mas orientadas pela ânsia de poder absoluto. Não mais bastam-lhes púlpitos, templos e crenças: exigem microfones, comissões, gabinetes, verbas. Exigem influência sobre a educação, a cultura, os costumes, a vida íntima dos cidadãos. A cruz e a Constituição tornaram-se para eles armas de um mesmo arsenal. Legisladores de dogmas, gestores da fé como política de Estado, seus discursos se impõem não como opinião, mas como ordem. Como fé inquestionável transformada em norma jurídica. E assim as fronteiras da república laica vão se estreitando, sufocadas sob a imposição de valores que deveriam pertencer à esfera privada.

Esse domínio não é apenas conservador. É anti-republicano. É uma recusa ativa ao projeto de um Brasil plural, socialmente justo, economicamente solidário, eticamente público. O que se vê é a substituição do pacto coletivo por um condomínio de corporações. As leis brotam do asfalto quente do privilégio. As votações obedecem a mapas secretos de interesses. As comissões parlamentares são convertidas em quartéis administrativos de guerra contra qualquer tentativa de redistribuição. E quem ousa tocar nas estruturas de desigualdade é reduzido a inimigo.

O presidencialismo brasileiro, duas vezes ratificado pelas urnas em plebiscitos contundentes, tornou-se uma ficção governável apenas à custa de chantagens. O presidente, seja qual for sua coloração ideológica, é hoje um refém. Governar exige genuflexão. Exige concessões orçamentárias, nomeações milimetricamente negociadas, silêncio cúmplice diante de aberrações legislativas. A soberania do Executivo foi dissolvida por um parlamentarismo de fato, não previsto na Constituição, rejeitado pela sociedade, mas operado com vigor por um Legislativo que ocupa os espaços vazios da política com métodos de domínio. Métodos que fazem do orçamento público um campo de caça permanente. Métodos que substituem a democracia pelo conchavo, o pacto pela chantagem, a política pela clientela.

No meio desse desequilíbrio, o Judiciário se vê compelido a agir. Tenta proteger a Constituição, tenta manter alguma ordem, mas o faz do alto de um protagonismo que se descola da realidade social. Um protagonismo aristocrático, que transforma o juiz em oráculo, o tribunal em torre, a sentença em escudo. Em vez de mediar, confronta. Em vez de equilibrar, projeta-se como ator político. A tensão entre os poderes, que deveria ser sinal de vitalidade democrática, tornou-se dissonância crônica. Um campo minado onde a desarmonia não gera controle, mas ameaça.

O Congresso já não reflete o país. Suas entranhas são ocupadas por dinastias familiares, por homens brancos, empresários, grandes proprietários, teocratas com sede de poder. Não há ali ecos das fábricas que se reduzem, fábricas robotizadas em que a presença do trabalhador é dispensada, nem das salas de aula pública, nem do ambulatório do SUS, nem do campo desassistido, nem da favela cercada de tiro e esgoto. O poder ali não circula. Reproduz-se. De pai para filho, de padrinho para afilhado, de teocratas para discípulos igualmente teocratas. É uma lógica de hereditariedade travestida de democracia representativa. Os invisíveis da política são os mesmos invisíveis das estatísticas, das filas do INSS, das UTIs que colapsam, dos trens lotados. Não há espaço para eles. Não há voz para eles. Não há tempo para eles.

O povo é ruído. É despesa. É obstáculo. E é assim que legislam: contra a vida que dói, contra a juventude periférica que morre cedo ou enlouquece tentando sobreviver. Contra os motoboys que arriscam a existência por poucos trocados. Contra os idosos que veem sua aposentadoria corroída pela inflação e pela crueldade institucional. Contra as mulheres que sustentam seus filhos sozinhas. Contra os pretos, os indígenas, os LGBTQIA+, os corpos indesejados. Contra a própria ideia de justiça.

A representação federativa, que deveria equilibrar as vozes dos estados e territórios, virou instrumento de distorção. Os votos têm pesos desiguais. Os estados mais populosos têm menos representação proporcional. Os menos populosos, mais poder de veto. Essa assimetria é mantida não por inércia, mas por escolha. Uma escolha cínica que favorece o poder acumulado de elites locais, de feudos eternizados, de castas que se alimentam do desequilíbrio. E, em vez de discutir e deliberar pela representatividade efetiva e real da população com base em suas dinâmicas demográficas, o que se tem feito é simplesmente aumentar aritmeticamente o número de deputados federais para atender demandas localizadas. Uma manobra que, longe de corrigir os desequilíbrios estruturais, amplia e aprofunda as distorções da representação política da população brasileira, que em tese se faz presente na Câmara dos Deputados, mas na prática é diluída, ignorada e neutralizada por esse inchaço artificial da estrutura legislativa.

