O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Bolsonaro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bolsonaro. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Bolsonaro "enterra" o Brasil na ONU e para o mundo - Rubens Ricupero (Terra)

"Discurso mais desastroso de todos", diz ex-embaixador

Para embaixador, presidente visa consolidar apoio de segmento que lhe deu vitória e ignora ótica internacional

Embaixador aposentado com mais de quatro décadas de carreira no Itamaraty, o diplomata Rubens Ricupero acredita que o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da Nações Unidas (ONU) pode ter reflexos negativos em acordos comerciais e na relação com investidores estrangeiros.
Rubens Ricupero, professor e pesquisador da FAAP e ex-embaixador do Brasil (12/09/2018)
Rubens Ricupero, professor e pesquisador da FAAP e ex-embaixador do Brasil (12/09/2018) 
Foto: WERTHER SANTANA / Estadão Conteúdo

Subsecretário da ONU entre 1995 e 2004, quando comandou a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), ele diz que a negação do desmatamento na Amazônia desperdiça o que, para ele, foi o "único trunfo" do Brasil na cena internacional: o prestígio pela condução de sua diplomacia do meio ambiente. Ricupero classificou o discurso como "desastroso" e disse que não há paralelo com a participação de outros representantes do País na Assembleia-Geral.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Qual a impressão do senhor do discurso feito pelo presidente Jair Bolsonaro?
Antes do discurso, eu já achava que o presidente iria a Nova York sobretudo em função do público interno, e não do público internacional. Ele fez exatamente isso, tanto que não sou só eu que estou dizendo. Se você tiver o cuidado de ler o tuíte do Flávio Bolsonaro, senador e filho dele, vai ver que ele diz exatamente a mesma coisa que eu digo: que o presidente fez, na ONU, o discurso vitorioso nas eleições aqui no Brasil, e por isso os derrotados estão protestando.
Ele mostra claramente que esse é um episódio que não se compreende pela ótica internacional, como seria natural. A chave para a compreensão do discurso dele é a política doméstica brasileira. Bolsonaro é um presidente obcecado pela perda de popularidade, que já está se lançando candidato à reeleição, e já está disputando com rivais como (o governador de São Paulo, João) Doria e outros. Ele radicaliza o discurso para consolidar o seu apoio naquele segmento que deu a vitória a ele.
Nenhum presidente brasileiro jamais fez um discurso desse tipo fora do Brasil. É como lavar a roupa suja fora de casa, de maneira escancarada. O discurso, às vezes, parece mais se dirigir contra os opositores internos do que externos. Mas sobrou para todo mundo: Cuba, Venezuela, França, Alemanha, ONU. Ele atacou todos.
Qual a consequência de ele fazer um discurso desses na principal tribuna do mundo? 
Eu considero que é o discurso mais desastroso de todos os discursos feitos pelo Brasil desde que existe o debate da Assembleia-Geral. Conheço bem os discursos feitos por todos os antecessores porque escrevi um livro sobre a história da diplomacia brasileira (A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016, Versa Editores). É um discurso agressivo e belicoso no fundo, na forma e no tom. Bolsonaro estava claramente desconfortável naquele ambiente, sentia que era um auditório hostil. Não teve amenidades. Em diplomacia, às vezes a forma é mais importante do que o conteúdo. Nesse caso, tanto o conteúdo quanto a forma são muito duros. Ele confirma o que há de pior.
E como isso se reflete nas relações do Brasil com os países?
Os acordos que o Mercosul tinha assinado com a União Europeia e a Área de Livre Comércio Europeu já estavam praticamente mortos. Agora, ele coloca vários pregos no caixão. Ele inviabiliza, no futuro previsível, qualquer esforço de boa vontade para apresentar esses acordos à aprovação dos diversos parlamentos europeus. Isso vai afetar muito as perspectivas do agronegócio brasileiro, da exportação do Brasil em geral.
Aquilo que o Brasil tinha, uma imagem positiva em meio ambiente, ele jogou fora, no lixo. Ele desperdiçou o único trunfo que o Brasil tinha. Nós não temos poder militar, não temos bomba atômica, nem poder econômico. Mas tinha aquele prestígio da sua diplomacia proativa em matéria ambiental. Agora, nós perdemos isso. Acho que isso vai alimentar essa onda contra nós. Antes de ir a Nova York, eu achava que era difícil piorar a situação. Eu me enganei. Ele conseguiu piorar.
O Brasil já tinha protagonizado embates com outros países. É uma oportunidade perdida? Era possível usar esse discurso como uma tentativa de reiniciar essas relações?
Se ele fosse uma pessoa diferente, acho que sim. Você se lembra que, pouco antes de ele sair daqui, houve aquele documento assinado por 230 fundos de investimento (em defesa da Amazônia). Eram fundos de mais de 30 países que manejam trilhões de dólares. Utilizando isso, ele poderia ter feito um discurso muito mais conciliador. Poderia dizer que tinha sido mal compreendido, que o Brasil quer atrair investimentos, que o País quer ter uma política de desenvolvimento sustentável. Ele poderia ter feito algo muito mais construtivo, como seria do interesse até do agronegócio, por exemplo. É uma oportunidade perdida e não sei se haverá outra.
Há muitos apoiadores do presidente que esperavam que o tom fosse justamente esse, e concordam com essa posição. Ainda existe espaço para essa retórica na comunidade internacional, uma vez que ele está alinhado a líderes como Donald Trump, Boris Johnson e Viktor Orbán?
Não, não existe. Esses exemplos mesmo que você mencionou mostram claramente que isso é antidiplomacia. É querer desafiar aquilo que antigamente se chamava de "a opinião honesta da humanidade". Esses homens são indivíduos criticados, despreparados. Quem é que admira Boris Johnson, à exceção daqueles poucos partidários dele? Ninguém. O Trump tem aquele núcleo de apoiadores fiéis, mas agora ele está lutando pela própria sobrevivência. Se você levar em conta que o Matteo Salvini (ex-ministro da Itália) já saiu de cena, que Binyamin Netanyahu já não tem mais nenhuma posição proeminente em Israel, e que Trump está salvando a própria pele, você vê que esse, aparentemente, não é o caminho do sucesso.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

O discurso na ONU que poderia ser feito e não foi - Adriana Erthal Abdenur, Maiara Folly (The Intercept)

Um discurso do Brasil na ONU que não será lido por Bolsonaro

onu-header-2-1569285743
Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil
A Assembleia Geral das Nações Unidas é um dos principais órgãos da ONU. Tradicionalmente, cabe ao Brasil abrir a sua reunião anual. É um momento importante, em que o presidente reafirma os compromissos do país nas relações internacionais. Frente às drásticas mudanças que ocorrem na política externa brasileira, decidimos escrever o discurso que acreditamos que o Brasil deveria apresentar aos chefes de Estado reunidos em Nova York.
É um discurso que projeta um ideal de nação e justiça. Guarda o tom dos discursos diplomáticos, com referência a órgãos e tratados que existem, com propostas fictícias, criadas por nós, mas que acreditamos serem viáveis e necessárias. Somos duas especialistas em relações internacionais, com pesquisas sobre paz, segurança e políticas públicas.

