O primeiro erro de diagnóstico foi ali por 2005 ou 2006,
quando o PAC apareceu e ganhou força no debate econômico. Na época eu tinha
participado com alguns colegas de uma pesquisa a respeito da acumulação de
capital no Brasil entre 1970 e 2000 e falei que o PAC partia de um diagnóstico
errado para o problema do baixo investimento e que não nos colocaria em uma
trajetória de crescimento de longo prazo. O diagnóstico do PAC e da política de
intensificar o uso do BNDES, que é da mesma época, era que o setor privado
tinha vontade mas não tinha condições de investir, por isso o investimento
púbico e abertura de canais de financiamento resolveriam o problema central da
baixa taxa de investimento e colocaria a economia em uma trajetória de
crescimento.
Meu diagnóstico era que o problema central de nossa economia
era (ainda é) a baixa taxa de crescimento da produtividade e que os mesmos
fatores que faziam com que nossa produtividade fosse baixa e crescesse pouco eram
responsáveis pela baixa taxa de investimento. No lugar de ressuscitar o estado
investidor e o BNDES o governo deveria se empenhar em aprovar reformas para resolver
os problemas estruturais de nossa economia, especificamente o ambiente
institucional hostil aos negócios e o baixo nível de nosso capital humano, a
solução destes dois problemas levaria naturalmente a uma melhora na
infraestrutura. Em resumo o governo acreditava que os empresários queriam, mas
não tinham como investir, meu argumento era que as condições objetivas da
economia brasileira faziam com que investir aqui não fosse um bom negócio, ou
seja, os empresários não queriam investir.
A grande maioria dos economistas abraçou a tese do governo,
a imprensa comprou a tese do governo e a sociedade também ficou do lado do
governo. Os poucos que, como eu, discordaram do diagnóstico ficaram isolados
quase que falando sozinhos, ou melhor, uns com os outros. Afinal o Brasil
estava crescendo e isto provava que o governo estava certo, ai de quem falasse
que o crescimento era devido a recolocação de trabalhadores na força de
trabalho e/ou por conta de fatores externos como juros internacionais baixos e
preços das commodities em alta. Éramos chamados de sabotadores ou de
adversários do estado brasileiro. Hoje, centenas de bilhões de reais queimados
pelo BNDES e dois ou três PACs implementados, sabemos que a única coisa que
conseguiu aumentar a taxa de investimento e o crescimento foi a revisão
metodológica do IBGE. Os que defendiam o diagnóstico ou a política do governo
nunca se deram ao trabalho de explicar porque o crescimento não veio, se
limitaram a gritar bem alto que estavam certos e forças malignas impediram o
crescimento.
O segundo erro de diagnóstico começou em 2010 e foi
consolidado em 2011. Após uma bem sucedida (há controvérsias, mas não vou
tratar da questão aqui) resposta à crise de 2008 nosso governo entendeu que
podia fazer a economia crescer por meio de estímulos fiscais. Afinal se foi
possível minimizar os efeitos da crise por meio de política fiscal por qual
razão não seria possível fazer a economia crescer pelo mesmo caminho? A
resposta é simples e está em qualquer bom manual de macroeconomia, políticas de
demanda (é o caso do estímulo fiscal) funcionam na presença de desemprego.
A ideia é que o aumento do gasto público induz as empresas a
contratar mão de obra para atender a nova demanda, ao criar novos empregos são
criadas novas demandas que acabam criando ainda mais empregos em um ciclo virtuoso
que leva ao aumento do emprego e da renda. Esta ideia é conhecida por princípio
do multiplicador e está no centro de vários debates em economia, não vou entrar
nestes debates, apenas registro que para que o princípio do multiplicador possa
funcionar é preciso que exista desemprego e que o limite do crescimento via multiplicador
é o que se chama de pleno emprego. A razão é simples, sem desemprego a empresa
que resolver aumentar a produção para atender a nova demanda criada pelo
aumento do gasto público será obrigada a tirar empregados de outras empresas.