A reforma política, necessária e urgente, permanece trancada a sete chaves. Porque corrigir distorções significaria redistribuir o poder. E isso, no Brasil, ainda é considerado crime de lesa-majestade.

A república sangra. Não de uma ferida aberta, mas de mil cortes silenciosos. Cada emenda secreta. Cada CPI abortada. Cada veto derrubado. Cada projeto aprovado em favor do capital. Cada silêncio diante da dor coletiva. Cada escárnio contra a solidariedade. A confiança da população desmorona. O desprezo é palpável. Mais de 80% dos brasileiros não confiam no Congresso Nacional. Isso não é uma opinião. É um diagnóstico. É um atestado da falência moral de uma instituição que deveria representar todos, mas que se especializou em representar poucos.

Como dizia Santo Agostinho: na ausência de justiça, o que é o poder senão uma forma de saque institucionalizado. O Congresso brasileiro, hoje, é a síntese desse saque. Seus rituais são legais. Seus procedimentos são formais. Suas decisões, amparadas pelo regimento. Mas o que ali se opera é a manutenção de um Brasil excludente. Um Brasil que agride quem trabalha e protege quem explora. Um Brasil que reveste a desigualdade com o manto da técnica. Um Brasil onde a legalidade virou o álibi da injustiça.

Romper esse ciclo exige mais do que bons discursos. Exige ruptura. Exige reforma política. Exige mobilização cidadã. Exige coragem institucional para confrontar os interesses estabelecidos. Exige rever o financiamento de campanhas, rediscutir o sistema eleitoral, colocar a paridade de gênero e raça como princípio e não como concessão. Exige reumanizar a política. Fazer dela um lugar de projeto coletivo, e não de sobrevivência individual. Fazer dela ponte, e não trincheira. Fazer dela ato de cuidado, e não ritual de poder.

O Brasil precisa reaprender a sonhar. E sonhar exige recusar. Recusar a naturalização do privilégio. Recusar a obscenidade do orçamento capturado. Recusar o cinismo como método. Recusar o poder como herança. Recusar a política como farsa. Recusar o Congresso como fortaleza de poucos. Recusar o medo como regra. Recusar a república como escombro.

Só assim, quem sabe, um dia, o Congresso Nacional volte a ser o que prometeu ser. A casa de todos. A voz dos que não têm vez. O lugar onde a justiça não seja exceção, mas fundamento. Onde o povo não seja massa de manobra, mas sujeito da história. Onde a política não seja técnica de dominação, mas prática de emancipação. Onde o país possa, enfim, se reconhecer. E respirar. E florescer.

Paulo Baia

          * Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ

Congresso Nacional: da constituição cidadã à degradação republicana https://agendadopoder.com.br/congresso-nacional-da-constituicao-cidada-a-degradacao-republicana/


Pensando em coisas inúteis e mal sabidas ou percebidas:- Paulo Roberto de Almeida

Pensando em coisas inúteis e mal sabidas ou percebidas

Paulo Roberto de Almeida

Tem gente que vem ao mundo, não para consertar o que andava meio capenga, mas para estragar o que estava bem, ou razoável, e só para atrapalhar a vida dos outros e destruir muito do que se havia penosamente construído em duas ou três gerações antes do infausto aparecimento desses insanos demolidores da vida civilizada. Só consigo pensar em três ou quatro personagens maléficos que ainda estão por aí e que continuam tentando transformar o mundo, nosso planetinha redondo (que eles querem transformar em quadrado, cheio de buracos aterradores e precipícios inescapáveis), e que prometem fazer ainda muitos estragos adicionais, antes de desaparecem nas fímbrias (eu preferiria nas trevas) da História, sem deixar qualquer traço das suas malignidades excepcionais (ninguém antes conseguiu ser tão malvado quanto eles, salvo talvez o Hitler, o Stalin, o Mao e o Pol Pot, tirando da linha até o Gengis Khan e o Drácula, que nem sei se existiu de verdade ou se só foi algum filme ainda por fazer do Woody Allen). 