O discurso está baseado em pilares centrais defendidos pela diplomacia brasileira desde o retorno à democracia. Entre eles, destacam-se a promoção da integração regional e o acolhimento de migrantes e refugiados, além da defesa do meio ambiente, dos direitos humanos, da resolução pacíficas de conflitos e do multilateralismo, em contraste com o atual foco no nacionalismo, que enxerga a soberania nacional e a cooperação multilateral como mutuamente excludentes. Também reforçamos em nosso discurso a histórica demanda do Brasil em favor da reforma das instituições que compõem a governança global, incluindo o Conselho de Segurança da ONU e o Banco Mundial, de forma a dar maior voz aos países em desenvolvimento.
Também traz iniciativas inovadoras que ainda não existem, mas também retoma compromissos anunciados na última década, como o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, a criação de um fundo soberano voltado à educação e à pesquisa, e o lançamento de um Livro Branco de Política Externa formulado com grande participação da sociedade civil, promessa anunciada em 2014, mas jamais concretizada pelo Ministério das Relações Exteriores. O discurso termina anunciando o lançamento do Museu da Escravidão, no Rio de Janeiro, um projeto que idealizamos a ser criado em cooperação com outros países de língua portuguesa.
É um lembrete de que um dia poderemos ter uma política externa proativa e criativa, coerente com os valores democráticos e com o objetivo de melhorar nossas vidas.
Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil
Bom dia a todas e todos. É uma honra estar aqui e dar continuidade à longa tradição que o Brasil mantém de abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas.
Senhoras e senhores, enfrentamos crises sem precedentes no mundo. Novas tecnologias, transformações geopolíticas e o impacto das mudanças climáticas são apenas três dos desafios complexos que nos trazem novas incertezas.
O Brasil tem longa trajetória de contribuir para o multilateralismo, tradição que perpassa governos democráticos e militares, seja por meio de esforços globais como a Liga das Nações e as Nações Unidas; ou por meio das organizações regionais, como a Organização dos Estados Americanos e o Mercosul.
O multilateralismo e o respeito pelo direito internacional são fundamentais para que possamos enfrentar e prevenir os problemas cada vez mais urgentes do mundo atual. Rejeitamos os discursos nacionalistas e populistas que se aproveitam das novas incertezas para esvaziar as instituições da governança global e para enfraquecer a democracia e os direitos humanos.
O passado nos mostra que problemas globais não podem ser resolvidos por um só país. Ao invés de trazerem prosperidade, o unilateralismo e o isolacionismo provocam instabilidade e, até mesmo, guerras.
O Brasil tem colhido os frutos concretos de sua tradição multilateralista, dentre os quais os avanços logrados por meio da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e o reconhecimento do seu território marítimo através da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.
Portanto, acreditamos que, longe de serem mutuamente excludentes, o multilateralismo e a soberania nacional reforçam-se mutuamente.
Defendemos a multipolaridade cooperativa, por meio da qual poderemos construir uma ordem internacional mais equânime e democrática, com maior representatividade dos países em desenvolvimento. Essa ordem deve ser pautada pelo multilateralismo e pelo direito internacional, e não por rivalidades geopolíticas ou ambições hegemônicas.
A política externa brasileira retoma o seu viés universalista, fundamentado na ideia de que o diálogo é necessário especialmente quando discordamos. Por isso o Brasil continua, através da Agência Brasileira de Cooperação, fortalecendo os laços de cooperação Sul-Sul. Aprofundamos as trocas não apenas através de agrupamentos tais como o IBAS e o BRICS, mas também bilateralmente com parceiros na América Latina, na África e na Ásia com base nos princípios de amizade, horizontalidade e reciprocidade. Para tal, o Brasil assume o compromisso de expandir seu orçamento para atividades de cooperação internacional, sempre considerando a responsabilidade fiscal e o impacto social e ambiental de tais projetos.
Os países latino-americanos são nossos vizinhos e temos todos a ganhar com uma maior integração regional. Reconhecemos nossa dívida histórica para com nossos antepassados africanos e nos orgulhamos das nossas raízes. Os laços entre o Brasil e o Oriente Médio são históricos e continuaremos expandindo as trocas. Acompanhamos com grande interesse a iniciativa do Cinturão e Rota e buscaremos aprofundar nossos intercâmbios com parceiros asiáticos.
VozesLeia Nossa Cobertura CompletaVozes
Também devemos trabalhar juntos pela inovação. Além de desenvolver tecnologias de ponta em áreas tais como aviação e energia nuclear para fins pacíficos, o Brasil também é referência em tecnologias sociais no combate à fome e à pobreza. Na nossa cooperação solidária, iremos privilegiar os esforços em saúde pública, compartilhando nossas experiências no desenvolvimento de um sistema único de saúde de acesso universal e resguardado pela Constituição federal, buscando também aprender com nossos parceiros.
Sociedade civil e setor privado têm seu papel a desempenhar nas políticas públicas e na cooperação – mas isso não quer dizer que os estados devem abdicar da sua responsabilidade perante os desafios atuais.
As instituições de Bretton Woods e outros componentes da governança global econômica devem atentar para a pauta comercial que, na ausência de um arcabouço global efetivo, se afunda em um bilateralismo sem rumo. Esse panorama produz trocas que são altamente assimétricas, prejudicando os países em desenvolvimento.
Igualmente preocupante é a tendência de financeirização da economia global. O fenômeno vem exacerbando as profundas desigualdades socioeconômicas já existentes, alimentando uma super elite com poder político desproporcional e fomentando novas tensões sociais. Precisamos inovar nos esforços de regulamentação do setor financeiro e no combate à precarização do trabalho.
O Brasil segue comprometido com a reforma do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio, de forma a torná-las mais eficazes. E isso requer maior representatividade da ordem mundial atual, na qual países em desenvolvimento contribuem significativamente para o crescimento mundial, mas carecem de poder decisório. Enxergamos essas mudanças como urgentes, sobretudo diante de ameaças protecionistas e guerras comerciais que se acirram em meio à falta de respeito pelas normas internacionais.
Os arranjos regionais também têm um papel fundamental na promoção da multipolaridade cooperativa. A América Latina não pode se tornar um cemitério de organizações regionais. Além de propor a reforma da OEA de forma a fortalecer seu papel na prevenção e resolução de conflitos, o Brasil irá lançar novas iniciativas para reforçar a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, que enxergamos como um espaço cada vez mais estratégico para a região.
Reafirmar a soberania brasileira sobre a nossa parte da Amazônia e rechaçar a ideia da sua internacionalização não exclui reconhecer sua importância global. O Brasil permanece à disposição para cooperar com parceiros em busca da preservação da floresta amazônica, da proteção dos povos indígenas e tradicionais, e do desenvolvimento sustentável e inclusivo de toda a Amazônia.
