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terça-feira, 16 de junho de 2020

Itamaraty estende tapete vermelho para monarquistas e olavistas - Jamil Chade (UOL)


COLUNA

JAMIL CHADE

Itamaraty estende tapete vermelho para monarquistas e olavistas
Uol Notícias, 16/06/2020

Nesta terça-feira, o Itamaraty promove uma palestra de Bertrand de Orleans e Bragança. No material de promoção do evento, porém, o convidado é apresentado como "S. A. I. R.". Ou seja, "Sua Alteza Imperial Real", um título que desapareceu no país com a chegada da República, há mais de cem anos.
A palestra com o descendente da família real é mais um encontro numa série promovida pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) - órgão ligado à chancelaria - para avaliar o mundo "pós-pandemia".
Quem acompanhou os debates nas últimas semanas se deparou com revelações importantes. Elas incluem a suposta relação da pauta de meio ambiente e o comunismo, além dos inúmeros outros riscos do marxismo. Também são apresentadas com exaustão as virtudes da aproximação do Brasil com os EUA, assim como a eficiência da cloroquina. A China também faz parte do debate, tanto no que se refere aos seus planos de colonização, assim como a suposta derrocada de sua economia. Os convidados ainda alertam sobre os riscos para a democracia que representam os atuais protestos nas ruas e como, com Deus e soberania, o Ocidente deve ser protegido.
Tampouco faltam convidados que, por videoconferência, se apresentam ao lado de bandeiras da monarquia e símbolos religiosos.
Para prever o futuro, estão sendo convidados personalidades que questionam o papel da ciência na definição de políticas e promovem ataques recorrentes ao sistema internacional. Cada intervenção é concluída por rasgados elogios por parte do mediador do debate, um diplomata próximo ao chanceler Ernesto Araújo.
Há ainda um ponto constante em muitos dos discursos e intervenções: as repetidas referências ao guru do governo, Olavo de Carvalho.
Antes do seminário desta semana com a "alteza imperial", a Funag promoveu há poucos dias um evento com Rafael Nogueira, presidente da Fundação Biblioteca Nacional. Assim como vários outros, ele não fugiu do padrão e usou seu discurso para citar Olavo de Carvalho. Em mais de duas horas e meia, ele questionou inclusive o papel que se atribui ao nacionalismo como um dos motivos da Segunda Guerra Mundial.
O convidado ainda criticou a OMS em sua resposta pela pandemia e alertou que seria "muito perigoso" dar mais poderes para a agência internacional. "A OMS não conseguiu enxergar com antecipação o que estava ocorrendo", disse, sugerindo que a agência tem "financiadores" e "interesses ideológicos".
Ele, apesar do longo discurso, não citou o fato de a OMS ter declarado a emergência global no dia 30 de janeiro e que, por semanas, o presidente Jair Bolsonaro ter insistido em minimizar a crise.

Vírus do comunismo
Nogueira, porém, teve tempo para falar sobre a obra Vírus, do marxista Slavoj Zizek. Coincidência ou não, o livro foi o mesmo usado por Ernesto Araújo, o chanceler, para alertar sobre o risco de um plano comunista que se utilizaria da pandemia para ganhar força.
O moderador do debate, o diplomata Roberto Goidanich, lamentou que a "grande imprensa" não conceda mais espaço para nomes como Nogueira.
A lista de convidados da casa de Rio Branco também incluiu Bernardo Kuster, que se dedicou a criticar a China. No mês passado, ele foi alvo de mandados de busca e apreensão em operação da Polícia Federal no inquérito sobre "fake news". Allan dos Santos, blogueiro também alvo da PF, foi outro nome convidado pelo Itamaraty.
Num outro debate, Leandro Ruschel, do site Conexão Política, alertou que existe uma "instrumentalização da pandemia para inserir toda a agenda de esquerda". "As pessoas estão em cárcere privado", disse. Ele, assim como os demais, atacou a OMS e o multilateralismo. "Governo global é um totalitarismo da pseudo-ciência", afirmou.
Num dos trechos do seminário, Silvio Grimaldo, editor do Brasil Sem Medo, contou como, numa conversa com Olavo de Carvalho, chegou a falar em uma brincadeira no que seria uma "Internacional Nacionalista", com governos como os do Brasil, Japão, Índia e outros pressionando por uma agenda na qual a soberania seria revalorizada.
José Carlos Sepúlveda, do canal Terça Livre, também tomou a palavra para alertar que existe uma ação progressista mundial sendo infiltrada no país. "Estamos assistindo um assalto ao direito à propriedade", disse, alertando para a arbitrariedade das decisões de distanciamento social.

