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quarta-feira, 30 de abril de 2025

Oliveira Lima: um historiador das Américas, livro de Paulo Roberto de Almeida e André Heráclio do Rego; entrevista PRA (2017)

 Oliveira Lima: um historiador das Américas

Paulo Roberto de Almeida e André Heráclio do Rêgo

Aos 150 anos do nascimento do historiador Oliveira Lima, em 2017, eu e meu amigo e colega André Heráclio do Rego, diplomata e historiador, fizemos um livro reunindo textos trabalhados de forma isolada, mas com o mesmo objetivo, sobre o maior historiador diplomático brasileiro. O livro foi publicado pela CEPE, que é a Companhia Editora de Permanmbuco.
Na ocasião, concedi uma entrevista sobre o livro e o personagem, que não sei se foi publicada na íntegra, pois era bastante longa. Preciso descobrir.
Em todo caso, tenho o prazer de torná-la disponível neste canal, para todos os interessados:
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de abril de 2025

Entrevista sobre Oliveira Lima: livro publicado pela CEPE
Paulo Roberto de Almeida

[Objetivo: respostas a questões de jornalista; finalidade: Folha de Pernambuco]


Livro de Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo:
Oliveira Lima: um historiador das Américas
Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7). Anunciado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/oliveira-lima-um-historiador-das.html

Questões:
1) Como surgiu a ideia de escrever o livro?
PRA: Há muito tempo que eu e meu colega de carreira André Heráclio do Rêgo, legítimo pernambucano, lemos e admiramos Oliveira Lima, em sua qualidade de maior historiador diplomático brasileiro, e um dos poucos, senão o último, a conhecer também (e profundamente) a história de Portugal, o que poucos brasileiros, mesmo acadêmicos, conhecem depois da conquista da independência. Essa característica, obviamente, ocorreu por circunstâncias fortuitas, devido ao fato de sua família, de origem portuguesa, ter retornado a Portugal em sua infância, o que resultou em sua educação basicamente portuguesa, ainda que bastante ligada ao Brasil. Tanto André quanto eu lemos muito Oliveira Lima e aprendemos a admirar seu estilo historiográfico, aliás revolucionário em sua época, pois que combinando os métodos próprios da história com uma análise sociológica do contexto econômico e social dos processos focados por ele (ligados muito à história diplomática, mas também o desenvolvimento social dos povos americanos), e com uma interpretação de cunho psicológico, como revelado em vários trabalhos, como em D. João VI no Brasil, por exemplo, mas em diversos outros textos também, até em artigos de jornal.
O livro surgiu de repente, ao aproximar-se a data dos 150 anos do nascimento de Oliveira Lima, mas não foi escrito rapidamente. Ele resultou de vários trabalhos preliminares que André Heráclio e eu vínhamos fazendo em torno das obras e do pensamento de Oliveira Lima ao longo dos anos. Ambos já tínhamos escrito trabalhos sobre diversas obras dele e para este livro, dedicado ao “historiador das Américas”, selecionamos trabalhos nossos que se ativessem a essa dimensão: André analisou as famosas conferências que Oliveira Lima, pouco antes de se afastar definitivamente do serviço diplomático, fez em visitas e conferências às universidades americanas, comparando o desenvolvimento da parte anglo-saxã do hemisfério com sua parte ibérica, ou hispano-americana, incluindo a brasileira. De minha parte focalizei a carreira do diplomata-historiador em paralelo com a do Barão do Rio Branco, destacando, em outro trabalho, suas crônicas sobre os Estados Unidos do final do século XIX, quando serviu em Washington nas presidências de McKinley. Um trabalho final fixou-se numa conferência feita nos EUA pelo primeiro embaixador brasileiro, Joaquim Nabuco, com quem Oliveira Lima tinha diferenças substanciais no modo de julgar o papel da grande nação no hemisfério e no mundo.