Senhoras e senhores, o Antropoceno demanda soluções cooperativas e fundamentadas em pesquisas e evidências. Face à emergência climática que o mundo enfrenta, o Brasil reitera seus compromissos para com o Acordo de Paris. A comunidade científica no Brasil trabalha em estreita colaboração com contrapartidas em outros países no desenvolvimento de mecanismos de monitoramento da floresta, desde satélites até o uso da inteligência artificial. Nos orgulhamos dos nossos centros de excelência como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe.
A valorização da ciência, do conhecimento e da educação é primordial na promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo. É por isso que garantiremos a realização do nosso Censo Demográfico em seu formato original. Além disso, criaremos um fundo soberano cujos recursos serão dedicados exclusivamente ao fortalecimento da educação pública, incluídas a pesquisa e a inovação. O Fundo Paulo Freire contará com ampla participação social na elaboração de um modelo de gestão inovador, além de estar aberto à cooperação com empresas e países parceiros.
O Brasil lidera esforços climáticos internacionais desde que sediou a Rio 92 e a Rio+20. Mantendo a tradição, iremos sediar a próxima Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Tais esforços irão fortalecer a governança climática inovadora que estamos desenvolvendo no Brasil em parceria com governos estaduais e municipais, atores da sociedade civil e entidades do setor privado.
Reafirmar a soberania brasileira sobre a nossa parte da Amazônia e rechaçar a ideia da sua internacionalização não exclui reconhecer sua importância global.
Além disso, o Brasil convida a comunidade internacional a apoiar e participar da Conferência Internacional da Juventude e do Clima que iremos sediar no ano que vem em Teresina, no Piauí.
A cooperação internacional é essencial para o avanço do desenvolvimento sustentável e inclusivo. Iremos fortalecer nossos laços de cooperação para repensar modelos de infraestrutura de grande porte, identificando e promovendo boas práticas na redução dos impactos socioambientais do deslocamento das populações locais. Essas e outras iniciativas de mitigação e adaptação demandam não apenas maior engajamento de países em desenvolvimento, mas também maiores compromissos por parte dos países que deram saltos históricos em desenvolvimento causando fortes impactos ambientais. Nesse sentido, enxergamos no diálogo de alto nível que estabelecemos em abril com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico um canal importante de troca de ideias, respeitando nossas diferenças.
Para que possamos redobrar os esforços de cooperação, solicitei à nossa Ministra das Relações Exteriores, que convoque uma reunião extraordinária da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia.
Nesse encontro, iremos lançar novos esforços colaborativos de proteção das florestas e dos seus habitantes, promovendo uma abordagem sustentável em toda a Bacia do Amazonas.
Senhoras e senhores, o Brasil tem longa tradição de prevenção e resolução pacífica dos conflitos, dentro e fora da sua região. Nosso país tem orgulho de estar entre os membros fundadores da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul, livre de armas nucleares, que constitui uma das nossas maiores credenciais como ator na paz e segurança internacional.
O Brasil lamenta o desgaste do regime internacional de desarmamento, com o recente colapso do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, e se compromete a ratificar e a promover a universalização do novo Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares.
No mesmo espírito, anunciamos uma moratória nacional na produção de munições de fragmentação e irá aderir à Convenção de Oslo sobre a proibição desses artefatos, que provocam danos desproporcionais à população civil.
O Brasil opõe-se a intervenções militares salvo em caso de aprovação pelo Conselho de Segurança e, mesmo assim, defendemos o uso responsável da força. Casos de instabilidade aguda requerem uma abordagem pacífica priorizando os meios políticos e diplomáticos. O Brasil rejeita o uso da força para lidar com a crise venezuelana, posto que recorrer às armas poderia gerar instabilidade na Venezuela e em toda a região por décadas.
Entendemos, ainda, que sanções econômicas têm impacto imediato e desproporcional sobre a população civil. Portanto, o Brasil opõe-se a sanções unilaterais, enxergando-as como medidas de último recurso que devem ser aprovadas no âmbito das Nações Unidas. O Brasil acredita que a crise apenas poderá ser resolvida pelos próprios venezuelanos, sem ditames externos. Iremos colaborar com os esforços imparciais de mediação entre o governo e a oposição, como Grupo Internacional de Contato, o Mecanismo de Montevidéu, e os Diálogos de Oslo.
O Brasil apoia o acordo de paz assinado entre o governo da Colômbia e as FARC e permanece à disposição para apoiar as partes para que retrocessos sejam evitados na implementação do acordo.
Estamos prontos a desempenhar atividades de mediação no Oriente Médio, caso sejamos convidados pelas partes.
Também reiteramos nosso apoio à resolução pacífica dos conflitos no Oriente Médio. Mais especificamente, assinalamos a necessidade de preservar o acordo sobre o programa nuclear iraniano. Reafirmamos o compromisso do Brasil com a solução de dois Estados para Palestina e Israel, com base nas linhas de 1967 e nos parâmetros do direito internacional, inclusive em relação ao status de Jerusalém. Estamos prontos a desempenhar atividades de mediação no Oriente Médio, caso sejamos convidados pelas partes.
Acreditamos que os mecanismos de paz e segurança das Nações Unidas podem e devem ser modernizados e aprimorados. Sob a liderança da nossa ministra da Defesa o Brasil retoma seu papel junto às operações de paz da ONU. Setecentos dos nossos militares, policiais e de civis serão enviados para a Missão das Nações Unidas na República Centro-Africana. No início do ano, lançamos uma campanha que busca aumentar a participação de mulheres brasileiras em todos os componentes, inclusive em postos de liderança.
No plano político, também continuaremos contribuindo para os esforços de resolução pacífica dos conflitos. É por isso que propomos a criação de uma Rede de Mediadoras Latinoamericanas, que reunirá conhecimentos valiosos adquiridos em contextos de conflitos e violência. Essa iniciativa reforça nosso compromisso com a agenda sobre Mulheres, Paz e Segurança.
Ressaltamos que a eficácia da ONU em paz e segurança requer maior representatividade. Em que pese a fadiga com o tema de reforma, insistimos que, sem repensarmos o Conselho de Segurança, a arquitetura de paz e segurança permanecerá distorcida e pouco eficaz. É por isso que lançamos, mês passado, uma nova proposta, sob o título O Conselho dos Capazes. Vislumbramos um órgão cujos membros seriam eleitos a cada cinco anos com base em avanços demonstráveis, durante o período prévio, em pautas tais como: implementação e promoção das Agendas de Mulheres, Paz e Segurança e de Juventude, Paz e Segurança; contribuições concretas para a prevenção de conflitos, incluídos os esforços de desarmamento e de não proliferação de armas nucleares; e iniciativas em mediação de conflitos. Critérios de representatividade também seriam adotados de forma a assegurar a presença dentre os membros do conselho de países de diferentes regiões geográficas e níveis de renda.
