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quinta-feira, 21 de maio de 2020

A Miséria da Diplomacia e a destruição da Inteligência, no Itamaraty, se estendem à Funag



A situação é tão deprimente, um verdadeiro atentado à inteligência, que transcrevo aqui o último capítulo de meu livro que deverá estar disponível em poucos dias: 

16. Meu ‘manifesto’ diplomático


Na condução de suas atividades, a Fundação Alexandre de Gusmão, do Itamaraty bolsonaristas, se dobrou – como tinha de fazê-lo por subordinação funcional de seu presidente de turno, que se esmera em ser um “soldado, na linha de frente dos combates” contra supostos inimigos do desgoverno do capitão — ao sectarismo doentio dos atuais mandantes da política externa (todos de fora da diplomacia profissional, com a exceção de um chanceler da carreira, mas ventríloquo e sabujo), e à estupidez fundamental que eles expressam, na inépcia que caracteriza a atual orientação diplomática do Brasil.
NUNCA, nem nos tempos do regime militar, se desceu tão baixo na escala da dignidade política e na expressão dos padrões de trabalho do Serviço Exterior brasileiro. O que está ocorrendo atualmente no Itamaraty é um rebaixamento INACEITÁVEL dos valores e princípios que SEMPRE guiaram a nossa política externa e nossa diplomacia, mesmo em momentos difíceis para o exercício de nossos deveres indeclináveis de defesa dos interesses da nação na frente externa.
A autonomia de postura internacional que pautava anteriormente nossa diplomacia e nossa política externa cedeu lugar ao mais vergonhoso servilismo, não simplesmente à poderosa nação hemisférica, mas ao chefe de um governo que encarna a mesma postura de desprezo pelo multilateralismo e pela cooperação internacional, entregue ao mais mesquinho jogo de exclusivismo nacional e de introversão hostil aos demais Estados membros da ONU. O pior, e o mais ridículo ainda, é que o atual governo despreparado do Brasil se esmera em proclamar sua submissão a esse chefe de Estado que proclama abertamente que coloca os interesses exclusivos de sua gestão acima e à parte de qualquer consideração pelos legítimos interesses dos demais membros da comunidade internacional.
Se ouso usar uma expressão forte para caracterizar o que nós, diplomatas profissionais, estamos vivendo, seja na Funag, seja na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, eu claramente usaria o conceito de INFÂMIA. Nenhuma outra palavra descreve melhor a ruptura registrada e imposta a uma das mais importantes instituições de Estado, que deu contribuição inestimável para a construção do Brasil, como aliás expresso no título da obra que já nasceu clássica do embaixador Rubens Ricupero. Infâmia diplomática e degradação da política externa e das relações exteriores do Brasil, num contexto de isolamento internacional inédito e de rebaixamento extraordinário de nossa imagem externa.
Eis o que somos obrigados a suportar, numa fase que é, de longe, não a mais vergonhosa de nossa história institucional (porque ela não tem NENHUM precedente, sendo única numa trajetória de quase 200 anos), mas simplesmente a mais inqualificável por sua indignidade e mediocridade intrínsecas, alienadora de nossa soberania, e destruidora de padrões de conduta profissional e de valores morais que sempre caracterizaram nossa postura enquanto servidores do Estado brasileiro.