2) Por que o Barão de Rio Branco é um caso único na história da diplomacia?
PRA: Rio Branco, ou Paranhos Júnior, tornou-se uma figura maior da diplomacia brasileira por ter sido o diplomata que, dadas suas virtudes de grande historiador do passado, seu estudo de velhos mapas e manuscritos, soube, como poucos, negociar todas as fronteiras pendentes do Brasil, ao final do século XIX, tanto pela via das arbitragens acordadas bilateralmente, quanto por meio de negociações diretas. Mas essas foram circunstâncias excepcionais, ao ter a diplomacia brasileira o homem certo no momento certo, quando todos os países fronteiriços, na região platina ou nas profundezas da Amazônia, buscavam delimitar os seus limites ainda incertos. Antes, talvez tivesse sido prematuro, depois provavelmente esses casos pendentes teriam sido conduzidos pela via arbitral, com resultados incertos a cada vez, como por acaso ocorreu no caso da Guiana inglesa, quando o rei italiano concedeu à Grã-Bretanha mais território a que ela teria direito pelos documentos que o próprio Rio Branco preparou e repassou a Joaquim Nabuco, que era o defensor do Brasil neste caso arbitral.
Mas o pai do Barão, o Visconde do Rio Branco, foi um diplomata excepcional, talvez até mais bem preparado do que o filho, mas teve de ocupar-se dos conflitos nos quais o Brasil esteve envolvido na região do Prata, no Uruguai, contra Rosas, o ditador argentino, e depois a guerra do Paraguai, deslanchada pelo ditador paraguaio, Solano Lopez. Ademais de grande jornalista – autor das Cartas do Amigo Ausente –, ele também foi um exímio parlamentar, retratado em crônica clássica de Machado de Assis.
O Barão, portanto, não é um caso único, mas ocorreu com ele essa coincidência extraordinária de ser o mais preparado dos homens – independentemente de ser apenas um cônsul, o que ele era até o caso de Palmas, ou das Missões, com a Argentina – para resolver difíceis pendências de fronteiras, que requeriam não só habilidade negociadora mas também um conhecimento profundo da história e da cartografia coloniais.

3) Foi no discurso na Academia Pernambucana de Letras que Oliveira Lima recebeu o apelido de Dom Quixote Gordo?
PRA: Não creio, pois Gilberto Freyre chamou-o por esse carinhoso apelido em circunstâncias posteriores ao conhecimento travado reciprocamente por ambos, em Washington, nos anos 1920, uma vez que o livro do sociólogo da lusotropicologia foi elaborado muitos anos depois da morte de Oliveira Lima. Não conheço o discurso do historiador ao tomar posse na cadeira cujo patrono é o General Abreu e Lima, e o site da Academia Pernambucana de Letras não traz essa informação.

4) O Barão de Rio Branco era mais versado no trato diplomático do que Oliveira Lima?
PRA: Seus estilos eram bem diferentes, inclusive por formação familiar. Paranhos Júnior acompanhou o pai em missões no Prata desde muito jovem, quando Oliveira Lima estava ainda estudando em Lisboa, dada a diferença de mais de vinte anos entre ambos. Quando o pernambucano ingressa na carreira diplomática, no início da República, o cônsul Paranhos Jr. já servia desde longos anos no Consulado em Liverpool, e tinha uma convivência estreita com a nobreza do regime imperial, o que provavelmente explica seu maior tato diplomático do que Oliveira Lima, mais voltado para os trabalhos de pesquisa e escrita de seus brilhantes livros de história, desde o inicial sobre o desenvolvimento social de Pernambuco, o que lhe abriu, antes de Rio Branco, as portas da Academia Brasileira de Letras. Oliveira Lima se chocou com o próprio Rio Branco, com Joaquim Nabuco em diversas ocasiões, por motivos que não tinham exatamente a ver com a carreira diplomática, e provavelmente mais com ciúmes intelectuais e disputas políticas no âmbito da “república das letras”, mas também por diferenças de opinião quanto à política externa que melhor conviria ao Brasil.

5) Qual a grande importância de Oliveira Lima como historiador em relação ao Brasil?
PRA: À diferença de Varnhagen, que é considerado o patrono da historiografia brasileira, Oliveira Lima ultrapassou a simples pesquisa em arquivos, superou o mero recurso aos documentos, para fazer aquilo que no século XX ficou conhecido como história social total, tal como praticado pela Escola francesa dos Annales. Ele pode, aliás, ser considerado um precursor dessa análise abrangente, combinando fontes primárias, visão sociológica, percepções antropológicas e finas análises psicológicas. Suas obras históricas constituem, verdadeiramente, uma síntese abrangente dos processos históricos, não apenas pela sua formação na pesquisa histórica, mas também pelo exercício constante do jornalismo o que torna o seu estilo de escrita muito mais fascinante do que o vocabulário pouco atraente de Varnhagen. Em história do Brasil, ele foi o único a ter uma percepção mais ampla do mundo português, que marcou o Brasil durante boa parte do século XIX, até praticamente o início do século XX. De resto, ele foi o verdadeiro iniciador da história diplomática brasileira, mesmo se os predecessores também trataram dessa vertente, mas sem a sua visão global e metodologicamente diversificada.