Na mesma linha, o Brasil também defende a ampliação dos trabalhos e responsabilidades da Comissão de Consolidação da Paz, mais apta a liderar esforços preventivos e de reconstrução em contextos pós-conflito.
Finalmente, o Brasil continua contribuindo para os debates sobre as normas da intervenção, razão pela qual iremos relançar, com novo vigor, o princípio de Responsabilidade ao Proteger. Iremos também organizar novo debate, no âmbito desta Assembleia, sobre o tema “o Imperativo de Prevenir”.
Senhoras e senhores, como tantos outros países aqui representados, o Brasil foi constituído através da migração, seja por meio da vinda de trabalhadores e comerciantes, seja devido ao tráfico de escravos. Seria incoerente com a nossa própria identidade fechar as portas àqueles que atravessam nossas fronteiras.
A crise de refugiados na Venezuela já tornou-se a segunda maior do mundo e apresenta desafios sem precedentes para os países da região. O Brasil já recebeu cerca de 168 mil migrantes e refugiados da Venezuela e continuará recebendo mais. Diante da situação de graves e generalizadas violações de direitos humanos na Venezuela, nos comprometemos a processar as solicitações de refúgio de venezuelanos de maneira prima facie, ou seja, em grupo.
Assim, o Brasil abrirá mão do prolongado processo de análise individualizada, garantindo proteção internacional aos venezuelanos de maneira coletiva e agilizada.
Também expandiremos nosso programa de interiorização de venezuelanos que chegam através de nossa fronteira terrestre, de forma a promover sua efetiva integração à sociedade brasileira.
Consideramos que a migração é um direito humano e rechaçamos a visão de que migrantes constituem ameaças à segurança nacional. Problemas de segurança podem surgir quando nossas instituições e marcos legais não estão devidamente adequados a receber e garantir os direitos de pessoas migrantes e refugiadas.
A nova Agência Brasileira de Migração está encarregada de coordenar esforços voltados para os solicitantes de refúgio e de residência temporária. Ela também lidera o primeiro mapeamento em nível nacional dos deslocados internos, tendo em mente que milhões de brasileiros já se viram forçados a deixarem seus lares devido a fatores tais como desastres, projetos de infraestrutura e violência.
A agência irá coordenar esforços com o Ministério das Relações Exteriores para aprofundar a cooperação regional em torno da migração, notadamente por meio de uma iniciativa que pretendemos criar, a Coalizão Sul-Norte em defesa dos Pactos Globais da ONU para migração e sobre refugiados.
Temos a honra de anunciar a retomada do programa brasileiro de reassentamento, que terá como medida inicial o reassentamento assistido de 500 refugiados advindos do Oriente Médio, da África e da América Latina. O Brasil também se compromete a fazer contribuições humanitárias anuais e previsíveis para os refugiados palestinos, através da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina. Além disso, ampliaremos nossa contribuição para o Alto Comissariado da ONU para Refugiados e para a Organização Internacional de Migração.
Continuaremos trabalhando com essas agências em busca da plena integração local de migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil.
Sem a defesa dos direitos humanos não há democracia.
Senhoras e senhores, não podemos permitir que a agenda dos direitos humanos se esvazie. Sem a defesa dos direitos humanos não há democracia. O Brasil é um país diverso onde as mulheres, indígenas, portadores de necessidades especiais e grupos LGBTI devem poder efetivamente exercer sua plena cidadania, com todas as garantias de um estado laico.
Assassinatos como o da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, nos lembram o quão vulneráveis estãos os defensores de direitos humanos, mas também o quão urgentes são essas pautas. Temos avançado no plano interno e internacional para garantir as liberdades individuais e a proteção de defensores, jornalistas e lideranças sociais.
Como parte dos esforços visando à inauguração do Conselho Nacional de Política Externa, lançamos em fevereiro, com ampla participação social, nosso primeiro Livro Branco de Política Externa. O livro marca o início da Política Externa Inclusiva, que incorpora não apenas a igualdade de gênero mas também o anti-racismo e o combate à homofobia, à perseguição étnico-religiosa e à discriminação em geral, promovendo uma sociedade mais igualitária.
Nossa política externa inclusiva tem como âncora o princípio de angatu, que na língua tupi se refere ao bem-estar, bom espírito. Seguindo o angatu, o Brasil busca promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo que irá assegurar a felicidade e a dignidade da população. Isso requer atenção não apenas às questões econômicas mas também o respeito ao meio ambiente, à cultura e à diversidade.
Mas não basta falar de princípios; é necessário agir. Junto à ONU, iremos redobrar os esforços na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, assim como promover novas iniciativas para que a privacidade digital seja reconhecida como um direito humano.
Nas Américas, lançaremos em breve uma campanha de fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, de forma agilizar a implementação de decisões e recomendações proferidas em seu âmbito.
Em que pese nosso histórico de resolução de conflitos, o Brasil, como muitos outros países, é palco de níveis elevados de violência. Os crimes violentos afetam desproporcionalmente os negros e as mulheres. Tais crimes estão, em boa parte, relacionados ao combate ineficaz ao crime organizado e ao tráfico de drogas através da repressão hostil e da militarização da segurança pública. Vamos priorizar uma abordagem preventiva e que retire o consumo de drogas da esfera criminal, tornando o sistema carcerário mais eficaz e reduzindo a violência. Também iremos trabalhar com parceiros internacionais na desarticulação de redes criminosas transnacionais, que também alimentam a
corrupção e lavagem de dinheiro, através do Diálogo Multi-setorial contra o Crime Organizado Transnacional e sempre respeitando o Estado democrático de direito. Não acreditamos que os fins justificam os meios utilizados para combater crimes.
Senhoras e senhores, sem refletirmos sobre quem somos e para onde queremos ir, não encontraremos as soluções. Com isso, gostaria de compartilhar que, através de esforços da nossa Cooperação Solidária, no final deste ano daremos início à construção do Museu da Escravidão, em colaboração com outros Estados do Atlântico. Além da sua sede no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, o museu irá contar com uma Exposição Navegante, a bordo do antigo Aeródromo São Paulo, cedido para este fim pelo governo federal, que irá se alternar entre os principais portos do Atlântico.
Longe de ser apenas um lembrete dos abusos cometidos no nosso passado, essa nova instituição será um marco no pensar sobre o futuro. A melhor solução para a intolerância, o ódio e a desesperança é pensarmos juntos sobre o mundo que queremos construir através do angatu e da multipolaridade cooperativa.
Muito obrigada.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O abominável Bolsonaro das queimadas - Carlos José Marques (IstoÉ)

