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terça-feira, 18 de outubro de 2011

The (Brazilian) Scramble for Africa - BBC


Brasil tem 5ª maior presença diplomática na África
João Fellet
BBC, 17 de outubro de 2011 | 14h 57

País possui 37 embaixadas no continente, que receberá primeira visita de Dilma Rousseff nesta semana.

Ao fazer sua primeira visita à África como presidente nesta semana, Dilma Rousseff desembarcará em um continente muito mais familiar à diplomacia brasileira do que quando seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a Presidência, em 2003.
Segundo um levantamento do Itamaraty obtido pela BBC Brasil, o país hoje tem embaixadas em 37 das 54 nações africanas, das quais 19 foram inauguradas desde o início do governo Lula.
Entre os países não africanos, o Brasil só possui menos embaixadas no continente do que Estados Unidos (com 49 missões), China (48), França (46) e Rússia (38).
Ainda conforme o levantamento, o Brasil está à frente de outros dois países emergentes que têm buscado estreitar as relações com nações africanas: a Índia, com 27 missões, e a Turquia, que, ao erguer 20 das suas 31 embaixadas na África nos últimos três anos somou-se ao grupo de nações que cortejam o continente.
A abertura de embaixadas brasileiras na África foi acompanhada de um movimento recíproco: desde 2003, 17 missões de países africanos foram inauguradas em Brasília, somando-se às 16 que já existiam.
Segundo Gert Wunderlich, executivo do banco sul-africano Standard Bank, a ofensiva diplomática brasileira na África é parte da política do governo de diversificar os parceiros comerciais do país, tradicionalmente dependente da Europa e dos Estados Unidos.
"O governo brasileiro viu na África uma oportunidade para que o país avançasse em sua ambição de se tornar mais globalizado", diz Wunderlich, que vive em São Paulo.
Os esforços diplomáticos se refletiram nas trocas comerciais: em 2002, o intercâmbio do Brasil com o continente somava US$ 5 bilhões (cerca de R$ 8,7 bilhões); em 2008, passou para US$ 26 bilhões - quase metade dos US$ 56 bilhões do comércio entre Brasil e China em 2010.
Após um esfriamento das relações comerciais nos dois anos seguintes, efeito da crise econômica internacional, o governo espera neste ano bater o recorde de 2008, já que nos seis primeiros meses de 2011 as trocas entre Brasil e África alcançaram US$ 17 bilhões (R$ 29,5 bilhões).
África lusófona
A visita da presidente ao continente africano começa nesta segunda-feira pela África do Sul, onde ela participará de um encontro do Ibas (fórum que reúne Índia, Brasil e África do Sul), para discutir temas como segurança e desenvolvimento sustentável, além de parcerias comerciais.
Na quarta-feira, Dilma viaja até Moçambique para assinar acordos de cooperação técnica e se reunir com empresários brasileiros.
Além de patrocinar a construção de uma fábrica de retrovirais, que deve ser inaugurada em 2012, o Brasil mantém com Moçambique programas de cooperação agrícola e uma linha de crédito de US$ 300 milhões (R$ 521 milhões).
A visita ocorrerá em um momento de incremento das relações empresariais: em julho, a mineradora brasileira Vale inaugurou em Moçambique sua maior operação no exterior - a mina de carvão em Tete (Província no norte do país), que já é a segunda maior mina de carvão a céu aberto do mundo.
Empresas brasileiras também estão envolvidas na construção ou reforma de uma termelétrica, uma ferrovia, um porto e um aeroporto no país africano.
Na quinta-feira, Dilma visitará Angola, o segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana.
O país tem cerca de 25 mil trabalhadores brasileiros, segundo estimativa da Associação dos Empresários e Executivos Brasileiros em Angola (Aebran).
Boa parte são funcionários de empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Correia e Odebrecht, mas também há numerosos profissionais nos ramos de saúde, informática e comunicação, além de consultores em diversas áreas.
Competição
Cobiçada por seus recursos naturais - além de petróleo, o país tem vastas reservas diamantíferas, terras férteis e água abundante -, Angola é palco de uma competição que se replica em diferentes graus em vários países africanos e que tem como protagonista a China.
No entanto, segundo um diplomata brasileiro, a crescente influência chinesa em Angola e no continente africano não ameaça o espaço conquistado pelo Brasil.
Ele afirma que, embora o Brasil não possa competir com a China em oferta de crédito aos países africanos nem em capacidade de construir grandes obras - o país asiático costuma levar operários chineses para as nações africanas onde investe em troca de matérias-primas -, a maneira de atuar brasileira confere uma relação mais sólida com seus pares.
"Os africanos sentem que, com os brasileiros, participam de uma conversa entre iguais, o que jamais ocorrerá com os chineses", afirma.
Ele diz ainda que, além dos bons resultados comerciais, a aproximação diplomática dos últimos anos já trouxe ao Brasil benefícios em palcos internacionais, como o apoio de vários países africanos à bem-sucedida candidatura do brasileiro José Graziano à direção da FAO (agência da ONU para agricultura), em junho.
Para Gert Wunderlich, ainda que o governo brasileiro receba críticas pela ênfase que dá às relações com países subdesenvolvidos - particularmente os africanos - trata-se de uma aposta para o futuro.
Ele afirma que a África abriga um sexto da população mundial e será uma das regiões do mundo que mais crescerão nas próximas décadas.
"Se o Brasil estiver lá e construir relações com os países, terá vantagem competitiva em relação aos que não fizerem isso. Ou então a China e a Índia vão ocupar todos os espaços", diz. 