6) Quais são as obras mais importantes de Oliveira Lima?
PRA: Depois de uma história de Pernambuco (1895), a coletânea de crônicas sobre os Estados Unidos (1899) impressiona pela visão de futuro da grande potência ainda nascente; ele também foi o primeiro a visualizar a ascensão do Japão a potência emergente (1903), mas no intervalo compôs o seu primeiro livro de história diplomática (O Reconhecimento do Império, 1901). Ele fez vários livros, muitos artigos, dezenas, senão centenas de textos para jornais e conferências, antes de consolidar sua fama como o maior historiador brasileiro da transição para a independência com Dom João VI no Brasil (1908). Seguiram suas palestras na Sorbonne, publicadas em francês sob o título de Formation Historique de la Nationalité Brésilienne (1911), obra verdadeiramente magnífica, ao lado das outras conferências pronunciadas nos Estados Unidos e que são igualmente clássicas, pelo comparatismo de grande densidade histórica: The evolution of Brazil compared with that of Spanish and Anglo-Saxon America (1912), publicadas dois anos depois no Rio de Janeiro: América Latina e América Inglesa: a evolução brasileira comparada com a Hispano-Americana e a Anglo-Americana. Sua história diplomática do Brasil se completa com O Movimento da Independência, 1821-1822 (1922), mas entre essas obras, e depois, existe uma pletora de trabalhos de grande valor histórico, sociológico ou jornalístico.

7) Como foi escrever a quatro mãos?
PRA: O livro não resultou de uma colaboração a dois, mas sim de uma assemblagem de escritos independentes, que por acaso combinavam pela metodologia adotada e por enfoques relativamente similares: ou seja, a obra sociológica de Oliveira Lima sobre temas americanos, ou hemisféricos. São três textos meus, e um de André Heráclio, que trata do conjunto de sua obra, mas basicamente de um de seus melhores livros, o que comparou a evolução respectiva das três grandes civilizações americanas.

8) Qual a história mais intrigante que você conta sobre a personalidade de Oliveira Lima?
PRA: Sobre seus entreveros com o Barão do Rio Branco, justamente, quando este já era ministro e pretendeu designá-lo para a legação em Lima, quando o Barão tinha de resolver o delicado problema do Acre, ao lado das pretensões do Peru de reivindicar boa parte da Amazônia boliviana e brasileira, mas Oliveira Lima resiste a ir para Lima, mesmo já designado oficialmente. Ao ficar sem posto no Rio de Janeiro, o historiador pernambucano começa a escrever artigos de jornal expressando sua opinião provocadora sobre a melhor maneira de orientar a política externa brasileira. Esse tipo de atitude desafiadora de Oliveira Lima degradou as relações entre ambos, ao que se agregou, logo adiante, desacordos ainda mais sérios com Joaquim Nabuco, a quem Lima criticava por sua postura muito simpática aos Estados Unidos, quando ele próprio já temia a atitude arrogante da potência imperial em formação. Em tudo isso, sobressai-se também a personalidade difícil de Dona Flora, que achava que seu marido é quem merecia ser designado chanceler de um dos muitos presidentes a quem Rio Branco serviu como ministro das Relações Exteriores.

9) Qual a principal divergência entre Rio Branco e Oliveira Lima?
PRA: Oliveira Lima se julgava merecedor de um bom posto na Europa, depois de ter servido no longínquo Japão, pois pretendia continuar suas pesquisas históricas nos arquivos das principais potências europeias. Rio Branco o queria na América do Sul, num momento extremamente importante para as negociações de fronteiras com os vizinhos. Como castigo, pelo fato de o historiador não ter aceito ir para Lima, Rio Branco ainda o designou para o México (tampouco aceito) e depois para Caracas, o que deve ter sido considerado uma punição para quem se julgava merecedor de coisas melhores.