O abominável Bolsonaro das queimadas

Crédito: Divulgação
(Crédito: Divulgação)
O Brasil vive uma aberração administrativa sem precedentes. Bolsonaro, o presidente-capitão que tem prazer em tripudiar, fazer pouco caso e ofender adversários imaginários, enxergando comunistas até debaixo da cama, acabou subindo de status e é agora classificado como um desastre global – arrastando junto consigo o prestígio do Brasil, que no plano ambiental levou décadas para ser erigido com ações de preservação e que em poucos dias virou cinzas pela negligência gritante do mandatário para com o assunto. 
O reputado “The New York Times” classificou o Messias dos trópicos como “o mais maçante e insignificante dos líderes”. No mundo inteiro, da Alemanha aos EUA, do Canadá à Noruega, sem contar na mais nova inimiga preferencial do capitão, a França, diversos protestos repudiaram seus atos tidos como fascistas e selvagens, perto da barbárie. Bolsonaro resolveu responder à reação com bravatas. Confunde soberania com soberba. Mistura conceitos, faz malversação de dados técnicos e explora as fake news para produzir suas estultices. Ele mesmo se converteu em uma versão satirizada de Dom Quixote a enfrentar moinhos, trazendo a reboque seu exército de Brancaleone. E são muitos ao lado dele a compartilhar do universo paralelo que criaram. 
Em um rompante de sabujice explícita, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou o francês Emmanuel Macron de “idiota oportunista”. O filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro, aspirante à vaga de embaixador em Washington, deu lições de diplomacia tosca endossando o xingamento. O ministro Onyx Lorenzoni mandou os europeus enfiarem o dinheiro — R$ 300 milhões que iriam ser lançados aqui sob a forma de contribuição ao Fundo da Amazônia — lá pelas bandas de suas florestas “que necessitam mais”. E o titular da pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou ditar regras para receber a ajuda. 
Ao falarem grosso encenaram um show de patetices, comandado pelo capitão em pessoa, que ainda recorreu às redes sociais para veicular vídeos de caça à baleia na Dinamarca como se fossem na Noruega. Só faltaram as bananas para ornar o festival de cretinices da republiqueta. Mas ainda estávamos prestes a testemunhar uma cafajestada capaz de causar vergonha alheia a qualquer brasileiro minimamente digno, que preza pelo respeito ao ser humano. O governante golden shower, afundando na degradação moral, resolveu fazer um comentário jocoso digno de borracharia sobre a primeira-dama da França. Em tom de galhofa, com imagens das respectivas cônjuges dos dois líderes, um seguidor bolsonarista havia publicado que a razão da “inveja” de Macron seria a beleza de Michele Bolsonaro em comparação a de Brigitte Macron. No que o mandatário brasileiro não perdeu tempo e sapecou a sua pândega sexista: “não humilha, kkkkkkk”. 
O abominável Bolsonaro das queimadas, como vem sendo visto lá fora, passou de todos os limites. Isso vindo de um mero “hater” das redes já seria desprezível. Em se tratando de um chefe de Estado, que representa a Nação e seus compatriotas, passa do suportável. A falta de compostura de Bolsonaro na Presidência da República já era conhecida de boa parte dos brasileiros. Ganhou alcance planetário e o converteu em um pária global. Transamazônico, literalmente. Por aqui um movimento intitulado “#DesculpaBrigitte” tentou remediar o estrago. Recebeu milhares de adeptos não apenas entre o público feminino. 
O escritor Paulo Coelho levantou a mesma bandeira e resolveu enviar escusas formais em nome do Brasil. Espremendo o que ainda restava de credibilidade nacional, o “Mito” abriu novo flanco de guerra alegando que as terras indígenas “inviabilizam” o País. O direito dos índios a parte do território nacional é garantido pela Constituição, mas isso pouco importa quando o objetivo é encontrar culpados pelos problemas ambientais. Parece que toda a alegação vale a pena em seu triste espetáculo de desinformação. Antes o mandatário havia atribuído a responsabilidade das queimadas a ONGs e, no momento seguinte, aos produtores rurais. Sem apresentar qualquer prova em um caso ou outro. 
Com o seu repertório infindável de bobagens, o presidente age como um doidivanas inimputável, que pode esnobar recursos, dar falsos testemunhos, difamar reputações e praticar crimes contra a honra alheia. E não pode. 
Na verdade é constrangedor assistir a tantos atentados retóricos e de comportamento. Na essência, eles escancaram a mediocridade de comando que tomou o Planalto. Difícil mensurar o tamanho da ruína política que essa escalada de escárnio e falta de escrúpulos do mandatário no que tange a questões de interesse mundial vai causar ao País. Mas desde já é possível prever que ele caminha para um isolamento e irrelevância internacionais em virtude do ridículo. 
O Brasil entrou com ele na fogueira. Complicado será não sair chamuscado de lá.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A Economist comenta Bolsonaro chamuscado