Procurado pela coluna, o diplomata Paulo Roberto de Almeida, ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), apontou que, desde o início do governo Bolsonaro, "a Funag só faz o que o gabinete (de Ernesto Araújo) e Filipe Martins querem, e só convidam olavistas". Em 2019, o embaixador Paulo Roberto de Almeida foi demitido pelo chanceler e, neste mês, publica o livro O Itamaraty num labirinto de sombras.

Outro convidado da Funag em 2020 foi Arthur Weintraub, assessor especial da Presidência da República. Ele é irmão do Ministro da Educação, Abraham Weintraub. Durante o evento, ele sugeriu um novo "tribunal de Nuremberg" para julgar aqueles que se recusaram a dar cloroquina aos pacientes da covid-19, apontando que vidas poderiam ter sido salvas. O tribunal foi criado na Alemanha para julgar os crimes dos nazistas. Na OMS, não existe ainda recomendação para o uso do remédio, enquanto estudos alertam para a falta de evidências de que o produto tenha sua eficácia comprovada.
O debate de mais de duas horas e meia era, oficialmente, sobre a "conjuntura internacional no pós-coronavírus", com Hélio Angotti Neto, diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, e Marcelo Hermes Lima, diretor-presidente da Associação Docentes pela Liberdade.
Mas no centro da fala de Weintraub estava a ameaça que o Brasil e outros países atravessam diante dos protestos e do que ele acredita ser um fortalecimento dos movimentos "globalistas" diante da pandemia.
"Passando o momento da covid, você vê nitidamente que a mídia e a esquerda já estão fugindo do assunto. Agora estão engrenando no próximo discurso, o próximo discurso é a favor da democracia. É sempre pela coisa mais pura e incontestável. Quem pode ser a favor do racismo? Quem pode ser a favor do câncer? Quem pode ser contra a democracia. Então eles são os donos da verdade", disse.
"E eles pegam toda essa miríada de discursos e se apoderam deles. O racismo é deles. Se você disser: sou contra cotas, vão te dizer que você é racista", disse.
"E agora mudou a chave. A chave antes era covid. Eles adquiriram muito poder. Desestabilizaram as economias. Monopolizaram o discurso", destacou.
"Agora, o mundo ocidental, tirando honrosas exceções - a Suécia, por exemplo - caiu de joelhos. Vamos ficar todos em casa. O impacto disso nas futuras gerações, endividamento, quebra de empresa, que se dane", afirmou Weintraub. Na própria Suécia, porém, questionamentos ganham força sobre a estratégia que o país usou.

Risco de vertente ditatorial
Ao final, ao ser questionado sobre onde achava que o Brasil estaria em cinco anos, o assessor de Bolsonaro se disse otimista. "Houve uma mudança forte no Brasil, no sentido conservador", afirmou. Mas alertou que "vão tentar segurar isso", sem explicar quem. "Eu imagino que pode se inclinar para uma vertente mais autocrática ditatorial de esquerda. Eu não gostaria de ter que sair do Brasil", afirmou.
Mas indicou que "se (o Brasil) virar uma grande Venezuela, não da para ficar". "Seremos mortos", disse.
Hélio Angotti Neto, diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, completou a lógica de Weintraub. "Se for por guinada ditatorial, ai é fugir ou morrer", completou.