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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Da Africa, com Alberto da Costa e Silva


África, e tudo mais
Por Rachel Bertol | Para o Valor, do Rio
Valor Econômico – Eu&Fim de Semana, 16/09/2011

Alberto da Costa e Silva, poeta, ensaísta, historiador, diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras: aos 80 anos, terceiro volume de memórias está a caminho
Histórias surpreendentes despontam durante a conversa com Alberto da Costa e Silva: são memórias da avó cafuza, da tia que mandou matar o marido no Ceará, dos jantares mensais com o amigo José Saramago, dos bate-papos sobre África com Jorge Amado e de momentos inusitados ao lado de Guimarães Rosa. A vida extraordinária do poeta, ensaísta, historiador e diplomata, que comemorou 80 anos recentemente, seria tema para uma vasta coleção de livros. São tantos amigos, entre eles tantos escritores, que Costa e Silva poderia escrever muitas histórias saborosas sobre cada um deles, como reconhece.
Parte dessas histórias encontra-se em "A Invenção do Desenho - Ficções da Memória", que a Nova Fronteira acaba de reeditar, com nova introdução do historiador José Murilo de Carvalho. O livro retrata 15 anos da vida de Costa e Silva, desde os tempos da mocidade até o período em que se tornou diplomata em Lisboa. A editora está reeditando toda sua obra e iniciou a série, este ano, com o monumental "A Enxada e a Lança - A África Antes dos Portugueses", de quase mil páginas, o primeiro livro publicado no Brasil com tamanho fôlego sobre a história antiga do continente. Lançado em 1992, chegou à 5ª edição, acrescida de introdução do jornalista Laurentino Gomes. No momento, Costa e Silva prepara o terceiro volume de suas memórias. O primeiro, "Espelho do Príncipe" - que considera seu melhor livro -, sobre a infância em Fortaleza, também será reeditado.

"Quase todos os estudiosos do negro no Brasil não enxergavam nele toda sua vestimenta cultural africana, inclusive Freyre"