The Amazon’s fires could burn Jair Bolsonaro

The outside world is right to worry, but must show finesse in its dealings with Brazil

PICTURES OF FIRES raging in the rainforest. 

A social-media storm in which #Amazon Is Burning dominated what passes for the global conversation. A war of words in which Emmanuel Macron, France’s president, branded as a liar his Brazilian counterpart, Jair Bolsonaro, who in turn accused Mr Macron of colonialism and mocked his wife’s looks. An offer of $22m from the G7 countries to help fight the fires, which Mr Bolsonaro rejected unless Mr Macron ate his words. It has been an extraordinary ten days for Brazil. Through the smoke, two things are clear: Mr Bolsonaro’s policies are profoundly destructive of the Amazon rainforest, and deterring him will take much more subtlety abroad and more determination from opponents and even allies at home.
A former army captain of far-right views, Mr Bolsonaro won Brazil’s presidency last year partly on a platform of reviving a moribund economy by sweeping away left-wingery and green regulation. He promised to end fines for violations of environmental law, shrink the protected areas that account for half of the Brazilian Amazon and fight NGOs, for which he has a visceral hatred. In office, his government has gutted the environment ministry and Ibama, the quasi-autonomous environmental agency. Six of the ten senior posts in the ministry’s department of forests and sustainable development are vacant, according to its website. The government talks of “monetising” the Amazon but sabotaged a $1.3bn European fund that aims to give value to the standing forest.
Ranchers, illegal loggers and settlers in the Amazon have taken all this as encouragement to power up their chainsaws. Deforestation in the first seven months of this year rose by 67% compared with the same period last year, according to INPE, the government’s space research agency. Mr Bolsonaro called INPE’s data lies and fired its director. His initial reaction was, preposterously, to blame the fires on NGOs.
Mr Bolsonaro’s approach is driven by prejudice and nationalism. “He deeply, ideologically, believes that environmentalism is part of a left-wing view of the world,” says Matias Spektor, at Fundação Getulio Vargas, a university in São Paulo. Brazil’s armed forces have long thought that outsiders have designs on the Amazon, and that they must develop it or risk losing it. The generals in Mr Bolsonaro’s cabinet, usually a force for restraint, are not on this issue. Behind his tirades against Mr Macron is the expectation that Brazilians will rally round the flag. That is why the world needs to tread carefully.
Mr Bolsonaro is right about some things. Mr Macron was high-handed in discussing the Amazon at the G7 without inviting Brazil. While the world has a legitimate interest in the rainforest’s fate, it doesn’t own it (though French Guiana has a chunk). Mr Bolsonaro is right, too, that fires were worse in some past years. Many maps exaggerate their extent.
Brazil has some of the world’s most stringent controls on deforestation. From 2005 these slowed the forest’s destruction dramatically, before they were undermined by budget cuts and now by Mr Bolsonaro.
Like Janus, his government faces two ways on this issue. Brazilian diplomats abroad present their country as committed to halting deforestation. At home, the president winks at those who practise it. That is why it is important to hold his government to its word.
“The main issue is how to get to a rational discussion about what’s happening,” says Marcos Jank of the Centre for Global Agribusiness at Insper, a university in São Paulo. That is something Brazil’s modern farmers want. They persuaded Mr Bolsonaro not to pull out of the Paris agreement on climate change, or abolish the environment ministry. They fear consumer boycotts and the EU pulling out of a recently concluded trade agreement, as Mr Macron threatened. In fact, both would have limited effect. Mr Jank notes that 95% of Brazil’s $102bn-worth of agricultural exports are commodities that don’t go directly to consumers; 60% go to Asia. But Brand Brazil has certainly been damaged.
Politically, too, Mr Bolsonaro is on treacherous ground. Although Brazilian nationalism should not be under-estimated, most Brazilians worry about climate change. As the president spoke on television on August 23rd about the fires, there were pot-banging protests in prosperous parts of cities, which helped to elect him. But halting his scorched-earth practices will require organised political action as well as protest. 

This article appeared in the The Americas section of the print edition under the headline "Playing with fire"

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Diplomacia da canelada? (O Globo); ou da ignorância inconstitucional? (PRA)