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Diplomacia alienada de Ernesto Araújo fecha-se em gueto ideológico - Matheus Leitão (Veja)

Uma matéria antiga, mas que eu ainda não havia lido, e por isto reproduzo. O conceito de alienação tem a ver com o jovem Marx, que a usou como todos os jovens hegelianos o faziam na primeira metade do século XIX. Fazia tempo que eu não mais via esse conceito. Usei muito, em meus tempos de colegial e de universidade. Para mim, todo mundo que não era marxista era alienado.
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia alienada de Ernesto Araújo fecha-se em gueto ideológico

Matheus Leitão
Revista Veja, 22/05/2020

https://veja.abril.com.br/blog/matheus-leitao/diplomacia-alienada-de-ernesto-araujo-fecha-se-em-gueto-ideologico/

A diplomacia do governo Jair Bolsonaro tem colecionado derrotas. O fato de os Estados Unidos estarem estudando a suspensão dos voos provenientes do Brasil é apenas o mais claro sinal desse isolamento. Os países vizinhos querem reforçar fronteiras para se protegerem da escalada de casos de coronavírus no país. O Le Monde publicou nesta semana um forte editorial contra o presidente Jair Bolsonaro. Enquanto isso, em seminários virtuais o Itamaraty mostra a dimensão da sua alienação da realidade.
A Fundação Alexandre Gusmão já foi um importante centro de pensamento de política exterior, com discussões de grande pluralidade, mas tem abrigado seminários com convidados irrelevantes e que repetem a mesma ladainha ideológica do chanceler Ernesto Araújo.
A série de palestras, que já chegou à sua terceira edição e caminha para uma quarta, traz, entre os convidados, seguidores de Olavo de Carvalho, um dos gurus da gestão Bolsonaro, além de juristas e blogueiros, entre outras subcelebridades.
O último ciclo de palestras aconteceu nesta segunda-feira, 19, e contou com a participação da juíza de Direito Ludmila Lins Grilo; do diretor de opinião do site Brasil Sem Medo, Bernardo Küster; e do analista político e escritor Flavio Morgenstern.
Eles fizeram duras críticas ao isolamento social para conter a pandemia; condenaram o fato de as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) interferirem nos atos dos administradores públicos; alimentaram teorias conspiratórias sobre o comunismo, ataques cibernéticos, espionagens e sobre a China – país onde começaram os primeiros casos de contaminação do novo coronavírus. Não faltaram, claro, ataques à imprensa.
Ludmila Grilo, em seu perfil no Twitter, se define com uma frase de Olavo de Carvalho (“A coragem nasce do amor ao próximo”). Bernardo Küster incentiva o cancelamento das assinaturas dos veículos de comunicação tradicionais; e Morgenstern já foi condenado a pagar uma indenização de R$ 120 mil ao cantor Caetano Veloso por ter criado a hashtag #CaetanoPedófilo, em 2017, fazendo uma referência à relação de Caetano com a ex-mulher Paula Lavigne, 27 anos mais nova. Ou seja, eles escolhem a dedo para ouvir apenas quem reforças suas idiossincrasias.
Seria só mais um fato bizarro dos muitos do ministro Ernesto Araújo, mas a Fundação sempre teve um papel importante na formação do pensamento dos jovens diplomatas e na formulação da própria política externa.
Em entrevista à coluna, o diplomata Rubens Ricupero destacou um risco que, nesta semana, outros articulistas reforçaram. O país está virando um pária, e a política externa tem excluído o Brasil dos eixos relevantes no mundo. Internamente tem se fechado mais no seu gueto ideológico. Até no regime militar não foi assim. Pelo contrário, chanceleres como Azeredo da Silveira, do período Ernesto Geisel, e Ramiro Saraiva Guerreiro, do período João Figueiredo, ampliaram a influência do Brasil no mundo através da política externa do “pragmatismo responsável”.

sábado, 30 de maio de 2020

Alucinados do bolsovalismo à solta na Funag-MRE - Renato Onofre (FSP)

Os idiotas absolutamente ignorantes em matéria de relações internacionais continuam se pautando pelos alucinados que apitam na política externa, e com isso afundam um pouco mais o já depauperado Itamaraty.
Paulo Roberto de Almeida

Investigado por fake news ataca negócios com a China em seminário no Itamaraty

Na apresentação, foi dito que o Brasil é vítima de neocolonialismo do país asiático e que brasileiro vai acabar aprendendo a comer morcegos