Nesta entrevista, concedida em seu apartamento do bairro de Laranjeiras, no Rio, repleto de esculturas africanas e belos quadros, o imortal da Academia Brasileira de Letras conta um pouco de suas histórias, especialmente as de sua epopeia africana. Costa e Silva foi embaixador na Nigéria e na República do Benim. Sua obra é pioneira ao despertar no país um interesse renovado pela região. A relação dos brasileiros com a África é marcada por um distanciamento, que Costa e Silva aponta na obra de autores que falam de negros e escravos, como Gilberto Freyre e Castro Alves.
Valor: "A Enxada e a Lança" é um clássico no estudo de África. O senhor modificou algo na nova edição?
Alberto da Costa e Silva: Fiz apenas correções. Quando a Nova Fronteira o publicou, perguntava-se quem iria ler um livro sobre história antiga da África. Mas o livro teve muito boa aceitação. E também sua continuação, "A Manilha e o Libambo - A África e a Escravidão, de 1500 a 1700". Neles, trato de toda a África subsaariana, que alguns autores chamam de África negra. Isso porque sempre tive a impressão de que o Magrebe, a Líbia e Egito, estando no continente, pertencem ao Mediterrâneo. Sua história é a do Mediterrâneo.
Valor: Como o fato de ser brasileiro influenciou o estudo?
Costa e Silva: Dou enfoque especial às áreas que tiveram importância na história do Brasil, que não começa com Pedro Álvares Cabral, mas com as grandes migrações ameríndias, com dom Afonso Henriques em Portugal, com a invenção do ferro em Nok, na África, e com a expansão dos bantos. O Brasil é resultado de três histórias. Sempre me impressionou que uma dessas fontes fosse tão mal estudada. Quando eu tinha 15 anos, li "Casa-Grande & Senzala", e foi uma revelação. Freyre punha o negro não mais como um problema do Brasil, mas como sua essência. Mas o livro me chamou a atenção também pelas coisas que não diz. Quase todos os estudiosos do negro no Brasil não enxergavam nele toda sua vestimenta cultural africana, inclusive Freyre. Não se tinha estudado a cultura tradicional do negro na África, para explicar, por exemplo, por que alguns deles nunca vieram para cá. Meu interesse pelo assunto começou quando eu era rapazola. Mas o material disponível a respeito era mínimo.
Valor: Como superou a escassez de fontes?
Costa e Silva: Achei muito material em sebos e bibliotecas. Fui formando minha história particular da África, sem pensar em escrever a respeito. Era uma espécie de vício secreto, de paixão não confessada. Fui pela primeira vez à África nos últimos dias de setembro de 1960, como diplomata, para participar das comemorações da independência da Nigéria. Foi um deslumbramento. Tive a impressão de estar num quadro do Renascimento italiano. Nosso terno escuro e a gravata pareciam uma roupa humilhante diante das túnicas, das togas, das roupas rendadas, dos veludos, das roupas daqueles que nos aguardavam no aeroporto. E havia, além dos trajes, a riqueza das pessoas nas ruas, do comportamento. Era curioso, porque, de certa forma, era o Brasil do Debret, e algo mais, com o perfume do Brasil. Representando o Itamaraty, conheci países como Etiópia, Sudão, Senegal, Togo, Gana, Costa do Marfim, Camarões, Gabão, Angola, Quênia...
Valor: Assim começou o livro?
Costa e Silva: Em meados dos anos 1970, em Madri, na casa de amigos, eu estava batendo boca com o Carlos Lacerda sobre Angola, e ele me disse que eu tinha obrigação de escrever sobre África. Segundo ele, eu era o único brasileiro com ideias precisas sobre o continente. Pouco depois iniciei o livro. Quando fui nomeado embaixador em Lagos, na Nigéria, o livro avançou muito. Era um país fascinante, com culturas sólidas, onde o diálogo com o Brasil tinha importância histórica. Havia um bairro brasileiro na cidade, uma associação de descendentes de brasileiros, uma mesquita brasileira etc. Minha mulher, Verinha, oferecia o vatapá brasileiro acompanhado do prato que lhe deu origem.