Bolsonaro insiste na diplomacia da canelada

O presidente Jair Bolsonaro
Diplomacia da canelada 

Jair Bolsonaro entrou na fase de rasgar dinheiro. No domingo, ele disse não se importar com o corte nas doações alemãs para a proteção da Amazônia. “Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”, desdenhou.
Em tempos de vacas magras, o presidente esnobou R$ 155 milhões oferecidos por um país amigo. O repasse seria destinado a ações de combate ao desmatamento. Para recebê-lo, o Brasil só precisava demonstrar empenho na proteção da floresta.
Bolsonaro já deixou claro que se lixa para a tarefa. Na semana passada, chegou a brincar com o apelido de “Capitão Motosserra”. A ministra alemã Svenja Schulze não achou graça. “Não posso simplesmente ficar dando dinheiro enquanto continuam desmatando”, disse. O 7 a 1 continua, mas agora a goleada é na arena diplomática.
Ontem o presidente deu outra canelada que pode custar caro ao país. Em visita a Pelotas, ele reclamou da derrota de Mauricio Macri nas prévias argentinas. Chegou a fazer terrorismo com a provável vitória da oposição peronista. “Se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter sim, no Rio Grande do Sul, um novo estado de Roraima. E não queremos isso: irmãos argentinos fugindo pra cá”, afirmou.
A Constituição estabelece que as relações internacionais do Brasil devem seguir os princípios da não intervenção e da autodeterminação dos povos. Ao atacar a escolha dos argentinos, Bolsonaro descumpre a lei brasileira e desrespeita o eleitorado do país vizinho.
O discurso do presidente também afronta a inteligência alheia. Cristina Kirchner não é Nicolás Maduro, e Buenos Aires não é Caracas. Se o peronismo vencer, o Brasil poderá enfrentar represálias do seu maior parceiro comercial na região. E os argentinos continuarão fugindo para cá, mas só na temporada de férias.
Macri está em baixa porque a economia argentina vai mal. Seu choque liberal não deu certo: a pobreza cresceu, a inflação disparou e o país voltou a pedir socorro ao FMI. O apoio de Bolsonaro também parece não ajudá-lo. Os argentinos não têm saudade da ditadura militar, que o presidente brasileiro insiste em defender.

domingo, 4 de agosto de 2019

"Bolsonaro transgride separação de poderes" - Celso de Mello (FSP)

Bolsonaro transgride separação de poderes, diz Celso de Mello
O Estado de S. Paulo, 3/08/2019
"Presidente minimiza a Constituição’, diz decano”
Depois de dar o voto mais contundente no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal contrariou o Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse ao Estado que o presidente Jair Bolsonaro “minimiza perigosamente” a importância da Constituição e “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro”, ao reeditar o trecho de uma medida provisória que foi rejeitada pelo Congresso no mesmo ano. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”, afirmou. Ao longo dos últimos meses, o decano se tornou o principal porta-voz do Supremo em defesa das liberdades individuais e de contraponto às posições do governo. Alvo de um pedido de impeachment após votar para enquadrar a homofobia como crime de racismo, Celso de Mello disse que a Corte não se intimida com manifestações nas ruas ou ameaças de parlamentares. “Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções”, disse. É do decano o voto considerado decisivo no julgamento da Segunda Turma do Supremo em que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, de agir com parcialidade ao condenar o petista no caso do triplex do Guarujá (SP). O ministro defendeu celeridade na análise do habeas corpus do ex-presidente, mas disse que sua convicção sobre o tema não está formada. 
Celso de Mello falou ao Estado após a sessão plenária de anteontem.
- Por unanimidade, o Supremo impôs nova derrota ao Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai. Foi um recado ao presidente Jair Bolsonaro?
- É fundamental o respeito por aquilo que se contém na Constituição da República. Esse respeito é a evidência, é a demonstração do grau de civilidade de um povo. No momento em que as autoridades maiores do País, como o presidente da República, descumprem a Constituição, não obstante haja nela uma clara e expressa vedação quanto à reedição de medida provisória rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, isso é realmente inaceitável. Porque ofende profundamente um postulado nuclear do nosso sistema constitucional, que é o princípio da separação de Poderes. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República.
-Faltou um melhor assessoramento jurídico para o presidente Jair Bolsonaro nesse caso?
- Isso eu não sei, eu realmente não posso dizer.
-O senhor deu um voto contundente, apontando “perigosa transgressão” ao princípio da separação dos Poderes. O Supremo também contrariou o Planalto ao proibir o governo de extinguir conselhos criados por lei e foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
- Aqui (na demarcação de terras indígenas) a clareza do texto constitucional não permite qualquer dúvida, é só ler o que diz o artigo 62, parágrafo 10 da Constituição da República (o texto diz que é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo). No momento em que o presidente da República, qualquer que ele seja, descumpre essa regra, transgride o princípio da separação de Poderes, ele minimiza perigosamente a importância que é fundamental da Constituição da República e degrada a autoridade do Parlamento brasileiro. A finalidade maior da Constituição é estabelecer um modelo de institucionalidade que deva ser observado e que deva ser respeitado por todos, pois, no momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República. No momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito.”
- O voto na criminalização da homofobia, considerado histórico por integrantes do STF, lhe rendeu um pedido de impeachment, assinado por deputados da ala conservadora. O senhor vê como uma forma de intimidar a Corte? 
- A história do Supremo Tribunal Federal, desde a primeira década republicana, nos tem revelado que tentativas de intimidação não têm efeito algum. Isso ocorreu no governo do marechal Floriano Peixoto, do marechal Hermes da Fonseca e, no entanto, o Supremo manteve-se fiel ao cumprimento de sua alta missão institucional, que consiste na tarefa de ser o guardião da ordem constitucional. Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções constitucionais. O direito de o público protestar é legítimo, ninguém neste país pode ser calado. Qualquer cidadão tem, sim, o direito de protestar. É o direito legítimo. Agora, intimidações não são.
- É aguardada com expectativa a posição do senhor no caso em que a defesa do ex-presidente Lula alega parcialidade do então juiz Sérgio Moro na sentença do triplex. O voto do senhor, que deve ser decisivo, já foi concluído? 
- Eu tenho estudado muito, porque é uma questão que diz respeito não só a esse caso específico, mas aos direitos das pessoas em geral. Ainda continuo pensando, refletindo. Eu, normalmente, costumo pesquisar muito, ler muito, refletir bastante para então, a partir daí, formar definitivamente a minha convicção e compor o meu voto.
- A convicção do senhor já está formada nesse caso?
- Não, não, eu estou ainda em processo de reflexão.
- O senhor acha que seria ideal julgar o caso da suspeição de Sérgio Moro o quanto antes?
- A Constituição manda que o exercício da jurisdição se faça de maneira célere. O direito a um julgamento justo e rápido é um direito que hoje a Constituição assegura a todos, por isso eu acho que, sem distinção de casos, é possível e é necessário que o Supremo Tribunal Federal, como qualquer outro tribunal da República, decida com presteza, porém com segurança.
- Como o senhor avalia a situação da democracia brasileira?
- O regime democrático, muitas vezes, se expõe a situações de risco, mas eu confio que o regime democrático vai ser preservado em plenitude, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal julgar com independência, como tem efetivamente julgado.
- O senhor ainda trabalha madrugada adentro, ao som de música clássica e bebendo Coca-Cola? 
- Eu gosto de trabalhar ouvindo música clássica, mas Coca-Cola não mais. Coca-Cola me deixa acordado.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Bolivar Lamounier sobre a falsa dicotomia esquerda-direita ou o nazismo ser de esquerda (OESP)