BRASÍLIA
Um ativista bolsonarista alvo da operação policial ordenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) contra fake news atacou negócios com a China em seminário promovido pelo Itamaraty.
Nos debates sobre o mundo pós-pandemia, entraram na mira de participantes organismos internacionais e o “novo normal”.
Segundo um dos debatedores, a China compra portos, setor elétrico e transportes para colonizar o Brasil. “Em breve vamos estar comendo morcegos”, disse o youtuber Bernardo Kuster aos diplomatas.
Além dele, participou do ciclo de seminários virtuais da Funag (Fundação Alexandre de Gusmão) o blogueiro Allan dos Santos, também alvo da Polícia Federal.
Kuster falou na 3ª edição do evento, realizada no dia 19 de maio, uma semana antes de agentes baterem à sua porta. Da sua casa, os policiais saíram com celulares e computadores. O analista conservador descreveu a China como a inimiga de países nacionalistas, como o Brasil.
Kuster disse que discutiu “uma fita” com “um amigo muito versado em geopolítica”. Ele chegou à conclusão de que a China está apostando em uma forma de neocolonialismo para reconquistar poder. O plano, segundo ele implementado pelo dirigente Xi Jinping, teria a ajuda da ONU (Organização das Nações Unidas). O objetivo seria favorecer o domínio chinês no hemisfério Sul.
“A China iria jogar parte de sua economia para fora, comprando portos, fazendo aquisições diretas ou indiretas, para a partir do mercado internacional fazer crescer novamente sua economia e, assim também, colonizar outros países”, disse Kuster.
Entre os planos, ele apontou compras feitas pelos chineses nos setor elétrico, entre outros negócios. Para ele, essas são “novas táticas de guerras”.
“Aqui na cidade onde eu moro, Londrina, os chineses já compraram a Belagrícola, que é uma das maiores empresas da região. Eles já compraram os setores de energia de São Paulo e as questões [no setor] de transportes”, afirmou.
A Funag, que promoveu o seminário, é um órgão de pesquisa e divulgação ligado ao Itamaraty.
Em nota, o ministério minimizou os ataques afirmando que “as opiniões expressadas pelos convidados não devem ser vistas como posições da Funag ou do Ministério das Relações Exteriores”.
Para o Itamaraty, os palestrantes são pessoas “bem informadas e preparadas”.
Não há remuneração aos debatedores, segundo o ministério. As atividades foram todas online.
Ataques à China feitos pela ala ideológica têm preocupado integrantes do governo.
Presidente Jair Bolsonaro com o dirigente chinês Xi Jinping, em outubro de 2019, em Pequim
Presidente Jair Bolsonaro com o dirigente chinês Xi Jinping, em outubro de 2019, em Pequim - Noel Celis/AFP
Após a divulgação da reunião ministerial do dia 22, a ala militar e a equipe econômica passaram a temer uma crise com a potência asiática, que é o principal parceiro comercial do Brasil. No encontro, o país asiático foi criticado por ministros.
De janeiro a abril deste ano, a China comprou US$ 20,9 bilhões em produtos brasileiros. O saldo comercial foi positivo para o Brasil em US$ 9 bilhões.
Com os EUA, segundo maior parceiro comercial do Brasil, houve forte retração nas exportações e no saldo total. As vendas para os americanos somaram US$ 7 bilhões. A balança total foi negativa em US$ 3 bilhões no mesmo período.
Para Kuster, nesse cenário de crise, o país asiático precisa responder pela pandemia. “A China tem certa culpa e precisa ser responsabilizada no futuro. Eles conseguiram desestabilizar o Brasil e outros governos nacionalistas”, afirmou.
O youtuber insinuou haver ligações da OMS (Organização Mundial da Saúde) com o país asiático. “Existe uma série de implicações dessa ligação espúria entre o governo comunista chinês e, ao que tudo indica, a diretoria da OMS.”
O discurso foi construído para culpar o comunismo.
“Se você não é anticomunista, ou você é um isentão que permite que essa coisa prolifere ou então você é cúmplice moral de assassinato em massa”, disse, ao atacar críticas à política externa do Brasil.
Além do youtuber, falaram contra o país asiático outros palestrantes ligados a blogs conservadores como Terça Livre, Conexão Política e Brasil Sem Medo.
Allan dos Santos, do Terça Livre, participou do 4º seminário virtual realizado na terça-feira (26), véspera da ação policial. O blogueiro falou por 24 minutos sobre o “novo normal” pós-pandemia.
Ele afirmou que nenhuma pandemia causou tanto medo, mas minimizou a letalidade da Covid-19 e as formas de contágio.
“Temos visto algumas resoluções espantosas, como bares na Itália onde pessoas usam chapéus de macarrão
—aquele isopor usado na piscina— para poder participar de um momento lúdico como tomar um café com amigos. E todas essas medidas têm endereço específico, que é o ‘new normal’”, disse Santos.
O criador do Terça Livre afirmou que não há um debate público sobre como será o mundo no pós-coronavírus e sugere que há um “um controlador, um juiz, que tem o monopólio da discussão”.
Ele apontou a imprensa como esse ente controlador.
Nos quatro seminários, houve quem comparasse o uso de máscaras a hábitos desenvolvidos em campos de extermínio soviéticos sob a ditadura de Stálin.
Os palestrantes também discutiram as liberdades individuais diante das determinações de estados e municípios, efeitos sociais do isolamento prolongado e tensões entre movimentos políticos nacionalistas e multilateralistas.
Na gestão do chanceler Ernesto Araújo, seguidores e alunos do escritor Olavo de Carvalho tomaram espaços antes reservados nos debates a diplomatas e professores de relações internacionais.
A guinada à direita da Funag foi promovida pelo presidente da instituição, Roberto Goidanich, ministro de segunda classe do Itamaraty. Ele assumiu o órgão em março do ano passado e, desde então, alinhou os debates ao olavismo.
As conferências com atores conservadores começaram em 2019. Elas, porém, ganharam um fôlego renovado durante a pandemia da Covid-19.
A Funag, diz o ministério, busca oferecer à sociedade “uma visão abrangente que possa se somar a outras já amplamente difundidas”.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