Pois bem, vamos às minhas propostas (que podem ser complementadas por gente ainda mais daninha que essas ervas que insistem em atrapalhar o verdinho da nossa grama sempre tão bem cuidada por alguns estadistas que ainda insistem em aparecer) e que submeto à consideração dos meus dezoito leitores (alguns apenas passantes distraídos):

Eu colocaria em primeiro lugar o Putin, que veio para transformar o mundo num imenso KGB, e que ainda vai ter o seu Gulag, se ainda não conseguu fazer da antiga prisão dos povos o modelo ideal de despotismo oriental (coisa que o Max Weber acreditava que era representada pelo antigo Império do Meio, mas que anda muito bem e renascendo, sob os cuidados de um novo imperador).

Em segundo lugar vem aquele palhaço do Trump, que quer transformar o mundo num imenso balcão de negócios, mas só para ele e para a sua família de semelhantes, vários deles imigrantes ilegais, e que só por raiva supremacista ele quer expulsar daquela nação de imigrantes bem sucedidos e que fizeram o sucesso de um império por acaso (e que tem vergonha de ser).

Em terceiro lugar, eu colocaria o Netanyahu, um vulgar arrivista e corrupto político, que conseguiu transformar a antiga “terra santa” num inferno a céu aberto, e até destruir a credibilidade humanista do povo supostamente escolhido por deus para o bem-estar de toda a humanidade (está conseguindo, ao que parece, com a ajuda do seu amigo trambiqueiro imobiliário, que quer transformar aquelas paragens num resort só para ricos, idiotas e exibicionistas como ele e o Bezos).

Em quarto, mas não último ou definitivo lugar (para não deixar o nosso Brazilzinho de fora), aquele covarde e incompetente milico, não por ter sido apenas um golpista fracassado, mas sobretudo por ter sido um negacionista vacinal (além de elogiador de torturadores), que conseguiu matar muita gente na pandemia (muitos dos seus próprios aliados, coitados deles), e que ainda não foi punido por mais esse crime contra os pobres brasileiros, e que conseguiu destruir a credibilidade diplomática deste Brasil ao qual eu servi durante minhas décadas de Serviço Exterior, bastante bem respeitado no mundo, até ele vir estragar tudo com seus aspones amestrados que implantaram uma miséria diplomática na política externa e que quase destruíram a inteligência no Itamaraty.

Pronto, fico com estes, mas quem quiser que fique livre para escolher e indicar seus malvados favoritos.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 29/06/2025


Como a China se tornou rica: 40 anos de crescimento - Kaiser Y. Kuo (Sinica)

 


sábado, 28 de junho de 2025

Uma coleção de postagens deste meu blog selecionadas por Airton Dirceu Lemmertz

 Apenas transcrevendo o que recebi via e-mail: 

Ucrânia:

Rússia:

Israel:

Irã:

China:

EUA:

Venezuela:

Brasil:

===

Lula:

Bolsonaro:

Trump:

Putin:

Xi:

Milei:

A diplomacia brasileira, historicamente e em 2011 - Paulo Roberto de Almeida

 De vez em quando a internet me traz um texto próprio, do qual eu já me havia esquecido. Talvez sirva para alguma coisa:

As grandes linhas da política externa brasileira

 

Paulo Roberto de Almeida *

Publicado, sob o título “Trajetória Coerente”, no suplemento Pensar Brasil”, caderno especial “De Igual para Igual”, do jornal Estado de Minas (Belo Horizonte, Sábado, 9 de abril de 2011, p. 17-19).

Blog Diplomatizzando (05/06/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/06/grandes-etapas-da-diplomacia-brasileira.html).

 

A diplomacia brasileira seguiu, ao longo do último meio século, uma trajetória relativamente uniforme e coerente, embora marcada por alguns desvios momentâneos e por orientações políticas contrastantes,segundo as conjunturas políticas e os grandes alinhamentos observados em cada uma das grandes etapas do cenário internacional. Com algumas poucas exceções – possivelmente no imediato seguimento do golpe militar de 1964 e agora, recentemente, durante o governo Lula – ela seguiu invariavelmente algumas orientações básicasainda que animadas por preocupações diversas, todas elas comprometidas com o desenvolvimento nacional, a defesa da soberania e o comprometimento com o direito internacional, consubstanciado na Carta da ONU e em alguns outros instrumentos básicos das relações internacionais. 