Valor: O senhor esteve na África na mesma época mais ou menos que pesquisadores como Pierre Verger e Jean Rouch. E a imagem, literalmente, que fazemos da África no século XX deve-se muito ao trabalho deles. Havia a sensação, como essas imagens deixam transparecer, de lidar com algo ainda intocado? Essa África ainda existe?
Costa e Silva: Sim e não. Em Angola, não vemos mais nas ruas as pessoas falando francês do século XIII, mas a catedral se mantém no mesmo lugar. E, apesar de tudo, ainda que disso as pessoas não tenham consciência, elas preservam na estrutura mental a lembrança do que foram seus ancestrais. E havia, de fato, a ideia de algo intocado, embora não fosse puro. A realidade africana ainda se apresentava com as roupagens diferentes das nossas. Era um campo onde se descobriam novas coisas todos os dias. Pela primeira vez, naquela geração e na que lhe foi imediatamente anterior, sabíamos que a África tinha uma história.
"Eu tinha uma avó que era cafuza. Ela fumava cachimbo embebido em melaço. Era uma personagem de Jorge Amado"
Valor: Como conseguiu se desvencilhar um pouco da história da África para se dedicar à redação das suas próprias memórias?
Costa e Silva: Quando fui removido para a Colômbia, não comia as madeleines do Proust, mas encontrei na rua um rapaz vendendo siriguela, uma frutinha que eu comia muito quando menino. Vi que ninguém mais sabia dessas coisas e resolvi escrever "Espelho do Príncipe", meu melhor livro, com as memórias da minha infância. Lá explico o que é taperebá, cabiçulinha, como era a vida no sertão do Ceará e em Fortaleza, onde vivi dos meus 3 aos 14 anos. Mas nunca deixei de escrever sobre África, porque me pediam conferências e artigos, material que eu reuni no livro "Um Rio Chamado Atlântico".
Valor: O senhor também já escreveu sobre dois autores baianos: Castro Alves ("Castro Alves - Um Poeta Sempre Jovem", Companhia das Letras) e Jorge Amado (ao organizar a antologia "Jorge Amado Essencial", Penguin Companhia). Como foi realizar essa viagem de volta, da África para a Bahia?
Costa e Silva: São dois autores cheios de África. E o caso do Castro Alves é muito curioso, porque ele nada sabia de África. A impressão é que nossos grandes abolicionistas, excetuado José Bonifácio, nunca conversaram com os escravos para saber como era a África. Na obra de Castro Alves, sua África é literária, herdeira do orientalismo francês, com desertos, tendas, areais sem árvores, o inverso da África de onde vieram aqueles trazidos para o Brasil. Esta era verde, igual à natureza do Brasil. Castro Alves foi talvez o mais generoso dos poetas brasileiros, sensualmente visual, um autor que marcou o abolicionismo e a nossa imagem do poeta romântico. Mas, para os abolicionistas, era como se os africanos tivessem sido concebidos no navio que os trouxe para o Brasil, sem raízes mais profundas.
Valor: Na sua opinião, o grande encontro da história da literatura brasileira foi o de Castro Alves com Machado de Assis, uma tarde no Rio...
Costa e Silva: É curioso, porque a mãe de Castro Alves era provavelmente mulata. Assim como Machado, Castro Alves tinha sangue negro, certamente. Nos livros de Machado, há uma série de escravos. Ele tinha percepção muito clara da presença avassaladora do escravo na vida brasileira. Seu encontro com Castro Alves reuniu o exuberante com o contido, o falastrão com o caladão, o orador com o meditador, o clássico com o barroco: foi o encontro dos dois grandes extremos da literatura brasileira. Podemos imaginar o deslumbramento de Machado ouvindo aquele rapaz bonito, com sua belíssima voz, pois Castro Alves parecia um ator de teatro. E a adoração de Castro Alves diante daquele homem de serenidade aparente, que devia em alguns momentos romper a carapaça da timidez.
