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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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terça-feira, 20 de maio de 2025

A eterna guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia - Euler de França Belém (Jornal Opção)

Não é de hoje que a Ucrânia sofre sob ataques da Rússia. Uma Ucrânia de uma outra era: a do stalinismo ascendente:
A parte final do texto “Holodomor: 4 milhões de ucranianos morreram de fome devido à política de Stálin”, de Euler de França Belém (Jornal Opção, 6/2/2022; link:
Confira (atenção: contém relatos de cenas perturbadoras):
[...]
O horror, o horror, o horror!
A partir de agora, o que se lerá é terrível. Leia apenas se quiser saber sobre a ação inominável dos comunistas liderados por Stálin na Ucrânia. Tenha em mente, ao tomar ciência dos horrores, que algumas pessoas comuns às vezes foram transformadas em “monstros” pela fome. Uma fome induzida pela cruel política dos comunistas soviéticos (e não necessariamente russos; Stálin, por exemplo, era de Gori, na Geórgia).
O capítulo mais duro de se ler do livro de Applebaum talvez seja “Fome: primavera e verão, 1933”.
A fome não começou em 1933, mas intensificou-se nesse ano. A sobrevivente Tetiana Pavlychka, da província de Kiev, disse sobre a irmã Tamara: “Tinha uma barriga grande e inchada, e seu pescoço era longo e fino como o de um pássaro. As pessoas não pareciam gente — assemelhavam se mais a fantasmas famintos”.
Outro sobrevivente contou que sua mãe “parecia uma jarra cheia de água cristalina. Todas a partes de seu corpo à mostra (…) podiam ser perfuradas pelo olhar, como se fosse um saco plástico cheio de água”.
Um homem, igualmente sobrevivente, disse que seu irmão ficava deitado — “vivo, mas completamente inchado, com o corpo brilhante como se fosse de vidro”. As pessoas, de tanta fome, viviam zonzas.
Uma criança, balançando o corpo para a frente e para trás, entoava uma “canção”, à meia-voz: “Comer, comer, comer”. Um homem que a escutou nunca mais a esqueceu.
Convocado para colaborar no confisco de alimentos dos ucranianos, um comunista falou sobre as crianças que encontrou: “Todas iguais: cabeça como se fosse semente pesada, pescoço como o de cegonhas, cada movimento de osso era percebido através da pele de braços e pernas, a pele em si parecia gaze amarelada e enrolada em torno de seus esqueletos. O rosto delas era de gente idosa, exausta, como se já tivessem vivido na terra por uns setenta anos. E seus olhos, meu Deus!”.
Muitos dos famintos tinham escorbuto. “Os acúmulos patológicos de líquidos — edemas — inchavam as pernas das vítimas e sua pele se tornava muito fina, até mesmo transparente. Nadia Malyshko” disse “que sua mãe ‘ficou toda inchada, enfraquecida, e parecia idosa, embora só tivesse 37 anos. Suas pernas brilhavam e a pele rachava’”.
“Os indivíduos com pernas muito gordas, cobertas de feridas, não podiam sentar: ‘Quando um deles sentava, a pele rachava e o líquido começava a escorrer pernas abaixo, o fedor era horroroso e as pessoas sentiam dores insuportáveis’.”.
Applebaum anota que “a barriga das crianças inchava e a cabeça parecia pesada demais para ser sustentada pelo pescoço. Uma mulher recordou-se de ter visto uma menina tão emaciada que ‘era possível ver seu coração batendo por baixo da pele’”.
Trabalhando numa escola, a irmã de Volodymyr Slipchenko “testemunhou crianças morrendo durante as aulas — ‘a criança, sentada em sua carteira, de repente desmaiava e caía’ —, ou no recreio, enquanto brincava sobre a grama do pátio. Muitas morreram enquanto caminhavam, na tentativa de escapar”.
As margens das “estradas que levavam à Donbas ficaram repletas de cadáveres”. “Havia mais corpos que pessoas para recolhê-los”, rememora um sobrevivente.