Com as empresas tentando tirar empregados uma das outras ocorrerá um aumento da
renda do trabalho sem aumento da produção, exatamente o que vimos no Brasil. Na
realidade o tão falado paradoxo crescimento baixo em uma economia de pleno
emprego que ocupou o debate por algum tempo não tem nada de paradoxal, trata-se
do esperado em uma economia com investimento baixo e crescimento baixo que não
pode mais crescer colocando gente para trabalhar porque estão (quase) todos
empregados.
Mas crescer a renda do trabalho não é bom? Em economia não
tem bom e ruim, tem efeitos negativos e positivos. O aumento da renda do
trabalho acima da produtividade do trabalho (lembrem que no meu diagnóstico o
grande vilão de nossa economia é o baixo crescimento da produtividade) leva a
dois efeitos colaterais: aumento do nível de preços, ou seja, inflação e perda
de competitividade das empresas locais. O resultado é que se nada for feito e o
governo não ajustar o desequilíbrio no mercado de trabalho a economia vai
entrar em recessão e apresentar inflação alta, mais uma vez é exatamente o que
está acontecendo na economia brasileira, estamos na temível estagflação. Há um
agravante, como nosso governo não entendeu o que estava acontecendo aprofundou
as políticas de demanda que estavam causando os desequilíbrios e com isso apressou
e aprofundou o desastre. Poucas vezes a presidente Dilma foi tão feliz em uma
declaração do que quando falou que tinha feito todo o possível para enfrentar a
crise, mas que agora não dava mais para segurar. É verdade, o que ela não
entendeu é que o esforço agravou a crise.
Assim como no primeiro erro de diagnóstico boa parte dos
economistas não viu o segundo e erro e aplaudiu medidas como a desoneração que
o atual Ministro da Fazenda chamou de “brincadeira”. A bem da verdade o grupo
dos descontentes com o segundo erro foi bem maior do que o dos descontentes com
o primeiro erro. Alguns poucos colunistas de grandes jornais e economistas
influentes denunciaram o segundo erro de diagnóstico, mas não foi suficiente,
mais uma vez a tese do governo ganhou a simpatia de imprensa e da população. Só
por volta de 2014 que a maré virou e parte significativa da sociedade percebeu
o erro do governo e o tamanho do desastre que estava por vir.
Chegamos assim ao que vou chamar de terceiro erro de
diagnóstico. Com o fracasso evidente das políticas desenhadas a partir dos dois
primeiros erros de diagnóstico o governo (não antes de ganhar as eleições
fingindo não estar vendo a crise) finalmente jogou a toalha e ouviu os
críticos. Na realidade foi além, colocou um economista com passagens de sucesso
no setor público e no setor privado e formado pela prestigiosa Universidade de
Chicago no Ministério da Fazenda. O diagnóstico do governo é que ao fazer isto
o mercado recuperará a confiança e voltará a investir nos levando a um período
de crescimento. Se por um lado fico feliz por ver que o governo finalmente age
como que entendesse que a falta de investimento não decorre de uma hipotética falta
de condições de investir, mas de uma falta de interesse em investir, por outro
lado eu sou obrigado a lamentar que mais uma vez eu acredito que o governo
esteja cometendo um erro de diagnóstico. Desta vez um erro mais sútil e com consequências
menos graves que os anteriores, mas ainda assim um erro.
O novo diagnóstico errado começou a ser desenhado quando
Delfim Netto e alguns economistas tucanos lançaram a tese que o maior problema
da economia brasileira era a comunicação ruim entre o governo e o mercado. Era
como dizer que tudo ia bem, mas os empresários, coitadinhos, não conseguiam ver
que existiam inúmeras oportunidades de investimento disponíveis e, por não ver,
não investiam. O grau de ingenuidade e tolice que alguns economistas conferem a
empresários só não é maior que o grau de ingenuidade e tolice que os autores
das novelas da Globo dão aos empresários que criam para as tramas que animam as
noites globais. A bola levantada por Delfim Netto deu as bases para o
diagnóstico da crise de expectativas que parece pautar as ações do governo,
inclusive do ministério da fazenda.