A política externa foi, pode-se dizer com total segurança, persistentemente “desenvolvimentista”. Aexemplo da tendência dominante na política econômica, ela esteve engajada no processo de industrialização brasileira, embora atuando bem mais na política comercial (na qual o Itamaraty sempre conservou o “monopólio” negociador) do que na política industrial, onde ele foi ator coadjuvante. Essa foi a linha básica da diplomacia econômica brasileira desde a era Vargas até a atualidade: fazer com que as negociações comerciais externas –multilaterais ou regionais – não dificultassem o processo de industrialização, consumado com base em velhas receitas de substituição de importações e em forte protecionismo tarifário (que o Itamaraty se encarregou de defender junto ao Gatt, ao longo dos anos).

A outra grande vertente de atuação da diplomacia econômica consistiu na sustentação das dificuldades cambiais e de balanço de pagamentos, o que exigia do Itamaraty um bom trabalho junto aos principais credores, todos eles situados na América do Norte e na Europa ocidental. Empréstimos externos e atração de investimentos estrangeiros foram os dois elementos básicos nessa frente e pode-se dizer que o desempenho foi relativamente satisfatório, a despeito de crises desafiadoras no último terço do século XX (petróleo, dívida externa, crises financeiras nos mercados emergentes nos anos 1990). Mas esse tipo de negociação financeira estava mais bem afeta aos responsáveis econômicos e monetários do que aos funcionários do Itamaraty, que ainda assim ofereciam todo apoio nesse tipo de missão, quando não assumiram eles mesmos a responsabilidade pela condução do processo.

Outra área, entretanto, teve a colaboração crucial dos diplomatas para que ela pudesse se desenvolver, pelo menos até certo ponto: a capacitação do Brasil em matéria de enriquecimento nuclear e de domínio das tecnologias industriais ligadas à indústria nuclear para fins civis (energia), o que foi materializado no célebre acordo nuclear Brasil-Alemanha, de 1975 (depois descontinuado, a partir da crise dos anos 1980 e também por causa de fortes pressões contrárias dos Estados Unidos). Ocorreu, nesse setor, durante o governo militar, notável cooperação entre os militares e os diplomatas, inclusive porque ambas as corporações recusavam a adesão do Brasil ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (oferecido em 1968 à comunidade internacional pelas três potências nucleares signatárias, EUA, Reino Unido e União Soviética). Foi o momento de maior independência brasileira em relação aos EUA, depois de algumas décadas de alinhamento, no geral, coincidente com os grandes objetivos da maior potência ocidental, durante os anos da Guerra Fria. 

De fato, o Brasil exibiu uma política externa razoavelmente alinhada com os EUA desde antes da Segunda Guerra Mundial, a começar pela renegociação das dívidas contraídas nos anos de entre-guerras e pela própria participação brasileira no conflito, a partir da qual os dirigentes diplomáticos e os líderes políticos brasileiros esperavam uma retribuição à altura, em especial a inclusão do País no seleto clube de grandes potências, experiência logo frustrada pela intransigência do Reino Unido e da União Soviética. Ainda assim, os anos do pós-guerra foram de colaboração e de quase pleno entendimento político, com a compreensão dos militares brasileiros e da grande maioria dos diplomatas em relação às prioridades e à grande estratégia dos EUA na era da Guerra Fria: a contenção da União Soviética e a luta contra a penetração e a influência comunistas em diversos países da periferia ou da própria Europa ocidental. 

Os únicos pontos de desacordo se situavam justamente na cooperação econômica, com o Brasil e a maioria dos latino-americanos pedindo uma extensão ao continente da generosa ajuda para recuperação e reconstrução que os americanos prestavam à Europa no quadro do Plano Marshall. Os EUA nunca consentiram nessa extensão, inclusive porque consideravam, não sem razão, que os problemas da América Latina não eram exatamente de reconstrução, e sim de desenvolvimento, para o que recomendavam não ajuda estatal, mas reformas econômicas e abertura aos investimentos estrangeiros. A questão do financiamento ao desenvolvimento latino-americano foi resolvida mais adiante, com a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, apenas depois de intensa pressão brasileira, notadamente através da Operação Pan-Americana, proposta pelo presidente Juscelino Kubitschek: tratou-se da primeira grande iniciativa brasileira em termos de liderança regional e de diplomacia multilateral, mesmo se limitada ao hemisférioamericano.