A Miséria da Diplomacia e a destruição da Inteligência, no Itamaraty, se estendem à Funag



A situação é tão deprimente, um verdadeiro atentado à inteligência, que transcrevo aqui o último capítulo de meu livro que deverá estar disponível em poucos dias: 

16. Meu ‘manifesto’ diplomático


Na condução de suas atividades, a Fundação Alexandre de Gusmão, do Itamaraty bolsonaristas, se dobrou – como tinha de fazê-lo por subordinação funcional de seu presidente de turno, que se esmera em ser um “soldado, na linha de frente dos combates” contra supostos inimigos do desgoverno do capitão — ao sectarismo doentio dos atuais mandantes da política externa (todos de fora da diplomacia profissional, com a exceção de um chanceler da carreira, mas ventríloquo e sabujo), e à estupidez fundamental que eles expressam, na inépcia que caracteriza a atual orientação diplomática do Brasil.
NUNCA, nem nos tempos do regime militar, se desceu tão baixo na escala da dignidade política e na expressão dos padrões de trabalho do Serviço Exterior brasileiro. O que está ocorrendo atualmente no Itamaraty é um rebaixamento INACEITÁVEL dos valores e princípios que SEMPRE guiaram a nossa política externa e nossa diplomacia, mesmo em momentos difíceis para o exercício de nossos deveres indeclináveis de defesa dos interesses da nação na frente externa.
A autonomia de postura internacional que pautava anteriormente nossa diplomacia e nossa política externa cedeu lugar ao mais vergonhoso servilismo, não simplesmente à poderosa nação hemisférica, mas ao chefe de um governo que encarna a mesma postura de desprezo pelo multilateralismo e pela cooperação internacional, entregue ao mais mesquinho jogo de exclusivismo nacional e de introversão hostil aos demais Estados membros da ONU. O pior, e o mais ridículo ainda, é que o atual governo despreparado do Brasil se esmera em proclamar sua submissão a esse chefe de Estado que proclama abertamente que coloca os interesses exclusivos de sua gestão acima e à parte de qualquer consideração pelos legítimos interesses dos demais membros da comunidade internacional.
Se ouso usar uma expressão forte para caracterizar o que nós, diplomatas profissionais, estamos vivendo, seja na Funag, seja na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, eu claramente usaria o conceito de INFÂMIA. Nenhuma outra palavra descreve melhor a ruptura registrada e imposta a uma das mais importantes instituições de Estado, que deu contribuição inestimável para a construção do Brasil, como aliás expresso no título da obra que já nasceu clássica do embaixador Rubens Ricupero. Infâmia diplomática e degradação da política externa e das relações exteriores do Brasil, num contexto de isolamento internacional inédito e de rebaixamento extraordinário de nossa imagem externa.
Eis o que somos obrigados a suportar, numa fase que é, de longe, não a mais vergonhosa de nossa história institucional (porque ela não tem NENHUM precedente, sendo única numa trajetória de quase 200 anos), mas simplesmente a mais inqualificável por sua indignidade e mediocridade intrínsecas, alienadora de nossa soberania, e destruidora de padrões de conduta profissional e de valores morais que sempre caracterizaram nossa postura enquanto servidores do Estado brasileiro.