Vários indivíduos morriam quando estavam comendo. Em 1933, segundo Hryhorii Simia, as pessoas iam para os campos para comer “espiguetas restantes da colheita” e, quando tentavam comê-las, morriam. “O mesmo aconteceu nas filas de pão das cidades: ‘Houve casos de pessoas que conseguiram um pedaço de pão, comeram-no e morreram no ato, exauridas demais pela fome’.”.
Um sobrevivente levou beterrabas para a avó, que comeu duas cruas e cozinhou as demais. “Poucas horas depois, estava morta, pois seu corpo não aguentou a digestão.”.
Havia a “psicose da fome”. “Em função da fome, as psiques dos indivíduos ficaram perturbadas”, disse Petro Boichuk. Pitirim Sorokin “recordou-se de que apenas com uma semana de privação de alimentos, ‘era muito difícil manter a concentração, nem sequer por um minuto, em qualquer coisa que não fosse a fome’”. As pessoas alucinavam.
A fome, que trazia a morte, superava até mesmo os sentimentos familiares. “Uma mulher, que sempre fora gentil e generosa, mudou quando os alimentos começaram a escassear. Ela expulsou a mãe de casa e mandou-a morar com outro parente. (…) ‘Deixe de ser um estorvo para meus filhos’.”.
“Uma mulher afirmou aos vizinhos que, embora fosse sempre possível ter mais filhos, ela só tinha um marido, e queria mantê-lo vivo. Ela então confiscou os alimentos que os filhos pequenos haviam recebido na escola, e as crianças morreram”, narra Applebaum. “Um casal colocou os filhos em um poço fundo e lá os deixou, para não presenciar seus falecimentos. Vizinhos escutaram os gritos de crianças, e elas foram resgatadas e sobreviveram.”.
A sobrevivente Uliana Lytvyn clamou: “Acredite em mim, a fome cria animais irracionais, a partir de seres humanos bons e honestos. O intelecto e a consideração desaparecem, assim como a piedade e a consciência também deixam de existir”. Ela contou que chorava até dormindo.
Miron Dolot declara que “o medo passou a ser nossa constante companhia: havia imenso terror de se ficar sozinho e desamparado diante do monstruoso poder do Estado. (…) Vizinhos foram obrigados a espionar vizinhos”. O Estado totalitário, com sua polícia secreta, a OGPU, estava em ação.
Por causa da fome, tudo mudou. “A sinceridade e a generosidade cultivadas por séculos não existiam mais; sumiram quando os estômagos ficaram vazios”, conta Iaryna Mytsyk. As pessoas, quando tinham alimentos — sempre poucos —, comiam escondidas. Temiam tanto o poder do Estado, que recolhia tudo e com violência, quanto roubos.
Como era preciso sobreviver, às vezes sacrificava-se valores. Em Mariupol, uma garota de 15 anos viu uma fila e pediu nacos de pão àqueles que estavam comprando. O dono da loja bateu na mão da jovem, chamando-a de preguiçosa. Ela caiu e foi chutada. “A menina gemeu, esticou-se toda e morreu. Alguns na fila começaram a chorar. O dono da loja, comunista, notou o choro e ameaçou: ‘Tem gente muito sentimental por aqui. É muito fácil identificar inimigos do povo’”, anotou um habitante do lugar.
Anastasiia Kh, uma criança, comprou “uma fatia de pão” e “correu para casa com o alimento”. No caminho, uma camponesa, com um bebê nos braços, pediu-lhe um pedaço do pão. A menina saiu correndo. “Tão logo virei as costas, a mulher se ajoelhou e faleceu. O medo tomou meu coração, porque parecia que os olhos abertos da mãe me acusavam de ter-lhe negado alimento. Chegaram pessoas e pegaram o bebê, que, mesmo morta, a mulher agarrava firmemente. A imagem daquela mulher estirada me aterrorizou por muito tempo”.
Ante a fome intensa e letal, postula Applebaum, “as regras comuns da moralidade não mais faziam sentido. Roubos de vizinhos, de primos, das fazendas coletivas, dos locais de trabalho tornaram-se corriqueiros”. Crucial era sobreviver.

