Alfredo Bertini é um economista pernambucano, diretor da Fundação Joaquim Nabuco, a mais importante instituição cultural de Pernambuco.
A evolução da espécie: de pária assumido para ameaça mundial
Já tive oportunidades de expor a crítica situação do setor externo brasileiro e daí abordar os efeitos sobre a economia. De fato, a postura reativa ao multilateralismo e a assumida falta de compromisso com as questões ambientais deram à nossa política externa um caráter de isolamento. Uma situação assumida pelo próprio chanceler, que revelou não ver preocupações quanto ao reconhecimento do Brasil como pária mundial. Bem, nada tão esquisito para o portfólio das extravagâncias da política atual. Afinal, o ridículo e o absurdo são livres - não têm propriedade e sequer pátria.
Acontece que esse quadro atípico representa um esforço voluntário descabido, de confrontacionismo e quebra da tradição diplomática brasileira. Tudo agora traduzido pela crença dogmática que se curvou a um ideal extremo, incapaz de transformar diferenças em acordos ou tratados. Por isso, visto de fora, o Brasil perdeu o prumo.
Antes de revelar minha mais recente preocupação, no que tange ao quadro evolutivo de deterioração da imagem mundial do Brasil, destaco que a extensão da pandemia não carece ser usada como pretexto de erros e omissões. O desgaste precede. Afinal, ao discurso e à prática com vieses ideológicos (até então, só submisso ao trumpismo), somaram-se os frágeis resultados econômicos, que entre 2019 e março de 2020, pautaram as incertezas assimiladas pelos agentes econômicos. Neste particular, por exemplo, dos quase US$ 70 bilhões de saída líquida de recursos externos (fuga de capital), cerca de US$ 45 bilhões se deram no exercício de 2019, sem pandemia. Ou seja, o discurso interno prevalecente significou apenas um vetor político-ideológico mais forte que o vetor liberal da equipe econômica. Assim, no setor externo, a real constatação é que os parceiros comerciais estão receosos.
Nessa aposta ideológica, dois aspectos ainda chamam atenção. Em primeiro, o desalinhamento da política ambiental interna com o evangelho da sustentabilidade pregado pelo mundo. Isso num contexto de política pública que oscila entre a redução imposta ao orçamento e as medidas inibidoras da agenda preservacionista. Em segundo, uma preconceituosa postura sinofóbica, justo com principal parceiro comercial. Mais que um "tiro no pé", negar a China hoje é demonstrar desconhecimento da sua realidade geopolítica e do seu ímpeto econômico. O esforço chinês tem revelado uma evidência globalista, multinacional e sustentável. Ações assentadas num plano quinquenal, que se colocou distanciado da ortodoxia socialista de outrora. Agora, o plano lida com indicadores econômicos que se comprometem com a segurança alimentar, a matriz energética e a capacidade tecnológica, tudo em sintonia com um mundo revisto e sustentável.
Não bastasse a soberba confrontacionista em cima desses pontos, o advento da pandemia agregou à política externa brasileira graves complicadores, que têm gerado mais riscos econômicos. Isso passa pela agenda governamental de enfrentamento da pandemia, caracterizada pela negação da crise sanitária, a ausência de plano coordenador e o atraso na estratégia de imunização.
A soma desses fatores revela o real sentido da evolução aqui insinuada no título deste texto. Afinal, a magnitude do erro terminou por transferir o conceito brasileiro de "pária por voluntarismo" para a estúpida situação de ser visto agora como ameaça mundial. A culminância do desapego pela imunização rápida irá atrasar a reinserção brasileira em qualquer quadrante deste planeta, independente do objeto. A velocidade do contágio e dos riscos de óbitos da pandemia é largamente superior à capacidade da persuasão científica atuar sobre a resiliência do governo e de parte da população.
Embriagado e susceptível às piores ressacas, o Brasil está numa solitude soturna e necrofílica. Infelizmente.
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