Em defesa do verdadeiro Itamaraty
Em 16 de maio de 2020, Rafael Moro Martins, jornalista do The Intercept Brasil, publicou um artigo intitulado “A boçalidade infectou o Itamaraty” (disponível em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-bocalidade-contaminou-o-itamaraty.html). A matéria relata os eventos que estão sendo organizados pela Funag bolsolavista, para os quais apenas representantes medíocres dessa pretensa corrente política são convidados, em total desacordo com os objetivos estatutários da Funag, que são os de estimular pesquisas e debates sobre temas de interessante relevante da política externa e da diplomacia brasileira, em contato e cooperação com a comunidade acadêmica. Mas expresso meu desacordo com a frase final do artigo: “O Itamaraty está doente.”
Não, o Itamaraty não está doente. Quem está doente, ou já era, são aqueles que o levaram a tal situação de prostração intelectual. Todos sabemos quem são, e eles não escaparão do julgamento da História, ou pelo menos da minha história.
Eu diria que o Itamaraty, enquanto corpo profissional de alta qualidade, permanece totalmente imune — digamos, a 99,9% — ao bacilo da estupides e ao vírus da boçalidade olavista. Seus quadros continuam capazes de produzir posições, posturas, subsídios a processos racionais de tomadas de decisão, nos métodos de trabalho e nos padrões de excelente qualidade técnica, que sempre foram os seus ao longo da história.
Os convertidos – mais por oportunismo sabujo, do que por crença verdadeira – ao ataque de boçalidade conduzido conjuntamente (mas de forma descoordenada, como é próprio dos personagens) pelo capitão desmiolado e seu suposto guru expatriado (o Rasputin de subúrbio, o subsofista da Virgínia), são muito poucos na outrora Casa de Rio Branco, talvez dois ou três, no máximo, entre os quais se incluem o chanceler acidental e seu chefe de gabinete. 
Todos os demais diplomatas, ou dão continuidade normal a seus trabalhos, como sempre fizeram, ou permanecem silenciosos, esperando que o pesadelo termine. Alguns resolveram sair, pediram postos ou ficam enclausurados no silêncio.
Eu devo ser o único da ativa que ainda ousa falar abertamente, mas estou no limbo, lotado formalmente na Divisão do Arquivo, onde respondo a um Primeiro Secretário, de onde disparo estes meus petardos, recolhidos em meu “quilombo de resistência intelectual” (à estupidez e à boçalidade), que é o meu blog Diplomatizzando.
Alguns poucos, por vocação bajuladora, e/ou obsessão por promoção, por belos postos ou chefias remuneradoras, se deixam enredar no festival de patetices que emanam do Gabinete, na verdade controlado de fora, por dois ou três malucos, e amadores (pior que aprendizes) em política externa, anteriormente tutelados de longe por uma suposta “ala militar” que tampouco existe.
O Itamaraty de outrora, vibrante, participante, inteligente, converteu-se hoje em terra arrasada, sob o tacão dos ignaros que manipulam o chanceler acidental e seus subordinados.
Essa miséria destruidora da sua inteligência — como intitulei meu livro dedicado a estes tristes tempos, disponível livremente no meu blog — passará um dia, e vamos reconstruir a instituição em sua plenitude intelectual.
Os poucos que colaboraram ativamente na obra insana de desmantelamento de sua institucionalidade sentirão vergonha de terem servido de capatazes aos algozes de um momento, de uma fase que será superada. Eu pelo menos luto por isso, a que me obriga a minha consciência e minha honestidade intelectual.
Estou certo de expressar a opinião da quase totalidade de meus colegas da ativa, atualmente impedidos de se expressar livremente, por força de uma política de intimidação funcional também inédita em nossa trajetória institucional.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8-16 de maio de 2020



sexta-feira, 6 de março de 2020

Como se destrói a inteligência de um país - Kent Harrington

Inteligência aqui significa mesmo a comunidade de informações, mas as práticas de Trump podem ser generalizadas para outros setores, uma realidade que também se manifesta em outros países.

Trump’s Great Purge
US President Donald Trump has unleashed another round of personnel changes in the intelligence community, replacing career national-security officials with unqualified toadies. With the White House's war on intelligence agencies taking its toll, those who remain are likely to be intimidated into submission.
Kent Harrington
Project Syndicate, 5.3.2020

