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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

E agora Paulo [Guedes] ? - Alfredo Bertini (Folha de Pernambuco)

 E agora Paulo [Guedes] ?

E Agora, Paulo?
O Banal "José" dos Versos de Drumond e o Poderoso "Paulo" dos Reversos da Economia
Por Alfredo Bertini
Folha de Pernambuco, 17/12/21
E agora, Paulo?
O modelo acabou,
a ideia apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, Paulo?
E agora, você?
você que fez seu nome,
mas zombou dos pobres,
você que fez promessas,
que reclama, protesta?
e agora, Paulo?
Está sem time,
está sem discurso,
está sem apoio,
já não pode perder,
já não pode sonhar,
articular já não pode.
Porque a noite esfriou,
o dia não veio,
a gasolina subiu,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo parou,
e agora, Paulo?
Com a chave na mão
quis abrir portas.
Mas, não existem mais portas.
Pensou em sair do planalto,
porque seu recanto se esvaziou;
E nem deu pra pensar no Rio,
porque o seu velho Rio não há mais.
Paulo, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
uma economia mais conveniente,
se você insistisse,
mesmo que você cansasse,
se você revisasse...as reformas viriam.
Mas você não planeja,
não insiste e nem revisa,
você é duro, Paulo!
Sozinho nesse escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, Paulo!
Paulo, para onde?
Obrigado ao poeta lá de Itabira, Carlos Drumond de Andrade, pelo primor do seu poema "José", escrito em 1942, São versos e letras que me inspiraram hoje nesta adaptação fiel. Qualquer semelhança não é coincidência. Só exerci em cópia assumida, um simples esforço de adaptação. Ou seja, traduzi o respeito intelectual que tenho pelo poeta, num ensaio demonstrativo que expressasse toda decepção pelo comando dos rumos econômicos do Brasil. Os resultados após 3/4 de governo falam por si.
Assim como o cidadão José do poema, o todo poderoso Paulo Guedes da Economia parece também demonstrar agira o sentimento de solidão e abandono, diante da instabilidade econômica. A sensação é de quem se encontra perdido e sem saber mais qual caminho a seguir. Igual a José.
Assim, renovo a tese de que a literatura pode tornar teoria econômica mais palatável. E, por conseguinte, seus condutores menos sisudos nos tratos e mais populares nos atos.

sábado, 12 de junho de 2021

Marco Maciel: uma homenagem a um mestre na arte do entendimento político - Alfredo Bertini (FPE)

 A ENGENHARIA DO ENTENDIMENTO FICOU ÓRFà

Alfredo Bertini (*)


Dias atrás, nesse clima reflexivo imposto pelos dissabores da pandemia, conversava entre amigos sobre essa conjuntura política de tão baixo nível, sobretudo, no campo do entendimento. 

É impressionante que num ambiente onde ainda se impõem regras e instituições democráticas, o exercício salutar da boa conversação e da busca por consensos seja algo tão escasso. Ultimamente, a sociedade parece ter admitido com espantosa naturalidade que o contraditório é nocivo e por essa razão precisa ser eliminado do contexto. No discurso reacionário do anti-establishment, fez-se emergir essa onda perniciosa de se negar uma essência fascinante da política: sua engenharia.

Aqui e agora, na minha modesta pretensão de reforçar essa tese e ainda render uma justa homenagem a quem foi mestre nesse ofício político, parece-me que uma boa releitura do velho "O Príncipe" ajuda a endossar essas minhas discretas palavras. Afinal, pode-se extrair da obra de Maquiavel um entendimento a respeito dessa raridade em encontrar políticos hábeis e prudentes no exercício democrático do poder, justo nos climas de acirramentos ideológicos.

Bem, naquela conversa entre amigos, lembrava de grandes nomes que deram brilho ao nosso parlamento, tais como Tancredo Neves e Marco Maciel, na intenção de destacá-los como exemplos dignos do  quanto eles fazem falta nesse mundo de polarização, pautado por um desentendimento que se traduz em intolerâncias descabidas e inimizades quase homicidas. Surrealismos e absurdos que vão além das visões de Dali e Kafka. 

É evidente que faz parte da cena política as divergência de idéias, os desencontros nas formas de pensar e executar as ações públicas. O mínimo de respeito aos valores democráticos faz com que esse contexto político seja tratado como algo natural. E justo nesse tipo de ambiente que se vislumbra o papel de quem faz as pontes como marco. Portanto, essas são aquelas raras figuras que se habilitam a praticar uma certa engenharia, que dão sentido à verdadeira essência da política. Uma arte muito própria, nata, somente encontrada em quem sabe valorizar a articulação pelo entendimento, por mais distintas e extremas que sejam as ideias vigentes.

Marco Maciel foi mesmo um exemplo nesse mister. Por mais que algum adversário político tenha nutrido por ele a maior das discordâncias, não terá como desconhecê-lo na sua postura elegante, respeitadora e afável de lidar com o contraditório.  Era impossível chamá-lo para um embate agressivo. Ele se impunha na sua estatura: física e comportamental. 