Valor: E o Jorge Amado, era seu amigo, não?
Costa e Silva: Sim, e conversávamos muito sobre a África. Nenhum romance seu passa-se lá, mas ele estava embebido do continente. Agora, o que acho mais importante nos romances de Jorge é que suas personagens podiam estar aqui, tão reais elas são. Você certamente tem um parente que podia ser personagem de Jorge Amado. Tenho vários. Tive um tio que nunca foi trabalhar no escritório, ele recebia clientes no café em frente: é uma personagem de Jorge. Tenho uma tia que mandou matar o marido. É outra personagem de Jorge.
Valor: E matou mesmo?
Costa e Silva: Matou, claro. Quando você promete, você cumpre. Foi no Ceará. Eu tinha uma avó que era cafuza. Ela fumava cachimbo embebido em melaço, o famoso fumo de rolo que os historiadores brasileiros dizem ser de terceira categoria, embora fosse o preferido na África e o da minha avó. Ela fumava depois do almoço e do jantar. Era uma personagem de Jorge. Estamos cercados delas. Isso faz a grandeza do Jorge, que criou personagens dickensianos, especiais, que se parecem conosco. É por isso que o lemos com interesse e emoção. Mesmo nas suas histórias mais dramáticas e violentas, há um lado alegre, uma esperança de felicidade. O mais completo vilão de repente tem um gesto de nobreza. E suas histórias fluem naturalmente.
Valor: No novo livro de memórias, deve contar muitas histórias curiosas desses amigos...
Costa e Silva: Tive o privilégio de ter conhecido, sido amigo e convivido com pessoas como Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, José Saramago, Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, José Saramago, entre muitos outros, nem gosto de citar nomes. De todos, só guardo boas lembranças e poderia contar muitas histórias curiosas sobre eles, mas no livro só botarei uma de cada, para não pesar.
Valor: Conte-nos uma de Rosa...
Costa e Silva: Vou lhe contar uma história picaresca dele. Estávamos em Manaus, para um encontro do Itamaraty, num grupo de umas oito pessoas, e o Rosa manifestou o desejo de conhecer um prostíbulo. Então nos levaram a um barracão enorme, belíssimo, todo coberto de palha, com uma orquestra e um tablado para dançar. Nós nos sentamos e o Rosa, que era de tomar a iniciativa, chamou uma senhora, disse que iríamos tomar cerveja e que queríamos conversar com umas moças. Vieram umas quatro ou cinco, e ele puxou uma cadernetinha para anotar. Foi extraordinário: uma delas contou toda a sua vida, porque o Rosa tinha capacidade de pôr os outros à vontade. A mesa ficou parada vendo o Rosa entrevistar a putinha. Tenho de usar esse nome porque era exatamente isso. Depois, tudo virava conto.
Valor: E o Saramago?
Costa e Silva: Jantávamos todo mês, além das vezes em que nos encontrávamos. Era um homem sofrido e cáustico, com muita imaginação. Saramago era amigo dos amigos, detestado por muita gente e não gostava de ser detestado. Essas pessoas duronas muitas vezes escondem uma doçura especial. Saramago tinha medo de ser doce.
Valor: Também será reeditada sua poesia completa: como encontrava tempo para a criação poética?
Costa e Silva: Sou muito exigente em poesia e nunca quis escrever poemas que fossem o reflexo imediato de determinada sensação. Isso exigia de mim uma concentração da qual muitas vezes ou fugi ou não fui capaz de manter. De maneira que minha poesia reunida possui cerca de cem poemas. Por isso, ocupei meu tempo estudando a história da África. Por isso, ocupei meu tempo estudando a história da África. Claro, o tempo da minha inteligência, para que eu me mantivesse ativo no plano da cultura, sem ficar à espera de que o poema descesse do céu.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Historia Geral da Africa - Unesco : disponivel online