terça-feira, 4 de junho de 2024

Unesp lança livro de memórias de Rubens Ricupero - Euler de França Belém (Jornal Opção)

 Imperdível!

Unesp lança livro de memórias de Rubens Ricupero

O livro do diplomata e ex-ministro da Fazenda discute o Estado Novo, a Segunda Guerra Mundial, o Plano Real e os governos do PT

O livro “Memórias” (Unesp, 712 páginas), de Rubens Ricupero, custa 144 reais e começa a circular nas livrarias em junho.

A rigor, por não ter lido a obra, não posso avalizá-la. Mas, pelo histórico de Rubens Ricupero, direi que se trata de um livro “imperdível” (ao menos para mim, que me interesso pela história do país). Com a vantagem de que escreve muito bem, com o máximo de clareza e percepção aguda do Brasil e do mundo.

“A Diplomacia na Construção do Brasil — 1750-2023” (Versal Editores, 756 páginas), de Rubens Ricupero, é um excelente livro sobre a história do país. Portanto, não apenas de sua diplomacia.

Então, pode-se esperar muito das memórias do diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.

Nas memórias, de acordo com a editora, Rubens Ricupero, que foi ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco, revela os bastidores da elaboração e da aplicação do Plano Real.

Rubens Ricupero menciona a Segunda Guerra Mundial, definidora do mundo no qual vivemos, o Estado Novo — a ditadura cruenta de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945 — e o golpe civil-militar de 1964. Discute as questões climáticas e analisa os últimos governos, até o terceiro de Lula da Silva, entre 2023 e 2024.

Dado o conhecimento de Rubens Ricupero, além do fato de as memórias serem alentadas, o preço é quase irrelevante. As ideias e a história do ex-ministro valem ouro. Aos 87 anos, ele tem muito o que contar, e, sobretudo, sabe como contar.


quarta-feira, 9 de junho de 2021

Casa Stefan Zweig lança o “Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil” - Euler de França Belém

 Euler de França Belém 

Casa Stefan Zweig lança o “Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil”

Livro cita Ziembinski, Edoardo de Guarnieri, Georges Bernanos, Otto Maria Carpeaux, Frans Krajcberg, Ida Gomes, Berta Loran, Fayga Ostrower, Fritz Oliven, Stefan Zweig

Leitores brasileiros “escalaram” o romance “A Montanha Mágica”, do escritor alemão Thomas Mann (filho de uma brasileira), aprenderam a pensar sobre os tempos modernos com “Massa e Poder”, do filósofo e escritor búlgaro (de expressão alemã) Elias Canetti graças à perícia do tradutor alemão Herbert Moritz Caro e ficaram bem-informados sobre a literatura transnacional devido a competência e ao enciclopedismo do austríaco Otto Maria Carpeaux. O húngaro Paulo Rónai trouxe para o deleite patropi a literatura da Hungria, de outros países e, inclusive, a obra completa do escritor francês Honoré de Balzac. O alemão Anatol Rosenfeld se tornou um crítico notável e um guia cultural seguro, dada sua formação filosófica e literária rigorosa. Stefan Zweig, ao se mudar para o Brasil, notou que se tratava do “país do futuro”. Ante o temer da expansão nazista, se matou no país do fascista Plínio Salgado, em 1942, aos 60 anos. Vários judeus contribuíram para robustecer as artes e a ciência no Brasil.

Stefan Zweig e Lotte, sua mulher: ambos se mataram no Brasil | Foto: Reprodução

Há um livro valioso que conta a história dos que fugiram da serpente nazista para o Brasil, a partir de 1933, quando Adolf Hitler, um austríaco, assumiu o comando da Alemanha, e, surpreendentemente, pela via legal. Trata-se de “Exílio e Literatura — Escritores de Fala Alemã Durante a Época do Nazismo” (Edusp, 291 páginas, tradução de Karola Zimber), de Izabela Maria Furtado Kestler.

Otto Maria Carpeaux: uma ponte da cultura universal que muito beneficiou o leitor brasileiro | Foto: Reprodução

Agora surge um livro que, aparentemente, será igualmente valioso (e mais amplo): “Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil” (Casa Stefan Zweig, 832 páginas), edição de Israel Beloch, com o apoio de Fábio Koifman, Kristina Michaelis e mais de dez pesquisadores.

Paulo Rónai: judeu, perseguido pelo nazismo, veio para o Brasil | Foto: Reprodução

O livro conta a história de 300 pessoas que, para escapar do nazifascismo, fugiram para o Brasil e aqui se destacaram em vários setores.

Ida Gomes: atriz

A obra lista, entre outros, Fayga Ostrower, Fritz Oliven, Stefan Zweig, Nydia Lícia (atriz), Ida Gomes (Ida Szafran, atriz), Berta Loran (atriz), Edoardo de Guarnieri (músico, pai de Gianfrancesco Guarnieri — este chegou ao Brasil com 2 anos de idade e se tornou ator e diretor), Louis Jouvet, Ziembinski (Zbigniew Marian), Georges Bernanos, Otto Maria Carpeaux, Anatol Rosenfeld, Herbert Caro, Frans Krajcberg, Paulo Rónai.

Herbert Caro: tradutor de Thomas Mann e Elias Canetti | Foto: Reprodução

A obra nasce como referência incontornável. Porque, se havia informação dispersa, agora há informações concentradas sobre os refugiados.

Berta Loran: atriz | Foto: Reprodução

O livro, que já está à venda nas livrarias — por 118 reais —, pode abrir as portas para outras obras sobre o tema. Porque, a rigor, muito mais de 300 judeus — e não judeus — fugiram para o Brasil para escapar do totalitarismo nazista.