Em defesa do verdadeiro Itamaraty
Em 16 de maio de 2020, Rafael Moro Martins, jornalista do The Intercept Brasil, publicou um artigo intitulado “A boçalidade infectou o Itamaraty” (disponível em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-bocalidade-contaminou-o-itamaraty.html). A matéria relata os eventos que estão sendo organizados pela Funag bolsolavista, para os quais apenas representantes medíocres dessa pretensa corrente política são convidados, em total desacordo com os objetivos estatutários da Funag, que são os de estimular pesquisas e debates sobre temas de interessante relevante da política externa e da diplomacia brasileira, em contato e cooperação com a comunidade acadêmica. Mas expresso meu desacordo com a frase final do artigo: “O Itamaraty está doente.”
Não, o Itamaraty não está doente. Quem está doente, ou já era, são aqueles que o levaram a tal situação de prostração intelectual. Todos sabemos quem são, e eles não escaparão do julgamento da História, ou pelo menos da minha história.
Eu diria que o Itamaraty, enquanto corpo profissional de alta qualidade, permanece totalmente imune — digamos, a 99,9% — ao bacilo da estupides e ao vírus da boçalidade olavista. Seus quadros continuam capazes de produzir posições, posturas, subsídios a processos racionais de tomadas de decisão, nos métodos de trabalho e nos padrões de excelente qualidade técnica, que sempre foram os seus ao longo da história.
Os convertidos – mais por oportunismo sabujo, do que por crença verdadeira – ao ataque de boçalidade conduzido conjuntamente (mas de forma descoordenada, como é próprio dos personagens) pelo capitão desmiolado e seu suposto guru expatriado (o Rasputin de subúrbio, o subsofista da Virgínia), são muito poucos na outrora Casa de Rio Branco, talvez dois ou três, no máximo, entre os quais se incluem o chanceler acidental e seu chefe de gabinete. 
Todos os demais diplomatas, ou dão continuidade normal a seus trabalhos, como sempre fizeram, ou permanecem silenciosos, esperando que o pesadelo termine. Alguns resolveram sair, pediram postos ou ficam enclausurados no silêncio.
Eu devo ser o único da ativa que ainda ousa falar abertamente, mas estou no limbo, lotado formalmente na Divisão do Arquivo, onde respondo a um Primeiro Secretário, de onde disparo estes meus petardos, recolhidos em meu “quilombo de resistência intelectual” (à estupidez e à boçalidade), que é o meu blog Diplomatizzando.
Alguns poucos, por vocação bajuladora, e/ou obsessão por promoção, por belos postos ou chefias remuneradoras, se deixam enredar no festival de patetices que emanam do Gabinete, na verdade controlado de fora, por dois ou três malucos, e amadores (pior que aprendizes) em política externa, anteriormente tutelados de longe por uma suposta “ala militar” que tampouco existe.
O Itamaraty de outrora, vibrante, participante, inteligente, converteu-se hoje em terra arrasada, sob o tacão dos ignaros que manipulam o chanceler acidental e seus subordinados.
Essa miséria destruidora da sua inteligência — como intitulei meu livro dedicado a estes tristes tempos, disponível livremente no meu blog — passará um dia, e vamos reconstruir a instituição em sua plenitude intelectual.
Os poucos que colaboraram ativamente na obra insana de desmantelamento de sua institucionalidade sentirão vergonha de terem servido de capatazes aos algozes de um momento, de uma fase que será superada. Eu pelo menos luto por isso, a que me obriga a minha consciência e minha honestidade intelectual.
Estou certo de expressar a opinião da quase totalidade de meus colegas da ativa, atualmente impedidos de se expressar livremente, por força de uma política de intimidação funcional também inédita em nossa trajetória institucional.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8-16 de maio de 2020