Coleção História Geral da África em português
8 volumes da edição completa.
Brasília: UNESCO, Secad/MEC, UFSCar, 2010.

Resumo: Publicada em oito volumes, a coleção História Geral da África está agora também disponível em português. A edição completa da coleção já foi publicada em árabe, inglês e francês; e sua versão condensada está editada em inglês, francês e em várias outras línguas, incluindo hausa, peul e swahili. Um dos projetos editoriais mais importantes da UNESCO nos últimos trinta anos, a coleção História Geral da África é um grande marco no processo de reconhecimento do patrimônio cultural da África, pois ela permite compreender o desenvolvimento histórico dos povos africanos e sua relação com outras civilizações a partir de uma visão panorâmica, diacrônica e objetiva, obtida de dentro do continente. A coleção foi produzida por mais de 350 especialistas das mais variadas áreas do conhecimento, sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, dos quais dois terços eram africanos.

Download gratuito (somente na versão em português):

Volume I: Metodologia e Pré-História da África (PDF, 8.8 Mb)
ISBN: 978-85-7652-123-5
Volume II: África Antiga (PDF, 11.5 Mb)
ISBN: 978-85-7652-124-2
Volume III: África do século VII ao XI (PDF, 9.6 Mb)
ISBN: 978-85-7652-125-9
Volume IV: África do século XII ao XVI (PDF, 9.3 Mb)
ISBN: 978-85-7652-126-6
Volume V: África do século XVI ao XVIII (PDF, 18.2 Mb)
ISBN: 978-85-7652-127-3
Volume VI: África do século XIX à década de 1880 (PDF, 10.3 Mb)
ISBN: 978-85-7652-128-0
Volume VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 (9.6 Mb)
ISBN: 978-85-7652-129-7
Volume VIII: África desde 1935 (9.9 Mb)
ISBN: 978-85-7652-130-3

Informações Adicionais:
Coleção História Geral da África
Programa Brasil-África: Histórias Cruzadas

terça-feira, 27 de julho de 2010

Jerry D'Avila e a politica africana do Brasil

Matéria do Estadão sobre o livro recentemente lançado de meu amigo brasilianista Jerry D'Avila. Falarei mais dele em breve.

''Como Jânio e Geisel, diplomacia de Lula vê África imaginária''
Jerry Dávila, historiador especializado em Brasil
Roberto Simon
O Estado de S.Paulo, 25 de julho de 2010

Em nome do elo "Sul-Sul", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é, de longe, o líder brasileiro que mais países africanos visitou - 25 de 53, ao todo. Mas para Jerry Dávila, historiador da Universidade da Carolina do Norte e especialista na relação Brasil-África, esse esforço de aproximação está longe de ser inédito. Na retórica de Lula, existiriam ecos de dois momentos históricos do Itamaraty: a "política externa independente", iniciada por Jânio Quadros, e o "pragmatismo responsável", de Ernesto Geisel.

"Em ascensão, o Brasil vê novamente a África como um lugar onde pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade cultural e racial", diz ao Estado Dávila, que lançará esta semana nos EUA um dos primeiros estudos amplos sobre a diplomacia do Brasil para a África, intitulado Hotel Trópico: Brazil and the challenge of African decolonization (Hotel Trópico: Brasil e o desafio da descolonização na África). O livro sai no Brasil em 2011 pela editora Paz e Terra.

O sr. diz que essa "nova" política Sul-Sul do Brasil para a África tem raízes visíveis em governos anteriores - sobretudo de Jânio e Geisel. Por quê?
O teor e a linguagem da abertura de Lula na África são legados diretos das políticas de Jânio e Geisel. A aproximação atual é notável, mas faz parte de um ciclo que oscila entre o estreitamento com EUA e a Europa Ocidental, e momentos de abertura para países em desenvolvimento, numa procura por maior "autonomia".

A própria cultura do Itamaraty evoluiu por meio desse movimento pendular: foram jovens diplomatas da era janista que tomaram a liderança na articulação da política externa chamada de "pragmatismo responsável" de Geisel - como o ex-chanceler Mário Gibson Barbosa. E, agora, jovens diplomatas da época Geisel, como Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, conduzem o barco.

A imagem que a diplomacia brasileira tem da África também foi "herdada" desses governos?
A percepção de uma África imaginária, como um lugar onde o Brasil pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade racial, ainda é forte no Itamaraty. Aos olhos da diplomacia brasileira, países africanos - diferentemente dos latino-americanos - seriam uma nova fronteira, cujas potencialidades seguem quase inexploradas.

Em seu livro, o sr. defende que a política para a África, em sua "idade de ouro", apoiava-se em três preceitos. Primeiro, que a ascensão do Brasil era inevitável. Segundo, que a África, recém-libertada do jugo colonial, era um lugar ideal para exercer a influência brasileira. Terceiro, que o fato de o Brasil ser uma "democracia racial", como teorizado por Gilberto Freyre, criava uma afinidade especial entre africanos e diplomatas brasileiros - mesmo que entre estes praticamente inexistissem negros. É isso?
Sim. Diplomatas brasileiros nem percebiam a contradição que você aponta por um motivo importante: no contexto, presumiam que a mestiçagem ente africanos e europeus no Brasil foi um processo tanto cultural quanto biológico - essa é uma das lições fundamentais de Freyre.