10) Há um trecho em que vocês falam das frases ferinas, ironias e críticas indiretas ao ministro. Pode citar algo?
PRA: Quando designado para o Peru, Oliveira Lima teria repetido uma frase atribuída ao longevo secretário-geral do Itamaraty, o Visconde de Cabo Frio: “Peru, só na mesa, e para quem gosta”, e ele acrescentou: “E eu não gosto.” Outras frases ferinas foram pronunciadas no discurso de posse de Oliveira Lima na Academia Brasileira de Letras, em 1903, quando ele tinha sido escolhido na primeira turma, em 1896, à frente de Rio Branco, que teve de esperar a morte de um antecessor; frases ao estilo de saber “fazer história” e outras do mesmo tipo.

11) Em que pontos Oliveira Lima divergiu dos EUA a favor do Brasil?
PRA: Ao ter vivido em Washington na segunda metade da última década do século XIX, no momento da guerra hispano-americana e da projeção dos EUA sobre territórios no Caribe e no Pacífico (Cuba, Haiti, Porto Rico, Filipinas), Oliveira Lima viu de perto o poder imperial na sua fase do “grande porrete” em construção, o que seria consagrado no início do século XX, por Theodore Roosevelt. Assim, quando da reunião pan-americana no Rio de Janeiro, em 1906, ele assume uma postura muito crítica dos EUA, contra a atitude simpática, até benevolente de Joaquim Nabuco. Mas, realista, ele reconhecia no tremendo progresso econômico americano um exemplo a ser seguido pelo Brasil, mesmo criticando a terrível segregação racial ali praticada. Ou seja, ele pretendia o desenvolvimento material americano combinado à suposta integração racial no Brasil. Ele também soube reconhecer os progressos feitos pela Argentina, e deixou um livro inteiro sobre o país vizinho (1919). Nos anos 1920, ele desejava construir um tipo de panamericanismo inteiramente respeitador das soberanias latino-americanas, numa fase em que os EUA ainda não tinham renunciado à sua política de intervenções.

Questões colocadas por:
Carolina Botelho
Folha de Pernambuco

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@me.com)
Brasília, 3207: 12 de dezembro de 2017, 6 p.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

E agora Paulo [Guedes] ? - Alfredo Bertini (Folha de Pernambuco)

 E agora Paulo [Guedes] ?

E Agora, Paulo?
O Banal "José" dos Versos de Drumond e o Poderoso "Paulo" dos Reversos da Economia
Por Alfredo Bertini
Folha de Pernambuco, 17/12/21
E agora, Paulo?
O modelo acabou,
a ideia apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, Paulo?
E agora, você?
você que fez seu nome,
mas zombou dos pobres,
você que fez promessas,
que reclama, protesta?
e agora, Paulo?
Está sem time,
está sem discurso,
está sem apoio,
já não pode perder,
já não pode sonhar,
articular já não pode.
Porque a noite esfriou,
o dia não veio,
a gasolina subiu,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo parou,
e agora, Paulo?
Com a chave na mão
quis abrir portas.
Mas, não existem mais portas.
Pensou em sair do planalto,
porque seu recanto se esvaziou;
E nem deu pra pensar no Rio,
porque o seu velho Rio não há mais.
Paulo, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
uma economia mais conveniente,
se você insistisse,
mesmo que você cansasse,
se você revisasse...as reformas viriam.
Mas você não planeja,
não insiste e nem revisa,
você é duro, Paulo!
Sozinho nesse escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, Paulo!
Paulo, para onde?
Obrigado ao poeta lá de Itabira, Carlos Drumond de Andrade, pelo primor do seu poema "José", escrito em 1942, São versos e letras que me inspiraram hoje nesta adaptação fiel. Qualquer semelhança não é coincidência. Só exerci em cópia assumida, um simples esforço de adaptação. Ou seja, traduzi o respeito intelectual que tenho pelo poeta, num ensaio demonstrativo que expressasse toda decepção pelo comando dos rumos econômicos do Brasil. Os resultados após 3/4 de governo falam por si.
Assim como o cidadão José do poema, o todo poderoso Paulo Guedes da Economia parece também demonstrar agira o sentimento de solidão e abandono, diante da instabilidade econômica. A sensação é de quem se encontra perdido e sem saber mais qual caminho a seguir. Igual a José.
Assim, renovo a tese de que a literatura pode tornar teoria econômica mais palatável. E, por conseguinte, seus condutores menos sisudos nos tratos e mais populares nos atos.

quarta-feira, 17 de março de 2021

A evolução da espécie: de pária assumido para ameaça mundial - Alfredo Bertini

Alfredo Bertini é um economista pernambucano, diretor da Fundação Joaquim Nabuco, a mais importante instituição cultural de Pernambuco.