Ainda assim, ela serviu para formar os diplomatas brasileiros nos novos temas da diplomacia do desenvolvimento e do multilateralismo econômico, bem como nos seus procedimentos específicos (em relação, por exemplo, à velha escolha da diplomacia bilateral, de caráter essencialmente político), o que iria ser extremamente útil nas negociações do Gatt, com a nascente Comunidade Econômica Europeia e nos novos acordos em torno dos produtos de base (café, cacau, açúcar, etc.). O Brasil tornou-se um dos principais promotores do movimento em favor da reforma do Gatt desde o final dos anos 1950, num sentido de não-reciprocidade e de concessões sem contrapartida, assim como participou ativamente do processo que conduziu à criação da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), tornando-se um dos líderesdo grupo dos países em desenvolvimento (que veio a ficar conhecido como G77, do número de membros no momento de sua criação, em 1964).

O ponto alto dessa fase foi, evidentemente, a chamada “política externa independente”, quando o Brasil se liberta do estrito alinhamento aos cânones da Guerra Fria e passa a buscar oportunidades comerciais e de relacionamento político com os países socialistas e com as nações periféricas de modo geral. Entre os grandes temas debatidos nessa época esteve o de Cuba, cujo regime socialista foi considerado pela OEA como “incompatível com o sistema interamericano”, tese americana a que o Brasil se opôs por não haver, na Carta da OEA, nenhum caracterização quanto a regimes políticos. O Brasil, em todo caso, se absteve, quando a decisão foi votada, apoiado em argumentos essencialmente jurídicos esgrimidos pelo chanceler Santiago Dantas.

Ocorreu, então, a primeira ruptura, embora relativamente breve, nas linhas tradicionais da política externa brasileira, quando os militares, talvez para “agradecer” aos EUA a ajuda preventiva dada durante o golpe, concordam em sustentar a postura americana na região, participando da invasão da República Dominicana, contra uma revolução democrática em 1965. Foi, porém, um breve interlúdio, já que a partir de 1967, a diplomacia retomou sua postura desenvolvimentista e pela autonomia tecnológica (já dando início a um programa nuclear independente, que sofreria as referidas sanções americanas). Pelo resto do regime militar e também durante a fase de redemocratização, a diplomacia brasileira atuou com plena independência e profissionalismoassumindo uma postura moderadamente terceiro-mundista e, certamente, desenvolvimentista. Conflitos pontuais se manifestam nas relações com os EUA, tanto no plano bilateral – fricções comerciais, política nuclear, justamente – como no plano multilateral – resoluções da ONU e temas da agenda do desenvolvimento nos quais os EUA geralmente se singularizavam pela postura oposicionista. 

Desde essa época, e praticamente até hoje, a diplomacia brasileira vem construindo seu espaço próprio nos contextos regional e internacional, estimulando parcerias seletivas com alguns grandes países em desenvolvimento – em especial com a Índia, com a qual havia uma grande interface negociadora em temas comerciais – e colocando as bases de um grande espaço de integração econômica na América do Sul, primeiro via Alalc e Aladi, depois via Mercosul e outros esquemas sub-regionais. Ao promover a integração regional, a diplomacia brasileira sempre foi extremamente cautelosa em não proclamar qualquer veleidade de liderança brasileira no continente, muito facilmente confundida com pretensões hegemônicas e, portanto, recusada peremptoriamente pela maior parte dos vizinhos (com a possível exceção dos menores, interessados em algum tipo de barganha preferencial). Essa postura cuidadosa foi no entanto descurada pelo governo Lula, gerando resistências e contrariedades nos vizinhos mais importantes, que inclusive se mobilizaram contrariamente a um dos  objetivos de alguns governos brasileiros: a conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. 

O governo Lula, justamente, representou uma ruptura nos antigos padrões profissionais da diplomacia, introduzindo uma agenda partidária e ideológica que redundou, em diversos casos, em um infeliz alinhamento com ditaduras e violadores dos direitos humanos em diversos continentes, numa demonstração de anti-americanismo infantil e, em última instância, prejudicial à credibilidade da política externa brasileira. Felizmente, o novo governo Dilma restabeleceu padrões de comportamento e de votação nos foros multilaterais bem mais conformes à tradição diplomática brasileira, condizentes inclusive com princípios constitucionais sobre valores democráticos e a defesa dos direitos humanos e com o espírito verdadeiro da Carta da ONU. 

 

* Diplomata de carreira e professor universitário; autor de diversos livros de relações internacionais (www.pralmeida.org).

ChamadaDiplomacia brasileira sempre se caracterizou pelo profissionalismo e por uma diplomacia de caráter nacional; regime militar e governo Lula representaram exceções nessa linha cautelosa e guiada por interesses nacionais, não partidários. 

 

[2554; Brasília, 11 de março de 2011; rev. 12/03/2011]