Particularmente, tive meus momentos de convivência política com ele. Boas recordações de conversas serenas e equilibradas. Não só posso ratificar aqui todos esses conceitos que lhe são atribuídos, como devo externar minha mais profunda admiração pela sua maneira de tratar e considerar o conhecimento técnico-científico. Foram inúmeras as demonstrações que lhe foram creditadas. Seja pela visão dos muitos talentos que ele formou em tantas áreas na sua trajetória política. Ou mesmo, nas iniciativas que tomou a partir da sua concepção de mirar para todas formas de desenvolvimento. Tudo no seu momento certo, pois como costumava dizer: quem tem prazo não tem pressa, porque não se deve por o depois antes do antes". Previsão dos hábeis.

Nesses tempos difíceis, Pernambuco perde uma das suas referências politicas. E justo no momento em que o equilíbrio e o entendimemto se fazem imprescindíveis. Ficam suas boas lições.

A orfandade da engenharia politica consumada hoje com a irreparável perda de Marco Maciel esgotou o prazo. Agora, mais do que nunca, é preciso pressa nessa busca incessante pelo entendimento. Um exercicio de foco nacional que consagraria uma justa homenagem a Marco. Sinto-me enlutado, mas na crença de que seu legado pelo entendimento representa uma lição obrigatória para este momento nacional.

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(*) Economista e colunista da Folha de PE

quarta-feira, 17 de março de 2021

A evolução da espécie: de pária assumido para ameaça mundial - Alfredo Bertini

Alfredo Bertini é um economista pernambucano, diretor da Fundação Joaquim Nabuco, a mais importante instituição cultural de Pernambuco.


A evolução da espécie: de pária assumido para ameaça mundial

17/03/21 às 06H03 atualizado em 17/03/21 às 06H03

Já tive oportunidades de expor a crítica situação do setor externo brasileiro e daí abordar os efeitos sobre a economia. De fato, a postura reativa ao multilateralismo e a assumida falta de compromisso com as questões ambientais deram à nossa política externa um caráter de isolamento. Uma situação assumida pelo próprio chanceler, que revelou não ver preocupações quanto ao reconhecimento do Brasil como pária mundial. Bem, nada tão esquisito para o portfólio das extravagâncias da política atual. Afinal, o ridículo e o absurdo são livres - não têm propriedade e sequer pátria.  

Acontece que esse quadro atípico representa um esforço voluntário descabido, de confrontacionismo e quebra da tradição diplomática brasileira. Tudo agora traduzido pela crença dogmática que se curvou a um ideal extremo, incapaz de transformar diferenças em acordos ou tratados. Por isso, visto de fora, o Brasil perdeu o prumo.

Antes de revelar minha mais recente preocupação, no que tange ao quadro evolutivo de deterioração da imagem mundial do Brasil, destaco que a extensão da pandemia não carece ser usada como pretexto de erros e omissões. O desgaste precede. Afinal, ao discurso e à prática com vieses ideológicos (até então, só submisso ao trumpismo), somaram-se os frágeis resultados econômicos, que entre 2019 e março de 2020, pautaram as incertezas assimiladas pelos agentes econômicos. Neste particular, por exemplo, dos quase US$ 70 bilhões de saída líquida de recursos externos (fuga de capital), cerca de US$ 45 bilhões se deram no exercício de 2019, sem pandemia. Ou seja, o discurso interno prevalecente significou apenas um vetor político-ideológico mais forte que o vetor liberal da equipe econômica. Assim, no setor externo, a real constatação é que os parceiros comerciais estão receosos.

Nessa aposta ideológica, dois aspectos ainda chamam atenção. Em primeiro, o desalinhamento da política ambiental interna com o evangelho da sustentabilidade pregado pelo mundo. Isso num contexto de política pública que oscila entre a redução imposta ao orçamento e as medidas inibidoras  da agenda preservacionista. Em segundo, uma preconceituosa postura sinofóbica, justo com principal parceiro comercial. Mais que um "tiro no pé", negar a China hoje é demonstrar desconhecimento da sua realidade geopolítica e do seu ímpeto econômico. O esforço chinês tem revelado uma evidência globalista, multinacional e sustentável. Ações  assentadas num plano quinquenal, que se colocou distanciado da ortodoxia socialista de outrora. Agora, o plano lida com indicadores econômicos que se comprometem com a segurança alimentar, a matriz energética e a capacidade tecnológica, tudo em sintonia com um mundo revisto e sustentável. 

Não bastasse a soberba confrontacionista em cima desses pontos, o advento da pandemia agregou à política externa brasileira graves complicadores, que têm gerado mais riscos econômicos. Isso passa pela agenda governamental de enfrentamento da pandemia, caracterizada pela negação da crise sanitária, a ausência de plano coordenador e o atraso na estratégia de imunização. 

A soma desses fatores revela o real sentido da evolução aqui insinuada no título deste texto. Afinal, a magnitude do erro terminou por transferir o conceito brasileiro de "pária por voluntarismo" para a estúpida situação de ser visto agora como ameaça mundial. A culminância do desapego pela  imunização rápida irá atrasar a reinserção brasileira em qualquer quadrante deste planeta, independente do objeto. A velocidade do contágio e dos riscos de óbitos da pandemia é largamente superior à capacidade da persuasão científica atuar sobre a resiliência do governo e de parte da população.  

Embriagado e susceptível às piores ressacas, o Brasil está numa solitude soturna e necrofílica. Infelizmente.