Atlanta -  After nearly four years of inveighing against the US intelligence officials and analysts who revealed Russia’s meddling in the 2016 US presidential election, Donald Trump is finally acting fully on his paranoia by carrying out a purge. The recent defenestration of top US national-security officials may come as a shock to Americans, but it is no surprise to the Russians. For months, the joke making the rounds in Moscow goes that if Trump would only fire his spy chiefs, he could get his intelligence directly from the source: Russian President Vladimir Putin.
Among those ousted by Trump in the past month were the acting director of national intelligence, Admiral Joseph Maguire, and his deputy. But the removal of senior officials isn’t the most important part of the story. What matters most is that Trump wants to send a message to the intelligence community’s rank and file, which has consistently given the lie to his groundless claims about issues ranging from the North Korean nuclear program to climate change. Trump wants to intimidate US intelligence professionals into submission, and he might just succeed.
There is no question that Trump’s latest round of firings qualify as a “purge.” His interim choice to replace Maguire, Richard Grenell, who had been the US ambassador to Germany, is a notorious Trump sycophant with no intelligence experience. Grenell will happily play to the Oval Office’s audience of one. He has already ordered his own minions to start investigating alleged conspiracies among the intelligence officials who uncovered Russia’s election interference, and to pore over personnel files in search of those who may not be sufficiently loyal to Trump.
With the 2020 presidential election approaching, it isn’t hard to see Trump’s motive. In December, intelligence officials avoided the public portion of their annual threat briefing to Congress, following hearings a year earlier in which they provoked Trump’s wrath by contradicting him on almost every major national-security issue. The message from that episode was clear: Trump wants an executive suite staffed by servile appointees who will muzzle the intelligence agencies throughout the 2020 presidential campaign season. If Grenell does his job and completes the purge, Trump’s new DNI nominee should be able to sail through the Senate confirmation process with an innocent smile.
That nominee will be Republican US Representative John Ratcliffe, another consummate Trump toady. Ratcliffe’s attacks on Special Counsel Robert Mueller during the congressional hearings into the Russia investigation led Trump to pick him for the DNI job last summer. But revelations that Ratcliffe had inflated his resumé to make up for his lack of intelligence experience torpedoed his nomination, with even Senate Republicans admitting that loyalty to Trump is not a sufficient qualification for the job. Now the Senate will be faced with choosing between Ratcliffe and Grenell.
Ratcliffe’s history of shameless pandering suggests that, like Grenell, he will politicize intelligence whenever Trump demands. The intelligence community’s job is to deliver facts and nonpartisan analysis to the president, top policymakers, and military commanders, regardless of their stated policy preferences. But Trump has made many efforts to suppress or discredit intelligence he doesn’t like, and he is now likely to do so with abandon.
Both Republicans and Democrats have already raised alarms about the White House’s meddling in critical intelligence activities. In January, Adam Schiff, the Democratic chairman of the House Intelligence Committee, warned that the Trump administration was pressuring intelligence agencies to withhold information on Ukraine from congressional oversight. And in the Senate, an intelligence briefing to explain the imminent threat that supposedly justified the targeted killing of Iranian Quds Force commander Qassem Suleimani in January was met with bipartisan criticism over what looked like White House misrepresentations.
To be sure, presidents have every right to give intelligence agencies new directives and to remove officials for failures or missteps. After the disastrous Bay of Pigs invasion in 1961, President John F. Kennedy installed an intelligence-community outsider, John McCone, at the helm of the CIA. And after the Iran-Contra scandal implicated CIA Director William J. Casey, President Ronald Reagan tapped William H. Webster, a former FBI director, to replace him. Nonetheless, until Trump, no president has so blatantly put his own political fortunes ahead of the country’s security by discrediting the very agencies charged with its defense.
Indeed, not even a president as ethically challenged as Richard Nixon has come close to Trump’s war on intelligence. Under pressure from the Watergate scandal, Nixon, in February 1973, appointed James R. Schlesinger to replace Richard Helms as CIA director, because the latter had refused to go along with the coverup. Upon arrival, Schlesinger downsized the agency, forcing out hundreds of experienced officers and unsettling the rank and file. But he never questioned the agency’s loyalty or discredited its work. Moreover, unlike Grenell and Ratcliffe, Schlesinger, who later served as secretary of defense, at least had national-security credentials.
Trump’s ceaseless attacks and installation of political apparatchiks at the top of the intelligence community has undoubtedly taken its toll on morale. US spies and intelligence analysts are trained to do their jobs with integrity and to take risks in the field. They are there to provide independent, nonpartisan information and analysis in the service of the country’s security. By ignoring their findings, denigrating their work, and hunting for signs of disloyalty, Trump’s actions have jeopardized that mission.
So far, the intelligence community’s leaders have said little about the damage that Trump has wrought. The most charitable explanation of their silence is that they are protecting the mission by keeping their heads down. That may be true. But at some point, silence becomes indistinguishable from complicity, particularly when those who are most responsible for the success of the mission are targeted by purges and bogus investigations. When those who should be receiving accolades are getting the boot, something has gone very wrong.

Kent Harrington, a former senior CIA analyst, served as National Intelligence Officer for East Asia, Chief of Station in Asia, and the CIA’s Director of Public Affairs.