sábado, 16 de maio de 2020

A boçalidade infectou o Itamaraty - Rafael Moro Martins (The Intercept Brasil)

Eu só corrigiria o título: não foi o Itamaraty que foi infectado, pois o corpo profissional continua perfeitamente são e funcional. São apenas alguns poucos idiotas que se deixaram dominar pelos malucos que comandam a política externa, e que se colocaram sabujamente a seu serviço.
Corrigiria também o final: o Itamaraty não está doente.
Quem está doente, ou já era, são os que o levaram a tal situação de prostração.
Paulo Roberto de Almeida


Sábado, 16 de maio de 2020

A boçalidade infectou o Itamaraty

"Temos hoje o prazer de contar com três ilustríssimos convidados", anunciou o mediador do debate via internet. "José Carlos Sepúlveda é discípulo do eminente líder católico Plínio Correia de Oliveira, de quem recebeu formação, e um analista político brilhante no canal Terça Livre."
O próximo da lista, direto de Miami, era o tuiteiro Leandro Ruschel, "comentarista dos jornais Conexão Política e Brasil Sem Medo". “Precisamos de mais pessoas [como ele] que mesmo do exterior contribuem para instruir a opinião pública brasileira", adulou o mediador. 
Por fim, Silvio Grimaldo, editor do Brasil Sem Medo, o jornal oficial de Olavo de Carvalho, nas palavras do mediador "uma mídia que oferece uma visão bastante diferente, muito voltada à realidade, à verdade". Recém lançado, o Brasil sem Medo engrossou as fileiras dos espalhadores de desinformação, mentindo ao afirmar, por exemplo, que o coronavírus não aumentou em nada o número de mortes por causa respiratória no Brasil.
Não era um evento privado com a nata do terraplanismo, mas o segundo seminário virtual sobre a conjuntura internacional no pós-coronavírus, promovido pela Fundação Alexandre de Gusmão. Conhecida no meio diplomático pela sigla Funag, é uma "fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores", criada em 1971 para promover atividades, pesquisas e estudos sobre relações internacionais. 
Nada disso deu as caras durante as duas horas e 45 minutos do debate que o ministro de segunda classe Roberto Goidanich, atual presidente da Funag, mediou na última terça-feira à noite e que tive o desprazer de assistir para contar a vocês na newsletter do TIB. Houve generosas doses do que se poderia esperar: mentiras, teorias da conspiração e pouco caso com os 12.400 mortos oficiais pela covid-19 que o Brasil contava àquela altura. 
"O superdimensionamento da crise do coronavírus é baseado em modelos matemáticos futuros, semelhantes aos usados para espalhar o caos climático", bradou Sepúlveda, um português radicado no Brasil desde a década de 1970 que foi protegido do fundador da Tradição, Família e Propriedade, a TFP, braço ultra-reacionário do catolicismo. "[Diziam que] Veríamos mortos nas ruas", zombou.
" A ciência nunca vai poder decidir o que é melhor para nós mesmos. Pedem mil provas da eficácia da hidroxicloroquina mas nenhuma do isolamento social", concordou Ruschel, um dublê de economista que passa o dia defendendo Bolsonaro no Twitter. 
Olavo não apareceu. Mas um único post dele no Twitter, minutos antes do debate, deu um resumo do que se ouviria. Natural: a Funag se tornou uma difusora do pensamento do guru ideológico do bolsonarismo.