A ideia é que tudo que o governo precisa fazer para colocar
a economia dos trilhos é mostrar ao mercado que agora é sério, que é para
valer. O PhD em Chicago que é conhecido em Brasília como mão de tesoura é tão
perfeito para o trabalho que chego a desconfiar que foi criado por algum roteirista
especialista em criar heróis. Se Mantega, ou mesmo Nelson Barbosa, tivesse prometido
um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 estaríamos todos falando de
promessas impossíveis ou de mais contabilidade criativa. Se Aécio tivesse ganho
as eleições e Armínio tivesse prometido superávit primário de 1,2% estaríamos
ouvindo discursos inflamados de Lula sobre a insensibilidade social dos
tucanos. Mas com Levy, ministro de um governo do PT, dizendo que vamos ter um
superávit primário de 1,2% em 2015 estamos (quase) todos calados. O déficit
primário de fevereiro de 2015 foi recorde? Não tem problema, deve ser culpa do
Eduardo Cunha, mas Levy vai resolver.
Com o nome perfeito no Ministério da Fazenda agora é preciso
mostrar serviço. Dá-lhe aumento de imposto... e, claro, algum corte de gasto
para acalmar a elite branca, insensível e malvadona, mas que já está sendo
devidamente atacado pelo partido da presidente. Não canso de me impressionar
com a habilidade da esquerda em convencer parte significativa da população de
que é contra medidas que ela mesmo implementa. A coisa toda está tão bem
montada que aumentar impostos passou a ser visto como uma medida liberal e
justificada no que chamam de economia ortodoxa. O fato que nos EUA recentemente
ocorreu um intenso debate a respeito de como ajustar as contas públicas em uma
recessão e que ficou bem delimitado quem defendia redução (no máximo manutenção)
de impostos e cortes de gastos e quem defendia aumento de impostos e aumento de
gastos parece ter passado desapercebido por nossa imprensa.
Que defendam aumento de impostos eu critico mas tento
aceitar, afinal venceram as eleições e não negaram que são de esquerda, que
digam que o aumento de impostos junto com redução dos gastos vai levar ao crescimento
da economia é algo que me assusta. Pior, me faz acreditar que o novo erro de
diagnóstico é muito pior do que a princípio me pareceu ser. Como alguém pode
acreditar que um aumento de impostos acompanhado de corte de gastos pode levar
ao crescimento da economia? Só vejo uma resposta, este alguém acredita que o
ajuste fiscal resolverá o problema da confiança e levará a um ciclo de
investimento e crescimento. Se for isto, e não vejo outra alternativa, o novo
erro de diagnóstico equivale a uma aposta elevadíssima no que Paul Krugman
chamou de fada da confiança, mais ou menos como acreditar que para ganhar uma
Ferrari no natal basta se comportar bem e esperar pelo Papai Noel.
Se o ministro está jogando a carta da fada da confiança para
convencer o governo a fazer um ajuste fiscal que é necessário pode ser que
esteja fazendo a coisa certa, afinal a presidente Dilma é conhecida crítica de
ajustes fiscais, a lamentar apenas que o ministro tenha que usar histórias de
ninar para fazer o trabalho dele. Porém, se o ministro de fato acreditar que
vai recuperar a economia tirando mais dinheiro da sociedade para o saco de ineficiência
do governo estamos com sérios problemas. A falta de desejo de investir de
nossos empresários não decorre de mal entendidos ou de problemas de comunicação
com o governo e nem mesmo da nossa condição discal. Nossos são problemas são
outros: ambiente hostil de negócios, baixo capital humano e falta de infraestrutura,
são os mesmos problemas que tínhamos quando do primeiro erro de diagnóstico e
que foram ignoradas ou deixaram de receber a atenção que mereciam por conta dos
diagnósticos errados. A valer os rumos que estamos tomando em alguns meses os empresários
continuarão sem vontade de investir, porém estarão mais pobres, da mesma forma
estarão mais pobres os consumidores. Difícil acreditar que o progresso virá de empresários
e consumidores empobrecidos pelo governo.