Com essa miscigenação cultural, acreditavam e projetavam a ideia de que o Brasil era uma democracia racial - um país de "africanos de todas as cores", como dizia uma propaganda do Itamaraty na Costa do Marfim, nos anos 70. Para esses diplomatas, a cor da pele importava menos do que a atitude de ser miscigenado.

Mas é claro que interlocutores africanos notavam a cor da pele. Em horas de tensão, especialmente sobre a questão da descolonização nos territórios portugueses, quando o Brasil geralmente apoiou Portugal, africanos "desmascaravam" os brasileiros.

Esse "tripé" ainda existe? O sr. aponta que Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora brancos, reivindicaram uma herança simbólica negra.
Para o estrangeiro, a elasticidade e multiplicidade de identidades da cultura brasileira é fascinante. Um brasileiro se define como africano, português ou japonês segundo o contexto.

Essa elasticidade serve como uma base de articulação poderosa: seleciona-se essas identidades de maneira estratégica. Por exemplo, quando FHC disse ter "um pé na cozinha", ao abrir um discurso sobre a desigualdade racial, estava ao lado do presidente sul-africano Thabo Mbeki. Acho também muito interessante quando Lula diz ser "o primeiro presidente negro do Brasil". Diz algo sobre a relação entre raça e classe social.

Por que o projeto de aproximação Brasil-África fracassou?
Encalhou na crise econômica dos anos 80, que abalou tanto a América Latina quanto a África. O intercâmbio comercial com países africanos culminou em 1984, quando 8% das exportações brasileiras foram consumidas na África. Mas não era uma presença com base segura. Deste lado do Atlântico, dependia de uma imensa intervenção do governo, que foi insustentável - por exemplo, a tentativa da Petrobrás de vender eletrodomésticos de companhias brasileiras sob a marca Tama, na Nigéria.

PONTOS-CHAVE
Lusotropicalismo
A convite de Lisboa, Gilberto Freyre faz em 1950 visita às colônias portuguesas na África, onde vê uma "bastante avançada democracia étnica e social". Freyre advogará, no Brasil, o colonialismo de Portugal

Diplomacia "independente"
Jânio Quadros promete em 1961 romper apoio a Portugal e apoiar a descolonização. Abre 3 embaixadas na África e nomeia 1º embaixador negro do País, Souza Dantas (foto)

Pragmatismo e recuo
Geisel aproxima-se de africanos e Brasil é 1º país a reconhecer independência de Angola. Nos anos 80, crise econômica inviabiliza relação

Comentários para este post:

2 Alberto Martinet
25 de julho de 2010 | 8h 17
A África está longe de ser a «terra virginalis» que imagina a diplomacia brasileira. Desde o século XIX, está sob a cúpula das potências europeias que a colonizaram. Pelos anos sessenta, foi declarada a independência de dezenas de novos países. Mas essa independência deve ser relativizada.

A França, por exemplo, entretém relações carnais com suas numerosas ex-colônias, incluindo tratados de cooperação militar e relações comerciais intensas. O Reino Unido não fica muito atrás no trato com suas antigas possessões. Até o pequenino Portugal não desgrudou por completo de seus antigos territórios africanos.

É por isso que, nossa diplomacia indigente e monomaníaca tem de se contentar em tratar com os párias do continente, rejeitados pelas potências europeias. Exemplo mais recente: a Guiné Equatorial.

E tem mais: enquanto o Brasil se especializa no trato com ditadores e déspotas africanos, a China, sorrateiramente, solapa a influência das antigas potências coloniais, e vai-se implantando no continente, valendo-se da via expressa que o comércio lhe abre.

1 roberto teixeira da silva
25 de julho de 2010 | 6h 19
Na diplomacia internacional o Sr LULA é um pé atolado no escuro!!!

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domingo, 4 de julho de 2010

Uma Africa para cada projeto: agora em portunhol...