A evolução da espécie: de pária assumido para ameaça mundial

17/03/21 às 06H03 atualizado em 17/03/21 às 06H03

Já tive oportunidades de expor a crítica situação do setor externo brasileiro e daí abordar os efeitos sobre a economia. De fato, a postura reativa ao multilateralismo e a assumida falta de compromisso com as questões ambientais deram à nossa política externa um caráter de isolamento. Uma situação assumida pelo próprio chanceler, que revelou não ver preocupações quanto ao reconhecimento do Brasil como pária mundial. Bem, nada tão esquisito para o portfólio das extravagâncias da política atual. Afinal, o ridículo e o absurdo são livres - não têm propriedade e sequer pátria.  

Acontece que esse quadro atípico representa um esforço voluntário descabido, de confrontacionismo e quebra da tradição diplomática brasileira. Tudo agora traduzido pela crença dogmática que se curvou a um ideal extremo, incapaz de transformar diferenças em acordos ou tratados. Por isso, visto de fora, o Brasil perdeu o prumo.

Antes de revelar minha mais recente preocupação, no que tange ao quadro evolutivo de deterioração da imagem mundial do Brasil, destaco que a extensão da pandemia não carece ser usada como pretexto de erros e omissões. O desgaste precede. Afinal, ao discurso e à prática com vieses ideológicos (até então, só submisso ao trumpismo), somaram-se os frágeis resultados econômicos, que entre 2019 e março de 2020, pautaram as incertezas assimiladas pelos agentes econômicos. Neste particular, por exemplo, dos quase US$ 70 bilhões de saída líquida de recursos externos (fuga de capital), cerca de US$ 45 bilhões se deram no exercício de 2019, sem pandemia. Ou seja, o discurso interno prevalecente significou apenas um vetor político-ideológico mais forte que o vetor liberal da equipe econômica. Assim, no setor externo, a real constatação é que os parceiros comerciais estão receosos.

Nessa aposta ideológica, dois aspectos ainda chamam atenção. Em primeiro, o desalinhamento da política ambiental interna com o evangelho da sustentabilidade pregado pelo mundo. Isso num contexto de política pública que oscila entre a redução imposta ao orçamento e as medidas inibidoras  da agenda preservacionista. Em segundo, uma preconceituosa postura sinofóbica, justo com principal parceiro comercial. Mais que um "tiro no pé", negar a China hoje é demonstrar desconhecimento da sua realidade geopolítica e do seu ímpeto econômico. O esforço chinês tem revelado uma evidência globalista, multinacional e sustentável. Ações  assentadas num plano quinquenal, que se colocou distanciado da ortodoxia socialista de outrora. Agora, o plano lida com indicadores econômicos que se comprometem com a segurança alimentar, a matriz energética e a capacidade tecnológica, tudo em sintonia com um mundo revisto e sustentável. 

Não bastasse a soberba confrontacionista em cima desses pontos, o advento da pandemia agregou à política externa brasileira graves complicadores, que têm gerado mais riscos econômicos. Isso passa pela agenda governamental de enfrentamento da pandemia, caracterizada pela negação da crise sanitária, a ausência de plano coordenador e o atraso na estratégia de imunização. 

A soma desses fatores revela o real sentido da evolução aqui insinuada no título deste texto. Afinal, a magnitude do erro terminou por transferir o conceito brasileiro de "pária por voluntarismo" para a estúpida situação de ser visto agora como ameaça mundial. A culminância do desapego pela  imunização rápida irá atrasar a reinserção brasileira em qualquer quadrante deste planeta, independente do objeto. A velocidade do contágio e dos riscos de óbitos da pandemia é largamente superior à capacidade da persuasão científica atuar sobre a resiliência do governo e de parte da população.  

Embriagado e susceptível às piores ressacas, o Brasil está numa solitude soturna e necrofílica. Infelizmente.

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