O Itamaraty escancarou suas portas a Olavo de Carvalho com a nomeação de Ernesto Araújo. "Ele é mais um entre vários [do governo] que não tinha espaço entre os grandes em sua área, como Paulo Guedes, Abraham Weintraub. O que o garante no cargo é o fato de ser discípulo fiel de Olavo de Carvalho", me disse Guilherme Casarões, professor da FGV e pesquisador de política externa.
"Como depende do olavismo para existir como figura pública, Ernesto precisa dar palanque e amplificar a voz dele. A Funag é usada não só para  legitimar ideias estapafúrdias mas também para cacifar pessoas que até ontem não tinham a menor relevância", prosseguiu Casarões. É, como já se falou, a vingança dos ressentidos.
Araújo foi uma escolha de Eduardo Bolsonaro e de Filipe Martins, o assessor de Jair para assuntos internacionais cujo maior predicado é ter sido aluno de Olavo de Carvalho. Martins foi o primeiro da turma a ser convidado para proferir um seminário na Funag – falou sobre o que chama de globalismo, em maio passado.
Desde então, um compilado de nomes desconhecidos até a ascensão da extrema-direita falou perante plateias de diplomatas e na internet – todos os seminários são transmitidos e ficam disponíveis num canal no YouTube.
Seguiram-se eventos parecidos com gente como os influenciadores Flávio Morgenstern (condenado a pagar R$ 120 mil a Caetano Veloso por promover um linchamento público no Twitter, acusando o cantor de pedofilia) e Alexandre Costa (autor de livros que batem George Soros e sociedades secretas no liquidificador para fazer panfletagem terra-planista), a juíza Ludmila Lins Grilo (que garante haver uma conspiração de colegas ativistas a favor do globalismo), o professor de direito Evandro Pontes (auto-denominado “tio careca”) e a deputada federal Chris Tonietto, do PSL fluminense, para quem “o meio ambiente também não pode ser tratado como se fosse Deus”. 
Tido como funcionário correto no Itamaraty até ser guindado por Araújo ao comando da Funag, Goidanich se proclama um "soldado da atual política externa", me contou o embaixador Paulo Roberto de Almeida. "Ele é alguém que se prestou a ser um serviçal do chanceler acidental, que por sua vez é serviçal dos malucos que mandam na política externa", resumiu.
"Ele engajou a Funag numa guerra cultural contra o que veem como uma ameaça que é o que se chama de globalismo", me falou um embaixador que ocupa um cargo importante no Itamaraty, pedindo sigilo.
"Está em busca de promoção, por isso estará alinhado com qualquer coisa que o ministro solicitar da instituição", resumiu um outro diplomata que é próximo ao setor militar e também prefere não se identificar por medo de represálias. 
No debate de terça passada, Grimaldo fez questão de agradecer "também ao ministro Ernesto Araújo pelo convite". Mas Goidanich pareceu à vontade no papel de bajulador de gente que usa o Itamaraty para ganhar a relevância que jamais teria por conta própria.
Quem não acredita tem uma nova chance de conferir nesta terça, dia 19, para quando está marcada uma nova rodada – a terceira – do seminário sobre a conjuntura pós-coronavírus. Os debatedores da vez são mais do mesmo: o condenado Morgenstern (seu sobrenome verdadeiro é Azambuja), a juíza Grilo e o youtuber Bernardo Küster, que costuma reproduzir mentiras como a que afirma categoricamente que "o parlamento francês legalizou a pedofilia".
Eu pedi comentários a respeito dos eventos olavistas ao Itamaraty. Não recebi nada até fechar este texto. Enquanto isso, as baboseiras e mentiras com o selo da Funag seguem à disposição no YouTube. 
"Espero que o espectador não encare visão dos nossos convidados como as da Funag ou do Itamaraty", despistou Goianich, ao final do debate de terça passada, antes de mandar a real. "Mas os supostos especialistas defendem ideias globalistas e este tipo de ideia [olavista] não tem muito espaço. Agradeço canais que reproduzem nossos debates. O objetivo é disseminar o conhecimento." 
Foi prontamente atendido. As teorias da conspiração, na versão 2020, vão com chancela do Itamaraty, emporcalham a imagem do Barão do Rio Branco e atiram na privada o bom trabalho de décadas que tornou a diplomacia brasileira respeitada e influente no mundo. 

O Itamaraty está doente.


Rafael Moro Martins
Editor Contribuinte Sênior