Viagem à África imaginária
Editorial O Estado de S.Paulo, 4 de julho de 2010

Governada há 31 anos por um ditador conhecido por seus métodos brutais, uma ex-colônia espanhola, a Guiné Equatorial, poderá ser o novo membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, se isso depender do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O apoio brasileiro foi confirmado pelo porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, um dia antes de o presidente Lula partir para seu 11.º giro pela África. A visita à Guiné Equatorial foi programada como segunda escala. A primeira foi marcada para a Ilha do Sal, no arquipélago de Cabo Verde, para uma reunião com 13 governantes da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental. A última etapa da viagem será na África do Sul, marcada para os dias 8 a 12, certamente com a esperança de ver o Brasil na final da Copa do Mundo. A seleção da Holanda, no entanto, atrapalhou esse plano. Excluída essa justificativa para o périplo africano, restam os argumentos da diplomacia Sul-Sul e da prioridade atribuída por Lula à relação com os países da África. Os demais argumentos, incluído o econômico, são ainda menos convincentes.

O português não é falado na Guiné Equatorial, mas foi incluído em 2007 entre os idiomas oficiais, ao lado do espanhol e do francês, por decisão do presidente Teodoro Obiang Mbasogo. Acusado de fraudes, torturas e assassinatos por entidades internacionais de direitos humanos, o ditador é, segundo a revista Forbes, o oitavo governante mais rico do mundo.

Segundo Baumbach, o presidente brasileiro "deseja conferir importante impulso político ao processo de conhecimento e aproximação entre o Brasil e a Guiné Equatorial". A descoberta de petróleo em 1996 impulsionou a economia do país, mas não fortaleceu a democracia. Em 2000 a Guiné Equatorial começou a exportar para o Brasil e em 2008 a corrente de comércio chegou a US$ 411,22 milhões, com superávit de US$ 369,39 milhões para o país africano.

Além de falar com seu colega sobre a comunidade lusófona e o comércio bilateral, o presidente Lula poderá pedir a sua ajuda para realizar a ambição de chefiar uma entidade internacional, talvez a Organização das Nações Unidas (ONU). O chefão da Guiné Equatorial, afinal, é prodigioso. Em 2003, a rádio estatal do país o descreveu como "o deus da Guiné Equatorial" e atribuiu-lhe o direito de "matar sem ter de prestar contas a ninguém e sem ter de ir para o Inferno". Nenhum outro ditador ou candidato a ditador escolhido por Lula como amigo ou aliado chegou tão alto.

O roteiro de Lula inclui também o Quênia, a Tanzânia e a Zâmbia. Com as seis escalas programadas para esta viagem, Lula terá passado por 21 países da África em seus 2 mandatos e visitado 8 ditadores africanos - lista completada com Obiang. Também há no continente governantes comprometidos com a democracia, mas Lula não os discrimina. Afinal, nem sempre é possível escolher o interlocutor.

A prioridade atribuída à África pela diplomacia brasileira é parte da ilusão terceiro-mundista dominante no governo a partir de 2003. Somou-se a essa ilusão, depois de algum tempo, a fantasia da liderança política no mundo em desenvolvimento. Lula abriu ou reabriu 17 embaixadas na África. O comércio cresceu - já vinha crescendo nos anos 90 -, mas em 2008, antes da crise, as exportações para os africanos, excluídos os países do Oriente Médio, equivaleram a apenas 5,14% das vendas externas do Brasil. As importações corresponderam a 9,11% das compras totais. Isso se explica pelas compras de petróleo de uns poucos países. A Nigéria é de longe o maior fornecedor.

O comércio tem melhorado, embora de forma desproporcional à enorme importância atribuída à parceria com a África pela diplomacia brasileira. Politicamente o resultado tem sido muito mais pobre. Quando o Brasil apresentou um concorrente à direção-geral da Organização Mundial do Comércio, os africanos votaram em candidato próprio e na rodada seguinte apoiaram o francês Pascal Lamy. Na ONU, os governos da União Africana recusaram apoio, há alguns anos, à reforma defendida por Brasília. Na política de comércio, seus vínculos com as velhas metrópoles europeias continuam mais fortes do que quaisquer afinidades com o Brasil. É mais um caso de parceria estratégica unilateral, uma curiosa invenção da diplomacia lulista.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Brasil, China e Africa: seminario do Cebri em Brasilia


No dia 9 de junho em Brasília. Suspeito que será pouco crítico em relação às políticas governamentais, mas não se pode pedir perfeição de um evento feito em colaboração com os governos...