01:13:08 | 08/04/2019 | Economia | O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto | BR

Um feio escorregão de Jair Bolsonaro

    BOLÍVAR LAMONIER
    Ao qualificar o nazismo como um regime "de esquerda", o presidente Jair Bolsonarorompeu uma represa enorme, deixando um mar de sandices escorrer pelas redes sociais. Nas centenas de mensagens que li, não encontrei uma referência sequer ao que me parece ser o ponto crucial da discussão: a obsolescência da dicotomia esquerda x direita.
    Ninguém contesta que lá atrás, no século 19, tal dicotomia tinha substância, e em alguns países a conservou durante a primeira metade do século 20. A Guerra Civil Espanhola, por exemplo, contrapôs comunistas e anarquistas (nem sempre solidários entre si) a uma direita rombuda, formada por uma burguesia resistente a toda veleidade de reduzir desigualdades, fazendeiros que adorariam viver na Idade Média e, não menos importante, um catolicismo que se comprazia em estender seu manto sobre toda aquela teia de iniquidades. Ou seja, havia efetivamente uma "esquerda" - os que recorriam à violência no afa de quebrar a espinha dorsal daquela sociedade - e uma "direita", os setores acima mencionados, para os quais o status quo era legítimo, sacrossanto e destinado a perdurar até o fim dos tempos.
    Os regimes totalitários que se constituíram entre as duas grandes guerras - o nazismo na Alemanha, o comunismo na URSS e o fascismo na Itália foram precisamente a linha divisória a partir da qual a dicotomia esquerda x direita começou a perder o sentido que antes tivera. Se fizermos uma enquete entre historiadores, sociólogos, etc., pelo mundo afora, constataremos sem dificuldade que nove em cada dez classificam o nazismo como direita e o comunismo como esquerda - e reconheço que aqueles nove ainda têm um naco de razão.
    Sabemos que os regimes comunistas se serviram do marxismo como base teórica. E que o fizeram com um cinismo insuperável; na prática, o chamado "socialismo real" assentava-se numa combinação de partido único, monopólio dos meios de comunicação, polícia secreta, culto à personalidade e numa repetição ritual da ideologia, entendida como a busca do paraíso na Terra, a "sociedade sem classes". Mas em abstrato - nas alturas da filosofia -, é certo que o marxismo se proclama humanista e igualitário. Não legitima nem tenta perenizar desigualdades sociais e muito menos raciais. O nazismo nada tem de humanitário ou igualitário: toma as desigualdades sociais como um dado da realidade e vai muito mais longe, visto que postula uma desigualdade natural de raças e adotou explicitamente a noção "eugênica" do melhoramento das raças superiores - da "raça ariana", entenda-se - e da exterminação da "raça judia".
    Passemos, agora, ao que chamei de obsolescência da dicotomia esquerda x direita. Nas alturas da filosofia e no cinismo do mero discurso político, é óbvio que os esquerdistas continuam a professar um ideário de igualdade. Proclamam-se mais sensíveis que o resto da humanidade ao sofrimento dos destituídos (daí a atração que exercem sobre a corporação artística), mais competentes e decididos a encetar ações conducentes a uma sociedade menos desigual e, com certo contorcionismo, ainda se apresentam como os detentores monopolistas da estrada real que levará ao paraíso terrestre. Ou seja, cultivam, ainda, o mito da revolução total.
    Mas há dois pequenos senões. Na vida política real não se requer nenhum esforço para perceber que os termos "esquerda" e "direita" estão reduzidos a meros totens tribais. Se me declaro "de esquerda", fica entendido que meu adversário político é automaticamente de "direita". Se o partido ao qual me oponho apoia determinada tese, eu a rejeito, pois ela estará necessariamente ligada ao totem da tribo inimiga. No Brasil é notório que a grande maioria dos políticos não serve a objetivos, eles se servem deles e os enquadram em sua obtusidade totêmica para diluir interesses rigorosamente corporativistas.
    O segundo senão é ainda mais importante. Como antes ressaltei, "esquerdistas" são os que se especializam em professar ideais humanitários e igualitários. Em termos abstratos, isso é correto. Mas, atenção, trata-se, na melhor das hipóteses, de um enunciado no plano do desejo, não de programas concretos de governo e muito menos aos efeitos observáveis da aplicação de determinado programa. Aspirações, não consequências objetivas. No terreno prático, as políticas de esquerda caracterizam-se sobretudo por um distributivismo ingênuo, por uma sesquipedal incompetência e não raro pela corrupção no manejo dos recursos públicos, por afugentar investimentos, ou seja, em síntese, pela irresponsabilidade fiscal e pela leniência com a inflação, tolerando ou assumindo ativamente políticas cujas consequências levam a resultados contrários aos proclamados como desejáveis, piorando as condições de vida dos mais pobres.
    Segue-se que a distinção realmente importante não é entre esquerda e direita, mas entre, de um lado, objetivos proclamados, subjetivos ou meramente discursivos e, do outro, consequências práticas, objetivas e previsíveis. De um lado - na melhor das hipóteses -, a crença em "valores absolutos", lembrando aqui a teoria ética de Max Weber; do outro, uma "ética da responsabilidade", vale dizer, uma visão política que de antemão sopesa objetivos e consequências prováveis.
    Nessa ótica, faz sentido afirmar que há muito mais consenso que dissenso na vida pública brasileira atual. O que queremos, fundamentalmente, é retomar o crescimento econômico em bases sustentáveis, com estabilidade monetária; atrair grandes investimentos para a infraestrutura; revolucionar organizacional e pedagogicamente a educação. Se uma concepção mais convergente não se impuser rapidamente sobre os totens tribais que se digladiam em Brasília, daqui a 20 anos o Brasil não será um país para almas frágeis.
    -
    Há muito mais consenso do que dissenso na atual vida pública brasileira
    -
    SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E AUTOR DO LIVRO 'DE ONDE, PARA ONDE - MEMÓRIAS' (SÃO PAULO, EDITORA GLOBAL)