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Lozardo@gov
Gudin
e Campos fingiam discutir meu livro, mas o que eles queriam era bajular o
governo, tire o Ipea dessa
Elio Gaspari, colunista do Globo, 23/10/2016
Prezado professor Ernesto Lozardo, ilustre
presidente Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea
O senhor me conhece, estudou no meu
clássico “Introdução à analise econômica” e viu quando ganhei o Prêmio Nobel.
Escrevo-lhe para compartilhar um episódio de 1973 que invadiu minha memória
quando li a censura pública que o senhor impôs a dois pesquisadores do Ipea que
criticaram os efeitos de uma medida proposta pelo governo que lhe nomeou.
À época, não dei maior importância ao que
me aconteceu. Hoje, vejo o papelão em que me meteram. No segundo semestre de
1973 a editora Agir, que publicava meus livros no Brasil, estava traduzindo a
nona edição do “Economics”. A certa altura, discutindo o fascismo, mencionei o
regime militar brasileiro e seu crescimento de 10% ao ano. Lembrei que todos os
regimes semelhantes tinham ido à breca.
O diretor da editora escreveu-me dizendo
que não publicaria aquilo. Dias depois, outra carta, desta vez do economista
Eugênio Gudin, o grande liberal brasileiro. Passaram algumas semanas e veio a
terceira, do economista Roberto Campos. Todos reclamavam do meu texto, da
comparação e do tom.
Pareceu-me uma tempestade em copo d’água,
pois a minha política era de permitir que os editores expurgassem trechos que
pudessem criar problemas com as traduções, sobretudo nos países comunistas.
Resultado: quem leu a edição americana aprendeu que o Brasil ia quebrar. Quem
leu a tradução da Agir comprou Samuelson e levou Gudin-Campos.
Eu achava que as duas cartas poderiam ser
reflexões de intelectuais, dirigidas a um professor. Coisa nenhuma, o que eles
queriam era alavancar suas posições junto ao governo do general Ernesto Geisel,
que tomaria posse meses depois. Queriam me operar, e operaram.
Digo isso porque toda a correspondência
enviada a mim, bem como as minhas respostas a Gudin e Campos, foram parar nas
mãos do general Golbery do Couto e Silva, conselheiro de Geisel. A minha
decisão foi comemorada pelo dono da editora, o banqueiro Candido Guinle de
Paula Machado. Num cartão que enviou a Golbery ele sugeriu: “Se puder, dê um
telefonema ao Dr. Gudin, pois ele ficaria satisfeito.”
Encontrei o general Geisel num jantar na
casa do compositor Richard Wagner (ele estava com o professor Mário Henrique
Simonsen) e perguntei-lhe o que aconteceu. Geisel contou-me que Golbery aceitou
a sugestão de Guinle e almoçou a sós com Gudin. Impressionou-me a malquerença
do presidente com o patriarca do liberalismo econômico brasileiro. O melhor
adjetivo que lhe dá é o de “patife”.
Os autores da Nota Técnica excomungada têm
a minha solidariedade e saiba que não a li. Era desnecessário dizer que o texto
não refletia a opinião do Ipea. Essa informação sempre está no cabeçalho desse
tipo de trabalho. O senhor disse que “a posição institucional do Ipea é
favorável à PEC 241”. A “posição institucional” de Gudin, Campos e Paula
Machado era favorável ao regime. Direito deles, mas o que a trinca queria era
outra coisa. Fiz-me entender?
Converse com o Pedro Malan. Ele foi um
servidor do Ipea respeitado pela ditadura e ministro da Fazenda na democracia.
É um homem correto e muito bem educado. Pode lhe ajudar.
Cordialmente,
Paul Samuelson.
Elio Gaspari é jornalista
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